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2 MP Era dos Fascismos

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Academic year: 2019

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Índice

Nota prévia ... 3

Abreviaturas e siglas utilizadas ... 4

Introdução ... 6

1. A integração da juventude no quadro político dos fascismos ... 12

1.1. Educar para o Estado – a política do homem novo ... 13

1.1.2. Da Escola republicana ao “resgate das almas”... 14

1.2. Organizações de juventude nos fascismos europeus ... 17

1.2.1. Opera Nazionale Balilla... 18

1.2.2. Hitlerjugend... 21

1.2.3. Juventude do Nuevo Estado espanhol... 25

1.3. O bom soldado moral contra o “soldadinho de chumbo” ... 26

1.4. Mimetismos ou inspirações - Juventudes comparadas ... 28

2. O enquadramento da juventude à escala salazarista ... 33

2.1. Os planos frustrados dos primeiros anos 30... 33

2.1.1. Ordem Lusa e Liga da Mocidade Portuguesa ... 34

2.1.2. Uma experiência breve: Acção Escolar Vanguarda ... 38

2.1.3. Purificar a escola... 42

2.2. O pequeno homem novo do regime – “Mocidade Portuguesa” anunciada... 44

2.2.1. O decreto fundador ... 48

2.2.2. Distribuição nacional – das delegações aos centros de instrução... 52

2.2.3. Juventude hierarquizada - lusitos, infantes, vanguardistas e cadetes ... 53

2.2.4. Saudação romana de “herança lusitana” ... 55

3. Entre o ideal totalizante e a partilha de competências (1936-1939) ... 56

3.1. Papel tripartido numa “educação integral”... 56

3.1.1. Ideologia e desmobilização ... 56

3.1.2. Futuras elites ao poder ... 62

3.1.3. Paradas e desfiles – um cartaz de propaganda... 62

3.2. Do pendor totalitário ao ciclo de cedências ... 63

3.2.1. Os meios de actuação... 63

3.2.2. Um amigo do Reich - Propaganda alemã e intercâmbio de juventudes ... 75

3.2.3. Avanços e recuos – linhas de força em confronto ... 78

3.3. O I Congresso – “A M.P. não deve ser escola de soldados, mas escola de doutrinação de portugueses” ... 97

3.4. Em tempo de guerra, novos dirigentes... 102

4. O quadro de compromissos – nova juventude para o mundo em guerra (1940-1944)... 105

4.1. O alinhamento à conveniência (1940-1942) ... 105

4.1.1. Reforma Orgânica... 106

4.1.2. Novo papel da Igreja... 109

4.2. Aparelho burocrático num quadro totalizante (1942-1944)... 110

4.2.1. Tolerância vigiada... 110

4.2.2. “Nação desmoralizada”... 115

4.3. Entre ideologia e prática: MP na vida de um filiado ... 120

4.3.1. “Educação integral” no espaço privado ... 120

4.3.2. Ensaios de “obra social” – uma organização a dois ritmos... 122

4.3.3. Castigo e recompensa – ser da MP ... 127

4.3.4. Novos intercâmbios num mapa de guerra... 129

4.4. Propaganda na MP e MP como propaganda ... 133

4.4.1. Mocidade imaginada – imprensa, rádio e cinema ... 133

(2)

4.6. Centros Universitários... 141

4.7. Casas da Mocidade ... 142

4.8. MP Colonial... 143

4.8. Uma teia desfeita ... 145

4.8.1. Histórias de um desinvestimento... 146

4.8.2. Impasses e resistências... 152

5. Do alarme de extinção ao preço da sobrevivência – a MP e o fim da Guerra ... 155

5.1. A caminho da paz, a “derrota moral”... 155

5.1.1. Entre a ameaça do fim e a legitimação ... 155

5.1.2. Reforço da aliança escolar... 157

5.2. Liga dos Antigos Graduados ... 159

5.3. Um caminho sem retorno – “Reformá-la, sim, mas para voltar ao que foi”... 160

Considerações finais ... 163

Fontes e Bibliografia... 166

I. Fontes Primárias... 166

II. Bibliografia... 167

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Nota prévia

Ao longo do processo de elaboração desta tese, fui obrigada a enfrentar, como não podia deixar de ser, pequenos e grandes dilemas de investigação, incertezas próprias da escrita e algumas angústias pessoais que, no seu conjunto, traduzem a vivência de um longo período de trabalho.

Se a conclusão deste estudo dependeu de meu empenho pessoal, ela não teria sido certamente possível sem a enorme amizade de todos os que me rodearam ao longo da sua construção. A nota que aqui deixo é apenas uma pequena parte desse reconhecimento.

Um primeiro agradecimento ao meu orientador, Professor Fernando Rosas, pela atenção que sempre me dispensou, pelos conselhos e sugestões que me guiaram ao longo deste trabalho.

Aos funcionários da Torre do Tombo, que ajudaram a fazer crescer a minha investigação. Ao João Tavares, por tornar mais leve a pesquisa no Arquivo Histórico Militar. Ao Diogo, por viver de perto alguns momentos mais difíceis. A todos os amigos que também acompanharam estes momentos e que, se aqui não refiro, sabem incluir-se nesta nota.

Aos meus irmãos, cunhados e tios, em especial à Guida e à Zé pela presença firme, e ao Tomás por ser o espelho feliz da geração mais nova.

Um agradecimento especial vai para a Professora Fernanda Rollo, por todo o apoio e amizade. Outro para a Ana Pires, principal ouvinte dos meus dilemas. Outro ainda para a Paula Meireles, amiga inconfundível e que torna todos os caminhos mais fáceis.

Ao meu pai por tudo o resto.

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Abreviaturas e siglas utilizadas

AEP - Associação dos Escoteiros de Portugal AEV - Acção Escolar Vanguarda

AHD - Arquivo Humberto Delgado AHM - Arquivo Histórico Militar

AHME - Arquivo Histórico do Ministério da Educação AIC - Arquivo do Instituto Camões

AMC - Arquivo Marcelo Caetano AMI - Arquivo do Ministério do Interior AMP - Arquivo da Mocidade Portuguesa

ANIM - Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (Cinemateca Portuguesa ) ANTT - Arquivo Nacional/Torre do Tombo

AOS - Arquivo Oliveira Salazar CE - Centro Escolar

CEE - Centro Extra-Escolar

CEI - Casa dos Estudantes do Império

CN - Comissariado Nacional/Comissário Nacional CNE - Corpo Nacional de Escutas

DGEFDSE - Direcção Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar DSEFD - Direcção dos Serviços de Educação Física e Desportos

ECG - Escola Central de Graduados EF - Educação Física

EPA - Escola Prática de Artilharia ERG - Escola Regional de Graduados

FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho GIL - Gioventù Italiana del Littorio

HJ - Hitlerjugend

IAC - Instituto para a Alta Cultura IMP - Instrução Pré-Militar

INEF - Instituto Nacional de Educação Física JEC - Juventude Escolar Católica

JNE - Junta Nacional de Educação JOC - Juventude Operária Católica JUC - Juventude Universitária Católica

LAG - Liga dos Antigos Graduados (da Mocidade Portuguesa) LMP - Liga da Mocidade Portuguesa

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MPF - Mocidade Portuguesa Feminina

MUD - Movimento de Unidade de Democrática N/S - Nacional-Sindicalismo

NSDAP - Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei

OEP - Organização Escutista de Portugal

OL - Ordem Lusa

OMEN - Obra das Mães pela Educação Nacional ONB - Opera Nazionale “Balilla”

ONMP - Organização Nacional Mocidade Portuguesa SEU - Sindicato Español Universitario

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Introdução

1. Origem e definição do objecto em estudo

O trabalho que aqui se entrega à leitura resulta do estudo sobre o processo de constituição e afirmação da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, enquanto mecanismo de enquadramento da juventude pelo Estado Novo, em finais dos anos trinta. Cultivados em ambiente de progressiva consolidação institucional do regime na primeira metade da década, os projectos que geraram o organismo finalmente trazido à luz política em 1936 tinham já esboçado a essência do modelo de “educação nacional” imaginado pelo salazarismo. Por outro lado, o calendário da sua criação, em vésperas de eclosão da Guerra Civil espanhola e em pleno reposicionamento dos regimes fascistas no mapa europeu, associou a Mocidade Portuguesa ao período estado-novista de cunho mais

fascizante.

