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A constituição psíquica e o corpo

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA E O CORPO

CRISTINA DECIAN

Ijuí – RS 2013

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CRISTINA DECIAN

A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA E O CORPO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Profª Ms. Normandia Cristian Giles Castilho

Ijuí – RS 2013

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CRISTINA DECIAN

A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA E O CORPO

Trabalho de Pesquisa Supervisionado apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).

Banca examinadora:

_______________________________________________________ Orientadora: Normandia Cristian Giles Castilho

Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universite de Paris XIII (Paris-Nord), Professora do Departamento

de Humanidades e Educação (DHE) da UNIJUÍ

_______________________________________________________ Banca: Kenia Spolti Freire

Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Professora do

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AGRADECIMENTO

A meus pais, Selso e Lucimar...

pela vida, por ter sustentado minha escolha, me incentivando nesta longa jornada.

As minhas irmãs, Carla e Claudia...

pelo entendimento, pela partilha e pelo apoio incondicional.

A minha família, especialmente aqueles que se mantiveram muito perto de mim...

pela companhia, pelo entendimento e pela força. Aos meus colegas, a quem devo hoje chamar de amigos...

pelo carinho, pelas palavras, pela compreensão, pelos sorrisos e, simplesmente, pelos momentos inesquecíveis que juntos passamos.

Aos amigos...

pela amizade, pela cumplicidade e pelo entendimento.

Àqueles que aprendi lidar com a ausência... ainda assim, se mantém perto. Saudade. A minha orientadora, Professora Cristian...

pela paciência, carinho, dedicação e transmissão de seus conhecimentos. Acima de tudo, por acreditar que esta pesquisa seria possível e por ser referência na minha formação.

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RESUMO

O presente trabalho faz considerações acerca da constituição do sujeito e de seu corpo. Tanto o sujeito como seu corpo depende da presença do Outro. Este Outro introduz o sujeito e seu corpo numa rede de discurso: é um corpo inserido numa rede de discursos, o qual perpassa gerações através dos hábitos e costumes da família. Neste trabalho busco responder como o corpo do sujeito constitui-se psiquicamente e como o sujeito faz a apreensão desse corpo. Este trabalho foi subsidiado teoricamente pela via do referencial psicanalítico, que permite entender como se dá a construção do corpo, a fim de investigar as representações do corpo. Palavras-chave: corpo, apreensão corporal, teoria psicanalítica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7 CAPÍTULO I ESTRUTURAÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO E SEU CORPO ... 9 CAPÍTULO II COMO O SUJEITO FAZ A APREENSÃO DA IMAGEM CORPORAL? ... 21 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 31

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INTRODUÇÃO

Coçar e comer é só começar. Conversar e escrever também

(MARQUES, 2000, p. 13).

A partir das palavras de Marques, grande escritor gaúcho que realiza a citação acima em sua obra “Escrever é preciso: o princípio da pesquisa”, trago ao longo deste Trabalho de Conclusão de Curso o prazer pela escrita. Escrita esta que, muito mais que angustiante mostrou-se como um grande e prazeroso desafio, repleto de ensinamentos e aprendizados para minha vida profissional, além de marcar o princípio de um longo caminho de pesquisas, descobertas e aprendizagens que se iniciam a partir de então.

O trabalho ora proposto traz como tema principal a questão do corpo no qual propõe responder como este se constitui e a forma como se dá a apreensão corporal da criança, sendo dividido em dois capítulos.

Inicialmente partiremos da conceitualização do corpo amparados na teoria psicanalítica, dissertando sob a forma como esta conceitua a noção de corpo, diferenciando-o do orgânico. Partindo da questão: “O que é o corpo para psicanálise?” trataremos de como se dá a constituição da criança como um sujeito psíquico, abordando como os pais ou aqueles que cumprem essa função banham e inserem o sujeito na linguagem e pela linguagem, lhe dando condições de singularizar-se. Porém, para que esta construção se complete, a mãe precisa deixar um espaço, uma falta, para que a criança possa demandar. A partir disto, gera-se o sentimento de perda que permite a mãe supor que o bebê lhe demande algo. A falta, o buraco, este espaço, é fundamental no processo de constituição psíquica, pois dá condições ao sujeito desejar. Além disso, é necessário que a mãe permita a entrada

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de um terceiro nessa díade mãe e filho, para que assim, instaure a lei e possibilite a constituição do eu e a separação do Outro.

