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Diversidade cultural em sala de aula: representações docentes sobre os saberes e experiências de alunos

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Academic year: 2017

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KÁTIA REGINA DA SILVA

DIVERSIDADE CULTURAL EM SALA DE AULA:

Representações docentes sobre os saberes e experiências de alunos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação da

Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Educação, área de concentração em Ensino e Aprendizagem.

Orientadora: Professora Doutora Jacira da Silva Câmara

Brasília

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação defendida e aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação, da Universidade Católica de Brasília, defendida e aprovada em 05/12/2007 pela banca examinadora constituída por:

_______________________________________________ Professora Doutora Jacira da Silva Câmara

Orientadora

_______________________________________________ Prof. Dr. Geraldo Caliman

_______________________________________________ Prof Dr. Ivan Rocha Neto

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AGRADECIMENTOS

À Professora Jacira Câmara, orientadora dedicada e generosa, que ao longo do processo de orientação contribuiu para minha formação acadêmica e pessoal.

Ao Profº Dr. Geraldo Caliman, por suas valiosas intervenções no período de qualificação do projeto de pesquisa, e participação na Banca de Defesa.

Ao Profº Dr. Ivan Rocha Neto, pela participação e importantes contribuições na Banca de Defesa.

À Antonio Disney, pelo apoio fundamental e decisivo, para o ingresso e permanência no programa de mestrado.

À Jorge Luís, companheiro de todos os momentos importantes de minha vida. Desde 1989, incentivando, ajudando, ouvindo, somando e dividindo.

À minha filha, Jamile, sempre compreensiva e solidária.

Aos meus irmãos, que sempre contribuíram em minha formação.

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A árvore que não dá frutos É xingada de estéril. Quem examina o solo?

O galho que quebra É xingado de podre, mas Não havia neve sobre ele?

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RESUMO

A pesquisa teve como tema a análise das representações dos/as professores/as sobre os saberes e comportamentos de alunos/as provenientes de camadas populares e as implicações destas representações na prática pedagógica. Os dados foram coletados utilizando-se como instrumentos a observação em sala de aula e entrevistas semi-estruturadas com professores/as de duas escolas públicas municipais de ensino fundamental, de um bairro de periferia do município de Marabá – Pará. Os resultados da pesquisa apontaram que a origem sócio-econômica dos/as aluno/as foi associada, pelos/as professores/as, à dificuldade na aprendizagem e ao comportamento considerado inadequado das crianças. A falta de limites no comportamento e o fracasso escolar foram outros aspectos ligados às condições socioeconômicas dos/as alunos/as. Crianças provenientes de famílias ditas “mais organizadas” são consideradas educadas, respeitosas, usam linguajar “adequado” e têm melhores perspectivas de sucesso escolar. As representações dos/as professores/as sugerem uma desvalorização das práticas e conhecimentos de origem popular. Os conhecimentos adquiridos no ambiente sócio cultural das crianças são desvalorizados o que revela uma concepção fundada na teoria da carência cultural, ou seja, a escola e professores/as relacionam o fracasso escolar com a família e o meio social da criança eximindo-se da responsabilidade com a aprendizagem do/a aluno/a.

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ABSTRACT

The research had as subject the analysis of the representations of the teachers on knowing and behaviors of pupils proceeding from popular layers and the implications of these representations in practice pedagogic. The data had been collected using as instruments the observation in classroom and interviews half-structuralized with teachers of two municipal public schools of basic education, from the periphery of Marabá city. The results of the research had pointed that teachers associated the partner-economic origin of the pupils to the difficulty of learning and to the inadequate behavior of the children, considered as such. The lack of limits in the behavior and the failure pertaining to school had been other aspects linked to the economic and social conditions of the pupils. Children proceeding from families said "more organized" are considered educated, respectful, use an "adequate" speaking and have better perspectives of pertaining to school success. The representations of the teachers suggest a depreciation of practical and the knowledge of popular origin. The knowledge acquired in the surrounding cultural partner of the children are devaluated what it discloses a conception established in the theory of the cultural lack, or either, the school and professors relate the failure pertaining to school with the family and the social environment of the child, exempting themselves of the responsibility with the learning of the pupil.

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SUMÁRIO

RESUMO

INTRUDUÇÃO...09

CAPÍTULO I - A DIVERSIDADE CULTURAL SOB A ÓTICA DOS/AS PROFESSORES/AS...12

1.1 - Objetivos ....14

1.2 - Procedimentos metodológicos ...14

1.2.1 – Abordagem da pesquisa e instrumentos utilizados...14

1.2.2 – Participantes ...15

- Características gerais das escolas e dos/as professores/as ...15

1.2.3 – Coleta dos dados ...18

CAPÍTULO II - REVISÃO DA LITERATURA ...20

2.1 - Cultura...20

2.2 - Multiculturalismo e Escola...23

2.3 - Diversidade Cultural e Escola...28

2.4 - Currículo e Diversidade Cultural...35

2.5 - Formação do/a Professor/a e Diversidade Cultural...38

2.6 – Relações na Escola ...43

2.7 - Representações Sociais...51

CAPÍTULO III – REPRESENTAÇOES DOS/AS PROFESSORES/AS SOBRE ALUNOS/AS PROVENIENTES DE CAMADAS POPULARES ...54

3.1 – Análise das Observações ...55

3.1.1 - Aspecto físico e organizacional do ambiente das salas de aula..55

3.1.2 - Características dos/as alunos/as ...57

3.1.3 - Relação Aluno/a X Aluno/a ...59

3.1.4 - Relação Professor/a X Alunos/as ...60

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3.1.5.2 - Acompanhamento aos/às alunos/as na realização

das atividades ...68

3.2 – Análise das Entrevistas ...69

3.2.1- Dados gerais dos/as entrevistados/as...69

3.2.2 - O que pensam os/as professores/as sobre os/as alunos/as provenientes de camadas populares ...71

3.2.2.1 - Caracterização dos/as alunos/as pelos/as professores/as...71

3.2.2.2 - O comportamento dos/as alunos/as na escola...77

3.2.2.3 - A linguagem oral dos/as alunos/as...83

3.2.2.4 - As relações do/a aluno/a na escola ...86

3.2.3 - Percepção do professor sobre sua prática pedagógica ...92

3.2.3.1 - Atividades desenvolvidas pelos professores...92

3.2.3.2 - Organização do ambiente de sala de aula ...99

3.2.3.3 - Critérios para a seleção dos conteúdos ...101

3.2.4 - Fatores que interferem no rendimento dos alunos e a percepção do professor sobre sucesso e fracasso escolar ...103

3.2.5 - Percepção dos professores sobre as famílias dos alunos ...111

CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...116

REFERÊNCIAS ...127

ANEXOS Anexo A - Roteiro das observações ...137

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INTRODUÇÃO

As pesquisas educacionais recentes que têm por foco a investigação das manifestações das diferenças culturais no ambiente escolar indicam que há uma inter-relação entre cultura e educação (CANEN 2001, CANDAU, 2003, SILVA, 2002, SOUZA, 2000, FORQUIN, 1993), ainda porque, não se pode negar que a sociedade é diversa, é multicultural, e a escola está culturalmente situada.

Concorrendo com o fato de que a temática cultura e educação é hoje um evidenciado objeto de investigação teórica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998), definem como uma das prioridades nas propostas pedagógicas da escola o reconhecimento e a valorização das diversas culturas existentes no contexto escolar.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) e Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), o tema da pluralidade cultural figura como conteúdo a ser trabalhado pelos/as professores/as em sala de aula. Mesmo considerando as críticas ao tema da pluralidade cultural como tema transversal, tal como é exposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais1, são importantes as ações propostas que visam a contribuir para a preparação dos/as professores/as e à implementação de iniciativas para tornar a diversidade cultural um tema de reflexão e trabalho, com o objetivo de fazer da escola espaço de convivência e respeito às diferentes culturas presentes em nossa sociedade.

