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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Rodrigo Martins Da Silva

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA

JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Rodrigo Martins Da Silva

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA

JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para

obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação da Professora Doutora Julcira Maria De Mello Vianna.

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Banca Examinadora

_____________________________

_____________________________

(4)

DEDICATÓRIA

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente à minha orientadora, Professora Julcira Maria De Mello Vianna, pela rápida acolhida, orientação e pela confiança depositada no decorrer da elaboração deste trabalho.

Também agradeço enormemente ao Professor Renato Lopes Becho, de quem tive a honra de ser aluno e que muito me ensinou, com suas palavras e com seu exemplo, sobre o direito tributário e a carreira docente.

Agradeço, ainda, à Professora Renata Elaine Silva, com quem iniciei o estudo aprofundado do direito tributário e que me conduziu para a academia e para a docência.

Preciso agradecer, também, a toda a fiscalização tributária do Município de São Bernardo do Campo, da qual fiz parte por 8 anos e que também muito me ensinou.

Da mesma forma, agradeço aos atuais colegas de trabalho, com quem aprendo, todos os dias, o ofício de ser advogado.

(6)

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA

JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Rodrigo Martins da Silva

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. Partindo de definições básicas, visa demonstrar os principais aspectos e fundamentos dessa teoria para aplicá-los e testá-los no subsistema do direito tributário, considerando, para tanto, as particularidades materiais e processuais desse subsistema. Concluindo pela possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, após analisar e conjugar diferentes entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, visa oferecer, por fim, uma análise crítica e comparativa entre a desconsideração da personalidade jurídica e institutos semelhantes. É um trabalho multidisciplinar, que agrega institutos e conceitos doutrinários pertencentes a diversos subsistemas do direito, como o civil, comercial, empresarial, processual e, principalmente, o tributário, confrontando-os com decisões dos tribunais brasileiros, principalmente os superiores.

(7)

LIFTING OF THE CORPORATE VEIL IN THE

TAX LAW: DOCTRINES AND ANALYSIS

OF THE BRAZILIAN JURISPRUDENCE

Rodrigo Martins da Silva

ABSTRACT

This paper intends to analyse the possibility of applying the lifting of the corporate veil theory to the tax Law. Starting at the basic definitions, the paper‟s objective is to demonstrate the main aspects and fundaments of this theory in order to apply and test them in the subsystem of tax Law, considering its material and procedural particularities. Concluding that it is possible to apply the lifting of the corporate veil to the tax Law, after analysing and conjugating various doctrinaire and jurisdictional understandings, this paper finally aims at offering a critical and comparative analysis between the lifting of the corporate veil and similar institutions. It constitutes a multidisciplinary paper that aggregates institutions and doctrinaire concepts belonging to various Law subsystems, such as the civil, the commercial, the procedural, and mainly, the tax Law, confronting them with decisions taken by Brazilian courts, specially the Superior Court of Justice.

(8)

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ... 4

AGRADECIMENTOS ... 5

RESUMO ... 6

ABSTRACT ... 7

INTRODUÇÃO ... 10

1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 13

1.1 A empresa ... 13

1.2 O empresário ... 14

1.3 O sócio ... 15

1.4 O administrador ... 17

1.5 A pessoa jurídica ... 19

1.6 O início da personalidade jurídica ... 20

1.7 O princípio da autonomia patrimonial ... 21

1.7.1 Os tipos societários alcançados pelo princípio ... 24

2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 26

2.1 Definição ... 27

2.2 Origem ... 30

2.3 A recepção brasileira da teoria ... 32

2.4 A positivação no direito brasileiro ... 36

2.5 O artigo 50 do Código Civil: cláusula geral do sistema jurídico ... 40

2.6 Os pressupostos legais de aplicação ... 42

2.6.1 O desvio de finalidade ... 51

2.6.2 A confusão patrimonial ... 55

2.7 Os pressupostos são exemplificativos? ... 58

2.8 As duas teorias brasileiras: a teoria maior e a teoria menor ... 60

2.9 A natureza jurídica do vínculo obrigacional ... 64

2.10 Os limites subjetivos e objetivos da desconsideração ... 67

2.11 A desconsideração inversa ... 76

3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO ... 80

3.1 Os diferentes entendimentos sobre o tema ... 80

(9)

3.3 O prazo para requerer a desconsideração da personalidade jurídica no direito

tributário ... 90

3.4 Desconsideração, grupos econômicos e as obrigações tributárias ... 104

3.5 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário ... 120

3.5.1 O devido processo legal ... 120

3.5.2 A reserva de jurisdição ... 132

3.5.3 O instrumento processual apropriado ... 136

3.5.3.1 A desconsideração em execução fiscal ... 139

3.5.3.2 A desconsideração em cautelar fiscal ... 147

4 DIFERENÇAS ENTRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO OU ADMINISTRADOR ... 150

4.1 Quanto à natureza do vínculo obrigacional ... 154

4.2 Quanto aos pressupostos de aplicação ... 155

4.3 Quanto aos limites objetivos ... 160

CONCLUSÃO ... 163

(10)

10 INTRODUÇÃO

Há tempos, as questões referentes à responsabilização (essa palavra está sendo aqui empregada em sentido amplo, isto é, referindo-se a todas as relações obrigacionais em que figura, no polo ativo da relação, o Estado-fisco) por débitos tributários vêm despertando especial interesse dos estudiosos e aplicadores do direito.

Um dos interessantes temas acerca dessa responsabilização (em

sentido amplo) é a discussão doutrinária em torno da possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. Essa questão tem fomentado elevadíssimos debates teóricos, principalmente diante das diversas decisões judiciais em matéria tributária que têm sido proferidas aparentemente fundamentadas nessa teoria.

Objetiva-se, assim, com o presente estudo, investigar se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é compatível com as obrigações de direito tributário. A depender das primeiras conclusões, objetiva-se investigar, também, como tal teoria pode ser aplicada, traçando, para isso, seus principais contornos, pressupostos e limites de aplicação.

Com vistas a elucidar aparentes imprecisões, também analisaremos as diferenças existentes entre a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário e outros institutos que, apesar de também implicarem na responsabilização (em sentido amplo) patrimonial de terceiros, com ela não se confundem.

Analisaremos, dessa forma, inicialmente, algumas definições fundamentais à compreensão do tema, como a de empresa, empresário, sócio, administrador, pessoa jurídica, personalidade jurídica e separação patrimonial, já que tais categorias serão mencionadas no decorrer de toda a construção do trabalho. Além de estabelecer premissas acerca do que se entende acerca de tais institutos, a exposição dessas definições permitirá a melhor compreensão do nosso raciocínio.