O segundo capítulo demonstra que além de físico e matéria o corpo é pulsional, regido pela libido e pelo desejo da obtenção do prazer que se manifesta do sujeito através do psíquico. Toda essa abordagem nos dá acesso de articular a forma como a constituição psíquica se faz fundante no processo de aquisição da imagem, sendo enfatizada a constituição do corpo através do espelho e introdução ao narcisismo.

O amparo para o desenvolvimento deste trabalho será a pesquisa bibliográfica, que alcançará a teoria psicanalítica dando suporte a questão baseado em diversas obras e autores, com ênfase nas teorias do pai da psicanálise, Freud, bem como nos diversos ensinamentos adquiridos ao longo do curso de graduação.

Retomando Marques (2000, p. 13), afirmo que “não consigo escrever sem pensar você por perto, espiando o que escrevo”. Dessa forma, tudo o que aqui se encontra escrito é para outrem, pois este é o sentido da escrita: escrever para. Que este estudo, já tendo contribuído e muito no alargamento de minha bagagem de conhecimento, possa contribuir também com a Psicologia e para aqueles que dela ainda vão se servir.

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CAPÍTULO I ESTRUTURAÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO E SEU CORPO

Para trabalhar a noção de corpo em psicanálise, é necessário assinalar inicialmente a diferença entre corpo e organismo.

O corpo biológico, da anatomia, dos estudos da medicina é o corpo orgânico. Um neurologista, por exemplo, tomará a maturação do bebê e, certamente, o sistema nervoso, os reflexos e coordenações como eixo do desenvolvimento de uma criança. O corpo na psicanálise, este se constitui através da linguagem e depende sempre do Outro.

Este Outro, que com frequência será citado no percurso deste capítulo, vem representando um lugar, uma função encarnada pela mãe ou por quem cumpre a função materna, ligado à questão da linguagem. Durante o texto, quando me referir à mãe, função materna e Outro, é desta função, propriamente, que estarei me referindo.

Durante muito tempo a questão corpo-organismo e corpo-representação vêm sendo questionada, trata-se da dicotomia entre mente-corpo. É impossível avançar nesta questão sem citar Freud, em seus primeiros estudos, quando acentuava o seu estudo sobre a histeria (Fragmento da análise de um caso de histeria (1905[1901])). Para ele, as manifestações corporais se apresentavam de forma surpreendente, pois tais sintomas se apresentavam no organismo de forma espantosa e porque revelava um corpo que ia além de uma simples queixa orgânica. Esses sintomas, os quais melhor se enquadram quando chamados de manifestações histéricas, se tratavam de paralisias, contraturas, distúrbios sensoriais, distúrbios da sensibilidade, ataques convulsivos, entre outros. Embora cada uma dessas manifestações tivesse suas especificidades, traziam em comum o fato de que nenhuma delas teria explicação orgânica.

Pela natureza das coisas que compõem o material da psicanálise, compete-nos o dever, em compete-nossos casos clínicos, de prestar tanta atenção às circunstâncias puramente humanas e sociais dos enfermos quanto aos dados somáticos e aos sintomas patológicos. Acima de tudo, nosso interesse se dirigira para as circunstâncias familiares do paciente (FREUD, 1905[1901]).

Tendo as pacientes de Freud – por exemplo, casos sérios de paralisia – manifestações histéricas que se encontravam isentas de qualquer alteração

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orgânica, foi possível observar de que não se tratava de um corpo sem sentido, “bruto”, mas suficientemente capaz de apresentar significações.

Neste sentido, para Freud, toda manifestação com relação ao corpo de um sujeito envolve tanto os aspectos sociais, as determinações sintomáticas, como também os dados somáticos e, particularmente as condições familiares no qual este sujeito e seu corpo se constituem. Assim, todas as marcas inscritas no corpo do sujeito pelo Outro adquirem uma representação subjetiva.