Tais preocupações eclodem num instante histórico em que a violência, a intolerância, os choques inter-culturais, a fome, as desigualdades econômicas e as desigualdades sociais têm aumentado a cada dia. Neste contexto cultural e economicamente adverso a prática do/a professor/a não pode se centrar apenas em formas de aquisição de conhecimentos e informação, sustentam as teses mais críticas da pedagogia multicultural. Embora a aprendizagem de conteúdos seja um importante objetivo da educação formal, a prática do/a professor/a precisa voltar-se também à construção de valores como o respeito às diferenças, a valorização dos conhecimentos, experiências e cultura do outro em um embate ativo contra todas as formas de preconceitos e discriminações (CÂMARA, 2001).

1

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As instituições educacionais, tais como Ministério da Educação e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, gradualmente passam a expor estas preocupações em manifestações teóricas e práticas formativas no sentido de garantir aos/as professores/as condições de aprofundar seus conhecimentos e reconstruir suas concepções quanto à diversidade cultural. O objetivo é que os/as docentes insiram em sua prática pedagógica o tema pluralidade cultural para trazer para a sala de aula questões problemáticas como a tolerância, o respeito, o combate às discriminações, o combate ao racismo, o combate ao sexismo, entre outros.

É fato recente e positivo que institucionalmente o tema da diversidade cultural começa a ganhar espaço nas mentes dos gestores da educação nos diversos níveis administrativos-educacionais do país. Em um plano internacional esta temática é pauta das reformulações curriculares desde os anos oitenta (a exemplo da França, Estados Unidos da América e Inglaterra).

Partindo do pressuposto de que não há diferenças impeditivas de aprendizagem nas capacidades cognitivas, da maioria das crianças ditas normais, busca-se respostas para as diferenças nos desempenhos escolares, principalmente de crianças provenientes de camadas populares as quais têm sido vítimas do fracasso escolar.

Vários estudos (CANEN 2001, PERRENOUD 2001, PATTO 1996), indicam que há relação entre as representações docentes e o fracasso ou sucesso escolar. Sendo as representações do/a professor/a elemento orientador de sua ação, pode-se afirmar que tais representações constituem-se em um dos fatores intervenientes no resultado da atuação do/a professore/a em sala de aula, logo, têm efeitos sobre o desempenho escolar dos/as alunos/as. Este é um dos motivos de se investigar as representações que os/as professores/as de duas escolas de periferia da cidade de Marabá – Pará, fazem de seus/as alunos/as provenientes de camadas populares.

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O segundo capítulo foi destinado à revisão da literatura. Neste capítulo apresenta-se o marco teórico que fundamenta a pesquisa e as principais categorias trabalhadas no decorrer da investigação. Temas como a convivência e a divergência no universo escolar, questões relacionadas ao multiculturalismo, cultura e diversidade cultural são apresentados e relacionados ao currículo vigente nas escolas brasileiras. As discussões sobre estas temáticas são expostas de maneira a se compreender as mais recentes pesquisas, e provocar uma reflexão sobre a necessidade de se desenvolver um currículo multicultural, dada a sociedade plural em que vivemos. Ainda neste capítulo apresenta-se uma abordagem sobre a formação do/a professor/a e a diversidade cultural, encerrando com uma reflexão sobre a relação entre os/as alunos/as provenientes de camadas populares, a escola e as representações sociais dos/as professores.

O capítulo III foi destinado aos resultados, análise e discussão dos dados. São apresentadas as concepções dos/as professores/as sobre alunos/as provenientes de camadas populares a partir da sistematização dos dados coletados, além da discussão dos resultados fundamentados no referencial teórico deste trabalho.

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CAPÍTULO I

A DIVERSIDADE CULTURAL SOB A ÓTICA DOS/ASPROFESSORES/AS

A pesquisa educacional vem abrindo caminho para o estudo do multiculturalismo no processo educacional. A crítica mais destacada tem revelado que a própria escola, suas práticas e o currículo, em grande parte, atuam como reprodutores de mecanismos estigmatizantes, excludentes e negadores da diversidade.

A escola é uma instituição integrante da sociedade e, em parte, produto de suas interações e conflitos, e desta forma não está imune às “imperfeições” da sociedade moderna. Segundo Bourdieu (2005) a escola tem papel de reprodutora, é a escola “que – sob as aparências da equidade formal – sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo que as legitima” (p. 58).

Porém, por seu conteúdo formador, a escola e a atividade docente ainda são espaços de potencialidades transformadoras importantíssimas. Torna-se óbvio que despido de romantismo ou do idealismo dos potenciais transformadores sob a responsabilidade da educação, a relação e interação no ambiente formal de uma sala de aula é complexo, difícil, adverso e conflituoso. Chocam-se incessantemente culturas inter-relacionais entre alunos/as, entre alunos/as e professores e entre a “cultura da escola” (cultura hegemônica) e a cultura popular (dos alunos de camadas pobres da população).

A pesquisa nasce da necessidade de evidenciar como os/as professores/as percebem as manifestações culturais dos/as seus alunos/as no cotidiano escolar. O respeito a “diversidade cultural” está formulado nos documentos oficiais da educação, mas quais serão as percepções dos/as professores/as sobre esta temática? E como ele/a manifesta e expressa esta concepção no cotidiano docente?

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sobre o insucesso escolar autores como Silva (1995), Silva e Moreira (1995), Candau (2002), Sacristan (2001), Canen (1998), Perrenoud (2001), entre outros, apresentam resultados de pesquisas estabelecendo relação entre origem socioeconômica e fracasso escolar. Desta forma, torna-se importante investigar a concepção dos/as professores/as sobre diversidade cultural e como atuam diante a presença desta diversidade na escola.

O que é manifesto pelos/as professores/as sobre os “diferentes”, os distantes da cultura escolar? Geralmente alunos/as com resultados positivos na escola são percebidos pelo professor/a de maneira também positiva, ou seja, este/a aluno/a é concebido ou caracterizado como portador de valores aprovados por este professor/a, como obediência, respeito, passividade, assiduidade, humildade, dentre outros. Tais valores também coincidem com o que é tradicionalmente aprovado pelo padrão eleito pelas classes dominantes.

Por outro lado, aqueles que fracassam na escola são qualificados de forma negativa: preguiçosos, irrequietos, desobedientes, não virtuosos. Estas afirmações se constituem motivos para investigar a percepção que o/a professor/a tem dos elementos culturais dos seus/as alunos/as.

Para o educador Paulo Freire, “ensinar exige respeito aos saberes do educando” (1996, p. 33). Muitos pesquisadores têm-se voltado para a questão do respeito aos saberes do/a educando/a e valorização de sua cultura. Casassus (2000) afirma que crianças provenientes de meio socioeconômico desfavorecido, de uma cultura popular diferente da cultura da escola têm mais risco de fracassar na escola do que crianças provenientes de famílias e grupos sociais favorecidos economicamente.

O objeto desta investigação diz respeito à conflituosidade entre universos culturais distintos (cultura popular dos/as alunos/as e cultura hegemônica da escola). Desta forma como indagação central pretendeu-se investigar: quais as representações do/a professor/a sobre os/as alunos/as provenientes de camadas populares, e como estes alunos são tratados na prática pedagógica dos professores?

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professor/a descreve o/a aluno/a ideal? Este/a aluno/a ideal se parece com seus/as alunos/as reais? Como o/a professor/a reage diante da linguagem do/a aluno/a? As atividades desenvolvidas em sala de aula refletem aspectos das percepções do/a professor/a sobre a diversidade cultural de seus alunos? Como os/as professores/as lidam com os saberes e práticas de alunos/as de diferentes culturas?

Estas questões se constituíram base para a elaboração dos objetivos a serem perseguidos pela pesquisa.