(11)

11 positivação em diversos diplomas normativos, com especial destaque para o artigo 50 do Código Civil, considerado cláusula geral do direito.

Evidenciaremos, em seguida, os seus pressupostos, os limites objetivos e subjetivos de sua aplicação e, principalmente, a natureza do vínculo obrigacional estabelecido entre o credor e aqueles sobre quem recaem os efeitos patrimoniais decorrentes da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Depois de traçado esse panorama, enfrentaremos a problemática central eleita no presente trabalho: há possibilidade jurídica de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário? Em busca de respostas, analisaremos as principais correntes doutrinárias sobre o assunto, perpassando a análise da natureza não negocial do crédito tributário, o que é fundamental à compreensão da matéria.

Investigaremos, em seguida, a natureza do prazo – e o próprio prazo – para requerer a desconsideração da personalidade jurídica em direito tributário, bem como a questão da desconsideração nos grupos empresariais.

Por sua máxima importância à matéria, as questões processuais envolvidas também serão devidamente analisadas quanto aos aspectos mais polêmicos, como a necessidade de se contemplar o devido processo legal e a reserva de jurisdição a que se submete o instituto, bem como os instrumentos processuais adequados para se promover a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.

Por fim, serão analisadas as diferenças entre a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional, cotejando-se os elementos caracterizadores da distinção.

Como o direito possui inquestionável caráter sistemático, a pesquisa será marcada pela interdisciplinaridade, com a tentativa de se congregar institutos pertencentes a diferentes subsistemas do direito, como o do direito civil, empresarial, comercial e especialmente o tributário, assim como fazem nossos tribunais ao analisar e decidir um caso concreto.

(12)

12 tribunais, especialmente os superiores, com os ensinamentos doutrinários sobre a matéria.

(13)

13 1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Como o presente trabalho tem por finalidade analisar a aplicabilidade – ou não – da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, delimitando seus eventuais contornos e limites, com a intenção precípua de oferecer uma análise crítica da doutrina e da jurisprudência dominante nos tribunais brasileiros, mormente os superiores, entendemos ser imprescindível expor algumas definições fundamentais de institutos jurídicos que serão exaustivamente mencionados em nossas ponderações. Além de estabelecer premissas, a exposição dessas definições auxiliará o desenvolvimento e a compreensão do nosso raciocínio.

1.1 A empresa

A empresa é um instituto intrinsecamente multidisciplinar, pois é composta por fatores econômicos, sociais e jurídicos que resultam em uma organização econômico-social de fatores de produção. De acordo com Rubens Requião (2013, p. 85), a empresa é uma realidade abstrata, na medida em que se realiza como o conjunto organizado de fatores de produção, postos para funcionar por um empresário.

Após ter realizado amplo estudo sobre o tema, Maria Rita Ferragut (2013, p. 2) também explica a empresa como uma atividade econômica organizada, acrescentando, ainda, que tal atividade visa a obtenção de lucro mediante o oferecimento, ao mercado, de bens e serviços gerados a partir da organização de fatores de produção, tais como força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia.

Logo, a empresa pode ser resumidamente definida como o exercício de uma atividade organizada dos fatores de produção, congregados por um empresário. É possível depreender, assim, que o desaparecimento do exercício da atividade organizada implica no desaparecimento da própria empresa.

(14)

14 etc. (FERRAGUT, 2013, p. 2). Ela explica, logo em seguida, que a divergência é justificada na medida em que o Código Civil, nas raras referências que faz à empresa, trata-a tanto como estabelecimento (artigo 978) quanto como pessoa jurídica (artigo 1.172).

Em que pese a polissemia do termo, faremos como fez a autora em questão: adotaremos a definição acima proposta, de empresa como atividade organizada de fatores de produção, pois tal definição coaduna-se perfeitamente com o nosso trabalho. Considerando, assim, que empresa é uma atividade, torna-se necessário estudar, então, o executor dessa atividade: o empresário.

1.2 O empresário

O artigo 966 do Código Civil prescreve que “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Empresário, portanto, é quem toma a iniciativa de organizar a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, isto é, a empresa, constituindo, assim, o seu elemento subjetivo.

Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 123) destaca, com o senso crítico que lhe é peculiar, que, em diversas referências, o direito positivo brasileiro ainda organiza a disciplina normativa da atividade empresarial a partir de uma pessoa física, mas que a figura do empresário pode ser tanto uma pessoa física, que emprega seus recursos e organiza a empresa individualmente, quanto uma pessoa jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.

(15)

15 A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo, sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que explora a atividade empresarial, não é correto chamar de “empresário” o sócio da sociedade empresária.

Ocorre que o legislador frequentemente considera a pessoa física como o núcleo conceitual das normas sobre a atividade empresarial. Acaba dando ensejo, por isso, a confusões entre a figura do empresário pessoa jurídica e a figura dos sócios que a compõem, como se empresário fosse sinônimo de sócio.

De fato, enquanto a pessoa jurídica empresária é constantemente chamada de empresa (expressão essa que, tecnicamente, corresponde à atividade), os seus sócios são frequentemente chamados de empresários (expressão essa que corresponde, por sua vez, à pessoa física ou jurídica exercente daquela atividade).

Contudo, empresa é atividade, e não a pessoa que a explora, e empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade, conforme nos ensina Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 123). Empresa, empresário e sócio são, pois, institutos jurídicos totalmente distintos, e não trazem em si, tecnicamente, o significado de seus usos correntes.

1.3 O sócio

Sócio é a pessoa física ou jurídica que integra uma sociedade empresária mediante sua participação na formação do respectivo capital social. Todos os tipos societários admitem sócios na formação da sociedade, exceto a sociedade por ações (os tipos societários, dos quais a sociedade por ações é espécie, serão analisados adiante).

(16)

16 Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 124) destaca que o direito positivo certamente disciplina as relações jurídicas do sócio, garantindo-lhe direitos e imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade empresarial pela sociedade de que faz parte (com isso, destaca que a atividade é exercida pela sociedade empresária, e não pelo sócio). Tais relações são, contudo, as mesmas que a legislação atribui ao empresário (enquanto pessoa física ou jurídica exercente daquela atividade); são outros direitos e obrigações estritamente reservados pela lei aos que se encontram na condição de sócio. Portanto, os direitos e responsabilidades do empresário ou da sociedade empresária não são, em regra, naturalmente extensíveis aos sócios.

