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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 678/05.9TBFLG.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 678/05.9TBFLG.G1 Relator: ROSA TCHING

Sessão: 15 Junho 2010 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA

SEGURO DE VIDA DECLARAÇÃO INEXACTA

Sumário

1º- Para efeitos do art. 429º do Código Comercial, a declaração só será inexacta ou reticente se puder influir sobre a existência ou condições do contrato se seguro.

2º- Traduzindo-se a declaração inexacta ou reticente num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, incumbe à seguradora, nos termos do nº. 2 do art. 342º do C. Civil, fazer a prova da sua influência sobre a existência ou condições do contrato.

3º- Se o candidato a seguro de vida colocou ao alcance da perita médica, encarregada de preencher o questionário clínico, todos os elementos

indispensáveis para uma correcta avaliação do seu estado de saúde e se esta não transformou esses dados em informação para a seguradora, ter-se-á de entender, que não lhes deu qualquer relevo para efeitos de avaliação de risco, pois, de harmonia com o disposto no art. 236º, nº1 do C. Civil, é essa a

conclusão a que chega um declaratário normal, colocado perante a situação em concreto.

4º- Não é de considerar inexacta ou reticente as declarações do tomador do seguro se os factos não relatados podiam e deviam ser do conhecimento do segurador e só não chegaram a ser por a médica examinadora não lhe ter veiculado toda a informação por aquele fornecida.

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Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

[A] e mulher, [B], intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra a “COMPANHIA DE SEGUROS [C], S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar ao beneficiário inscrito no contrato de seguro entre ambos celebrado – o B.E.S. – o capital em dívida à data da invalidez do A.

marido, ou seja, Abril de 2001, e ainda todos os encargos bancários e legais que a mora no pagamento do referido capital tenha dado causa.

Alegaram, para tanto e em síntese, terem celebrado com a R. um contrato de seguro de vida associado a financiamento bancário, mais concretamente dois créditos à habitação contraídos no Banco Espírito Santo, o qual garantia, para além de outras coberturas, o pagamento do capital em dívida, que

inicialmente era de Esc. 47.000.000$00 (234.435,01 €), em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva dos Segurados por Doença ou Acidente e que, não obstante em Abril de 2001, o A. marido ter sofrido os primeiros sintomas de um aneurisma cerebral, cujo agravamento impediu-o de exercer qualquer actividade profissional e tornou-o totalmente dependente do auxílio de uma terceira pessoa para a prática de todas as suas actividades da vida diária, a ré recusa-se a proceder ao pagamento do capital garantido no âmbito do referido contrato.

A R. contestou, excepcionando a anulabilidade do contrato de seguro celebrado com o fundamento no facto do autor ter omitido à seguradora informações relevantes sobre o seu estado de saúde e impugnado parte dos factos alegados pelos autores.

E, sustentando ter o autor agido de má fé, deduziu pedido reconvencional com o qual pretende a condenação dos AA. a reconhecerem a reversão a favor da R./Reconvinte dos prémios de seguro pagos, no valor de 1.903,74 €.

Os AA. replicaram, impugnando a matéria de excepção e da reconvenção Proferido despacho saneador, nele relegou-se para decisão final o

conhecimento da excepção de caducidade invocada pelos autores.

Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se

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a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 634 a 640.

A final, foi proferida sentença que:

A- Julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a R.,

“COMPANHIA DE SEGUROS [C], S.A.”, a pagar ao beneficiário do contrato de seguro celebrado entre aquela e os AA., [A] e mulher, [B], ou seja, o “Banco Espírito Santo, S.A.” o capital em dívida referente aos contratos de mútuo aludidos em 1) dos factos provados, à data de Abril de 2001, isto é, 231.124.48

€, acrescido de todos encargos bancários – designadamente juros – e legais que a mora no pagamento por parte da R. tenha dado causa;

B) Julgou improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo os autores.

As custa da acção e da reconvenção ficaram a cargo da R.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Em 03/05/200 o recorrido prestou as declarações sobre o seu estado de saúde perante a médica Drª. [D] a partir das quais preencheu o impresso denominado "declarações do candidato a seguro de vida que o recorrido subscreveu.

2. O recorrido declarou no que respeita à existência de defeitos físicos ou incapacidade a existência de cicatriz deformante no pé esquerdo.

3. O recorrido declarou ser saudável.

4. O recorrido declarou ter estado internado em Hospital ou em

estabelecimento de saúde em consequência de litiase renal e perfuração do pé esquerdo por projéctil.

