Aquela idade...
em que tudo
se quer saber
Coleção Apoio pedAgógico
◼ Alfabetizar as crianças na idade certa com Paulo Freire e Emília Ferreiro: práticas, Onaide Schwartz Correa de Mendonça; Olympio Correa de Mendonça ◼ Aquela idade... em que tudo se quer saber, Celso Antunes
◼ Memória, cultura e literatura: prazer de ler e recriar o mundo, Elias José ◼ Preservando a infância para um mundo melhor: a arte de educar e a importância
Aquela idade...
em que tudo
se quer saber
Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Coordenação editorial: Antonio Iraildo Alves de Brito Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Coordenação de revisão: Tiago José Risi Leme Revisão: Jennifer Almeida
Caio Pereira Tiago José Risi Leme Diagramação: Ana Lúcia Perfoncio Capa: Marcelo Campanhã Impressão e acabamento: PAULUS
1ª edição, 2016
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Antunes, Celso
Aquela idade… em que tudo se quer saber / Celso Antunes. – São Paulo: Paulus, 2016. – Coleção Apoio pedagógico.
ISBN 978-85-349-4273-7
1. Crianças - Criação 2. Pais e filhos 3. Perguntas e respostas I. Título. II. Série. 15-10087 CDD-370.15 Índices para catálogo sistemático:
1. Perguntas e respostas: Educação de crianças 370.15
© PAULUS – 2016
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 • São Paulo (Brasil) Tel.: (11) 5087-3700 • Fax: (11) 5579-3627
paulus.com.br • editorial@paulus.com.br ISBN 978-85-349-4273-7
S
umáriov
Primeira Parte
1. Século xix – o “nascimento” do conceito de “criança” ... 15
2. A maneira certa de falar e estimular pensamentos em uma criança ... 19
3. A criança tornando-se pessoa. O verdadeiro sentido do “conversar” ... 23
4. Nos limites da “compreensão” e da “imitação” ... 25
5. Explicando, mesmo que não pergunte ... 29
Segunda Parte Por quê? e como reSPonder? 1. O que é pensar? ... 43
2. Por que a gente morre? ... 44
3. Para onde a gente vai quando morre? ... 45
4. Como faço para não pensar a toda hora que as pessoas que amo vão morrer? ... 46
5. Como a gente nasce? ... 48
6. Por que esquecemos coisas que não queremos esquecer? ... 49
7. Existe algum jeito de a gente não esquecer o que não pode esquecer? ... 50
8. O que quer dizer responsabilidade? ... 52
9. Por que vocês estão se separando agora? ... 53
10. Como é Deus? ... 54
11. Por que as pessoas ficam doentes? ... 56
12. Por que não posso ver televisão a qualquer hora? ... 58
13. Por que papai diz que existem programas na tv que crianças não podem ver? ... 60
14. É verdade que os padrastos são maldosos? ... 62
16. Por que eu não posso me casar com a mamãe? ... 66
17. Como dizer para a Milena que não quero namorar com ela? ... 68
18. O que significa preconceito? ... 70
19. É errado a gente sentir ciúme? ... 72
20. O que é uma virtude? ... 73
21. Por que meu padrasto não gosta que eu saia com o meu pai? ... 74
22. Por que meu irmão saiu da barriga da mamãe antes de mim? ... 76
23. Por que tem criança que mora na rua? ... 78
24. Por que não devemos mentir? ... 80
25. Por que existem crianças que roubam? ... 82
26. Por que às vezes a gente fica com raiva dos adultos? ... 84
27. Por que as pessoas se beijam na boca? ... 86
28. Por que eu fico com medo quando vem uma tempestade? ... 88
29. Por que eu fui adotada? ... 90
30. Por que são os adultos que decidem o que é certo e o que é errado? ... 92
31. Por que existem adultos que não arrumam emprego? ... 94
32. Por que existem casais que se casam e depois se separam? ... 96
33. Por que meu irmão tem uma chave da porta de casa e eu não tenho? ... 97
34. Por que existem colegas que não gostam de mim? ... 99
35. Por que a vovó fuma se isso faz muito mal? ... 100
36. Por que não posso beber cerveja? ... 102
37. Por que eu tenho medo de dormir no quarto escuro? ... 104
38. Por que os adultos me mandam sair da piscina, quando ainda quero ficar? ... 106