Destinada a desenvolver integralmente a capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria1 do jovem, constituindo-se organizações específicas para cada sexo, a Mocidade Portuguesa (assim remetendo para a organização masculina) assumiu o papel de escultor do “homem novo”, mental, moral e fisicamente formado pelo Estado – e para o Estado – na ordem corporativa, cristã e nacionalista.

Numa primeira leitura, entendemos assim a Mocidade Portuguesa enquanto instrumento “educador” produzido pelo Estado Novo com o fim de ocupar o espaço vago nos tempos de sociabilização do jovem, auto-definida como complementar à acção da escola e da família, embora experimentando uma fórmula de enquadramento totalitário na preparação integral das gerações que deveriam assegurar a herança do regime. Inerente à intenção de entregar ao Estado a responsabilidade educativa do sector juvenil, a organização estaria ainda associada à selecção das futuras elites dirigentes – marca, aliás, que viria a ser característica com a sua duração no tempo, muito para além do campo de análise estimado pelo trabalho presente – “recrutando” nas fileiras da Mocidade alguns dos filiados mais entusiastas que ascenderam internamente nos seus corpos directivos, depois captados para a acção política alinhada com o regime. Esta minoria representaria, em última instância, um dos garantes da continuidade do Estado Novo.

Os modos operativos da análise que aqui se apresentam beneficiaram em grande medida da atenção científica que, nas duas últimas décadas, a História Contemporânea tem vindo a dedicar à

1

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caracterização do Estado Novo, posicionando o actual trabalho numa síntese dos pontos fundamentais dessa caracterização, ao mesmo tempo que se procura identificar na própria natureza da Mocidade Portuguesa os traços mais expressivos dos anos de consolidação do regime.

2. Campo cronológico

As considerações de investigação delimitaram, com alguma naturalidade, os atributos cronológicos do objecto central de estudo. Pesando como principal medida a marca contextualizadora da “era dos fascismos”, entendeu-se observar com maior acuidade a evolução da ONMP entre 1936, data da sua constituição legal, e 1944-45, momento em que o organismo procurou defender-se do esvaziamento anunciado pelo fim da Segunda Guerra Mundial.

O ano de 1936, como já se verificou, correspondeu a um período áureo de afirmação dos fascismos, cristalizado pelo conflito armado espanhol, onde a pressão do sector de direita radical que apoiava o regime conduziu à criação de organismos milicianos como a Legião e a Mocidade Portuguesa. Do processo de legitimação da MP até ao reajuste do pós-guerra, a organização foi ensaiada a dois ritmos: num primeiro compasso, entre aquela primeira data e 1940, reflectiu essencialmente os aspectos imagéticos mais fascizantes, marcados pela direcção de Francisco Nobre Guedes, sob fortes tendências germanófilas e uma maior influência do Exército, passando para um segundo tempo, entre 1940 e 1944, protagonizado em larga escala por Marcelo Caetano, onde se agregou o consenso da Igreja Católica e a permanência da formação pré-militar, inaugurando também actividade nos meios universitários.

Um terceiro momento de evolução, que já não será objecto de análise profunda deste estudo, correspondeu a um processo de transição entre o fim da liderança de Marcelo Caetano e a adaptação à realidade do pós-guerra, em 1945. De facto, o fim do segundo conflito mundial e o consequente desfecho a favor dos aliados contribuíram para uma redefinição dos destinos da Mocidade Portuguesa, onde crescia o receio de perda de controlo sobre as organizações de juventude, procurando tornar-se um instrumento repressor do oposicionismo juvenil. Outras soluções de superação passaram pela persistência do discurso nacionalista, imperial e cristão e pelo prolongamento burocrático da organização. Ao mesmo tempo que actuava como aparelho de controlo, a Mocidade Portuguesa abandonou os anos ostensivos das paradas militares, procurando destacar-se pela organização de campeonatos desportivos e acentuando paralelamente a sua função “social”.

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3. Linhas de análise e metodologia adoptada

No quadro metodológico, a análise definiu-se por um campo desdobrado: em primeiro lugar, numa abordagem pela história institucional e política, onde se integra a leitura do Estado Novo corporativo, conciliador entre uma doutrina conservadora, nacionalista e católica, e posições mais

totalizantes; num segundo momento associou-se a história da Educação, de modo a compreender o tipo de encaixe ideológico levado a cabo pelo regime, promotor de uma verdadeira moldura juvenil característica dos fascismos. Lugar ainda para a intervenção da história social, onde o palco de resistências e impasses, frente à actividade da Mocidade Portuguesa, se integra no quadro histórico de uma sociedade com fracos níveis de vida e de formação, cujo papel activo o regime procurou anular. Este efeito desmobilizador da maioria sobre a vida política nacional, materializado na Mocidade Portuguesa, foi tido em conta nos pressupostos do actual trabalho.

4. Bibliografia e Fontes

Os recursos bibliográficos e documentais necessários a esta investigação traduziram uma diversidade e dispersão superiores ao que se previu num primeiro momento. Como ponto de partida contavam-se já alguns estudos prévios específicos sobre a Mocidade Portuguesa, onde assumiram maior relevo os trabalhos de Simon Kuin e Luís Viana, o primeiro dedicado aos antecedentes e momento de criação do organismo e o segundo aproximando a análise da MP à realidade liceal, numa leitura transversal, de 1936 a 1974. Um terceiro estudo, de João Paulo Avelãs Nunes, dedicado às organizações de juventude no Estado Novo, permitiu definir algumas linhas gerais de orientação deste trabalho. Não pode ainda deixar de assinalar-se a descrição pioneira de Manuel Lopes Arriaga, editada em 1976, embora datada e sujeita a uma leitura diferente da bibliografia de carácter científico. O autor da Mocidade Portuguesa: Breve História de uma Organização Salazarista, ofereceu um primeiro retrato histórico da Organização que permite compreender a sua evolução institucional e a variante de objectivos que influenciou o percurso da MP, tratando-se embora de uma narrativa emocionalmente envolvida com uma realidade ainda recente à data em que foi publicada.

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bem como análises mais pontuais de outros autores sobre o sistema de ensino republicano e a construção da escola nacionalista pelo Estado Novo.

A par das obras historiográficas mais recentes, apresentou-se como fonte de leitura a vasta colecção de edições da própria organização, das quais se evidenciam o Jornal da MP e o respectivo Boletim, embora com alguns hiatos cronológicos. Da informação bibliográfica assinada pela Mocidade Portuguesa, destaca-se ainda a publicação das intervenções registadas na primeira reunião dos dirigentes da organização, que ocorreu em 1937, e os relatórios e teses apresentados no primeiro Congresso da MP, realizado em 1939. Os discursos dos principais dirigentes da MP foram também, na sua maioria, compilados em obras coevas, onde se sublinham as autorias de António Carneiro Pacheco, ministro da Educação Nacional e responsável pela criação do organismo, Francisco Nobre Guedes, primeiro comissário nacional, e Marcelo Caetano, segundo comissário e figura de grande protagonismo na segunda fase evolutiva da Mocidade Portuguesa.

A recolha de fundos documentais enfrentou algumas dificuldades ao longo de todo o percurso de investigação, parte das quais não foram totalmente superadas. O principal obstáculo prendeu-se com o estado de acessibilidade do Arquivo da Mocidade Portuguesa, que seria à partida fonte privilegiada do trabalho em construção. Na altura em que foi concluída a investigação, este fundo, depositado na Direcção Geral de Arquivos (Arquivo Nacional/ Torre do Tombo), encontrava-se em processo de inventariação e parcialmente inacessível à consulta. O inestimável apoio prestado pelos seus responsáveis permitiu aceder à documentação até então tratada, representando porém cerca de dez por cento apenas do acervo total deste fundo. Acresceu a esta limitação o vazio informativo persistente para os primeiros anos de existência da MP, cujo corpo documental estará perdido na sua globalidade.