Dentre as responsabilidades do sócio, destaca-se o dever de participar da formação do capital social e das perdas sociais até o limite da sua correspondente responsabilidade, que pode ser limitada ou ilimitada, a depender do tipo societário adotado (que será visto adiante) ou de alguma outra circunstância juridicamente relevante, como na desconsideração da personalidade jurídica, que constitui o objeto do presente trabalho. Por outro lado, o sócio tem direito de participação nos resultados sociais da sociedade, de acordo com o quanto estipulado nas disposições contratuais pertinentes.

Fábio Ulhoa Coelho (2012b, p. 175) destaca, ainda, que o sócio pode intervir na administração da sociedade, mediante sua participação na escolha do administrador (figura que será analisada a seguir) ou na definição da estratégia geral dos negócios, tendo o direito, ainda, de fiscalizar os atos de administração, por meio do exame dos livros e documentos da sociedade empresária e pela tomada das contas que devem ser prestadas pelos administradores, na forma legal ou contratual.

(17)

17 1.4 O administrador

Define-se administrador como a pessoa física que, segundo os poderes que lhe são outorgados pelo empresário, pratica, em nome desse, atos de gestão. São os administradores, portanto, que contratam pessoal, fornecedores e prestadores de serviço, que cuidam das contas a pagar e a receber, que representam o empresário perante entidades públicas e privadas, que alienam bens, que contraem obrigações, etc.

A administração pode ser atribuída a uma ou mais pessoas, sócias ou não, designadas no contrato social ou em ato separado. Importa reiterar, a propósito, que a administração pode ser feita por quem é sócio ou por quem não é sócio. A mera condição de sócio não garante, per si, o direito de administrar diretamente, muito embora garanta o direito de indiretamente intervir na administração e na fiscalização.

Maria Rita Ferragut (2013, p. 8) destaca que o Código Civil em vigor extinguiu a figura do sócio-gerente, que é a designação outrora atribuída ao sócio que era investido no mandato legal de administrador e representante legal (SILVA, 2003, p. 770), passando a adotar as figuras do administrador sócio (que, além de participar do capital da sociedade, a administra) e do administrador não-sócio (que é nomeado tão somente para gerir os negócios sociais, sem que possua quotas da sociedade).

Renato Ventura Ribeiro (2005, p. 278) explica que o termo administrador usado no Código Civil em vigor substituiu a palavra gerente, utilizada nos diplomas legais anteriores, e que, apesar de a expressão ser sinônimo de bacharel em Administração, não se exige, em regra, tal formação. Esclarece, contudo, que, embora não se exija, em regra, formação específica, o administrador deve ter um mínimo de preparo para o exercício de tal função:

(18)

18 Somente de forma excepcional a legislação delimita qual o conhecimento técnico ou experiência exigidos para o exercício da função de administrador, como no caso de administração de instituições financeiras privadas (inciso XI do artigo 10 da Lei Federal nº 4.595/64) e do administrador judicial na falência ou recuperação de empresas (artigo 21 da Lei Federal nº 11.101/05).

O termo diligência provém do latim diligere, que significa zelar ou cuidar, considerando-se inerente ao dever de gestão, portanto, o agir com cuidado e zelo. Assim como o sócio, o administrador possui direitos e obrigações quando investido em tal função, conforme se observa em diversos dispositivos do Código Civil, como, e.g., no artigo 1.011, segundo o qual “O administrador da

sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência

que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus

próprios negócios.”

Apesar de o dispositivo legal em questão estar inserido num capítulo que trata especificamente das sociedades simples, corroboramos o entendimento defendido por Maria Rita Ferragut (2013, p. 10), de que seu mandamento deve ser tomado como referência para todos os tipos societários.

Ocorre, porém, que o conteúdo semântico das expressões cuidado e diligência possui certa carga subjetiva, na medida em que a compreensão do que seja cuidado e zelo pode variar de pessoa para pessoa. Por isso, o legislador decidiu por bem amenizar a subjetividade, estabelecendo alguns critérios normativos que fixam o mínimo de cautela e diligência necessários ao exercício da administração.

De fato, o fez no artigo 1.020 do Código Civil, segundo o qual os administradores estão obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e a apresentar-lhes, anualmente, o inventário, o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico.

(19)

19 equivalente, em pecúnia, com todos os lucros resultantes, respondendo, ainda, por todos os prejuízos que houver causado.

Ao analisar as disposições do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas, Renato Ventura Ribeiro (2005, pp. 292-299) constatou os seguintes deveres do administrador, explícitos e implícitos: informar-se, qualificar-se, participar, vigiar, buscar informações, investigar, intervir e não praticar erros graves no exercício de sua função.

Neste trabalho, adotaremos a expressão administrador para indicar aquele que possui o poder de gestão da sociedade sem ostentar, porém, a condição de sócio. Nas situações em que o administrador for sócio, adotaremos a expressão sócio-administrador, distinguindo, assim, as figuras do sócio, do administrador e do sócio administrador, de modo a empregar maior rigor metodológico ao nosso discurso.

1.5 A pessoa jurídica

Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 436-457) explica que existem, basicamente, quatro teorias científicas acerca da pessoa jurídica. De acordo com a teoria da ficção, a pessoa jurídica seria algo irreal, imaginária, desprovida de objetividade existencial. Segundo essa concepção, o direito concebe a pessoa jurídica como uma criação artificial, cuja existência, por isso mesmo, é uma simples ficção.

Para a teoria da equiparação, a pessoa jurídica não tem personalidade própria, surgindo em razão de certas massas de bens, isto é, de patrimônios que são equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais.

(20)

20 tanto um corpus, que administra e mantém a entidade em contato com o

mundo, como um animus, que é sua vontade dominante.

A teoria da realidade das instituições jurídicas defende, por sua vez, que o direito pode criar suas próprias instituições e seus entes personificados, colocando a pessoa jurídica, assim, como produto da técnica jurídica. Ao rejeitar a tese ficcional (teoria da ficção), essa teoria considera os entes coletivos uma realidade que não seria objetiva (teoria orgânica ou da realidade objetiva), pois a personificação se opera por construção eminentemente jurídica, ou seja, o ato de atribuir personalidade não seria arbitrário, mas à vista de uma situação jurídica.

Tomando por base o artigo 45 do Código Civil, segundo o qual a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado tem início com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, a doutrina majoritária tem defendido, como fazem Heleno Tôrres (2003, p. 436-457) e Fábio Ulhoa Coelho (2012b, pp. 144-145), que a personificação da pessoa jurídica é, de fato, uma construção da técnica jurídica, o que justifica, inclusive, a suspensão legal de seus efeitos, por meio da desconsideração da personalidade jurídica nas situações excepcionais admitidas igualmente por lei.

