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2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

2.8 As duas teorias brasileiras: a teoria maior e a teoria menor

É de Fábio Ulhoa Coelho (2005, pp. 260-267) a explicação pioneira de duas teorias acerca da desconsideração da personalidade jurídica: a teoria

menor e a teoria maior. O autor ensina que a teoria menor considera o simples prejuízo do credor motivo suficiente para a desconsideração da personalidade

jurídica, dispensando, assim, a comprovação do abuso da personalidade jurídica:

A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem menos elaborada que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. O seu pressuposto é simplesmente o desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta.

De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização

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fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma (COELHO, 2005, p. 266).

Assim, de acordo com essa teoria, se a pessoa jurídica não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo pelas obrigações da pessoa jurídica.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (que reflete o entendimento dominante em todos os Tribunais brasileiros) entende que a teoria menor tem aplicação, e.g., nas relações de consumo, conforme consta no trecho a seguir transcrito, extraído da ementa resultante do julgamento do Recurso Especial nº 1.111.153/RJ, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, realizado em 10 de maio de 2013:

(...)

1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor). (...)

Por outro lado, a teoria maior pressupõe a efetiva prática de abuso da

personalidade jurídica pelo sócio como requisito indispensável para que se

possa ignorar a autonomia patrimonial em estudo (COELHO, 2005, p. 262). Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 251) explica, por sua vez, que a teoria maior se subdivide nas vertentes subjetiva e objetiva, já analisadas no presente estudo, e que consideram o fator anímico (intenção) presente no abuso de direito e na confusão patrimonial como elemento de distinção em relação à teoria menor.

O mencionado teórico entende que a doutrina a e jurisprudência brasileiras adotam a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica somente em sua vertente objetiva, sob o argumento de que não basta o

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simples prejuízo do credor (pela mera insolvência do devedor) e que não se aplica o abuso de direito por ser de difícil comprovação.

Portanto, de acordo com a concepção objetiva da teoria maior defendida por Carlos Roberto Gonçalves, a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe, sobretudo, a confusão patrimonial intencional, praticada com o intuito de frustrar os direitos do credor.

Apesar de concordar com a afirmação de que a vertente objetiva da teoria maior facilita a tutela dos interesses do credor ou de terceiro lesado pelo uso abusivo da pessoa jurídica, pois o ilícito, nesse caso, é de fácil comprovação, ante a existência de um pressuposto objeto (confusão patrimonial), sustenta Fábio Ulhoa Coelho (2012b, p. 67) que essa vertente não exaure, contudo, todas as hipóteses em que é cabível a desconsideração da personalidade jurídica, sob o argumento de que nem todas as ilicitudes são caracterizadas unicamente pela confusão patrimonial:

(…) a formulação subjetiva da teoria da desconsideração deve ser adotada como o critério para circunscrever a moldura de situações em que cabe aplicá-la, ou seja, ela é a mais ajustada à teoria da desconsideração. A formulação objetiva, por sua vez, deve auxiliar na facilitação da prova pelo demandante. Quer dizer, deve-se presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre os patrimônios dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude.

Assim, de acordo com Ulhoa Coelho, caracteriza-se o abuso da personalidade jurídica quando verificada a confusão patrimonial ou quando verificado o desvio de finalidade (mediante fraude, abuso, etc.), mesmo sem a existência de confusão patrimonial, nesse caso, desde que a pessoa jurídica esteja sendo utilizada por sócio ou administrador para se locupletar ilicitamente em detrimento de terceiros.

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Respeitando as abalizadas vozes que se posicionam de forma diferente, concordamos com Fábio Ulhoa Coelho, cujas lições nos permitem concluir que as duas vertentes (objetiva e subjetiva) da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica foram adotadas pelo legislador brasileiro no artigo 50 do Código Civil, regra geral para a sua aplicação, pois nem toda ilicitude, isto é, nem todo abuso, implica em confusão patrimonial.

É o que está refletido na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa na ementa resultante do julgamento do Recurso Especial nº 970.635/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, realizado pela Terceira Turma em 10 de novembro de 2009 e que, apesar de já ter sido citado neste trabalho, importa repetir:

Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. - A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica.

- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.

- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

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Assim, contemplando os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2012b, p. 67), a Corte Superior de Justiça reconheceu que o artigo 50 do Código Civil contemplou as duas vertentes (objetiva e subjetiva) da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, o que causou imensa satisfação ao autor, conforme afirmou (COELHO, 2005, p. 261).