39. Por que meninos e meninas não podem tomar banho juntos? .... 108
40. Por que meu irmão gosta e eu não gosto de namorar? ... 109
41. Por que papai ou mamãe não gosta que eu jogue jogos no meu celular ou no meu computador? ... 110
42. Por que meu irmão menor é maior que eu? ... 112
43. Por que às vezes eu tenho vontade de rir quando vejo um adulto chorar? ... 114
44. Por que tem crianças que não gostam de animais? ... 115
45. Por que os namorados brigam? ... 117
46. Por que eu fiquei com raiva do meu pai quando ele se separou da minha mãe? ... 119
47. Por que vovô e vovó gostam que eu durma na casa deles? ... 121
49. Será que eu posso ser sequestrado? ... 124
50. Por que mamãe não me deixa chupar o dedo? ... 126
51. Por que papai só fala de trabalho? ... 127
52. Por que a gente fica com raiva quando nosso time perde? ... 129
53. Por que não posso assistir à televisão e, ao mesmo tempo, jantar? ... 130
54. Por que eu gosto de imaginar coisas impossíveis? ... 132
55. Por que existem guerras? ... 134
56. Por que as pessoas oram? ... 136
57. Por que os adultos não deixam a gente mexer no pipi? ... 138
58. Por que o papai não ajuda a mamãe nos serviços de casa? ... 139
59. O que é uma “palavra feia”? ... 141
60. O que faz uma meretriz? ... 143
61. Por que menino tem pipi e menina tem xixi? ... 144
62. Por que, às vezes, soltamos “pum”? ... 145
63. Por que meu colega é mais novo, mas é mais alto que eu? ... 147
64. Quando papai e mamãe vão se separar? ... 149
65. Por que os adultos não brincam? ... 150
66. Por que muitas vezes que olho no espelho eu não gosto de mim mesmo? ... 152
67. Por que os adultos não gostam de responder às perguntas que a gente faz? ... 154
68. O que quer dizer pedofilia? ... 156
69. Por que algumas pessoas chamam as outras de veado? ... 158
70. O que é masturbação? ... 160
Conclusão ... 163
Para pais e professores encontrarem na hora certa a boa resposta para a pergunta inesperada e que não podemos imaginar de onde a criança tirou.
E quem sabe?
Para no lar começar um café matinal, ou em uma aula na edu-cação infantil abrir a possibilidade para a “pergunta do dia”.
A descoberta da infância, a maneira certa de se conversar e estimular pensamentos na infância
e algumas respostas para perguntas que encantam e surpreendem.
A Ico e Duda, meus netos, que me levaram a descobrir que falar com crianças é muito mais que dizer.
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1. SÉcuLo XIX
o “nAScImenTo” do conceITo de “crIAnÇA”
v
Na Idade Média, a criança, como hoje a percebemos, abso-lutamente não existia. Os índices de mortalidade infantil eram colossais, e encarar a morte de um bebê representava rotina que banalizava a vida para os ricos e para os pobres.
Muito cedo, por volta dos cinco ou seis anos, a criança já ingressava no mundo do adulto e, na medida de sua resistência, compartilhava da luta pela subsistência, desprezada por sua baixa força física.
Somente por volta do século XVI e, principalmente, no sé-culo XVII isso começou a mudar, e mesmo assim muito pouco, pelo menos para as camadas sociais cultural e materialmente mais ricas. A criança, então, já era identificada como “diferen-te” do adulto e até já existiam pessoas que, quando sobrava algum tempo, com ela brincavam, como hoje se brinca com um gatinho ou outro animal de estimação. Era, para a maioria, um brinquedo de luxo.
No século XVIII, essa situação começou a mudar, e já era até possível imaginar nas classes mais abastadas a existência de algo que hoje denominamos “amor materno”. A cultura enciclopedista já admitia, sem consenso de todos, que a criança era um ser imaturo e que precisava da educação e proteção dos adultos. Valorizou-se então o vínculo entre pais e filhos, e
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começaram a surgir as tímidas raízes do que hoje concebemos como “uma família moderna”.