Igualmente ao mencionado jurista, adotaremos a teoria da realidade no presente estudo, porquanto é a que melhor se coaduna com as nossas premissas. A sociedade empresária, desde que esteja constituída nos termos

da lei, adquire o status de pessoa jurídica, tornando-se capaz, por

consequência, para contrair direitos e obrigações.

1.6 O início da personalidade jurídica

(21)

21 Portanto, de acordo com a lei civil, a pessoa jurídica passa a ter personalidade jurídica a partir de sua regular constituição. Como ente distinto dos sócios que a compõem, sua personalidade jurídica é independente da personalidade dos mencionados sócios. A pessoa jurídica terá, assim, enquanto sujeito de direitos e obrigações, o seu próprio nome e o seu próprio patrimônio.

Muito embora o artigo 45 do Código Civil prescreva que a personalidade das pessoas jurídicas de direito privado tem início, em regra, com a inscrição de seu ato constitutivo no respectivo registro, as sociedades em conta de participação constituem a exceção, pois o artigo 993 do mencionado codex prescreve que seu contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e que a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não lhe confere personalidade jurídica.

Dessa forma, excepcionando-se as sociedades em conta de participação, a personalidade jurídica da pessoa jurídica, isto é, sua aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, lhe será reconhecida quando o seu respectivo ato constitutivo for registrado no órgão competente.

Dentre todas as consequências advindas do início da personalidade da pessoa jurídica, a que mais nos interessa – por força dos fins objetivados neste

trabalho – é justamente a mencionada separação patrimonial entre os bens da

entidade personalizada e os bens dos sócios que a compõe, que a doutrina designa como princípio da autonomia patrimonial.

1.7 O princípio da autonomia patrimonial

(22)

22 Muito embora o atual Código Civil não tenha reproduzido dispositivo idêntico aos artigos 20, 22 ou 23 do codex anterior, Maria Rita Ferragut (2013, pp. 23-24) observou que:

As regras veiculadas nos artigos 22 e 23 da legislação anterior encontram-se atualmente previstas, ainda que com redação um pouco diversa, no parágrafo 1º do artigo 61 do Código Civil. Tal enunciado tem por pressuposto a distinção patrimonial, ao permitir que os associados deliberem restituir-se das contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

A referida autora assevera, logo em seguida, que o artigo 50 do Código Civil em vigor, que regula o instituto da desconsideração da personalidade jurídica (sobre o qual versa o presente trabalho), também confirma a distinção e a autonomia patrimonial existentes entre o sócio e a pessoa jurídica, na medida em que uma das causas para a desconsideração da personalidade é exatamente a confusão patrimonial.

De fato, se os bens devem permanecer separados, sob pena de desconsideração da personalidade jurídica, é porque a propriedade desses bens pertence a pessoas diversas. Como observa a referida autora, se fossem todos da pessoa jurídica, ou da física, a confusão seria impossível e o dispositivo legal em questão não teria qualquer utilidade.

Outros dispositivos do Código Civil preveem, de forma pontual, a mencionada separação patrimonial ao tratar de tipos societários específicos. De fato, ao tratar das sociedades limitadas, o artigo 1.052 do Código Civil prescreve que a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, e que todos respondem solidariamente pela integralização de seu capital social.

(23)

23 Tais dispositivos, por nós colhidos a título exemplificativo, demonstram a clara distinção existente entre o patrimônio social e o patrimônio dos sócios que compõem a pessoa jurídica que, no caso de tais dispositivos pontuais, corresponde à sociedade limitada.

Ocorre que a segregação patrimonial em questão passou a projetar seus efeitos além dos lindes do direito civil, tendo recebido, por isso, pela doutrina pátria, conforme já se mencionou, o status de princípio jurídico. Trata-se do princípio da autonomia patrimonial, que é explicado por Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 80) da seguinte forma:

Em razão da autonomia patrimonial, os bens, direitos e obrigações da sociedade, enquanto pessoa jurídica, não se confundem com os dos seus sócios. A principal implicação deste princípio é a impossibilidade de se cobrar, em regra, dos sócios, uma obrigação que não é deles, mas de outra pessoa, a sociedade.

Em outro estudo, o mesmo autor (COELHO, 2012b, pp. 144-145) esclarece que:

(...) a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da sociedade. Somente em hipóteses excepcionais (...) poderá ser responsabilizado o sócio pelas obrigações da sociedade.

Portanto, as obrigações contraídas pelos sócios a eles pertencem, e por elas responderão com seu próprio patrimônio, e as obrigações contraídas pela pessoa jurídica a ela pertencem, e por elas responderá com seu próprio patrimônio.

(24)

24 pessoa jurídica constitui um dos mais importantes princípios do direito, de fundamental importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, na medida em que limita eventuais prejuízos decorrentes do possível insucesso àqueles que se propõem a empreender.

Ao lado das prescrições classificadas como de direito material, acima vistas, a legislação processual civil brasileira também contempla, expressamente, a separação patrimonial em questão, ao prescrever, no artigo 596 do Código de Processo Civil em vigor, que os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.

O denominado Novo Código de Processo Civil, instituído por meio da Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, ainda em vacatio legis no momento da conclusão do presente trabalho, reproduz essa mesma regra no caput de seu artigo 719, ao igualmente prescrever que os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.

A separação patrimonial em questão foi reafirmada, ainda, no § 4º desse dispositivo, que impõe a observância do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos artigos 133 a 137 do mesmo código para que se possa responsabilizar os sócios por obrigações contraídas pela sociedade.

Portanto, por expressa previsão normativa, tanto de direito material quanto de processual, é regra que a pessoa jurídica responderá com o seu próprio patrimônio pelas obrigações que assumir. Tais regras limitam a possibilidade de os sócios virem a comprometer seu patrimônio pessoal em decorrência do fracasso da pessoa jurídica por eles constituída. Contudo, excepcionalmente, poderá haver a responsabilização de sócio pelas

obrigações da pessoa jurídica, mas somente e tão somente nos casos

previstos em lei, como no caso da desconsideração da personalidade jurídica.

1.7.1 Os tipos societários alcançados pelo princípio

(25)

25 acordo com o ordenamento jurídico em vigor, a pessoa jurídica pode ser constituída como sociedade limitada, sociedade anônima, empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), sociedades simples, em nome coletivo, em comum, em conta de participação, em comandita simples, etc. Em cada um desses tipos societários, a legislação atribuiu diferentes formas de atribuição de responsabilidade aos sócios.