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5. A Mocidade Portuguesa na “Era dos Fascismos”

Partindo de uma concepção genérica da “Integração da juventude no quadro político dos fascismos”, o primeiro capítulo deste estudo foca os princípios ideológicos subjacentes à “nova educação”, tomada pelos regimes ditatoriais numa lógica totalitária. Comparando a Mocidade Portuguesa com os modelos de enquadramento da juventude viabilizados pelos fascismos europeus, e observando o seu princípio de acção doutrinária, procurar-se-á identificar a natureza fascizante da organização.

Um segundo capítulo, dedicado ao “Enquadramento da juventude à escala salazarista”, evidencia então os primeiros projectos de constituição de um instrumento legal de enquadramento das novas gerações, culminando no aparato legal que fundou a MP e nos pressupostos que superintendiam a sua marcha inicial.

O terceiro e quarto capítulos, concentrados na evolução de práticas e adaptações da Mocidade Portuguesa ao contexto político-institucional que as condicionou, distinguem os dois tempos acima mencionados. Neste sentido, procuramos narrar o período de permanência de Nobre Guedes no Comissariado Nacional da MP, a par da gestão ministerial de Carneiro Pacheco, até 1940, onde emergem as principais discordâncias da Igreja Católica, sentida como alheada do papel interventivo na educação religiosa dos filiados, e alguns conflitos de competências com a Legião Portuguesa. Optou-se por considerar este momento como caminhando “Entre o ideal totalizante e a partilha de competências”, a partir do qual se inaugura uma segunda fase, tutelada fundamentalmente por Marcelo Caetano, tendo por ministro da Educação Nacional Mário de Figueiredo. O quarto capítulo observará então os anos correspondentes à actuação da MP sob novas concepções orgânicas, atenuando, embora só em parte, alguns aspectos mais agressivamente

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Em todo o período contemplado verifica-se um dado comum: a concentração da doutrina em torno do Chefe e da trilogia Deus-Pátria-Família, donde se entregou à Mocidade Portuguesa o (...)

dever de levar até às suas últimas consequências a Revolução Nacional.2

2

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1. A integração da juventude no quadro político dos fascismos

Depois do desfile: onde vais, tão garbosa, na severa elegância das tuas camisas negras, ó juventude italiana, na beleza da tua primavera, a que campo de batalha vais para ser ceifada, na heróica defesa da tua pátria e da nossa comum civilização latina? Que Deus te acompanhe no teu nobre e heróico voluntariado e que o sangue português não se desonre, estando ausente das futuras batalhas pela civilização onde tu estarás presente, bem armada, bem preparada!

REBELO, José Pequito “Manhãs de Roma” in Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano, N.º 4, 5 de Junho de 1929.

Os modelos de enquadramento da juventude, desenhados pelos regimes ditatoriais emergentes no período de entre-guerras, inseriram-se num cenário mais estruturante que vinha a interiorizar, desde o princípio do século XX, novas concepções sobre o papel educador do Estado. Atendendo a projectos claramente variáveis consoante a objectiva ideológica que as formulou, estas concepções depositaram na formação das futuras gerações um valor de continuidade dos programas governativos implementados. Embora sob a intenção comum de educar dentro dos valores políticos proclamados, os exercícios de poder democráticos e autoritários pautar-se-iam por princípios de actuação divergentes entre si. Os primeiros caminharam no sentido da formação de cidadãos livres, aptos à integração do indivíduo na vida em sociedade, enquanto os segundos partiram na direcção de um ideal educativo totalizante, criador do “homem novo” formado pelo Estado e para o Estado. As fórmulas de integração da juventude utilizadas pelas ditaduras funcionariam então como um instrumento depurador de heranças liberais anteriores, ao propor uma educação integral renovadora do espírito e do corpo e, simultaneamente, como agente de propaganda privilegiado do aparelho estatal.

A par da intervenção reformista operada na escola e da natural função educadora da família, também ela objecto de “reeducação”, os meios de sociabilização do jovem foram absorvidos pelos fascismos e transformados em reagentes anti-comunistas e anti-democráticos, erguendo nas suas organizações nacionais uma pretensa unidade juvenil em torno do regime. Cunhadas por uma forte componente militarizante e pela formação de carácter nacionalista, no culto do chefe, da obediência e da autoridade, estas organizações conferiram intenções totalitárias aos seus actores políticos. Exemplos paradigmáticos destes projectos, como veremos, o fascismo italiano e o nazismo alemão seriam também fonte de inspiração observada por organismos congéneres de outras ditaduras, entre as quais viria a revelar-se a Organização Nacional Mocidade Portuguesa (ONMP).

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um quadro concreto (...) dos métodos de sociabilização política usados pelo regime para perpetuar as suas estruturas e a sua cultura no tempo (...). Entende-se aqui por sociabilização política o sistema de transmissão cultural que visa a canalização do comportamento da juventude em moldes

política e socialmente aceitáveis, quer para um envolvimento activo na vida política da sociedade,

quer para um comportamento de passividade política. 3 A esta funcionalidade desmobilizadora acrescentamos ainda o recurso à política de juventude como instrumento da ruptura estadonovista com a herança educativa republicana, como frente sólida do combate ao comunismo e, reunindo todas estas funções, como molde fundamental do “homem novo” proclamado pela doutrina salazarista.

1.1. Educar para o Estado – a política do homem novo

Olhar para as fórmulas de enquadramento da juventude activadas na primeira metade do século XX, implica compreender em que sentido se renovaram os comportamentos relacionais entre Estado e sociedade, ou antes, de que forma se processou a transição para um cenário de práticas de

governo formatadas por uma mentalidade política verdadeiramente nova, inaugurada pela época moderna. E, seguindo a interpretação de Jorge Ramos do Ó, na leitura deste conceito de governo

recriado por Michel Foucault: Falar de governo, na linguagem foucauldiana, não é falar das acções de um sujeito político ou das operações e mecanismos burocráticos. O governo

consubstancia uma certa forma de atingir fins políticos, mas que é descrita pela acção sobre as

forças, as actividades e as relações que constituem o conjunto da população.4 É nesta modalidade, em que (...) o governo de todos os homens passa a ter o seu domínio de aplicação específico no próprio Estado (...) que podemos pesquisar de que forma esta governamentabilidade se aplica em particular à modelagem do jovem no interior do Estado e, mais concretamente, em que medida o Estado assimilou desta inter-relação de forças para atingir fins políticos.

É no panorama desta “interiorização” de relações por parte do Estado que assistimos à apropriação dos espaços privados e de sociabilização como novos palcos de construção educativa. Considerando o todo populacional, a estrutura tradicional assente na célula familiar sofreu ela própria o corte desta nova estratégia transformada em (...) mais uma peça no dispositivo global marcado pela abstracta razão de Estado. Seguindo ainda Ramos do Ó, compreendemos então que (...) desde o século XVIII que este trabalho sobre os corpos e as consciências, trabalho propriamente disciplinar, vem sendo realizado fora da fronteira da família e da comunidade de vizinhos por instituições directamente relacionadas com a normalização dos indivíduos: as escolas,

3

KUIN, Simon, “A Mocidade Portuguesa nos anos 30: anteprojectos e instauração de uma organização paramilitar da juventude” in Análise Social, Lisboa, vol.XXVIII, nº 122, 1993, p.555.

4

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as oficinas e os exércitos. Isto significa que para se gerir uma população tendo em conta a obtenção de resultados globais, o importante não está em agir no plano externo, como se suporia à

primeira visita, mas antes trabalhar, de modo racional e inteligente, sobre o particular.5 Anunciou-se assim o rompimento com as formas de enquadramento das sociedades tradicionais, pela progressiva penetração do Estado no modus vivendi das populações e pela respectiva tentação em definir os seus padrões socio-culturais, políticos e, como não poderia deixar de ser, educativos.