5. O recorrido declarou não se encontrar previsto, a curto ou médio prazo, algum tratamento ou hospitalização.

6. O recorrido declarou ter sido submetido a intervenção cirúrgica em consequência de litiase renal e perfuração do pé esquerdo.

7. O recorrido declarou não ter sido submetido a outros estudos radiológicos, TAC ou ecografía, nomeadamente do tubo digestivo, vias urinárias, ossos ou outros.

8. O recorrido declarou nunca ter padecido de doença gastrointestinais.

9. Na data - 03/05/2000 - em que o recorrido preencheu as mencionadas declarações sobre o seu estado de saúde, o mesmo tinha sofrido de hemorragia digestiva por úlcera duodenal.

10. Sofria de atrofia muscular da coxa esquerda e da perna esquerda.

11. Tinha sido submetido a artrose do tornozelo esquerdo.

12. Sofria de cicatrizes ao nível do pé (face plantar) que impediam o uso de calçado vulgar.

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13. Padecia de deformidade grave do pé esquerdo.

14. À data da prestação das mencionadas declarações o recorrido padecia de uma incapacidade de 73%.

15.0 recorrido omitiu os referidos factos sobre o seu estado de saúde na declaração que subscreveu sobre o seu estado de saúde.

16. As referidas declarações influenciaram a decisão da recorrente de aceitar a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida, nos seus

precisos termos e condições.

17. Caso o recorrido tivesse declarado os mencionados factos sobre o seu estado de saúde, a recorrente teria recusado a cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva.

18. O recorrido tinha conhecimento do seu efectivo estado de saúde que omitiu ou que falseou.

19. O recorrido tinha consciência que as declarações prestadas eram relevantes para a apreciação pela recorrente do risco coberto pelo

mencionado contrato de seguro do ramo vida, e em consequência para a aceitação da celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida.

20. O recorrido ao subscrever o referido questionário clínico assumiu todas as declarações escritas nele contidas.

21. A efectuação de exame médico ao recorrido não transfere para a

recorrente o dever do recorrido de prestar declarações exactas e integrais sobre o seu efectivo estado de saúde com vista à apreciação pela recorrente do risco coberto pelo mencionado contrato de seguro do ramo vida.

22. Nem altera ou diminui tal dever.

23. O recorrido ao subscrever o referido questionário clínico prestou falsas declarações sobre o seu estado de saúde.

24. Verificam-se os pressupostos da aplicabilidade nos presentes autos da norma constante do artigo 429° do Código Comercial.

25. A anulabilidade do mencionado contrato de seguro do ramo vida determina a improcedência do pedido formulado pêlos recorridos.

26. A anulabilidade do mencionado contrato de seguro do ramo vida determina a inexistência de direito dos recorridos ao pagamento pela

recorrente do capital seguro e confere à recorrente o direito à reversão a seu favor dos prémios de seguro pagos.

27. Na sentença recorrida ao decidir-se pela condenação da recorrente no pedido e pela absolvição dos recorridos do pedido reconvencional violou-se o disposto nos artigos 429° do Código Comercial, 287°, 289°, 362°, 373°, e 376°

todos do Código Civil.

28. Termos em que, deve conceder-se inteiramente provimento ao presente recurso de apelação, e em consequência, revogar-se a sentença recorrida,

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substituindo-se a mesma por acórdão em que se decida absolver a recorrente do pedido formulado pelos recorridos e condenar estes no pedido

reconvencional.”

Os autores. contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância ( colocando-se entre

parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os artigos da base instrutória) são os seguintes:

1) Os AA. celebraram, como pessoas seguras, um contrato de seguro de vida, da [C], associado a financiamento imobiliário, mais concretamente dois

créditos à habitação contraídos no Banco Espírito Santo, estes com os n.ºs 11324255103 e 11301187402 e aquele titulado pelo contrato n.º 67700043 e pela apólice n.º 53/501/217626, com início em 2000/05/19, conforme doc. n.ºs 1 e 2 destes autos e de fls. 7 e ss. dos autos de providência cautelar, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos (A).

2) O capital seguro no mencionado contrato ascendia a Esc. 47.000.000$00 (MFA).

3) Nos termos do contrato de seguro de vida que os AA. celebraram, entende- se por Invalidez Absoluta e Definitiva, quando, por consequência de doença ou acidente, o segurado fique total ou definitivamente incapaz de exercer

qualquer actividade remunerada e dependente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente (MFA).