O Código Civil prescreve não haver limitação de responsabilidade patrimonial nas sociedades simples, em nome coletivo, em comum, em conta de participação e em comandita simples. Dessa forma, por razões óbvias, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada a esses tipos societários, na medida em que o respectivo sócio já responde com seu patrimônio pelas obrigações da sociedade.

Como o princípio da autonomia patrimonial se aplica, por força das disposições do ordenamento jurídico em vigor, somente à sociedade limitada, à sociedade anônima e à empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), são esses, pois, os únicos tipos societários sobre os quais pode ser aplicada a mencionada teoria da desconsideração. Assim, toda a pesquisa e as conclusões a seguir acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica terão como objeto somente e tão somente esses três tipos societários. Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 62) observa, porém, que não é necessária a existência de pessoa jurídica e nem sequer de personalidade jurídica para a aplicação da desconsideração (o que coloca em dúvida, inclusive, a própria nomenclatura dada à teoria), na medida em que a limitação da responsabilidade de um determinado patrimônio e, por consequência, a possibilidade de romper tal limitação pode ser conferida por lei a qualquer centro de imputação de direitos e deveres, ainda que despersonificado, como ocorre em relação à massa falida, o espólio, etc.

Se o direito cria sua própria realidade, conforme já afirmamos linhas acima, não há porquê discordarmos das considerações feitas pelo referido autor. Contudo, reiteramos que nosso estudo se volta à limitação da responsabilidade patrimonial – e à possibilidade de superação dessa limitação

– relativamente à sociedade limitada, sociedade anônima e empresa individual

(26)

26

2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO

DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Fábio Ulhoa Coelho (2012b, pp. 144-145) explica que a personalidade jurídica, isto é, a capacidade de contrair direitos e obrigações, é uma criação da lei, sendo, por consequência, uma permissão do Estado, que o faz, no caso das pessoas jurídicas, objetivando o desenvolvimento de atividades econômicas.

Assim como Heleno Tôrres (2003, p. 436-457), Fábio Ulhoa Coelho também parece adotar a teoria da realidade para explicar a pessoa jurídica (já elucidada linhas acima), teoria essa que também adotamos, segundo a qual o direito pode criar suas próprias instituições, como a pessoa jurídica, sua personalidade e a separação patrimonial entre os seus bens e os bens de sócio.

Por outro lado, Rubens Requião (2013, p. 457) doutrina que a personalidade jurídica é um reconhecimento do ordenamento jurídico brasileiro. O mencionado autor parece adotar a teoria orgânica, pois defende que a personalidade jurídica não é constituída pelo direito, mas simplesmente reconhecida.

Seja com base na teoria da realidade ou com base na teoria orgânica, nada mais legítimo do que reconhecer ao Estado, então, a faculdade de verificar se o direito por ele criado ou concedido está sendo licitamente utilizado, atribuindo-lhe competência para reprimir o mau uso. Uma das formas

que ao Estado foi outorgada para reprimir o mau uso é pela desconsideração

da personalidade jurídica.

Etimologicamente, o vocábulo desconsiderar (des, prefixo latino,

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27 Conforme adverte Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 263), ela não é uma teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios: “Muito ao contrário, ela visa preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-lo.” Contudo, como no modelo jurídico brasileiro, o Estado pode fazer somente e tão somente o que estiver expressamente permitido em lei, cremos que deve ser buscada na lei, então, todos os pressupostos, meios e limites para a aplicação dessa reprimenda denominada desconsideração da personalidade jurídica.

2.1 Definição

Luís da Câmara Cascudo (1986, p. 244) ensina que, na Grécia e na Roma Antigas, os atores representavam peças teatrais usando máscaras. Não se via, dessa forma, o rosto do artista. O artifício da máscara servia para

induzir o público ao entendimento de que ali havia uma personagem com “vida

própria”, que não se confundia, em absoluto, com a pessoa do ator.

A máscara dava, portanto, além de vida, personalidade própria àquela personagem. Porém, quando o ator desempenhava mal o seu papel, podia-se exigir que tirasse a máscara, exibindo, assim, sua verdadeira fisionomia, isto é,

sua verdadeira personalidade, para que pudesse receber do público todos os

ônus de sua má ou falsa atuação, isto é, as vaias decorrentes do desagrado coletivo.

As lições de Câmara Cascudo serviram à construção da definição de desconsideração da personalidade jurídica criada por Alexandre Alberto Teodoro da Silva (2007, p. 69), que prega que “(...) desconsiderar a personalidade jurídica seria como arrancar a máscara da pessoa jurídica com o fim de revelar sua legítima expressão, escondida pelo abuso de personalidade.”

(28)

28 abusiva ou desastrosa, surgiria o direito ao lesado de exigir do Estado a providência de retirar a máscara da pessoa jurídica personificada para que sofra os ônus de sua má interpretação.

Tal providência é a desconsideração da personalidade, que revela, assim, as pessoas que se mantinham encobertas sob a proteção da pessoa jurídica, permitindo ao lesado buscar a satisfação de seus direitos no patrimônio do sócio ou do administrador (relembrando, aqui, que nosso estudo se volta à sociedade limitada, anônima, e à empresa individual de responsabilidade limitada) que sofreu a desconsideração.

A propósito, Mary Elbe de Queiroz (2005, p. 132) ensina que:

A desconsideração de atos, negócios ou personalidade jurídica é uma forma de se desprezar (levantar o véu) o ato, negócio ou personalidade jurídica que se apresenta sob forma lícita e de acordo com o Direito Privado, mas que no seu âmago encerra abuso e prejuízo a terceiro de boa-fé, em decorrência da utilização de pessoa jurídica, para alcançar os sócios como verdadeiros beneficiários dos resultados da sociedade, a fim de responsabilizá-los para que eles assumam o ônus dos danos causados a esses terceiros. A desconsideração tem por objetivo proteger terceiros de boa-fé de abusos ou tentativas de limitar a responsabilidade dos sócios, por meio do emprego ou constituição de pessoa jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser vista, assim, tanto como uma tentativa de prevenir e dar segurança aos terceiros de boa-fé, quanto uma punição àquele que se utiliza da personalidade jurídica para acobertar interesses pessoais e fugir à respectiva responsabilidade (QUEIROZ, 2005, p. 132).

Importa destacar, por outro lado, que a desconsideração da

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29 coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, episodicamente, e tão somente para um determinado caso in concreto.

Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2012, p. 348), para quem, na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica:

(...) subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto. Há uma repressão ao uso indevido da personalidade jurídica, mediante desvio de seus objetivos ou confusão do patrimônio social para a prática de atos abusivos ou ilícitos, retirando-se, por isso, a distinção entre bens do sócio e da pessoa jurídica, ordenando que os efeitos patrimoniais relativos a certas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios, recorrendo, assim, à superação da personalidade jurídica porque os seus bens não bastam para a satisfação daquelas obrigações, visto que a pessoa jurídica não será dissolvida, nem entrará em liquidação.

Referindo-se à mesma teoria, Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 288) também ensina que:

Imputa-se responsabilidade aos sócios e membros integrantes da pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros. Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica, mas, em caso específico e determinado, não a levar em consideração. Tal não implica, como regra geral, negar validade à existência da pessoa jurídica.

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30 Logo, o ato que desconsidera a personalidade não dissolve o ato constitutivo da pessoa jurídica, isto é, não o invalida, não acarretando, dessa forma, a dissolução da sociedade. Permite apenas a superação episódica e momentânea do princípio da autonomia da pessoa jurídica para a satisfação dos interesses do credor lesado junto ao patrimônio de sócio.

2.2 Origem

Clóvis Ramalhete (1984, p. 10) explica que a desconsideração da personalidade jurídica nasceu do labor jurisprudencial nos Séculos XIX e XX, tendo seu primeiro caso (de que se tem registro) em 1987, no julgamento do célebre litígio Salomon vs. Salomon & Co pela justiça inglesa. O mencionado autor narra que Aaron Salomon era um comerciante de couros e calçados que fundou, em 1892, a Salomon & Co., tendo como sócios fundadores ele mesmo, sua mulher e seus cinco filhos.

A sociedade foi constituída com 20.007 ações. A mulher e os cinco filhos tornaram-se proprietários de uma ação cada, e as demais 20.001 foram atribuídas a Aaron Salomon, sendo que 20.000 delas foram integralizadas com a transferência, para a sociedade, do fundo de comércio que Aaron já possuía, como detentor único e a título universal. Consta, ainda, que o preço da transferência desse fundo era superior ao valor das ações subscritas.

Assim, pela diferença, Aaron Salomon tornou-se credor da sociedade de que fazia parte, isto é, da Salomon & Co., com garantia real constituída em seu favor. Na realidade, a estratégia de ser tornar credor real da sociedade de que fazia parte servia como forma de gozar das facilidades e bônus da atividade econômica sem incorrer nos riscos e ônus a ela inerentes, pois, ao menos formalmente, acaso houvesse insucesso nessa sociedade, Aaron Salomon estaria com o seu patrimônio protegido com garantia real constituída em seu favor.

(31)

31 em juízo, sustentando, então, a existência da pessoa jurídica Salomon & Co., e como sócio, a ele não deveria se transmitir a responsabilidade pessoal pelas obrigações contraídas pela sociedade.

Contudo, sobreveio decisão reconhecendo a identidade entre Aaron e sua sociedade mercantil, com confusão patrimonial, sobre o fundamento de que a pessoa jurídica da Salomon & Co. era apenas uma “extensão” de Aaron Salomon. Condenaram-no, assim, a pagar à sociedade determinada quantia em dinheiro, correspondente ao capital social devido, para que fossem satisfeitos os créditos dos demais credores.

O mencionado autor (RAMALHETE, 1984, p. 10) destaca que a decisão em questão só foi possível, à época, devido às particularidades do sistema jurídico anglo-saxão, que adota o direito não escrito e com base na equidade

na construção de sua jurisprudência. Assim, mesmo sem regra jurídica positivada, foi possível ao Juiz inglês aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao referido caso, fundamentando na equidade a sua decisão.

Rubens Requião (2013, p. 461) destaca que a Casa dos Lordes posteriormente reformou essa decisão, julgando que a companhia havia sido validamente constituída de acordo com as leis comerciais, e que não existia, portanto, a responsabilidade pessoal de Aaron Salomon para com os credores da Salomon & Co., sendo válido, dessa forma, o seu crédito privilegiado.

Apesar da reforma da decisão, o quanto decidido pela instância inferior repercutiu em todo o mundo, dando origem à doutrina do disregard of legal entity (para nós, desconsideração da personalidade jurídica), sobretudo, nos Estados Unidos da América, onde se formou larga jurisprudência, expandindo-se, posteriormente, para a Alemanha e para os demais países, inclusive para o Brasil.

(32)

32 2.3 A recepção brasileira da teoria

O ordenamento jurídico brasileiro possuía, desde 1916 (quase que contemporaneamente, portanto, ao surgimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nas instâncias inferiores da justiça inglesa), por força do artigo 20 do Código Civil de 1916, regra expressa de que “As pessoas

jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.” Dessa regra, surgiu o

que a doutrina passou a designar como princípio da autonomia patrimonial da

pessoa jurídica, de grande importância no âmbito nacional, conforme já visto no Capítulo anterior.

Apesar da inequívoca clareza desse mandamento legal, inclusive, alçado ao status de princípio, o Ministro Edgard de Moura Bittencourt decidiu, em 11 de abril de 1955, ao julgar o Recurso de Apelação nº 9.247 junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é possível, em determinados casos e por razões de equidade, superar o referido princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, conforme consta no seguinte excerto da decisão:

Há, no caso, completa confusão do patrimônio da pessoa física do executado com o do embargante, o que resultou evidente prejuízo para quem contratou com aquele.

(...)

A assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado, na realização de perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao direito.

(33)

33 do Tribunal de Justiça de São Paulo, citada por Maria Helena Diniz (2012, pp. 256-257).

Fundado na teria do negócio fiduciário, o referido Desembargador admitiu, em cobrança intentada contra sócios de uma pessoa jurídica, a penhora de bens da sociedade (verifica-se tratar, em verdade, de desconsideração inversa da personalidade jurídica, que será abordada adiante), por entender que essa não passava de uma:

(...) projeção do próprio executado, então seu presidente, a quem dava poderes de gestão tão ilimitados, como se só por ele ou por seus haveres fosse constituída, de modo a lhe atribuir dupla personalidade, e lhe permitir o jogo dúbio com os seus credores.

Destaca-se, em tais julgados, que, no confronto entre a regra expressamente positivada no artigo 20 do já ab rogado Código Civil (que estipulava a separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da sociedade) e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica fundada na defendida equidade, prevaleceu, nitidamente, a mencionada teoria.

Verifica-se, assim, que a jurisprudência pátria começava a adotar soluções semelhantes àquelas dadas pelos tribunais ingleses, demonstrada no caso Salomon vs. Salomon & Co. Ao fundamentar suas decisões na equidade, a jurisprudência pátria estava adotando a ideia, portanto, de que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa regras jurídicas positivadas.