Mas o Estado em si mesmo, constituindo matéria abstracta, redefiniu-se através dos regimes políticos que o preencheram, como os sistemas liberais, promotores de práticas governativas baseadas na articulação Estado/cidadãos, ou as ditaduras europeias aspirantes ao totalitarismo, que proclamariam uma concepção organicista do Estado, procurando torná-lo imutável sobre o articulado regime/nação/sociedade. E foi neste cenário que as representações da juventude, perfilhadas por cada um destes regimes, variaram também em consonância com o programa político, que lhes oferecia diferentes funções sociais. E, em certa medida, podemos então situar a política de educação republicana portuguesa perto de um modelo de “fábrica de cidadãos”, em contraposição ao princípio regenerador e de ruptura com aquele modelo, operado pelo Estado Novo, que entregou a juventude à nova “oficina das almas”.

1.1.2. Da Escola republicana ao “resgate das almas”

Com a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, nasceu o impulso reformador do ensino que se pretendia fazer executar através da instrução mas também da educação, num programa que o pedagogo João de Barros viria a apelidar de “educação republicana”. Assim e como ilustrou Rómulo de Carvalho, a República (...) trazia, na sua bagagem revolucionária, o decidido projecto de reformar a mentalidade portuguesa (...).6 Transportando consigo o ideal construtor de

uma nova maneira de ser português, interessava aos promotores da nova educação acertar o passo com os mais modernos países europeus, acordando o País da sonolência em que mergulhara.7 A escola que se desejava fundava-se no “amor à Pátria e à República” no sentido de uma “republicanização” exacerbada por João de Barros, que individualmente defenderia mesmo um método educativo de raiz nacionalista. Note-se, a este propósito, que o sistema republicano não tinha ficado (...) imune ao surto nacionalista das últimas décadas do século XIX e dos princípios do século XX, como procurou incorporar a tradição do nacionalismo liberal, reforçando parte da sua legitimidade governativa nos anteriores protestos contra as interferências estrangeiras, mais

5

Ibidem, pp.36-37.

6

CARVALHO, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime Salazar-Caetano, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996, p. 651.

7

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concretamente contra o Ultimatum britânico, que se traduziria na (...) dimensão patriótica e nacionalista do seu ideário.8

Envolto ainda pela recente vitória sobre a monarquia naufragada, o governo provisório precipitou as primeiras medidas em torno da renovação educativa sem que elas se associassem directamente ao plano escolar mas antes ao espírito reanimador dessa nação adormecida. Dez dias passados sobre a inauguração da República, foi então nomeada uma comissão para o estudo do regulamento da Instrução Militar Preparatória (IMP). Esta instrução, que deveria alcançar crianças do ensino primário e adolescentes, justificava-se pela necessidade de (...) “incutir e radicar nos ânimos o espírito militar” (...) como componente importante da educação cívica, que devia

“começar na escola primária” 9. O resultado deste estudo foi reproduzido em lei em Maio do ano seguinte, defendendo a IMP como objectivo patriótico preparador das futuras gerações militares. O sistema proposto supunha a divisão em dois escalões etários, cabendo aos professores formar o primeiro, dos 7 aos 16 anos, pela educação cívica, ginástica e canto coral. Ao segundo escalão, entre os 17 anos e a idade de recrutamento militar, obrigatório como o primeiro, a instrução seria ministrada preferencialmente por militares, nos quartéis ou em escolas que para isso reunissem condições.

Alguns dias depois da publicação deste regulamento, foi anunciada a reforma do ensino primário, campo de educação privilegiado pela República, que destacou em particular a importância da formação moral (de uma “moral sem Deus”) e cívica da criança, em substituição da religião e moral católicas.10 Por este e outros diplomas, imprimia-se à Escola não só o dever de transmitir conhecimentos mas também de formar os “republicanos de amanhã”. Seguidor da doutrina educativa herdeira da Revolução Francesa e produtor de cidadãos para a ideologia liberal, o modelo de ensino preconizado entre 1910 e o golpe militar de 1926 fixou-se na base da cidadania, do laicismo e de uma doutrina circulante entre o espírito democrático e a exaltação patriótica. Na essência da educação cívica a ministrar, residia a noção construtiva de “homem-cidadão” de que a Escola era a inegável “oficina de fabrico”, sob a concepção definidora do homem como ser naturalmente social. Por outras palavras, à escola cabia ensinar a viver em sociedade, com sentido autónomo e crítico, desvalorizando por isso qualquer forma de endoutrinação.

8

CATROGA, Fernando, O republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910, Ed. Notícias - 2.ª edição, Lisboa, 2000, p. 264.

9

Citado por Rómulo de Carvalho, em referência ao diploma de 15 de Outubro de 1910, que manda constituir a referida comissão. Ibidem, p. 653.

10

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Foi neste pano de fundo que se desenhou o projecto de Instrução Militar Preparatória, como

coadjuvante da educação patriótica e cívica. 11 O plano previsto foi mal recebido por muitos e mesmo criticado por Adolfo Coelho, que entendia os exercícios de formação militar como factor nocivo ao desenvolvimento mental e físico que, em última análise “imbecilizavam os rapazinhos”.12 A IMP nunca chegaria a entrar em vigor, sendo apenas relembrada pelo discurso anti-liberal do Estado Novo como mais um evidente fracasso republicano.

A vivência educativa da I República pautar-se-ia então por sucessivas reformas do ensino que visavam consolidar a ansiada modernização, operadas do (...) grau primário ao universitário, do ensino clássico ao profissional nas suas diversas modalidades (...) todos eles contemplados (...)

com ampla visão, embora os resultados não viessem a corresponder às esperanças que os textos

legislativos justificariam.13

Ao longo deste anos houve também lugar para o desenvolvimento das ideias pedagógicas da “Escola Nova”, secundadas por pedagogos como Adolfo Lima, António Sérgio e Faria de Vasconcelos, proponentes de um estilo educativo baseado no “self-gouvernment” isto é, o ensino do aluno por si mesmo ou a conquista da autonomia pelo próprio educando. A escola devia ser, assim, organizada como uma verdadeira comunidade autónoma que contava com a participação activa dos estudantes, designada por Joaquim Pintassilgo como pequena sociedade escolar.14 Ao ser levada a cabo na Escola Oficina n.º 1 por Adolfo Lima, esta experiência pretendia uma (...) ruptura com a escola tradicional [que] passava pela alteração de forças no acto educativo, pela adaptação de métodos activos, pela preparação para a vida, pela democratização do ensino, pelo maior

protagonismo dos alunos no seio da Escola; queria, em suma, (...) educar para uma sociedade de cidadãos de pleno direito, ao invés de instruir as elites.15 As associações escolares, que mais tarde seriam diluídas pela Mocidade Portuguesa, também personificaram este movimento, sendo recebidas com desconfiança pelo Estado Novo, dado o seu cunho assinaladamente republicano. A transição da República para o período da Ditadura Militar, a partir da qual se construíram os primeiros pilares do edifício estadonovista, acarretou profundas transformações operadas no pensamento pedagógico do novo panorama político. Corrompendo algumas das ideias fundamentais da “Escola Nova”, o regime operou a transição dos princípios educativos laico e liberal para os valores nacionalista, corporativo e católico, arredando deste cenário os protagonistas do movimento promovido durante a I República. 16

11

Cf. Fernando Catroga, op. cit., pp. 265-266.

12

Adolfo Coelho citado por Fernando Catroga, op.cit, p.269.

13

Rómulo de Carvalho, op. cit., p.663.

14

Joaquim Pintassilgo, op. cit., p. 283.

15

CARVALHO, Guida Maria Aguiar de, A reforma do ensino liceal de 1936 e a construção do liceu salazarista, dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1997, pp.37-38.