4) Os AA. sempre pagaram tempestivamente os prémios relativos ao contrato de seguro referido em A) (MFA).

5) Os AA. pagaram prémios de seguro no valor total de 1.903,74 €, os quais a R. não lhes devolveu (MFA).

6) O capital em dívida ao Banco Espírito Santo, em Abril de 2001 e referente aos contratos de crédito à habitação referidos em 1) ascendia a 46.336.250$00 (BI).

7) Em Abril de 2001 surgiram ao A. os primeiros sintomas de aneurisma cerebral (BI).

8) …Ao qual foi tratado nos dias 13 e 15 de Abril, na Urgência do Hospital de S. Gonçalo de Amarante (BI).

9) …E esteve internado no Serviço de Neurologia do Hospital de Guimarães, de 20 de Abril a 20 de Maio (BI).

10) …Tendo sido posteriormente enviado (Maio de 2001) para o Hospital de S.

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Marcos, Braga, para aí ser submetido a uma cirurgia (BI).

11) Da situação clínica que motivou a referida cirurgia – aneurisma da comunicante posterior esquerda – resultou para o A. a perda quase total da visão, parésia do III par e diplopia residual (BI).

12) O A. marido ficou, pois, em consequência do aneurisma de que foi vítima, em Abril de 2001, dependente de terceira pessoa para as várias tarefas da vida corrente, a saber: (BI)

13) Tornou-se incapaz de praticar actos diários tão simples como cortar a barba, fazer a sua higiene diária, cortar os alimentos, tomar a medicação diária (BI).

14) Na sequência do aneurisma, passou o A. marido a movimentar-se apenas com o auxílio de uma canadiana (ou de uma bengala), única forma de se sentir equilibrado (BI).

15) …Bem como passou a sofrer de esquecimento fácil e de alteração de memória, cefaleias, alteração de carácter, a nível sexual, deterioração cognitiva e intelectual (BI).

16) O Centro Nacional de Pensões do I.S.S.S. considerou o A. reformado, concedendo-lhe uma pensão de invalidez (MFA).

17) …Bem como o complemento de dependência de terceira pessoa (BI).

18) Na sequência do referido em 17), o A. ficou impossibilitado de exercer qualquer profissão remunerada (BI).

19) O A. vem reclamando desde Agosto de 2001 o pagamento do capital seguro à R. e com fundamento no seguro identificado em 1) (BI).

20) No entanto, a R. tem vindo a recusar reiteradamente esse pagamento (BI).

21) Numa fase inicial, em 18 de Setembro de 2001, enviou a R. ao A. marido uma carta, que se encontra junta sob o doc. n.º 12, onde não declinava a responsabilidade, mas apenas lhe solicitava documento comprovativo do pagamento do complemento de assistência a terceira pessoa emitido pela Segurança Social (BI).

22) Dado que entendia a R. que esse era o documento necessário para que o A. marido comprovasse a necessidade da presença permanente de uma terceira pessoa para a realização dos actos ordinários da vida corrente, em obediência ao estipulado nas condições gerais e especiais do contrato de seguro em causa (BI).

23) Mediante carta datada de 5 de Fevereiro de 2002, remetida pela R. ao A.

marido, aquela declinou a sua responsabilidade pelo pagamento do capital em dívida, invocando a nulidade do referido contrato de seguro, alegando que o A.

marido omitiu factos do seu conhecimento e que influíram na celebração do contrato em causa, conforme documentos juntos a fls. 176 a 179, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (BI).

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24) Por carta datada de 2002/02/05, que enviou ao A., a R. declarou a

anulabilidade do mencionado contrato de seguro do ramo vida (vide doc. n.º 22 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com o

requerimento inicial) (MFA).

25) Por carta datada de 2002/03/01 que enviou ao A., a R. respondeu à carta datada de 2002/02/14 que o mesmo lhe remeteu e confirmou a declaração de anulabilidade do referido contrato de seguro do ramo vida, especificando os factos omitidos pelo requerente relativamente ao seu estado de saúde (vide doc. n.º 2 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com a oposição) (MFA).