1.1 - Objetivos

O Objetivo Geral da pesquisa foi analisar as representações dos/as

professores/as sobre os saberes e comportamentos de alunos/as provenientes de camadas populares e as implicações na prática pedagógica. Tal objetivo desdobrou-se em três objetivos específicos, quais sejam: investigar as

representações dos professores em relação às manifestações dos alunos provenientes de culturas populares; identificar práticas pedagógicas desenvolvidas na sala de aula que atendam aos saberes e comportamentos dos/as alunos/as de culturas populares; e, investigar as relações interpessoais entre professor/a e alunos/as e alunos/as e alunos/as em sala de aula, considerando a diversidade cultural existente.

1.2 - Procedimentos metodológicos

1.2.1 – Abordagem da pesquisa e instrumentos utilizados

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adequado para se estudar os fenômenos humanos e sociais, pois para estudar um problema deve-se considerar a dinamicidade, o movimento dialético que existe na produção do conhecimento.

Entende-se que esse tipo de pesquisa contribui para a análise e entendimento das relações sociais no contexto geral, mais especificamente, no educacional. Contrariando uma análise positivista que coloca a necessidade de neutralidade do pesquisador, uma pesquisa qualitativa enseja a melhor compreensão da realidade da educação, pois estando o/a pesquisador/a integrado ao ambiente estudado, será o principal responsável pela coleta e análise final dos resultados obtidos (id.ibid.)

Neste estudo de natureza exploratória foi utilizado o método do estudo de caso, que segundo Gil (1994, p. 78) “é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”. Para conhecer o objeto, nesta opção metodológica considerou-se o contexto das ações, comportamentos, percepções das pessoas pesquisadas. O estudo de caso não pretende que a realidade seja única e verdadeira, procura representar as diferentes perspectivas presentes na realidade investigada.

1.2.2 – Participantes

O universo concreto pesquisado limitou-se a professores/as de duas escolas municipais de Ensino Fundamental de 1ª. a 4ª séries da cidade de Marabá - PA, situadas em bairros de periferia. Estas escolas atendem predominantemente crianças de camadas populares.

Especificamente participaram da pesquisa treze professores/as das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental. Como critério de escolha das escolas considerou-se: a clientela atendida pelas escolas constituída, em sua maioria, por crianças de camadas populares; os/as professores/as das escolas não morarem no bairro da escola. Além de ambas as escolas terem sido receptivas ao trabalho de investigação.

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As escolas onde trabalhavam os/as professores/as participantes da pesquisa situam-se em bairros de periferia de Marabá, em áreas onde a maioria dos aluno/as é proveniente de população de baixa renda. Os dados são do ano letivo de 2006 e referem-se aos aspectos físicos, da organização e funcionamento das escolas. As informações foram fornecidas pelas diretoras e coordenadoras pedagógicas das duas escolas.

As escolas “A” e “B” funcionavam, no ano letivo de 2006, com 18 turmas de Ensino Fundamental Regular, em dois turnos, matutino e vespertino. As classes eram distribuídas em 4 turmas de 1º. ano do 1º. ciclo; 4 turmas de 2º. ano do 1º. Ciclo; 5 turmas de 3º. ano do 1º. Ciclo; 2 turmas de 1º. ano do 2º. Ciclo; e, 03 turmas de 2º. ano do 2º. Ciclo. O mínimo de 25 aluno/as por sala é determinado pela Secretaria Municipal de Educação, entretanto, a média de alunos por sala de aula era de 30 alunos/as.

Em uma das escolas funcionavam classes de reintegração2, uma classe de alfabetização, e 2 turmas do PETI3 (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) no período diurno, e na outra escola classes de Educação de Jovens e Adultos no período noturno, modalidades de ensino não considerados neste estudo.

A escola “A” teve um percentual de 6,97% de evasão e de 4,29% de repetência, e a escola “B”, percentual de 14,4% de evasão e 5,4% de repetência no ano letivo de 2006. Embora pareçam pequenos os percentuais de repetência nas escolas, o sistema de ciclos, adotado pela Secretaria Municipal de Educação de Marabá, não prevê retenção no 1º e 2º ano do 1º. Ciclo, e no 1º. Ano do 2º ciclo. A retenção é considerada quando os/as alunos/as não possuem o conhecimento mínimo necessário para cursar o ciclo seguinte, ocorrendo somente no 3º. ano do 1º. Ciclo e no 2º ano do 2º. Ciclo. Desta forma o percentual de repetência das escolas é calculado sobre o número total de alunos das escolas, mas refere-se somente às classes de 3º do 1º ciclo, e 2º ano do 2º ciclo, ou seja, apenas 06 turmas no total de 18 turmas somadas as duas escolas “A” e “B”.

As escolas somavam 14 professores/as no Ensino Fundamental regular. Deste total apenas uma professora não possuía carga horária semanal de 40

2 Classe destinada aos/as alunos/as que ficaram retidos ao final de cada ciclo. O objetivo é ajudar os/as alunos/as a avançar em seus estudos e diminuir a defasagem idade-série.

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horas como professora regente em sala de aula. Somente uma professora não participou da pesquisa porque se afastou do trabalho por motivos de saúde no período da pesquisa, a professora substituta era novata na profissão e não conhecia os/as alunos/as da escola, concluiu-se que ela não teria muitas informações a acrescentar neste estudo.

A maioria dos/as professores/as destas escolas utilizam transporte coletivo urbano para chegar à escola. Onze professores/as moram em bairros distantes da escola, um se locomove com uma moto até a escola, outra de bicicleta e os demais de ônibus. Três professores/as moram no bairro, ou nas proximidades da escola e o meio de locomoção usado era ônibus, bicicleta, ou a pé.

O quadro de funcionários da escola é montado pela equipe da Secretaria Municipal de Educação. As diretoras informam e solicitam o preenchimento de vagas e a Secretaria de Educação envia o funcionário para fazer parte do quadro de pessoal da escola. Se houver disponibilidade de vagas e algum profissional desejar trocar de local de trabalho a lotação é permitida. A equipe pedagógica da escola não escolhe nem tampouco recusa quaisquer profissionais que são encaminhados ao seu quadro.

Em 2006 as escolas liberavam os/as alunos/as de um turno de aula, uma vez por mês, para realizarem as reuniões pedagógicas. O chamado “Horário Pedagógico” (HP), consistia em reuniões dos/as professores/as com a coordenadora pedagógica para planejamento, orientação e acompanhamento do trabalho do/a professor/a.

O quadro de professores/as era composto por professores concursados no serviço público municipal, com exceção de uma professora contratada como substituta. O quadro de funcionários das escolas era composto por 01 diretora; 1 coordenadora pedagógica; uma secretária e auxiliares de secretaria; e, agentes de serviços gerais. Todos os funcionários eram concursados.

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dois blocos de sala de aula, dispostos de forma retangular, paralelos, ligados na extremidade pela secretaria e pela diretoria.

A Escola “B” é construída em alvenaria, murada, coberta de telhas de barro, todas as dependências são forradas, porém necessitando de manutenção e reforma. De todas as dependências da escola somente uma sala foi recentemente construída, com tamanho adequado, as demais salas eram pequenas e pouco arejadas. Ao todo eram cinco salas de aula, sendo que uma era utilizada como sala dos/as professores/as. A cozinha era muito pequena, a secretaria e diretoria funcionavam em um cômodo muito pequeno e não havia depósito para a merenda escolar. Havia um banheiro feminino e outro masculino, ambos em precárias condições de funcionamento.

1.2.3 – Coleta dos dados

A coleta de dados foi realizada com a utilização das técnicas de observação e entrevista semi-estruturada, assinalados como formas importantes de coleta de dados em pesquisas qualitativas por Ludke e André (1986).

Do total de treze professores, oito foram observados em sala de aula. As observações antecederam as entrevistas para que as perguntas das entrevistas não influenciassem nas atitudes dos/as professores/as a serem observados/as. As observações das aulas, ministradas pelos/as professores/as, foram orientadas por um roteiro contendo questões visando obter informações que atendessem aos objetivos estabelecidos, e o registro foi feito através de anotações.