Ocorre que, ao mesmo tempo em que despontavam as primeiras decisões judiciais brasileiras fundadas na equidade, o jurista Rubens Requião (1969, pp. 12-24) escreveu, em ensaio doutrinário pioneiro sobre o tema no Brasil, que a desconsideração da personalidade jurídica possui inquestionável viés principiológico. Tudo indica, aliás, que o referido autor também foi influenciado pelas decisões inglesas sobre a teoria da desconsideração.

(34)

34 (REQUIÃO, 1988, p. 70), entendimento esse mantido em toda a sua obra, inclusive pelo atualizador Rubens Edmundo Requião (2013, pp. 460-462).

Após muito refletir sobre essa teoria, o mencionado autor concluiu que ela é uma consequência direta da expressão estrutural da sociedade que a adota, pois, em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, ocorre o mesmo problema: como enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a resultados completamente injustos e contrários ao direito?

Eis a síntese de suas reflexões:

(...) tanto nos Estados Unidos, na Alemanha, ou no Brasil, é justo perguntar se o juiz, deparando-se com tais problemas, deve fechar os olhos ante o fato de que a pessoa jurídica é utilizada para fins contrários ao direito, ou se em semelhante hipótese deve prescindir da posição formal da personalidade jurídica e equiparar o sócio e a sociedade para evitar manobras fraudulentas. São tais indagações que levam os tribunais norte-americanos a consagrar e aplicar a doutrina, tal como aconteceu no julgamento do caso Montgomery Web Company

vs. Dienelt, no qual o tribunal indagou de si próprio “se o direito

há de fechar seus olhos diante da realidade de que a diferença (entre a pessoa jurídica e o sócio) é um mero jogo de palavras”. Respondeu, sem vacilações que a solução há de ser sempre a de que “nada existe que nos obrigue a semelhante

cegueira jurídica” (REQUIÃO, 1998, p. 70).

Conclui, assim, logo em seguida, que, diante de um abuso evidente, o juiz brasileiro deve indagar-se, na formação de seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude, o abuso, o desvio, a ilicitude ou se deve desprezar episodicamente a personalidade jurídica para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos, realizando, assim, a almejada justiça.

(35)

35 (...) é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude.

É possível verificar, assim, que os referidos teóricos entendem, nitidamente influenciados pela jurisprudência estrangeira (e influenciando, por sua vez, a jurisprudência nacional firmada no Século passado), que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica possui natureza principiológica. Com base nisso, sustentam que ela pode ser aplicada mesmo sem regra positivada expressa, e inclusive, contra a regra alçada aos status de princípio que impõe a separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da pessoa jurídica.

Não se nega o importante papel da doutrina e da magistratura na formação do direito pátrio, tampouco a função criadora das decisões judiciais, até mesmo porque a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve, em seu artigo 4º, que o juiz decidirá o caso, quando a lei for omissa, de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Contudo, impõe-se uma reflexão: que segurança jurídica pode haver na aplicação de uma teoria importada do direito estrangeiro de matriz anglo-saxã (diferente, portanto, da matriz adotada pelo direito pátrio) que permite superar um princípio basilar de direito já incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com base no argumento de que ao juiz cabe aplicar a promover a equidade?

(36)

36 2.4 A positivação no direito brasileiro

Ao mesmo tempo em que também reconhece a função criadora do direito reservada à magistratura, até mesmo porque foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, Clóvis Ramalhete (1984, pp. 9-14), preocupado com a inexistência de fundamento escrito à aplicação da teoria da desconsideração, passou a defender que a recusa dos efeitos da personalidade jurídica deveria ter apoio em lei.

A necessidade de lei também é defendida pelo professor Alexandre Couto Silva (2000, p. 55), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que, tendo por base as teorias que explicam a pessoa jurídica, assevera o seguinte:

Do ponto de vista da concepção ficcionista, a lei que criou a pessoa jurídica poderá suspender seus efeitos e desconsiderá-la, enquanto na teoria realista a desconsideração é enfocada como instrumento do direito positivo para ajustar as construções jurídicas a seus efeitos metajurídicos.

Assim, muito embora haja abalizadas vozes defendendo a aplicação principiológica da mencionada teoria no direito brasileiro, fundada no dever de promoção da equidade atribuída ao Juiz, deve-se considerar que o nosso sistema jurídico se filia à tradição do direito escrito, o que não pode ser simplesmente ignorado.

É razoável supor, então, que o sistema jurídico nacional, que é de direito escrito, integrado ao grande ramo latino-germânico, exige um fundamento legal para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Um texto normativo que reconheça e trate dessa teoria com o devido rigor técnico, estabelecendo os pressupostos, limites e os precisos efeitos da desconsideração eliminará uma série de contestações, inconvenientes e inseguranças quanto à sua aplicação.

(37)

37 a livre convicção do juiz. E foi contemplando a legalidade que o legislador pátrio inseriu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em diversos diplomas normativos, como, e.g., no parágrafo 2º do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que prescreve o seguinte:

Art. 2º (...)

§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Outra previsão legal pode ser encontrada no artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...).

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores

A Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, também passou a prescrever que:

(38)

38 Assim, aos poucos, setorialmente, o legislador brasileiro passou a positivar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em determinados subsistemas do direito, certamente inspirado pela jurisprudência inglesa, que havia influenciado, como tudo indica, a doutrina e a jurisprudência pátria.

Ocorre, porém, que, mesmo diante dessas regras legais expressas, os tribunais brasileiros continuavam a aplicar a teoria em questão por meio de construção pretoriana fundada na equidade, mormente quando se deparavam com o uso abusivo da personalidade jurídica em subsistemas jurídicos ainda não regulamentados.

Mais uma vez, o legislador pátrio foi convocado, então, a eliminar as dúvidas e os abusos cometidos por parte da jurisprudência na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Cumprindo o chamado, o legislador pátrio elaborou a regra constante no artigo 50 do Código Civil em vigor e, ao contemplar a relatividade do princípio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, incorporou toda a doutrinária e jurisprudência brasileira produzidas até aquele momento, estabelecendo critérios e limites à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A redação final do dispositivo legal em questão foi fruto de emenda apresentada pelo Senador Josaphat Marinho à redação original do Projeto de Lei, concebida pelo Ministro Moreira Alves, que possuía o seguinte texto:

(39)

39 prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios, ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.

Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros.

