R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 7 ( 3 ) : 1 7 9 - 1 8 0 , j u l - s e t , 1 9 9 4 .
COMUNICAÇAO
REAPARECIMENTO DA POSITIVIDADE DE XENODIAGNÓSTICO 15 ANOS
APÓS TRATAMENTO ESPECÍFICO DA DOENÇA DE CHAGAS
Guido Carlos Levi, Esper Georges Kallás, João Silva de Mendonça e Vicente Amato Neto
A relação entre parasitetráa e história natural da doença de Chagas ainda não está cabalmente definida. A observação do comportamento da parasitemia em paralelo ao tratamento específico e à evolução da enferm idade é ponto fundam ental para o entendimento da fisiopatogenia da instalação das formas cardíaca e digestiva, exponenciais sob o ponto de vista clínico12. Nesse contexto, inclusive, aguarda esclarecimento o significado danegativação do x en od iagn óstico após terapêutica anti-T r y p a n o s o m a c r u z i , e discute-se se ocorre realmente cura, do ponto de vista de atividade parasitária, supressão temporária ou redução da quantidade do protozoário no sangue para níveis não habitualmente detectáveis pelo xenodiagnóstico. Isso poderia explicar o não infreqüente encontro de pacientes com xenodiagnóstico positivo entre numerosos outros negativos ou, então, o reaparecimento de positividade depois de longos períodos, de meses ou an os, de p esq u isa s x en o d ia g n ó stica s persistentemente negativas.
Relatamos um caso em que foi observado o reaparecimento de positividade xenodiagnóstica, 15 anos após reiterados exames negativos.
R elato do caso
Em janeiro de 1978, a paciente V .B., com 38 anos de idade e do sexo feminino, foi admitida em consulta no Ambulatório do Serviço de Doenças Transmissíveis, do Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira”, de São Paulo, com sorologia positiva para doença de C hagas. E n con trou -se m egarreto e, ao eletrocardiograma, constatou-se bloqueio completo de ramo d ir eito . Foram realizad os três xenodiagnósticos: o primeiro em fevereiro de 1978 e os dois subseqüentes em junho de 1978; todos
S erv iço d e D o en ças T ran sm issív eis do H ospital do S erv id o r P ú b lico E stadual “ F ran cisco M o rato d e O liv eira” , de São Pau lo .
E n d e r e ç o p a r a c o r r e s p o n d ê n c i a : D r. G uido C arlo s L evi. R. P ed ro d e T o led o 1800, 040 3 9 -0 0 0 São Pau lo , SP , B rasil. R eceb id o p a ra p u b licação em 2 4 /0 5 /9 4 .
resultaram positivos. Em cada xenodiagnóstico
aplicamos 60 ninfas de terceiro estádio do T r i a t o m a
i n f e s t a n s , divididas em quatro recipientes com 15. Fez tratamento por meio do benzonidazol, na dose de 5mg/kg/dia, totalizando 400mg nas 24 horas, em quatro tom adas de 100m g. A administração perdurou por 60 dias, sem surgimento de efeitos colaterais. À evolução não notamos m udanças c lín ic a s, eletro ca rd io g rá fica s e radiológicas.
No primeiro ano após o tratamento os xenodiagnósticos, mensalmente, foram doze. Do segundo ao quinto ano, outros nove. D o sexto ao décimo-quarto ano foi feito um xenodiagnóstico, anualmente. No total, 31 xenodiagnósticos e todos negativos. Após quinze anos do tratamento, outro xenodiagnóstico mostrou resultado positivo. Neste período, apacientenão recebeu transfusão de sangue e nem teve oportunidade de se infectar em áreas endêmicas. Também, não apresentou quadro de imunossupressão, promovido por enfermidade ou por medicamento.
Os fatores que influem na evolução da infecção
pelo T r y p a n o s o m a c r u z i suscitam especulações, à
espera de esclarecimentos finais. Assim sendo, não contamos com cabal compreensão acerca dos determinantes dos acometimentos orgânicos, como o cardíaco e o digestivo. Existem, porém, evidências favoráveis à patogênese imunológica e à participação do parasita na instalação das formas crônicas da doença de Chagas, nesse âmbito figurando o tratamento específico como provavelmente valioso para eliminar ou diminuir o parasitismo.
O benzonidazol é o fármaco presentemente mais empregado, pelo menos onde exercemos atividades, com a finalidade de coibir a infecção. Em uma série de 41 pacientes na fase crônica, medicados após xenodiagnóstico positivo e acompanhados por um período médio de seis anos e sete meses, obtivemos negativação do teste em 26 (63,4 %), administrando de 5 a 8mg/kg/dia, durante um a dois meses.
O presente relato diz respeito a fato que
C o m u n ic a ç ã o . L e v i G C , K a llá s E G , M e n d o n ç a J S , A m a to N e to V. R e a p a r e c im e n to d a p o s itiv id a d e d e x e n o d ia g n ó s tic o 1 5 a n o s a p ó s tr a ta m e n to e s p e c ífic o d a d o e n ç a d e C h a g a s. R e v is ta d a S o c ie d a d e B r a s ile ir a d e M e d ic in a T r o p ic a l 2 7 : 1 7 9 -1 8 0 , ju l - s e t , 1 9 94 .
interpretamos como excepcional, atinente ao comportamento da parasitemia, estipulada por xenodiagnóstico, posteriormente a emprego do benzonidazol. O resultado dos 314 xenodiagnósticos negativos em 14 anos sugeriu efetividade por parte do composto antiparasitário. Não obstante, 15 anos depois, detectamos positividade.
O que observamos comprova que devemos ser extremamente cuidadosos ao recorrer à expressão cura parasitológica, quando vários xenodiagnósticos foram negativos posteriormente a tentativas de tratamentos específicos, pois pode ter ocorrido somente supressão temporária ou redução acentuada dos níveis parasitêmicos, dessa maneira impedindo
que eles fiquem revelados pelas técnicas imperfeitas disponíveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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