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas individualmente com todos os/as professores/as participantes da pesquisa. As entrevistas foram realizadas seguindo-se um roteiro previamente elaborado, foram gravadas e transcritas. Com as entrevistas pretendeu-se evidenciar as percepções apresentadas pelos/as professores/as, complementar as informações obtidas por meio das observações, e ter elementos para analisar se as práticas pedagógicas desenvolvidas com os/as alunos/as correspondem com as informações dadas pelos/as professores/as durante as entrevistas.

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CAPÍTULO II

REVISÃO DA LITERATURA

2.1 – Cultura

O debate sobre multiculturalismo, sobre a convivência e a divergência de diversas culturas, nos remete à reflexão sobre cultura. Hall (1997), afirma que há, hoje, uma “centralidade da cultura”. Está-se diante de uma revolução cultural, a cultura penetra na vida cotidiana, algo fundamental que determina a forma e o caráter do movimento da vida cotidiana, tem um lugar central na formação de identidades.

Hall (2003) relaciona as identidades culturais aos pertencimentos étnicos, raciais, lingüísticos, religiosos e nacionais. Entretanto, para Hall, as identidades, hoje, já não são fixas e estáveis, elas se interconectam e se fragmentam produzindo novas identidades culturais.

Segundo Moreira e Candau (2003), há uma valorização da cultura no mundo atual, tanto que os pós-modernos chegam a considerar tudo como cultural. Candau (2002, p. 72), afirma que a cultura é “um estruturante profundo de todo grupo social”. A autora aduz que cultura é tudo que é produzido pelo ser humano e pode também ser entendida como um sistema de símbolos, como código, como sistema de comunicação.

Em Faundez e Freire (1985, p. 34) cultura são todas as manifestações humanas do cotidiano. São nestas manifestações culturais “que se dá o essencial: o descobrimento da diferença”. Como complementa Candau (2002), dentro de uma mesma sociedade coexistem diversos grupos culturais que se hibridizam, interpenetram se diversificam nas diferenças e nas possibilidades de coexistências de diferenças culturais, por isso há a complexidade, heterogeneidade, historicidade e dinamicidade das culturas.

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se referem e se destinam o processo de ensino e aprendizagem. Considera o educador que,

Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se). Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar métodos educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem a condição de objeto. Assim, a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto. Pela ausência de uma análise do meio cultural, corre-se o perigo de realizar uma educação pré-fabricada, portanto, inoperante, que não está adaptada ao homem concreto a que se destina”. (FREIRE, p. 33)

Santomé (2002) retoma a reflexão de Paulo Freire pelo fato premente da necessidade dos “conteúdos culturais” precisar serem inseridos numa escola que pretende-se cidadã e democrática. Cumpre, segundo Santomé, dar voz às culturas silenciadas no ensino escolar pela cultura dominante, as chamada “culturas negadas” e rejeitadas pela escola (culturas dos jovens, cultura popular, etnias minoritárias, mundo feminino, o mundo rural e litorâneo, entre outras).

Para Mclaren (1997) o conceito de cultura é fundamental para qualquer “entendimento de pedagogia crítica”, embora seja importante frisar que “as pessoas não habitam culturas ou classes sociais”. Porém “vivem relações de classe ou de cultura, algumas das quais podem ser dominantes e outras subordinadas” (MCLAREN, 1997, p. 205). As questões culturais, continua o autor,

possibilitam o reconhecimento de quem detém o poder, como este se reproduz e manifesta-se “nas relações sociais que ligam a escolarização à grande ordem social” (ibid idem). Pois, os indivíduos expressam suas culturas segundo relações

de poder, dependendo do quanto o seu grupo é capaz de exercer poder na ordem social.

Mclaren (1997) define cultura como “um conjunto de práticas, ideologias e valores dos quais diferentes grupos dispõem para darem sentido ao mundo” (em

itálico no original). O autor salienta as três categorias conceituais de cultura: cultura dominante (cultura mãe), cultura subordinada e subcultura:

Cultura dominante referem-se às práticas e representações sociais que afirmam valores, interesses e preocupações centrais da classe social que controla a riqueza material e simbólica da sociedade. Os grupos que vivem relações

sociais em subordinação à cultura dominante fazem parte da cultura subordinada. O grupo da subcultura pode ser descrito como um subconjunto

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Mclaren analisa o universo escolar estadunidense e desnuda as relações fundantes da desigualdade reproduzida nas escolas. Para tanto o autor utiliza o conceito de capital cultural, popularizado por Bordieu, onde capital cultural refere-se “à formulação cultural geral, conhecimento, disposição e habilidades que são passadas de geração em geração” (MCLAREN, 1997, p. 223, 224). Neste sentido aduz o autor que os estudantes da classe trabalhadora aprendem códigos lingüísticos restritos enquanto os da classe média usam códigos lingüísticos mais elaborados, sendo estes últimos mais valorizados pela escola. Em resumo a escola premia e privilegia o capital cultural dominante e desconfia, desvaloriza e reprime o capital cultural dos estudantes menos favorecidos.

Contudo, as percepções conceituais e conclusivas sobre culturas e sua influência sobre o ensino escolar não se convergem. Alguns autores como Patto (1996) apresentam críticas às teorias e a autores que preconizam que o fracasso escolar de crianças provenientes de classes populares é conseqüência de a escola pública ter currículo elitista, baseado na cultura da classe média. A autora diverge das idéias daqueles que defendem que o professor deseja encontrar em sala de aula um/a aluno/a ideal, por isso não sabe como lidar com o/a aluno/a real, principalmente os/as provenientes de famílias pobres. Discorda também com outros que pressupõem que, por não serem os/as alunos/as parecidos/as com o ideal, os/as professores/as os/as discriminam por desconhecerem seus padrões culturais.

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As críticas apresentadas por Patto são pertinentes. Deve-se ter cuidados na utilização acrítica dos resultados de pesquisas que apontem a distância

cultural entre a cultura da escola e a cultura das crianças e o conceito que os/as professores/as fazem destes alunos/as, como os responsáveis pelo fracasso escolar das crianças provenientes de camadas populares.

Todavia, tais críticas, mais do que fazer que se deixe de utilizar este referencial teórico, é um alerta: nenhuma teoria é completa ou permite uma apreensão da realidade em toda a sua complexidade. São explicações possíveis e provisórias à espera de novas pesquisas, mais investigações para aprofundamento da discussão e proposição de abordagens teóricas explicativas mais completas.

Em que pese as considerações da autora, considera-se que o currículo da escola oculta uma forma de preconceito em relação às culturas diversas à cultura da elite. É importante, pois, estabelecer de forma transparente a relação entre desigualdades no âmbito escolar e desigualdade sócio-econômica. Conforme Mclaren (1997):

O capital cultural reflete o capital material e o substitui como uma forma de moeda simbólica que entra no sistema de trocas da escola. O capital cultural simboliza, portanto, uma força produtiva na reprodução de relações sociais sob o capitalismo. Sendo assim, o desempenho acadêmico não representa competência individual ou falta de capacidade dos estudantes desprivilegiados,

mas depreciação da escola pelo seu capital cultural. O resultado final é que os

credenciais acadêmicos da escola permanecem indissoluvelmente ligados a um sistema injusto de trocas do capital cultural, que é eventualmente transformado em capital econômico, pois estudantes da classe trabalhadora têm menores

possibilidades de conseguir emprego com altos salários” (itálico no original) (Maclaren, 1997, p. 224).

Portanto, é coerente concordar com as constatações vivenciadas, analisadas e defendias por Mclaren que aponta que o capital cultural parece ser um importante vetor da manifestação e medida do sistema de fracasso e sucesso, aprovação e reprovação, mérito e demérito, predominantes na escola.

2.2 - Multiculturalismo e Escola

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diminui-se a autonomia das tradições locais, a empresa cultural absorve e expropria particularidades étnicas e as massificam no mercado cultural, as inovações estéticas trocam os museus e livros pela mídia eletrônica, pelo entretenimento musical e pela moda (CANCLINI, 2006). Contudo, este implemento de mudanças traz seu reverso contraditório, ao segregar e produzir desigualdades estimula reações as mais diversas, dentre as quais, as reivindicações multiculturais que ganham cada vez mais espaço de debates.