26) Em 2000/04/19, foi emitido pelo Dr. [E] relatório de incapacidade sobre o A. em que expressamente constava a descrição das sequelas presentes:

- atrofia muscular da coxa esquerda;

- atrofia muscular da perna esquerda;

- artrotese do tornozelo esquerdo;

- cicatrizes ao nível do pé (face plantar) que impedem o uso de calçado vulgar;

- deformidade grave do pé esquerdo (vide doc. n.º 3 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com a oposição).

27) Em 2000/02/19 foi emitido pelo Dr. [F] relatório médico sobre o A. em que consta que, em Agosto de 1994, o mesmo sofreu de hemorragia digestiva por úlcera duodenal, tendo estado internado no Hospital de Amarante (vide doc.

n.º 4 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com a oposição) (MFA).

28) Nos dias 11 de Abril de 2000 e 3 de Maio de 2000, o A. foi submetido a exames médicos efectuados pela Dr.ª [D] (MFA).

29) Em 3 de Maio de 2000, o A. prestou declarações sobre o seu estado de saúde perante a médica Dr.ª [D], a partir das quais esta preencheu o impresso denominado “declarações do candidato a seguro de vida”, que aquele A.

subscreveu, conforme documento junto a fls. 183 a 186, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (BI).

30) O A. declarou, no que respeita à existência de defeitos físicos ou

incapacidade, a existência de cicatriz deformante no pé esquerdo (vide doc.

n.º 1 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com a oposição) (BI).

31) O A. referiu a litíase renal e a úlcera gástrica de que padeceu, exibiu o seu pé esquerdo e relatou a causa da deformidade deste (BI).

32) O A. declarou ter estado internado em Hospital ou em estabelecimento de saúde em consequência de litíase renal e perfuração do pé esquerdo por projéctil (vide doc. n.º 1 junto aos autos apensos no procedimento cautelar comum com a oposição) (BI).

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33) O A. declarou não se encontrar previsto, a curto ou a médio prazo, algum tratamento ou hospitalização (vide doc. n.º 1 junto aos autos apensos de procedimento cautelar comum com a oposição) (BI).

34) O A. declarou ter sido submetido a intervenção cirúrgica em consequência de litíase renal e perfuração do pé esquerdo (vide doc. n.º 1 junto aos autos apensos no procedimento cautelar comum com a oposição) (BI).

35) Na data – 2000/05/03 – em que o A. preencheu as mencionadas declarações sobre o seu estado de saúde, o mesmo tinha sofrido de hemorragia digestiva por úlcera duodenal (BI).

36) …Sofria de atrofia muscular da coxa esquerda e da perna esquerda (BI).

37) …Havia sido sujeito a artrodese do tornozelo esquerdo (BI).

38) …Sofria de cicatrizes ao nível do pé (face plantar) que impediam o uso de calçado vulgar (BI).

39) …Padecia de deformidade grave do pé esquerdo (BI).

40) A análise do documento junto a fls. 183 a 186 influenciou a decisão da R.

de aceitar a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida, nos seus precisos termos e condições (BI).

41) Caso o A. tivesse declarado os mencionados factos sobre o seu estado de saúde, a R. não teria assumido o risco relativo à incapacidade (BI).

42) O A. tinha conhecimento do seu estado de saúde referido em 35) a 39) (BI).

43) O A. tinha consciência de que as declarações prestadas eram relevantes para a apreciação pela R. do risco coberto pelo mencionado contrato de seguro do ramo vida, e em consequência, para a aceitação da celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida (BI).

44) À data da prestação das mencionadas declarações, o A. padecia de uma incapacidade de 73% (BI).

45) A R. submeteu o A. aos exames médicos que entendeu convenientes (MFA).

46) As condições gerais e especiais juntas a fls. 305 e seguintes dos autos de procedimento cautelar em apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nunca foram comunicadas aos AA., que delas tiveram conhecimento já depois de Maio de 2001 (BI).

47) O seguro em causa foi efectuado ao balcão do BES da Lixa, por imposição deste e na sequência dos financiamentos imobiliários supra referidos, por funcionário bancário que não da actividade seguradora em causa (BI).

FUNDAMENTAÇÃO:

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Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da

alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P.

Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras,

eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se o segurado omitiu à seguradora, na proposta de seguro, informações relevantes acerca do seu estado de saúde e geradoras de anulabilidade do contrato de seguro de vida nos termos do art. 429º do C. Comercial.

E a este respeito, diremos, desde logo, que esta questão mostra-se devidamente analisada e decidida na sentença recorrida, com cujos

fundamentos de facto e de direito concordamos e para os quais remetemos ao abrigo do disposto no art. 713º, nº5 do C. P. Civil.