Ao analisar a redação do artigo 50 em questão, que é bem diferente da redação originalmente proposta, João Batista Lopes (2003, p. 40) afirmou que o legislador brasileiro consagrou uma desconsideração da personalidade jurídica inédita, que não se confunde com as outras prescrições legais até então existentes, no Brasil ou no exterior, tendo deixado de “confundir” o instituto da desconsideração com a dissolução da pessoa jurídica ou com a anulação de seus atos constitutivos, críticas essas existentes à redação do instituto na Consolidação das Leis do Trabalho e no Código de Defesa do Consumidor, e que nos permitimos deixar de analisar por não serem pertinentes aos fins objetivados neste estudo. Por ser diferente do exterior, deixaremos de analisar para evitar a sabida sincronia irregular.

Após ter estudado a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica fundada em integração jurisprudencial, isto é, sem fundamento legal expresso, Heleno Taveira Tôrres (2005, pp. 55-56) passou a defender que, a partir da entrada em vigor da regra constante no artigo 50 do Código Civil, não tem mais cabimento qualquer defesa de aplicação da mencionada teoria com base em princípio, criticando, assim, expressamente, o entendimento mantido por Requião. Corroboramos, pois, o entendimento claramente demonstrado por Heleno Taveira Tôrres.

(40)

40 legislador brasileiro, fiel às características e fundamentos do nosso sistema jurídico, que é de direito escrito, integrado ao grande ramo latino-germânico, condensou os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários até então produzidos (naturalmente excluindo algumas divergências) na redação do artigo 50 do Código Civil em vigor, que é considerado, atualmente, o “fio condutor da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, uma dúvida se impõe: qual será a amplitude de aplicação de suas disposições?

2.5 O artigo 50 do Código Civil: cláusula geral do sistema jurídico

Segundo Miguel Reale (2005, pp. 40-41), Presidente da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil em vigor, tal diploma não engloba apenas um conjunto de regras de direito privado; engloba, também, regras e institutos de Teoria Geral do Direito, aplicáveis, pois, a todos os ramos da Ciência Jurídica.

Nas palavras do referido teórico:

(...) não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em que se exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza)

por parte do titular do direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance da regra jurídica.

(...)

Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma.

(41)

41 enquadram naquela velha mencionada dicotomia entre o direito público e o privado.

Interessando-se pelas lições deixadas por Miguel Reale, Judith Martins Costa e Gerson Luiz Carlos Branco (2012, pp. 126-130) se propuseram a analisar as diretrizes teóricas do Código Civil em vigor e concluíram que o artigo 50 do Código Civil é uma dessas cláusulas gerais de Direito, na medida em que expressões como abuso da personalidade e desvio de finalidade mostram-se aplicáveis a todos os subsistemas do direito.

De maneira enfática, Tula Wesendonck (2012, p. 361) também sustenta que o dispositivo legal em questão é uma dessas regras que interpenetram o direito público e o direito privado, nos seguintes termos:

Esse estudo evolutivo é relevante para definir os contornos da desconsideração e a fixação dos princípios e das regras comuns da desconsideração, tendo em conta os requisitos que são apresentados no art. 50 do CC/2002, que por estar na Parte Geral do Código Civil, pode ser aplicado a todos os ramos do direito, inclusive em relação ao direito tributário e trabalhista (como ocorre também por incidência do art. 187 do CC/2002).

Ao adotarmos essa premissa como verdadeira, de que a aplicação do artigo 50 não se restringe ao Direito Civil, somos levados a admitir que a desconsideração da personalidade jurídica nele positivado emana seus efeitos sobre os mais diversos subsistemas do direito.

(42)

42 2.6 Os pressupostos legais de aplicação

Partindo da premissa de que o artigo 50 do Código Civil emana efeitos sobre todos os subsistemas do direito, cumpre-nos analisar, então, quais são os pressupostos à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Rubens Requião (1969, p. 17), pioneiro no estudo do assunto no Brasil, defende que (i) a fraude ou (ii) o abuso de direito são os pressupostos autorizadores da aplicação da mencionada teoria. Assim, subjaz nos ensinamentos do referido autor que os pressupostos são subjetivos: fraude ou o abuso de direito, que dependem do elemento anímico.

Por outro lado, lançando suas atenções especificamente sobre as Sociedades Anônimas, mas com reflexões extensíveis aos demais tipos societários passíveis sujeitos aos efeitos da desconsideração, Fábio Konder

Comparato e Calixto Salomão Filho (2008, passim) sustentaram que o

pressuposto autorizador da aplicação da mencionada teoria é a confusão patrimonial entre o titular do controle e a sociedade controlada.

Na visão desses teóricos, a fraude e o abuso de direito apontados por Requião não contemplam, devido ao caráter subjetivo, todas as possibilidades de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. É possível verificar, assim, que Comparato e Salomão Filho, contrariamente a Requião, prendem-se a pressupostos objetivos.

Essa divergência doutrinária deu surgimento a duas teorias brasileiras bem distintas acerca da desconsideração da personalidade jurídica: (i) a teoria subjetiva, defendida por Requião, e que se funda na fraude e no abuso; e (ii) a teoria objetiva, defendida por Comparato e Salomão Filho, que tem como fundamento da desconsideração a confusão patrimonial.

(43)

43 Salienta-se que, inicialmente, a teoria da desconsideração, por escassez de aplicação, baseava-se principalmente na ocorrência de fraude e do abuso – concepção subjetivista –, e com a evolução da teoria e a atuação dos tribunais em casos práticos pôde-se destacar fundamentos para a sua aplicação, dando-lhe um enfoque mais objetivista. Entretanto, deve-se depreender que a teoria não pode e nem deve ser entendida como de caráter exclusivamente subjetivista ou objetivista, como quiseram alguns doutrinadores. A coexistência de ambas as concepções é possível, completando uma à outra, pois a concepção objetivista não abrange todos os casos possíveis de aplicação da teoria, devendo-se socorrer da concepção subjetivista, que pode atingir maior número de hipóteses de aplicação da teoria.

Conforme consta no trecho acima transcrito, Coelho abandonou o mencionado “maniqueísmo” até então existente na doutrina e passou a sustentar o seguinte: devido à concepção objetivista não abranger todos os casos possíveis de aplicação da teoria da desconsideração, deve-se aplicar, também, a concepção subjetivista, que fundamenta outras hipóteses de aplicação.

É preciso destacar, porém, que o enfocado “maniqueísmo” doutrinário surgiu sob a égide da vigência do Código Civil de 1916 e das diversas decisões judiciais que, inspiradas pelas decisões proferidas pelos tribunais ingleses (e posteriormente, americanos) se propuseram a aplicar a mencionada teoria com base na “equidade”, conforme já destacado.

Referências

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