É neste contexto que as diferenças e identidades sociais dos grupos se evidenciam. Por exemplo, na evidência de reação de resistência diante da homogeneização, reações por direito à diferença. Semprini (1999, p. 40), identifica na sociedade americana – o que de certa forma é válido para análise destes aspectos da sociedade brasileira - as reivindicações multiculturais ou multiculturalismo como “o indicador de uma mudança social de grande importância” conseqüência da “perda de referenciais por parte de numerosos grupos sociais”. Para o autor,

Enquanto aspiração a uma melhor e mais equilibrada consideração das diferenças, o multiculturalismo é a conseqüência de uma mistura social muito maior, do questionamento radical dos limites impostos, das fronteiras e divisões próprias da sociedade americana (1999, p. 40).

Pode-se dizer que só recentemente, com as transformações impostas pela globalização, se impôs em pauta dos círculos acadêmicos da pesquisa educacional, de forma definitiva, os embates sobre as diferenças culturais e multiculturalismo na escola. Silva (1995, p. 7), fala em explosão de estudos culturais na produção científico-pedagógica da atualidade, Giroux (2002, p. 85), por outro lado, critica a falta de estudos culturais nas faculdades de educação e na reforma educacional. Para Candau,

A perspectiva multicultural na abordagem da dinâmica pedagógica constitui uma preocupação recente a nível internacional. A origem desta corrente pedagógica pode ser situada aproximadamente há 40 anos, nos Estados Unidos, a partir de movimentos de pressão e reivindicação de minorias étnico-culturais, principalmente negras. Também entre nós vem crescendo, principalmente nos anos 80 e 90 uma nova consciência das diferentes culturas presentes no tecido social brasileiro e um forte questionamento do mito da “democracia racial” (2002, p. 09).

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forma alguma de uma abordagem com propósitos políticos, ou seja, circunscrevem uma escolha, uma opção segundo parâmetros de uma concepção de sociedade desejada. Uma “educação multicultural” não se concebe “separada dos contextos das lutas de grupos culturalmente dominados, que buscam modificar, por meio de suas ações, a lógica pela qual, na sociedade, os significados são atribuídos” (Canen, 2002, p. 21). Para Candau (2002) temas como multiculturalismo, globalização, manifestações culturais, exclusão social, etc., configuram os novos cenários presentes na sociedade contemporânea e, portanto, a educação não pode ignorar tal realidade, posto que os impactos destas mudanças no cotidiano escolar são evidentes.

O contexto onde estes impactos se materializam é multicultural, heterogêneo. E cabe também à escola, evidencia Canen, responder a esta realidade cultural diversa, ou seja, contextualizar e “compreender a produção das diferenças” (2001, p. 21).

Segundo Candau, considerada a dimensão multicultural da educação, alguns desafios se colocam, quais sejam:

...buscar modalidades de práticas pedagógicas que possibilitem a convergência de dois movimentos em curso e à primeira vista bastante contraditórios (...): de um lado, a afirmação de um processo de globalização, de mundialização tanto em termos econômicos como culturais de maneira cada vez mais irreversível; de outro, as explosões, no plano mundial, de movimentos identitários sejam eles de cunho nacionalista e/ou étnico-culturais. (2002, p. 25)

Estas preocupações devem estar presentes se quisermos dar respostas a questões intrigantes, como: que tipo de cidadão a escola pretende formar? Que identidades reforçar e combater? Como lidar no cotidiano docente com a diversidade identitária? Como enfim, trabalhar as diversidades culturais num mundo em que cada vez mais elas se evidenciam e revela faces monoculturais hegemônicas do currículo e suas relações com a cultura e globalização, (CANEN, 2001).

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transnacional global”. No entanto, a definição e uso do conceito não são pacíficos, é um campo de constantes lutas políticas.

Segundo Santos (2004, p. 25), o multiculturalismo baseia-se “no reconhecimento da diferença e no direito à diferença e da coexistência ou construção de uma vida em comum para além de diferenças de vários tipos”. O autor toma “multiculturalismo como um projeto” que designa as diferenças culturais, assumindo conteúdo e “direção emancipatória” que reconheça as diferenças e coexistência, assente no reconhecimento e construção da cidadania, na redução das desigualdades sociais e econômicas bem como preconiza a inclusão. Continua Santos,

A idéia de movimento, de articulação de diferenças, de emergência de configurações culturais baseadas em contribuições de experiências e de histórias distintas tem levado a explorar as possibilidades emancipatórias do multiculturalismo, alimentando os debates e iniciativas sobre novas definições de direitos, de identidades, de justiça e de cidadania. (SANTOS, 2004, p. 25).

Para Semprini (1999), a idéia de diferença, dos direitos das minorias e reconhecimento das identidades, está no cerne do multiculturalismo. Para o autor a diferença “é uma realidade concreta, um processo humano e social, que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo histórico” (SEMPRINI, 1999, p. 11). Analisando os conflitos multiculturais na sociedade americana, o autor informa que o multiculturalismo coloca questões mais fundamentais a toda sociedade contemporânea as quais são frutos da crise da “modernidade”.

Diferenças e identidades, igualdade e justiça, relativismo e universalismo, racionalismo e subjetividade, cidadania, ética, direito... estes termos nos são familiares. São as categorias mesmas do projeto moderno em seu conjunto que estão passando por uma crise. Mais que um desafio social e político, mais que um desafio teórico e filosófico, trata-se de um verdadeiro desafio de civilização que nos é lançado pelo multiculturalismo (1999, p. 173).

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Estas visões herdeiras do cartesianismo, ou decorrentes de uma visão fragmentada do pensamento, reducionista, mecânica e linear também estão presentes na educação hodierna em todo o mundo. Para Moraes (1997, p. 22) “Parte da problemática educacional da atualidade decorre da visão de mundo cartesiana, do sistema de valores que lhe está subjacente, de correntes psicológicas que muito influenciam e que continuam influenciando a educação”.

Já nos anos oitenta Capra (1981, p. 14), propunha uma visão ecológica do mundo, uma visão “holística da realidade” e uma percepção “sistêmica da vida” como pressuposto da quebra do paradigma clássico.

Partindo destas premissas o eurocentrismo passa a ser objeto de profunda revisão e amplas discussões no que se refere às suas conseqüências para a humanidade atual. Daí novos construtos desdobrarem-se nas novas concepções em franca ruptura com os modelos eurocêntricos das ciências e construção de novos paradigmas.

O multiculturalismo aqui enfocado presume a noção includente-plural e não binária-excludente que nega e obscurece o outro, só assim pode ser humanamente emancipatório. Nesta perspectiva emancipatória revisitada por Santos o multiculturalismo seria, em síntese, o reconhecimento da “diferença e da coexistência” necessárias a uma nova concepção de cidadania (SANTOS, 2004, p. 25).

Para Santos (1999) o ocidentalismo eurocêntrico, numa obstinação pela homogeneização e universalismo de seus pressupostos hegemônicos, tem sufocado várias construções divergentes presentes na pluralidade de culturas humanas, bem como as tem relegado ao esquecimento e amordaçado as diferenças. A acentuação dos processos de globalização tem intensificado a padronização cultural enquanto que estrangula, exclui, coage e cancela manifestações culturais rivais.

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Esta concepção dualista também herdeira do maniqueísmo colonial, bárbaro/civilizado, tem se sustentado em muitas práticas sociais a despeito da crescente superação e emancipação de povos, etnias, raças, grupos e minorias sócio-política e economicamente excluídas. Há, neste tempo de globalização e mudanças intensas, um acirramento de diferenças imposto pelas trocas interculturais que se intensificam e expandem-se e que em maior ou menor grau denotam e desnudam as desigualdades, por um lado, mas também, propulsionam movimentos de impulsão à realização da igualdade com reconhecimento e respeito às diferenças, por outro. São instantes de tensão, os quais, segundo Santos (2004, p. 19), “estão no centro das lutas de movimentos e iniciativas emancipatórios”.