16

(17)

Na base desta ofensiva de rompimento com o sistema de instrução liberal, o Estado Novo encetaria então um verdadeiro projecto de educação, ou antes de “reeducação”, assente num conjunto de valores que transportava uma mundivisão totalizante a partir da qual (...) criou um aparelho de inculcação ideológica autoritária, estatista, mergulhado no quotidiano das pessoas (ao

nível das famílias, da escola, do trabalho, dos lazeres), com o propósito de criar esse particular

“homem novo” do salazarismo.17 Esta política de “resgate” das almas dos portugueses,

fundamentada (...) numa certa ideia mítica de nação e de interesse nacional (...), seria orientada pelos aparelhos de propaganda e inculcação do regime criados para o efeito, definidos por uma (...)

rigorosa unicidade ideológica e política (...) em alinhamento com o (...) ideário da revolução nacional.18

Não pondo de parte as especificidades deste “homem novo” à escala salazarista, que o distinguiram, no perfil e conteúdo ideológico, de outros regimes ditatoriais europeus coevos, o Estado Novo ensaiou no entanto (...) um projecto totalizante de reeducação dos “espíritos”, de criação de um novo tipo de portuguesas e portugueses regenerados pelo ideário genuinamente

nacional de que o regime se considerava portador. E também nesta ordem de ideias se observa, como definiu Fernando Rosas, uma apetência totalitária estadonovista ao longo das décadas de 30 e 40.19

1.2. Organizações de juventude nos fascismos europeus

Os anos que se seguiram à primeira Guerra Mundial condensaram a gestação de movimentos políticos reactivos à nova realidade europeia saída do conflito. À crise económica e social correspondeu também a crise política, onde os governos democráticos se viram estruturalmente ameaçados pelo avanço das direitas autoritárias. Os primeiros anos 20 corresponderam assim ao fervilhar dos projectos ditatoriais que alguns anos depois se concretizariam. Em Itália, Mussolini marchou sobre Roma em Outubro de 1922, dando início ao longo desfile do regime fascista no país. Na Alemanha, o partido Nacional-Socialista fundou o terceiro Reich em 1933, inaugurando a mais sangrenta das ditaduras da sua época. Acendido o rastilho dos fascismos, o mapa europeu foi ponteado por governos autoritários que, em maior ou menor intensidade, alimentariam ímpetos fascizantes.

No espaço ideológico, estes regimes partilharam em larga medida uma lógica de ruptura com os sistemas anteriores, na intenção de cortar a direito os princípios democráticos e de, no seu

17

ROSAS, Fernando, “O Salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo”, in Análise Social, n.º 157, vol. XXXV, 2001, p. 1031.

18

Ibidem, p. 1032.

19

(18)

lugar, instalar uma ordem nova, produtora de um novo homem e de uma nova mentalidade. Em meados da década de 30, esta nova realidade ameaçava impor-se a longo prazo.

1.2.1. Opera Nazionale Balilla

Em 1929, um dos fundadores do Integralismo Lusitano, Pequito Rebelo, viajou até Roma, onde se deixou arrebatar pelas gigantescas paradas das milícias fascistas que enchiam as ruas da cidade, acompanhadas pelas massas de jovens voluntários que formavam os avanguardisti e os

balilla, na sua (...) severa elegância das camisas negras. Num discurso apreensivo para o pontificado romano, o Duce deixaria ali claro o papel primordial do Estado na educação da juventude, relegando para segundo plano, e como função complementar, a intervenção da Igreja Católica na formação cristã do “homem novo” italiano. Embora partilhando (...) a dolorosa impressão de todos os católicos admiradores de Mussolini perante as graves deficiências do seu

discurso (...) o integralista português encontrava na aliança entre Estado e Educação a peça fundamental ao ressurgimento das novas gerações, em favor do (...) interesse de defesa social e nacional. 20 Porque, sublinhava: A educação que quer o fascismo é uma educação pré-militar e uma educação cívica de defesa do Estado.

Antecipando em alguns anos um conflito que estalaria mais tarde em Portugal, Pequito Rebelo, questionava então: (...) assim como a Igreja reconhece a função educativa da família, não poderá reconhecer também a função educativa do Estado na sua esfera própria, do Estado, que é

uma grande família?

Não é normal a situação do mundo: socialmente, se os bolchevistas educam as crianças

para a revolução, porque não poderão organizar os nacionalistas uma educação que contrarie esta

orientação subversiva? Nacionalmente, se um país tem que preparar a sua defesa, porque não

poderá preparar para a guerra, desde muito novos, os seus jovens? 21

A história do fascismo italiano dos anos 20, é também a história de um lento mas eficaz percurso do fascismo autoritário ao fascismo totalitário.22 Tendo conquistado o poder através do Partido Nacional Fascista (PNF), Mussolini só conseguiria operar a desmontagem do aparelho democrático italiano apoiado por uma plataforma de cedências face ao rei, à Igreja Católica e ao Exército. O PNF ocupou então o lugar de partido único a partir de 1926, depois de serem cuidadosamente limadas as arestas que lhe limitavam o poder. Nessa altura (...) o PNF tornou-se

20

REBELO, Pequito, “Fascismo e Catolicismo II”, in Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano, n.º 6, de 15 de Agosto de 1929, p.8.

21

Ibidem, p.8.

22

(19)

uma gigantesca máquina de enquadramento da sociedade civil e de socialização ideológica do

culto do Duce, com uma estrutura mais “disciplinada horizontal e verticalmente”. 23

À guarda do projecto de “educação nacional” italiano, a Opera Nazionale “Balilla” per l’Assistenza e l’Educazione Fisica e Morale della Gioventù (ONB) foi oficialmente constituída em Abril de 1926,24 sob vigilância directa do chefe do governo. O enquadramento dos jovens faria assim parte integrante das transformações institucionais operadas no regime que culminariam na promulgação das leis fascistíssimas desse ano, naquele que ficou marcado como “processo de fascização” , e que deu início à verdadeira marcha da exaltação do papel do Chefe, de progressiva asfixia das liberdades dos cidadãos, da política de massas e da obra corporativa, consagrada na publicação da Carta del Lavoro em 1927, entronando definitivamente Mussolini nos destinos da Itália fascista. 25

Abrangendo jovens voluntários, a ONB integrava então os balilla, dos 8 aos 14 anos, e os

avanguardisti, entre os 14 e 18 anos, destinando estes últimos à preparação para a vida militar. A organização assumiu à partida uma feição quase exclusivamente burocrática, dependente de sócios beneméritos, mas claramente contempladora dos jovens que a ela aderissem, propondo-se fundar ou promover instituições de assistência da juventude, subvencionar organismos que assim o requeressem (sob condição de se submeterem aos princípios promulgados) e favorecer a atribuição de bolsas aos próprios membros em instituições devidamente reformadas para o efeito. O Conselho da Opera era integrado por representantes do Ministério do Interior, Finanças, Guerra, Marinha, Aeronáutica, Instrução, Economia Nacional e um voluntário da Milícia voluntária para a segurança nacional.26 Vagamente mencionadas eram as componentes educativas física e moral da juventude.

Menos de um ano depois, o carácter indefinido do organismo foi alterado por nova legislação, de 9 de Janeiro, que inaugurou a dimensão totalitária da Balilla em todas os quadrantes do associativismo juvenil. Em abertura do novo diploma, foi proibida a constituição de qualquer organização, exterior ao organismo do Estado, que se propusesse promover a instrução, formação profissional, educação física, moral e espiritual da juventude, excepção feita para os agrupamentos de escoteiros católicos, limitados no entanto a só formar novos núcleos em regiões com mais de 20 000 habitantes. As restantes associações foram compelidas à dissolução imediata, incluindo as do escutismo que não se encontrassem nas condições de salvaguarda. 27 No mesmo dia foi publicado o regulamento da ONB, pelo qual se reforçava a preferência profissional e subsidiária aos “voluntários” da organização, que ainda não impusera a obrigatoriedade de filiação. O regulamento

23

Ibidem, p. 31.

24

Lei n. 2247 de 3 de Abril de 1926 in Opera Nazionale Balilla per l'assistenza e l'educazione fisica e morale della giuventù: norme legislative e regolamentari, Stab. Poligrafico del Stato, Roma, 1927 p.5.

25

COLLOTTI, Enzo, Fascismo, Fascismos, Editorial Caminho, Lisboa, 1992, pp.64-65.

26

Ibidem, p.5.