O tema “educação” entrou na pauta das discussões intelec-tuais, e a duração dos estudos, para os meninos, já representava um ensaio da ideia que hoje fazemos de “educação infantil” e das preocupações com as doenças e saúde do corpo da criança. Questionou-se o terrível hábito das “amas de leite” – que geralmente amamentavam as crianças em condições sanitárias deploráveis –, e a responsabilidade por crianças abandonadas passou a ser assumida pelo Estado, sobretudo na França.
Somente no século XIX, nas classes abastadas, a criança passou a dispor de um lugar a ela reservado na casa, com direito a móveis proporcionais a seu tamanho e até mesmo brinque-dos. A vida familiar, então, sofreu mudanças, e começou a se cogitarem restrições à natalidade para se preservar a saúde da criança, havendo maior preocupação com sua sobrevivência.
O progresso na admissão da individualidade da criança caminhou de forma lenta: em 1802, inaugurou-se em Paris o primeiro serviço de pediatria, a primeira escola maternal, em 1881, e o primeiro serviço médico específico para bebês surgiria somente em 1892. Mas, mesmo com o advento dessas institui-ções, a compreensão sobre a importância e a sobrevivência das crianças ainda deixava muito a desejar. Continuava alta a mor-talidade infantil; as mortes durante o parto eram frequentes, e cresceu de forma vertiginosa o abismo entre famílias ricas e pobres, que não tinham cuidados, roupas específicas, espaços ou brinquedos.
Tudo iria mudar no século XX.
A primeira lei contra o incesto foi aprovada na Inglaterra em 1908, mas foi o assassinato de milhares de crianças na Se-gunda Guerra Mundial que despertou a consciência coletiva,
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formatando-se a ideia de educação infantil como prioridade im-prescindível, algo que hoje se assume em quase todo o mundo.
Com o vigoroso crescimento econômico mundial, os avanços da medicina, o progresso nas condições de higiene e, mais tarde, os meios de se conter a gravidez indesejada, a relação com a criança deixou de ser um peso para os adultos, e, desde 1945, já se delineavam as creches modernas, como hoje se preconiza. A infância, afinal, foi descoberta.
Mas nem tudo nessa revelação parece auspicioso.
Não raramente avanços científicos e tecnológicos foram acompanhados pelo exagero, e interpretações incorretas de alguns postulados da psicologia e da psiquiatria infantil se transformaram em doentio “psiquismo” e acabaram levando algumas escolas e muitas famílias à prática de transformar meninos e meninas em “príncipes e princesas” intocados, in-vertendo os papéis, fazendo deles os capatazes do destino dos adultos. Gostamos de pensar, com otimismo, que essa inversão perversa no papel atual da criança e de muitas famílias é um mal curável.
Mas é impossível esquecer-se também de que existe e cres-ce cada vez mais “outro lado” na concres-cepção familiar da criança.
Desde os anos 1970 e 80, percebe-se a progressiva des-construção da família nuclear burguesa e urbana, assim como também das formas mais tradicionais de conjugalidade. Nes- se contexto, para “alguns”, que rapidamente se transformam em “muitos”, os filhos não mais representam a realização ideal dos pais e dos países no futuro. Não apenas se constata a redução do número de filhos, como também já não mais é incomum que os filhos sejam percebidos como obstáculo ou até mesmo estorvo para a realização dos projetos existenciais dos pais.
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Como diretor de escolas de educação infantil por muitos anos, assustava-me o aumento progressivo dos casos de pais que praticamente “esqueciam” de buscar seus filhos, ou retar-davam o compromisso de retirada na hora prevista em função de outros afazeres. Em casos mais extremos, pais e mães que “esquecem” seus filhos em casa ou dentro de veículos repre-sentam signos da desnarcisação das crianças e sua involuntária exposição de compulsões às drogas, de perturbações alimen-tares à geração de doenças psicossomáticas.
Desejamos ardentemente não estar entrando em uma nova fase sobre o “conceito de infância”, do desconhecimento como pessoa à descoberta da criança, de sua significação social e familiar à sua elevação à categoria de “príncipe intocável” em seus anseios e desejos, para agora como em inúmeras famílias a representação de “empecilhos”. Está se transformando em costumeira rotina pais “assassinarem” filhos, como se torna também costumeiro encarar a ideia de que filhos possam as-sassinar seus pais. Nunca desejamos tanto estar errados nessa atroz previsão.