Resta-nos, por isso, reforçar alguns desses fundamentos e rebater os agora invocados pela ré/apelante.

Persiste a ré seguradora em defender que a omissão, por parte do autor, aquando do preenchimento e subscrição do impresso denominado

“declarações do candidato a seguro de vida” de que tinha sofrido de

hemorragia digestiva por úlcera duodenal e que sofria de atrofia muscular da coxa esquerda e da perna esquerda, tinha sido submetido a artrose do

tornozelo esquerdo, sofria de cicatrizes ao nível do pé (face plantar) que impediam o uso de calçado vulgar, padecia de deformidade grave do pé esquerdo e padecia de uma incapacidade de 73%., consubstancia declaração inexacta ou reticente susceptível de anulação do contrato de seguro nos termos do citado art. 429º do C. Comercial.

Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.

Senão vejamos.

O contrato de seguro é “ o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto” . Sendo a actividade seguradora uma actividade de risco, facilmente se

compreende, por um lado, a importância que tem para a seguradora o

conhecimento de todos os factos que possam aumentar ou diminuir esse risco.

E, por outro lado, que uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro seja a declaração de risco, que, no dizer de José Vasques , é uma

declaração de ciência, feita pelo proponente, e que se destina a avaliar o risco

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e a permitir o cálculo do prémio.

O contrato de seguro, segundo este mesmo autor , “ conclui-se mediante duas declarações negociais – a proposta contratual e a aceitação ( ou declaração de aceitação)”.

E porque a seguradora baseia a sua aceitação nas declarações do tomador do seguro, nas quais “tem de confiar (…) para fixar as condições do contrato e o alcance das suas obrigações, não podendo o segurador comprovar a exactidão dessas declarações para efeitos de extinção do risco em virtude do volume de declarações que recolhe normalmente e pela dispersão geográfica dos riscos”

,, é que o art. 429º do C. Comercial dispõe que “ toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.

Mas se é certo fazer-se, nesta norma, referência a contrato de seguro nulo, também não é menos seguro que, estando em causa interesses

predominantemente particulares, tem-se defendido ao nível da doutrina e jurisprudência nacionais que, a existir invalidade, se trata de anulabilidade.

Está-se perante declaração inexacta quando há afirmação de factos que não correspondem à realidade e perante declaração reticente, sempre que haja omissão de factos e circunstâncias que servem para a exacta apreciação do risco .

Todavia, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que pode tornar anulável o contrato de seguro.

No dizer de Cunha Gonçalves “ É indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não

contrataria ou teria contratado em diversas condições, As simples inexactidões anódinas não produzem a consequência jurídica de anular o contrato”.

Para efeitos do art. 429º do C. Comercial, uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou o prémio aplicável.

Por outro lado, como salienta Moitinho de Almeida , “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador” e, mais adiante , acrescenta que “ uma falsa declaração concernente ao risco pode influir na balança de ambas as

prestações, ou mesmo determinando a aceitação pelo segurador de um contrato que de modo algum não aceitaria”.

No mesmo sentido, escreve-se, no Acórdão da Relação de Évora, de 13-2-2003 , que “ Em matéria de riscos, o proponente (segurado) deve declarar todos os

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factos e circunstâncias que tenham influência na decisão de aceitação do risco pelo segurador, quer dizer, tudo o que por qualquer forma seja mais

susceptível de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências”.

Por sua vez, traduzindo-se a declaração inexacta ou reticente num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, incumbe à seguradora, nos termos do nº. 2 do art. 342º do C. Civil, fazer a prova da sua influência sobre a existência ou condições do contrato.

No caso dos autos, está em causa um contrato de seguro do ramo Vida, pelo que a declaração do risco consiste, fundamentalmente, na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar, recaindo sobre o tomador do seguro a obrigação de declarar o que deve conhecer, em termos de normalidade de vida, sobre o seu estado de saúde.

Por outro lado, é consabido que, “com o objectivo de auxiliar o tomador do seguro a evidenciar os factos relevantes para a apreciação do risco, usam as seguradoras fornecer-lhe um questionário que o guie nas suas declarações” . A este respeito, provou-se que, em 3 de Maio de 2000, o A. declarou à médica Dr.ª [D], a existência de cicatriz deformante no pé esquerdo; referiu a litíase renal e a úlcera gástrica de que padeceu; exibiu o seu pé esquerdo, relatou a causa da deformidade deste e declarou ter estado internado em

estabelecimento de saúde onde foi submetido a intervenção cirúrgica em consequência de litíase renal e perfuração do pé esquerdo por projéctil.