No universo escolar estes problemas são evidentes. Embora o lugar investigado, neste trabalho, seja o âmbito de escalas locais, conflitos acerca de questões envolvendo cultura e classes populares, racismo, sexismo, discriminação, portadores de necessidades especiais, se manifestam e às vezes explodem violentamente.

O multiculturalismo numa perspectiva emancipatória, neste universo de atuação escolar conflitivo que pretenda produzir a igualdade, deve atender ao interesse dos menos favorecidos e promover a participatividade, a não discriminação, a inclusão, enfim a emancipação humana. Porém, ainda não se pode considerar que esta perspectiva esteja presente nos currículos das escolas e nas práticas dos programas de formação docente (MOREIRA & CANDAU, 2003).

2.3 - Diversidade Cultural e Escola

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brasileiras. Fatores que contribuíram fortemente para o aumento da demanda por vagas na escola brasileira, que por sua vez, provocou um contínuo aumento da oferta.

Ao final da década de 90 o Ensino Fundamental brasileiro é considerado universalizado à população com idade entre 7 e 14 anos (idade prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 9394/96 como obrigação do Estado em garantir o direito ao ensino gratuito). Entretanto, o crescente aumento da presença da população de camadas populares na escola não foi acompanhado de mudanças na estrutura organizacional, do modelo de ensino e de escola até então vigentes, esta continuou baseada em um modelo de escola para uma minoria, segundo Mello (2004).

A universalização do acesso à escola garantiu o direito de acesso à escolarização. Entretanto, a manutenção do currículo elaborado para um grupo homogêneo, de elite, tornou-se fator de desigualdade e de fracasso para os/as alunos/as de camadas populares. A cultura escolar histórica e tradicionalmente preparada para a educação das elites, baseia-se em um currículo hegemônico, que nas palavras de Connell é...

historicamente derivado das práticas educacionais de homens europeus de classe alta. Ele tornou-se dominante nos sistemas de educação de massa durante os últimos cento e cinqüenta anos, na medida em que os representantes políticos dos poderosos conseguiram marginalizar outras experiências e outras formas de organizar o conhecimento. (2005, p. 28).

Com a universalização do acesso ao ensino, e conseqüente aumento da heterogeneidade dentro das escolas, aliado a manutenção de um currículo elitista, os/as alunos/as provenientes das camadas desfavorecidas da população chegam à escola, entretanto não apresentam o mesmo desempenho escolar que os/as alunos/as provenientes de famílias de elite. Connell (2005), a partir da educação estadunidense, diagnostica que os sistemas educacionais modernos causaram o fracasso escolar das crianças pobres e que mesmo diante do “acesso igualitário” o fracasso persiste em todas as partes do mundo.

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disposições promovidos principalmente pela família, pelo capital cultural das crianças ao ingressarem na escola.

Ao chegar à escola as crianças provenientes de famílias populares enfrenta dificuldades em suas experiências escolares decorrentes de possuírem “maneiras de falar, atuar e socializar-se, assim como práticas de linguagem, valores e estilos de vestuário e comportamento” (MCLAREN, 1997, p. 223) diferentes dos

valorizados pela escola. Há um comprometimento da escola em transmitir a cultura aristocrática, uma desvalorização dos conhecimentos e saberes considerados técnicos em favor dos saberes intelectuais. O/a aluno/a proveniente de famílias populares dependem mais da escola para adquirir os conhecimentos por ela valorizados e transmitidos, do que os/as alunos/as vindos de famílias de elite. Segundo Bourdieu (2005, p. 55),

A cultura da elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças originárias de um meio pequeno burguês (ou, a fortiori, camponês e operários) não podem

adquirir, senão penosamente, o que é herdado pelos filhos das classes cultivadas.

Desconsiderando as diferenças de capital cultural, tratando todas os/as alunos/as como iguais em direitos e deveres, e dedicando tratamento pedagógico idêntico na transmissão dos conteúdos e na avaliação dos/as alunos/as, a escola mantém as desigualdades iniciais e reforça o discurso do dom. Justifica-se, desta forma, as diferenciações no rendimento escolar entre alunos/as provenientes de meios sociais e culturais diversos.

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura. (BOURDIEU, 2005, p. 53)

Considerar a heterogeneidade significa pensar nos hábitos, costumes e saberes diferenciados que os/as alunos/as trazem de sua vivência cotidiana. Significa pensar em como trabalhar com a diferença entre os/as alunos/as, sem torná-la elemento de desigualdade que favorece apenas uma parcela dos/as alunos/as, como na afirmação de Sacristan (2002, p. 14),

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nome da diversificação, não estejamos contribuindo para manter ou provocar a desigualdade. As políticas e as práticas a favor da igualdade podem anular a diversidade; as práticas que estimulam a diversidade talvez consigam em certos casos manter, mascarar e fomentar algumas desigualdades.

Diferente da escola do passado que surgiu como a instituição responsável em transmitir “a cultura” produzida pela humanidade, condizente com o ideário moderno que privilegiava uma visão monocultural. Com a crescente heterogeneidade presente na escola, ela passa agora ou deveria passar a ser um local privilegiado de diversos entrelaces, “cruzamentos, conflitos e diálogos de diferentes culturas”, ou seja, lidar com a “pluralidade de culturas”, como argumentam Moreira e Candau (2003, p. 160).

Traduzida para a realidade educacional, a diversidade cultural pode ser considerada, em síntese, a diversidade de culturas presentes no universo da escola (MOREIRA & CANDAU, 2003). Dentro do ambiente escolar significa considerar as diversas experiências de vida dos/as educandos/as, como participantes de culturas diferenciadas em sua condição de crianças, pobres, negros, brancos, mestiços, trabalhadores, mulheres, homens.

Expoentes da pesquisa educacional tentam explicitar esta diversidade cultural inegável, onde as diferenças reivindicam conflitiva e incessantemente o reconhecimento frente a certos preceitos considerados gerais e universais. Em outras palavras, um dos debates mais instigantes hoje, no universo escolar, refere-se aos embates entre teses universalistas e o relativismo das culturas.

Para Forquin (1993), o conteúdo que se transmite na educação formal tem sempre uma contingência cultural, ou “algo da cultura, elementos da cultura, entre

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produto de um processo perpétuo de mutação e decantação, sendo suporte de memória e obra de memória, e revestido de uma conotação sagrada (objeto por vezes de admiração, sempre de respeito), ele se distingue da cultura no sentido descritivo e científico, do qual, no entanto, permanece inseparável. Mas a cultura assim compreendida, como herança coletiva, patrimônio intelectual e espiritual, pode deixar-se encerrar completamente dentro de fronteiras das nações ou dos limites das comunidades particulares? Ao lado da ênfase pluralista e diferencialista, até mesmo nacionalista da palavra cultura (...) deve-se conceder um espaço, no vocabulário atual da educação, à noção universalista e unitária de “cultura humana’, isto é, à idéia de que o essencial daquilo que a educação transmite (...) por toda a parte, transcende necessariamente as fronteiras entre grupos humanos e os particularismos mentais e advém de uma memória comum e de um destino comum de toda a humanidade (1993, p. 12).

É fato que a compreensão dos processos e práticas educativas não prescinde do reconhecimento de que alunos/as de diferentes meios sociais são portadores de certas características culturais que irão influenciar suas respostas às exigências da escola e que a compreensão das práticas educacionais supõe a consideração também das características culturais dos próprios professores (FORQUIN, 1993). Mas a escola moderna, afirma, é “uma instituição universalista por excelência”, a cultura escolar é dotada de generalidade, portanto cabe a ela “transmitir saberes públicos”, controlados, selecionados de acesso geral a todos, independente de particularismos (FORQUIN, 2000, p. 07).