27

(20)

técnico-disciplinar definiu então que: A Milícia Avanguardia e Balilla destina-se a preparar os jovens física e moralmente de forma a dignificá-los para a nova norma de vida italiana.28 As duas secções foram organizadas em formações militares, compostas pela Squadra (12 jovens e um chefe), Manipolo (3 squadre), Centuria (3 manipoli), Coorte (3 centurie) e Legione (composta por 3 coorte), disposição que terá inspirado mais tarde o organismo de juventude português. Também semelhante seria a distribuição administrativa, por divisões provinciais.

No campo educativo, a Balilla anunciava, como finalidades essenciais: criar nos jovens o sentimento da disciplina e da educação militar, providenciar a instrução pré-militar, gímnico-desportiva, profissional e técnica e responsabilizar-se pela educação espiritual e cultural, assim como a assistência religiosa. Os avanguardisti constituíam a milícia da organização, sendo dada aos

balilla instrução pré-militar elementar, sem recurso a armas. O culto da obediência, o uniforme, a realização de acampamentos e as exibições atléticas estavam também incluídos no caldo educativo da organização. No campo espiritual, a ONB afirmava-se como formadora da consciência dos

fascistas de amanhã, que seriam a futura classe dirigente.29 Para cumprir este objectivo, criaria “escolas de preparação cultural” e “centros de estudo e propaganda” onde seria exposta a doutrina fascista aos jovens aderentes. A assistência religiosa, conforme à fé e práticas católicas, ficou a cargo de um inspector central, escolhido directamente pelo chefe do governo e em acordo com as autoridades eclesiásticas. Ao Conselho Central foram acrescentados um representante da direcção geral do PNF e o inspector central de educação e assistência religiosa. Em 1929, a direcção da organização de juventude transitou para a tutela da Educação Nacional, ministério recentemente reformado que abandonara o nome de baptismo anterior de “Instrução”. Numa fase inicial, a juventude italiana respondeu com algum entusiasmo à nova organização, que providenciava a ocupação de tempos livres, até aí sem outras alternativas. No entanto, o número de adeptos da ONB não terá ultrapassado 40% do total de população dentro da faixa etária definida. Um pouco à semelhança do que sucederia no mapa português, a actividade da juventude italiana foi mais acentuada junto das classes médias urbanas.30

Os termos em que a juventude foi agrupada sob a égide estatal ficaram à margem do contentamento católico. Nas décadas de 20 e 30 o peso social da Igreja em Itália, sobretudo no mundo rural, era ainda determinante, sendo ela quem definia as orientações políticas e (...)

dominava os canais do desenvolvimento cultura e os costumes e monopolizava os tempos livres.31 O discurso a que se referiria Pequito Rebelo, em 1929, traduzia já em larga escala o conflito de domínios entre o clero e o chefe de governo. Se por um lado a Igreja e o regime tinham feito

28

Tradução nossa do original italiano, Ibidem, p.37.

29

Ibidem, p. 45.

30

Cf. LEE, Stephen J., European Dictatorships. 1918-1945, Routledge, London and New York, 2003, pp.120-121.

31

(21)

convergir interesses no processo de ascensão do fascismo, por outro o (...) limite desta convergência foi a dificuldade com que o regime deparava de garantir à Igreja e às organizações católicas –

únicas organizações legais não fascistas no interior do Estado e da sociedade fascistas – os

espaços de autonomia que se comprometera a conceder-lhes como justo preço da legitimação que

os Pactos de Latrão lhe ofereciam.32 Limites estes que, no entanto, não levariam a Igreja a arriscar a dissidência. Os acordos assinados em Latrão em 1929, ofereceriam por isso ao poder eclesiástico um lugar de destaque na orgânica do regime, desenhando uma fronteira mais acentuada sobre a ambição totalitária do fascismo. Porém, no capítulo da educação, a Igreja viu-se arredada do seu espaço privilegiado, uma vez que o pacto de 1929 não assegurava a sobrevivência dos grupos de juventude organizados pela Acção Católica. Neste sentido, seriam sobretudo os leigos, em franca divisão com a hierarquia clerical superior, a entrar em conflito pela manutenção de organizações de juventude paralelas à Balilla. Por novo acordo obtido com o governo em 1931, a Acção Católica aceitou restringir as actividades formativas e recreativas da juventude a um campo puramente espiritual, de forma a não comprometer a ideologia fascista.33

Em 1937, o governo operou nova reforma no coração dos movimentos juvenis, com a constituição da Gioventù Italiana del Littorio (GIL), que absorveria a Balilla, sob alçada directa do

Duce e em clara preparação para os tempos de guerra que se anunciavam. Mas o carácter concorrencial da Acção Católica acabaria por se fazer sentir e, em 1939, reunia já uma parte importante de organizações de juventude, retirando apoios aos movimentos para-militares fascistas. No mesmo ano, rebentou o segundo conflito mundial e a GIL foi tornada obrigatória.

1.2.2. Hitlerjugend

O primeiro movimento de juventude emergente do partido nacional-socialista, foi criado em 1922, não sendo então mais do que um pequena agremiação igual a tantas outras ramificações juvenis formadas por partidos políticos e movimentos religiosos. Nos primeiros anos da República de Weimar verificou-se, aliás, um crescimento acentuado destes agrupamentos, produto da crise política e económica instalada na sociedade alemã a seguir à primeira Guerra Mundial e que geraria inúmeros grupúsculos de jovens dispostos a seguir obedecer a um chefe carismático. A futura

Hitlerjugend iria, na verdade, absorver muitos desses movimentos de forma a tornar-se coesa em torno do NSDAP.34 Neste processo de ascensão, Hitler interessou-se particularmente pela juventude como potencial força de apoio político e de rejuvenescimento dos quadros do partido, para o que tinha sido criada em 1922 a Jugendbund der NSDAP, liga de juventude que contava pouco mais de

32

Ibidem, p.72.

33

Cf. Stephen Lee, op. cit., p. 134.

34

(22)

300 membros. Este movimento não era mais do que uma ramificação da Sturm Abteilung SA, unidade de assalto e milícia privada do partido que participaria na tentativa de conquista do poder pela força.35

A natureza violenta da juventude associada ao partido, ficou assinalada logo na primeira manifestação pública da Jugendbund, quando, em Outubro de 1922, os jovens nazis acompanharam a SA numa batalha sangrenta contra os militantes comunistas. No ano seguinte teria lugar o seu primeiro congresso, com o objectivo de seleccionar os mais aptos para participar no putsch da Cervejaria, e que acabaria por sair frustrado. O partido de Hitler, em muitos aspectos inspirado no fascismo emergente em Itália, mantinha então um raio de acção limitado, embora já dominado pela ambição de conquista do poder, largamente secundada pelos movimentos para-militares. Com o fracasso do golpe de 1923 e a prisão do Führer, o NSDAP retomaria força em 1925, engrossando fileiras em torno do nacionalismo exacerbado e do anti-semitismo doentio até à conquista formal do poder, em 1933. E, também em 1925, os movimentos pró-nazis foram reorganizados e rebaptizados como Hitlerjugend (HJ), unidos em torno do Chefe, ao qual juraram lealdade. O termo “juventude hitleriana” passaria então a designar as organizações juvenis masculinas e femininas dos 10 aos 14 anos e a Hitlerjugend propriamente dita (Kern HJ), que englobava os adolescentes dos 14 aos 18 anos. Estes jovens, apresentados publicamente em 1926, não se restringiram a desfiles aparatosos e acampamentos frequentes, assumindo uma participação política activa: distribuíam panfletos, colavam cartazes e encontravam-se em reuniões políticas, adoptando muitas vezes comportamentos agressivos e mesmo fisicamente violentos. Em 1929 a HJ foi legalmente reconhecida como associação de jovens. No início dos anos 30, o NSDAP criou dois novos organismos de juventude destinados a infiltrar-se nos meios escolares e universitários. Entretanto, o movimento estagnara, colhendo menor número de aderentes. Mas a partir de Maio de 1931 a juventude de Hitler seria entregue a um novo Reichjugendführer (líder da juventude do Reich), Baldur Von Schirach, membro do próprio movimento juvenil e militante da SA, e declaradamente clericalista e anti-semita. 36

À tomada do poder na Alemanha pelo nacional-socialismo, correspondeu a montagem de um aparelho ideológico de mobilização das massas, levada a um extremo que tocou mesmo encenações de um poder teocrático. A juventude comandada por Von Schirach, mobilizada juntamente com a SA, desempenharia um papel importante na ascensão dos nacional-socialistas. Ávido de união ideológica em torno do nazismo, o regime (...) criou, praticamente, uma liturgia própria. A formalização de rituais intrínsecos do NSDAP traçou de forma mais clara esta tentativa de divinização do poder nazi: A primeira data do calendário nacional-socialista era o dia 30 de

35

Ibidem, p. 22.