Mais se provou que foi a partir destas declarações que a Drª [D] preencheu o impresso denominado “declarações do candidato a seguro de vida” de fls. 183 a 186 e que o autor subscreveu.

E provou-se ainda que destas declarações não constam as seguintes doenças ou sequelas de que o autor era portador: de um lado, a atrofia muscular da coxa esquerda e da perna esquerda, a artrodese do tornozelo esquerdo e as cicatrizes ao nível do pé (face plantar) que impediam o uso de calçado vulgar, com deformidade grave do pé esquerdo; de outro lado, o sofrimento prévio de hemorragia digestiva por úlcera duodenal.

Ora, mesmo admitindo que aquele primeiro grupo de padecimentos tem influência relevante na decisão de aceitação do risco pelo segurador e que, por isso, os mesmos deviam ser do conhecimento da ré seguradora, a verdade é que, sendo tais sequelas perfeitamente visíveis ao exame médico efectuado pela perita médica da ré, não se vê que a não inclusão no dito impresso possa ser imputada ao autor, enquanto candidato a seguro de vida, tanto mais que o mesmo relatou àquela médica examinadora a existência de cicatriz

deformante no pé esquerdo bem como a causa desta deformidade, tendo exibido o mesmo pé e declarado ter estado internado em estabelecimento de

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saúde onde foi submetido a intervenção cirúrgica em consequência de litíase renal e perfuração do pé esquerdo por projéctil.

Caberia, assim, àquela profissional de saúde, valorizar todos estes elementos informativos, complementá-los com o resultado do exame à pessoa do autor e fazer constar do questionário clínico, que assumiu a tarefa de preencher, todos estes dados, por forma a que os mesmos resultassem em informação para a ré seguradora.

Se não o fez, ter-se-á de entender, que não lhes deu qualquer relevo para efeitos de avaliação de risco, pois, de harmonia com o disposto no art. 236º, nº1 do C. Civil, é essa a conclusão a que chega um declaratário normal, colocado perante a situação em concreto.

Se os factos em causa podiam e deviam ser do conhecimento do segurador e só não chegaram a ser por a médica examinadora não lhe ter veiculado toda a informação, não se vê que a falta de relato das mencionadas sequelas possa ser imputada ao autor, enquanto candidato ao seguro.

E o mesmo vale dizer relativamente à hemorragia digestiva, não declarada pelo autor, pois que esta mais não é do que do que uma manifestação da úlcera gástrica de que o autor padecera e da qual havia dado conhecimento àquela perita médica.

Daí nenhuma censura merecer a mui douta sentença recorrida ao concluir que as declarações prestadas pelo autor não enfermam de qualquer inexactidão ou reticência, dando por não verificada a invocada causa de anulabilidade do mencionado contrato de seguro.

Daí improcederem todas as conclusões da ré/apelante.

CONCLUSÃO:

Do exposto poderá extrair-se que:

1º- Para efeitos do art. 429º do Código Comercial, a declaração só será inexacta ou reticente se puder influir sobre a existência ou condições do contrato se seguro.

2º- Traduzindo-se a declaração inexacta ou reticente num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, incumbe à seguradora, nos termos do nº. 2 do art. 342º do C. Civil, fazer a prova da sua influência sobre a existência ou condições do contrato.

3º- Se o candidato a seguro de vida colocou ao alcance da perita médica, encarregada de preencher o questionário clínico, todos os elementos

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indispensáveis para uma correcta avaliação do seu estado de saúde e se esta não transformou esses dados em informação para a seguradora, ter-se-á de entender, que não lhes deu qualquer relevo para efeitos de avaliação de risco, pois, de harmonia com o disposto no art. 236º, nº1 do C. Civil, é essa a

conclusão a que chega um declaratário normal, colocado perante a situação em concreto.

4º- Não é de considerar inexacta ou reticente as declarações do tomador do seguro se os factos não relatados podiam e deviam ser do conhecimento do segurador e só não chegaram a ser por a médica examinadora não lhe ter veiculado toda a informação por aquele fornecida.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a mui douta sentença recorrida.

As custas devidas pela presente apelação ficam a cargo da ré/apelante.

Guimarães,

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