Há, segundo Forquin uma tensão permanente entre cultura escolar (conteúdos universais) e “demandas da vida” (demanda cultural subjetiva). Há na prática pedagógica uma possibilidade de tratarmos algumas disciplinas com conteúdos particulares, locais, porém, esta característica não pode cair no relativismo extremo de negar o universalismo de outros campos de conhecimentos (ciências universais), ou mesmo os conteúdos culturais (relativos) se sobreporem de modo privilegiado sobre conteúdos universais (transcendentais).

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educação, lembra Forquin, repousa “sobre um princípio de preferência e discriminação”.

Neste sentido o autor critica a tese de que as desigualdades escolares decorrem da “seleção cultural” do conteúdo transmitido pela escola.

Uma reflexão de maior alcance sobre os conteúdos e os cursos, conduz, antes, a sublinhar, de um lado, a especificidade relativa da cultura escolar como cultura didatizada, objeto e apoio das aprendizagens sistemáticas com finalidade formadora; de outro lado, a inscrição desta cultura num horizonte de racionalidade e de universalidade que transcende os interesses momentâneos, as tradições específicas e as postulações arbitrárias de grupos sociais (ou nacionais) particulares (FORQUIN, 1993, p. 172).

Forquin conclui que sempre há aquisições essenciais da cultura humana que merecem e podem ser comunicadas a todos. Para ele, tanto quanto para Bourdieu (2005), o papel da educação, seja a educação ampla como a restrita ao domínio escolar, é o de transmitir cultura, não de uma única cultura ou de culturas, mas sim elementos de cultura selecionados pela sociedade para serem transmitidos às novas gerações. Pois que a educação tem a responsabilidade de “[...] transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura” (FORQUIN,1993, p. 13). Resta saber, inquirirão Silva (2000) e Candau (2000), quem é legitimado a selecionar estes conteúdos.

Os elementos de cultura que a educação escolar deve transmitir, de acordo com Forquin (1993), não se restringem a uma reprodução pura e simples da cultura dominante, ou a expressão dos interesses de um grupo que exerça pressão ou maior influência na escola, mesmo afirmando que ela se constitui a partir de “(...) conflitos e em função de dinâmicas sociais claramente identificáveis” (1993, p. 17), a cultura escolar não pode ser tratada como reflexo de uma cultura específica.

Antecipando-se as críticas de sua defesa universalista, Forquin (1993) assevera que não há evidências empíricas nem teóricas que provem que a cultura transmitida na escola seja a cultura de um determinado grupo dominante e que os grupos desfavorecidos fracassem na escola por não participarem de uma cultura próxima à transmitida pela escola.

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qualquer cultura, a cultura de qualquer grupo. Corresponde à cultura da classe média alta, branca, ocidental. Não seria, pois, a seleção objetiva e neutra de elementos de uma cultura superior que devessem ser perpetuados para as novas gerações. Para estes autores não há como justificar a superioridade de um conhecimento sobre os outros, de uma cultura sobre as outras.

Silva (2000) critica a argumentação de Forquin em favor da cultura considerada universal, com o ensino escolar baseado em saberes universalizantes gerais, organizados e integradores. Silva perquire a possibilidade de se definir o que é imprescindível, e mais, quem definirá o que é fundamental que todos saibam e o que é incontestável em uma cultura? Para Silva, a considerar as prelações de Forquin,

... são universais os valores, os critérios, os saberes daquele que enuncia, daquele que pronuncia o universalismo. É universal aquilo que eu, em posição enunciativa de poder que me permite fazer isso, declaro como universal. Em suma, a questão do universalismo/relativismo não é uma questão epistemológica, mas uma questão política” (SILVA, 2000, p. 05)

Sua crítica, em síntese, procura elucidar que o universalismo escamoteia uma relação de poder. Os universais são produtores da diferença e acima de sua posição universalmente válida particularizam (relativizam) o outro. Mesmo que sobre seu patamar de tolerância o universal é sempre superior e generalizante. Ou seja, nas palavras de Silva, o universalista acusa, aponta o outro como relativista (relativo).

Candau faz coro às críticas ao universalismo defendido por Forquin. Embora Candau e Silva reconheçam a tentativa de Forquin em entrever complementaridade entre relativismo cultural e universalismo das ciências, para Silva, em Forquin, os conteúdos culturais (relativos) estariam subordinados às universalidades das ciências.

Candau inquire quem e quais os critérios de seleção dos saberes universais: “Não será que o que muitas vezes consideramos “universal” constitui a universalização de saberes particulares, construídos a partir de bases etnocêntricas que se consideram portadoras de universalidade?” (2000, p. 02,).

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entre “universalismo e relativismo, igualdade e diferença” numa perspectiva de um universalismo relativizado por ser histórico e dinâmico e de outro lado por um relativismo relativizado por não ser absoluto, por ter conteúdos transculturais, conteúdos estes frutos de construção histórica humana (CANDAU, 2000, p. 03).

2. 4 - Currículo e Diversidade Cultural

Atualmente discute-se muito sobre a necessidade da escola desenvolver um currículo multicultural, pois, é através do currículo em ação que as inter-relações entre a cultura dos alunos e a cultura da escola acontecem.

A concepção de currículo aqui enfocada compreende currículo em acepções de uma pedagogia crítica. Giroux (1993) considera as possibilidades emancipatórias do currículo dentro de um ambiente escolar onde política e cultura têm espaços de confronto nos quais as experiências e subjetividades são produzidas e contestadas.

Dar lugar às vivências do/a aluno/a, lembra Moreira (2001, p.12), consiste em situar o currículo como um conjunto de “conhecimentos, métodos, relações sociais e valores” e pressupõe ainda criar “condições, na prática curricular, que propiciem fortalecimento do poder do/a professor/a” com vistas à construção de um “intelectual transformador/a”. Como salienta o autor,

compreender o currículo como parte de uma luta mais ampla entre discursos dominantes e subordinados (...) tem implicações práticas para o modo pelo qual os/as professoras/as acolhem as experiências e as vozes dos estudantes.

Como destacam Giroux e Simon (apud GIROUX e MCLAREN, 2001, p.

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O currículo pode ser apresentado como a “cultura real”, isto é, “a cultura da sala de aula” que se desdobra em: processos de ensino, tarefas acadêmicas reais, relações dos grupos, o uso de materiais, a avaliação, tarefas acadêmicas reais, o vínculo da vida interna letiva e os conteúdos com a vida do mundo externo. Todos estes aspectos irão determinar - conforme as transformações ou manutenção - a constituição da realidade, mudando-a ou mantendo-a tal como está (Sacristan, 2001, p. 86).

De acordo com Sacristan o “currículo multicultural” situa-se dentro de uma questão mais ampla que é a necessidade de construção de uma “educação multicultural” (2001, p. 82). Eis, segundo o autor, um dos problemas da escola: sua capacidade de “acolher a diversidade” num instante em que os padrões escolares priorizam a homogeneização. Portanto, o “currículo multicultural exige um contexto democrático de decisões sobre conteúdos de ensino” que preserve e garanta os interesses de todos e que sejam efetivamente representados e não, tão somente, compensados pontualmente como figurantes nas intenções didáticas. O “Currículo Multicultural”, conclui Sacristan, “é coerente com os valores de uma sociedade democrática que respeite o pluralismo”. Para ser realmente um currículo que respeite as diversas culturas, todos os procedimentos de sua elaboração devem ser de fato democráticos. Para o autor o “debate curricular na sociedade democrática tem que ser um grande debate sobre opções culturais” (2001, p. 112).

Mas, lembra Sacristan, não basta introduzir no currículo ou nos livros didáticos uma “perspectiva multicultural”. O “currículo real” deve buscar,

analisar a linguagem dos professores, os exemplos que utilizam, sua atitudes para com as minorias culturais, as relações sociais entre os alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, os estereótipos que são transmitidos através dos livros, aquilo que é exigido na avaliação (2001, p. 87).