36

(23)

Janeiro. Ano após ano, milhares de homens da SA marchavam através da Porta de Brandenburgo

na noite da “tomada do poder”. Em finais de Fevereiro havia o “dia do Partido”, para lembrar o

programa de 25 pontos do NSDAP; em Março seguia-se o “dia em memória dos heróis e a

“mobilização da juventude”, uma festa que comemorava a entrada dos jovens de catorze anos na

Juventude Hitleriana e na Juventude Feminina Alemã.37 O repúdio da “paganização” germânica, em larga escala promovido pela Igreja Católica, adviria de cenários como as “celebrações da vida e da madrugada”, que pretendiam substituir o baptismo, o casamento e o enterro cristão, ainda que não passassem de fenómenos só pontualmente praticados.

A partir de 1933, o empenho de Von Schirach no movimento de juventude começou a reflectir-se na absorção de um número cada vez maior de organizações não nazis na HJ. Finda a função “activa” da juventude na conquista do poder, os novos objectivos passaram por educar os jovens para a ideologia nacional-socialista. Ou seja: A Hitlerjugend já não se queria simplesmente como juventude de um partido, exigia ser a juventude da nação, modelo único e obrigatório.38 Fora do ideário nazi, não podia pois existir outra juventude. Ainda em 1933, os “Albergues de Juventude” foram transformados em oficinas de cultura nacional-socialista, ao mesmo tempo que os movimentos juvenis escutistas e protestantes foram levados à dissolução. Mais difícil seria desintegrar as organizações católicas: na sequência do acordo com a Santa Sé, a Igreja alemã assegurou a sobrevivência daqueles organismos de juventude e a sua manutenção fora do alcance estatal. No entanto, o regime lançou-se desde cedo numa verdadeira campanha de perseguição aos movimentos de juventude católicos que culminaria na integração definitiva dessas organizações na HJ, às portas da segunda Guerra Mundial.

Na realidade, ainda em 1933/34, a capacidade de assimilação pela juventude hitleriana foi encontrando terreno entre os alemães mais novos, em particular nos meios rurais (...) onde os jovens ainda estavam mal organizados e em todo o lado onde a força de ligação das associações juvenis

da Igreja tinha afrouxado.39Em 1936, data em que a HJ foi oficialmente declarada como Juventude do Estado, (...) já só havia restos de grupos juvenis judaicos e de associações juvenis católicas – que, apesar da Concordata, eram cada vez mais ameaçadas e acabaram por ser oficialmente

proibidas pouco tempo depois.40

A entrada do jovem para a Kern Hitlerjugend, aos 14 anos, era assinalada por uma cerimónia pública marcada no dia 20 de Abril, data de aniversário de Adolf Hitler. A unidade mais pequena da HJ era a Kameradschaft, agrupamento de 10 a 15 rapazes comandado por um chefe, reunido depois nos Schar (50 a 60 jovens), sucessivamente agrupados até ao conjunto principal, o

37

FREI, Norbert, O Estado de Hitler: o poder nacional-socialista de 1933-1945, Notícias, Lisboa, 2003, p.118.

38

Tradução nossa. Jean-Denis Lepage, op.cit., p. 37.

39

Norbert Frei, op. cit., p. 120.

40

(24)

Unterbann, que concentrava 600 a 800 rapazes. A divisão administrativa correspondia a regiões, à semelhança da ONB italiana, tendo por direcção central o Reichsjugendamt. Entre outros serviços, a HJ integrava: Educação Física e Desportos, Assuntos Sociais, Formação e Educação Política, Cultura, Assuntos Externos, Viagens, Excursões e Albergues de Juventude.41

O trabalho de inculcação ideológica desenvolvido pela juventude hitleriana, terá tido especial efeito ao nível da auto-confiança dos jovens, inflamados pela (...) vasta variedade de postos e postozinhos que possibilitavam uma afirmação individual (...) conferida pela organização. Esta ambição de protagonismo despertada entre a juventude, deu mesmo lugar a um número elevado de protestos, sobretudo entre os professores, que se queixavam (...) cada vez com mais frequência, do tom impertinente e do comportamento arrogante de uma geração inteira de alunos

(...). Seria, no entanto esse o (...) preço a pagar pela glorificação ideológica da juventude.42

Apesar da atracção inicial que a juventude hitleriana exerceu sobre uma parte importante das crianças e adolescentes, a organização foi desgastando simpatias à medida que se transformou no que pretendia de facto ser: (...) um instrumento totalitário de doutrinação. À alegria juvenil contrapôs-se a rigidez militar e o treino para a guerra, como verifica Norbert Frei: Os lemas iniciais como “a juventude guia a juventude”e “a geração jovem parte para o futuro” tinham provocado

grandes esperanças de emancipação, mas o treino paramilitar e a imposição constante do

princípio da “comitiva do Führer”, começaram a gerar desilusão. Em vez de campos de férias e o

romantismo dos escuteiros havia obrigações como o “desporto militar”, a formação ideológica,

colectas para o WHW e de objectos usados e, no Verão, a ajuda nas colheitas. 43

Por outro lado, os apetites totalitários da HJ acabariam por estimular novos espaços de liberdade e algumas rivalidades. Neste último caso a escola tornou-se um dos concorrentes principais, em cujo sistema a juventude hitleriana nunca se conseguira infiltrar, embora também ela fosse sujeita a uma progressiva “nazificação”. Esta competição seria visível, pelo menos, enquanto uma e outra serviram de justificação para muitos jovens escaparem às duas obrigações. Outro sinal de concorrência foi a criação, a partir de 1937, das “Escolas Adolf Hitler”, às quais se opôs ferozmente o ministro da Educação. Estas escolas eram gratuitas e destinavam-se apenas aos membros da HJ, integrando sobretudo rapazes da pequena-burguesia e classe média provincial. Os critérios de selecção eram, essencialmente, raciais, obrigando à certificação do “arianismo” dos candidatos e os alunos aqui formados destinavam-se a constituir a elite técnica, administrativa e ideológica do regime. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi tornado obrigatório o Serviço do Trabalho para toda a juventude, cuidadosamente preparada nas fileiras da Hitlerjugend.

41

Cf. Jean-Denis Lepage, pp. 44-45.

42

Norbert Frei, op. cit p. 122.

43

(25)

1.2.3. Juventude do Nuevo Estado espanhol

A modalidade de enquadramento da juventude seguida pela Espanha franquista não obedeceu ao estilo de organização única, apesar do esforço envidado nesse sentido, sobretudo a partir de 1940. Aspirante ao totalitarismo praticamente até ao final da Segunda Guerra Mundial, o governo nacionalista, que saíra vitorioso da guerra civil em 1939, também investiu no controlo dos meios de sociabilização, onde se incluíam os instrumentos educativos. Note-se, aliás, que o próprio percurso violento em que o Nuevo Estado se fundou teria reflexos na pluralidade de movimentos de juventude, constituídos dentro do partido Falangista. Era o caso do Sindicato Espanhol Universitário (SEU), criado em 1933, cujos membros participaram activamente do lado nacionalista durante a guerra civil, ou da tentativa de integração das organizações de juventude na FET y de las JONS (Falange Española Tradicionalista e Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista), constituída durante o conflito, em Abril de 1937, com o fim de aí unificar as forças da direita política.