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litorânea, portadores de necessidades especiais). O autor afirma que os “conteúdos culturais se referem ao conhecimento, destrezas e habilidades que as pessoas usam para construir e interpretar a vida social” para a construção de uma “pedagogia antimarginalização” que leve em conta “as dimensões éticas dos conhecimentos e das relações sociais” para que “palavras como poder, justiça, igualdade, luta, direitos” não redundem em discursos distantes da realidade cotidiana das comunidades (SANTOMÉ, 2002, p. 176).

Contudo, a tendência de uniformização da vida, segundo os padrões da cultura dominante, ecoa, se reproduz e se reforça na escola, o que enfraquece as possibilidades de diversificação presente nas “culturas populares”, e inclinam a escola para tendências monoculturais (GRIGNON, 2002, p. 180). Por conseguinte, é “necessária uma pedagogia relativista capaz de admitir e de reconhecer o multiculturalismo, isto é, a existência de culturas diferentes da cultura culta, legítima ou dominante” (GRIGNON, 2002, p. 186).

O reconhecimento e legitimação das diversas culturas presentes em nossa sociedade e, portanto, no interior da escola, o convívio e a validação da riqueza proporcionada pela diversidade cultural, o questionamento ao predomínio da cultura dominante no âmbito do currículo escolar, exige o desvelamento do currículo oculto. Segundo Mclaren (1997), o currículo oculto pode ser compreendido como resultados e conseqüências não planejadas, sem intencionalidade definida do processo de escolarização. O autor refere-se a todas as experiências vividas no ambiente escolar que trazem implicações na formação do educando.

Os educadores críticos reconhecem que as escolas modelam os estudantes através de situações de aprendizado padronizado, e através de outras agendas, incluindo regras de conduta, organização de sala de aula e procedimentos pedagógicos informais usados por professores com grupos específicos de estudantes. O currículo oculto também inclui estilos de ensino e aprendizado enfatizados na sala de aula, as mensagens transmitidas ao estudante pelo ambiente físico e instrucional como um todo, estruturas de liderança, expectativas do professor e procedimentos de avaliação” (p. 216).

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práticas escolares, propostas metodológicas e relação professor/a e alunos/as, sem consciência de quais comportamentos e conhecimentos está-se construindo/defendendo. Afirmações como as de Grignon (2002), apresentadas anteriormente, que a escola tende a reproduzir os padrões da cultura dominante, decorrem em grande medida de situações vivenciadas no ambiente escolar, inconscientes, irrefletidas e, por vezes, contrárias aos objetivos defendidos explicitamente e propugnados pela escola e pelos/as professores.

Assumir que o currículo dominante nos sistemas de educação é elitista não significa afirmar que a relação dos sujeitos envolvidos com o processo educacional, professores/as, alunos/as, diretores/as, coordenadores/as pedagógicos, seja passivo. Ao contrário há sinais de resistência e de conflitos vivenciados dentro das instituições escolares (MOREIRA, 2002). Como afirma Paulo Freire, “Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes. Isto não significa, porém, que nos seja indiferente ser um educador ‘bancário’ ou um educador ‘problematizador’.” (1998, p. 28)

2. 5 - Formação do/a Professor/a e Diversidade Cultural

Para atender às novas demandas da sociedade atual em relação à função da escola e do/a professor/a, Perrenoud (2001, p.11), afirma que o papel do/a professor/a deve necessariamente evoluir “para responder aos desafios sem precedentes das transformações necessárias dos sistemas educacionais”.

Para Libâneo (2004), a escola atual continua responsável pelo ensino dos conteúdos escolares, pelo desenvolvimento do sujeito autônomo, crítico, criativo e com sólida formação moral. Porém, hoje, alia-se a essas responsabilidades a formação de um sujeito com maior competência reflexiva, que saiba se posicionar criticamente frente às mídias e multimídias, utilizar os conhecimentos adquiridos na escola e em outros contextos sociais, ter capacidade de diálogo, reconhecer e saber conviver com as diferenças, defender o meio ambiente e ser solidário.

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profunda reflexão. Nóvoa (1999) aponta uma relação paradoxal entre a responsabilidade e expectativa depositadas no desempenho do professor e a desvalorização social e econômica que a função docente sofre.

Por um lado, os professores são olhados com desconfiança, acusados de serem profissionais medíocres e de terem uma formação deficiente; por outro lado, são bombardeados com uma retórica cada vez mais abundante que os considera elementos essenciais para a melhoria da qualidade do ensino e para o progresso social e cultural (NÓVOA, 1999, p. 3).

Sob os efeitos deste paradoxo de expectativas em que, ora é classificado como elemento essencial para a transformação do ensino e contribuição para o progresso social, e ora profissional incompetente, desqualificado, situa-se o/a professor/a. sofrendo as análises, estudos e políticas que se dizem voltadas para a melhoria de sua qualificação e preocupadas em restabelecer o respeito social que a profissão de professor teve no passado.

Para Nóvoa (1999) tem havido um excesso de discurso em relação à valorização do/a professor/a. Entretanto, o que se presencia é um investimento maciço na realização de programas de formação de professores como mercado, uma fonte de lucros. Um movimento de “deslegitimição” dos saberes dos/as

professores/as, ou da possibilidade de virem a ser produtores/as de saberes, em prol da legitimação do saber produzido por pesquisadores/as da área educacional ou áreas afins. Segundo o autor, tem-se acentuado a dependência dos/as professores/as diante de decisões do poder público, de instituições privadas e universitárias. Dificultando o fortalecimento da constituição de um coletivo de professores, onde os professores dividam suas angústias, fracassos, sucessos, idéias, experiências entre seus pares, e constituam uma relação de trabalho pautada na colaboração mútua.

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É necessário o resgate do valor social da profissão docente aliado a políticas educativas definidas coerentemente. A valorização do/a professor/a passa, necessariamente, pela redescoberta, pelos professores, de “uma identidade colectiva” (NÓVOA, 1999, p. 7) e de investimento na formação. A formação de professores deve “...encontrar processos que valorizem a sistematização dos saberes próprios, a capacidade para transformar a experiência em conhecimento e a formalização de um saber profissional de referência” (NÓVOA, 1999, p. 8). A construção de práticas pedagógicas inovadoras deve ser objeto de reflexão sobre a experiência do/a professor/a partilhada com outros, formando uma cultura de colaboração e cooperação entre os/as professores/as.

Como muitos profissionais que pesquisam a formação docente, Mello (2004), defende que a preparação profissional do/a professor/a, seja inicial ou continuada deve ser componente essencial “de uma estratégia mais ampla de profissionalização” (2004, p. 97), e tem papel crucial no desenvolvimento de competências para atuar no novo cenário de aprendizagem da sociedade atual diante da “insuficiência dos modelos tradicionais” (2004, p. 104).

Os novos tempos impõem a construção de novas competências ao/à professor/a as quais ressaltam o “caráter reflexivo” de sua atividade, e o aspecto da “pesquisa no ofício docente” (MELLO, 2004, p. 98). Mas, para que isto aconteça é preciso injetar transformações nos sistemas de formação de professores/as. A autora, com base em pesquisas recentes sobre a política de formação de professores na América Latina, ressalta que a deficiência do ensino no continente aponta para a “falta de capacitação e a ausência de incentivos capazes de fortalecer e profissionalizar o ofício docente” (2004, p.100). Mello corrobora as críticas feitas por Nóvoa quanto a formação dos/as professores/as, e sintetiza um diagnóstico da situação da formação inicial e continuada:

Além de curtos, inadequados e de má qualidade, os programas de formação, vigentes (...) caracterizam-se por baixo prestígio, o corpo docente mal capacitado e currículo que dá demasiada ênfase a aspectos teóricos, pouca atenção à dimensão da prática pedagógica e ao desenvolvimento de recursos apropriados ao trabalho com alunos desfavorecidos (MELLO, 2004, p. 101).

Referências

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