Mas também ali, como em Portugal, a intervenção eclesiástica concorreu com o Estado no conflito tutelar sobre a educação da juventude. A tensão latente entre a Falange e os católicos, foi particularmente visível na luta pelo controlo da educação.44 A convergência de interesses entre os dois sectores, com claras pretensões monopolistas sobre os domínios educativos, gerou uma nova fórmula de dirigismo neste campo, crismada por um “nacional-catolicismo”. Neste sentido, cessadas as hostilidades no país, a Igreja reivindicaria a sua quota-parte na educação nacional, como instituição reguladora dos valores morais do regime, adquirindo virtualmente o monopólio do sector. 45 Servindo de base sustentadora da doutrina política nacionalista, os valores religiosos tradicionais constituiriam deste modo uma aliança Estado/Igreja, reflectida na política de juventude. O Nuevo Estado espanhol promoveu neste sentido uma política do “homem novo” do regime nacionalista, anti-liberal, anti-comunista e preparado para a defesa da pátria, chamando a si o dever coadjuvante da marcha educativa, embora partilhando com a Igreja esta responsabilidade, ainda durante a guerra civil e para além do seu termo. Assim, segundo Manuel Loff: O caso espanhol é sobretudo revelador do esforço de compatibilização entre a fortíssima pulsão fascista

que arrastou consigo, pelo menos durante toda a guerra civil e o anos da vitórias militares do Eixo,

a generalidade das forças antirepublicanas, e os interesse várias vezes contraditórios do grande

pilar clerical de sustentação do regime franquista.46

44

BENÍTEZ, Manuel de Puelles, Educación e Ideología en la España contemporánea, Labor, Barcelona, 1980, p. 362 e sgs.

45

Ibidem, p. 364.

46

(26)

1.3. O bom soldado moral contra o “soldadinho de chumbo”

Em 1936, discursando da janela de um quartel de Braga, Oliveira Salazar proclamou os valores do basilares do edifício estadonovista, assentes na estrutura Deus, Pátria, Autoridade,

Família e Trabalho. Assinalando o décimo aniversário da revolução nacional, anunciou:

Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procurámos restituir o conforto

das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História;

não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não

discutimos a glória do trabalho e o seu dever.47

Transversal a estes princípios, a unidade ideológica ali definida constituiu matéria-prima por excelência da máquina institucional laboriosamente montada, ao longo da década de 30, por Salazar que, no silêncio da sua cela de governante-beneditino (...) estudava, ao mesmo tempo que os números, as instituições e as almas, procurando o diagnóstico do mal nas suas raízes mais fundas e

delineando para a Nação a sólida construção do futuro.48

Embora dando lugar à família no conjunto de valores invioláveis, o regime reconhecia-se na vocação paternalista de salvar os jovens da herança “contaminatória” que transportavam. Como proclamaria o ministro Carneiro Pacheco em Maio de 1936, o Estado não podia (...) ignorar que a família, ainda quando moral e civicamente boa, não dispõe das condições necessárias para bem

realizar a sua missão educativa; por isso lhe cumpre auxiliá-la... até a curar-se da fraqueza com

que tantos pais afastam os filhos da nobre vida de soldado.49 Porque a família estava “doente”, deturpada e enfraquecida pelo liberalismo, cabia ao Estado recuperar a juventude para o caminho da revolução nacional. Respondendo a este saneamento dos vestígios republicanos seria então injectado no jovem (...) sangue novo a irrigar a mais esperançosa mentalidade.50

Em 1942, o Governador do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, Pestana da Silva, referir-se-ia à constituição da Mocidade Portuguesa como verdadeiro acto de salvação da juventude pelo Estado Novo: Em tempos li que as crianças não são coisas, muito menos são coisas dos homens e nem sequer são coisas de Deus. São pessoas como os homens e um pouco como Deus, ou

talvez mais justamente, são melhores que os homens e mais próximos em semelhança com Deus.

Por assim pensar e sentir, o Estado Corporativo Português actuou, estabelecendo em feliz hora, a

47

Discurso proferido por Salazar em Braga, a 26 de Maio de 1936, nas comemorações do décimo aniversário da revolução nacional in SALAZAR, António de Oliveira, Discursos e Notas Políticas, vol. 2 (1935-1937), Coimbra Editora Limitada, Coimbra, p.136.

48

Discurso proferido por Carneiro Pacheco na sessão de encerramento do I Congresso da União Nacional no Coliseu, a 28 de Maio de 1934 in PACHECO, Carneiro, Três Discursos, Imprensa Portugal- Brasil, Lisboa, 1934, p.12.

49

“A formação da Mocidade e a defesa da Pátria” (discurso proferido na sessão solene de homenagem às Forças Militares, na Sociedade de Geografia, em 24 de Maio de 1936), in PACHECO, António Carneiro, Portugal Renovado. Discursos, Tip. da Casa Portuguesa, Lisboa, 1940, p.219.

50

(27)

Mocidade Portuguesa, para que ao menos, pela acção do Estado, não possa a juventude de hoje

dizer como o órfão no Macbeth “tem pai ainda e é órfão já”. E porque de filhos pródigos se devia fortalecer o Estado, não devia este abandoná-lo, sob pena de perder a nova geração: É preciso para decoro dos “homens grandes” que hoje têm responsabilidade no meio social, auxiliar este

movimento de formação integral da juventude, para que futuramente estes “homenzinhos” de hoje,

não nos bolsem na cara o seu legítimo desprezo pela nossa indiferença, não nos remoquem pela

nossa incompreensão por obra de tanta monta, não mofem na nossa incúria, ou então, com

magnanimidade e generosidade, misericordiosamente, nos esqueçam porque quando podíamos,

deles não nos lembrámos.51

Segundo o primeiro comissário Nobre Guedes, era então à Mocidade Portuguesa, obreira deste “novo homem”, que cabia a formação moral da juventude: A “Mocidade Portuguesa” educa segundo a moral cristã e tem a formação moral como primeiro fundamento das suas actividades.

Mas não pode naturalmente limitar a sua acção educadora à constituição do indivíduo moral.52 E se a formação moral não constituía o todo da formação “integral” a operar, era fundamental que Na defesa da integridade espiritual como da territorial da Pátria (...) se incluísse (...) igualmente o vigor físico dos seus filhos. Diluindo a educação física nos princípios da formação pré-militar, estava encontrada a fórmula: Os serviços da Pátria têm (...) outras exigências pelas quais é preciso responder. Eis porque a “Mocidade Portuguesa”, que procura educar os homens do futuro, não

pode ser apenas uma escola de moral.53 No entanto, a esta simbiose entre a formação espiritual e física do jovem, Nobre Guedes retirava-se da afirmação militarizante explícita, num discurso suficientemente ambíguo para conferir um carácter para-militar tão elástico quanto possível ao que as circunstâncias exigissem: A “Mocidade Portuguesa” não pretende fazer dos seus filiados um corpo de Exército de soldadinhos de chumbo, mas educá-los na admiração das virtudes militares e

dar-lhes as condições de resistência física como as de resistência moral, para poderem ser bons

soldados sempre que a Pátria precise utilizá-los nesta nobre função.54 E este futuro soldado devia ser cultivado de raiz, longe ainda de “contaminações viciosas” próprias das idades mais avançadas:

Um rapaz, nas vizinhanças dos vinte anos, não se modifica com facilidade. E mesmo dos que

conseguem dominar os seus defeitos, poucos ainda alcançarão uma estrutura espiritual que

satisfaça as exigências da “Mocidade Portuguesa”. A solução encontrava-se a montante, onde

51

“Algumas palavras do Governador do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, Dr. Pestana da Silva” in Estudo e Acção, (prefácio de Celestino Marques Pereira), Ed. da Delegação Provincial - Ponta Delgada, Oficina de Artes Gráficas, Angra do Heroísmo, 1942, s/p.

52

Palavras de abertura do comissário nacional, 1.ª Reunião dos dirigentes (...) p. 9.

53

Ibidem.

54

Referências

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