Se o corpo não se reduz somente ao orgânico? Como esse corpo se constrói e como ele se sustenta? A partir dessas interrogantes norteadoras, seguimos na escrita deste capítulo.

Para a psicanálise, tanto o sujeito como o corpo são construções que dependem do Outro. Todo ser humano, já no início da sua vida, depara-se com sua incapacidade, impossibilidade para viver, consequentemente depende do Outro, da pessoa que se encarregará e se responsabilizará pelo seu desenvolvimento e em quem encontra referência para a constituição psíquica do eu e de apreensão corporal.

Certamente que para existir um corpo e um sujeito é necessária uma estrutura orgânica, entretanto, desta estrutura somente temos acesso a ela através da significação que o Outro faz dela. Segundo Elia (2010, p. 46):

A psicanálise não desconsidera que tenhamos um organismo e que este é regido por leis naturais e biológicas (o que seria louco), nem afirma que as vicissitudes deste organismo não afetam o sujeito (o que seria impróprio). Ela evidencia e formaliza, como, aliás, é de sua vocação fazer, o que todo mundo sabe pela experiência, mas disso não tira, em geral, nenhuma consequência: que a experiência que temos com nosso organismo, de suas exigências, proezas, debilidades ou doenças, nós só a temos através da significação, do sentido, ou seja, pelo fato de que, por sermos falantes, somos marcados pela linguagem, pelo significante, mesmo no mais extremo nível de intimidade que possamos estabelecer com nossos órgãos e com nosso corpo.

É somente quando este corpo receber significação pelo discurso do Outro (mãe), sendo, por ela, nomeado através da palavra, que este passa a ser subjetivado, transformando-se num corpo erógeno e simbólico. É este discurso, que nomeia este outro corpo, o corpo psíquico de alguém, pois sua condição orgânica não permite constituir-se enquanto sujeito, enquanto eu, sem o atravessamento da linguagem.

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O tempo de ser bebê corresponde à posição lógica do infans, que etimologicamente denomina aquele que ainda não fala, e, portanto, que é ainda incapaz de contar sua própria história. Não se trata apenas de que não tenha adquirido a legalidade sintática da língua e a sua correta modulação fonoarticulatória, mas de não ter nem sequer inscritas as coordenadas psíquicas que fazem possível a enunciação do desejo (JERUSALINSKY, 2002, p. 258).

Desta forma, demonstra-se a linguagem como vital e necessária para a criança, pois é ela que permite a criança construir-se enquanto sujeito. Na obra de Jerusalinsky (2008, p. 126), Saber Falar, o autor nos traz a seguinte passagem:

Compreende-se então que, quando a criança – na sua condição de infans (aquele que não fala) – não consegue se encontrar com uma matriz simbólica, capaz de configurar sua condição de sujeito, ela se precipite, ora nos automatismos radicais do autismo, ora nas repetições incessantes de perguntas sem respostas, na medida em que qualquer resposta que seja dada não virá a encontrar uma função simbólica que a signifique. Lançada fora da orla da linguagem (no autismo) ou exposta as inconsistências desta para deter o real (nas psicoses), a criança ou bem entra no mutismo, ou bem pode chegar a farfalhar sob forma de se tornar audível o registro de uma aparente fala que, apesar de emitida por sua boca, não se acerta a saber, quem é o sujeito.

O sujeito é efeito da linguagem. Ele não se reduz a dimensão de puro signo, mas está na ordem do significante, onde a possibilidade de significação e de interpretação adquire dimensões muito amplas.

Ao contrário dos animais, para o ser humano a presença e função do Outro, não pode se resumir ao imaginário. Esta função precisa ser atuante, também simbólica.

A condição humana não é como a do animal, evidentemente, não estão no mesmo nível. Para a psicanálise, o orgânico nunca foi e nunca será, exclusivamente, capaz de explicar tudo o que ocorre com o sujeito.

Assim, o ser humano por conta própria não consegue constituir-se enquanto sujeito. Para que a constituição de um sujeito aconteça, é necessário que o corpo do sujeito seja “marcado para a vida” pelo desejo do Outro. Não é por si próprio que o sujeito se constitui e constitui seu corpo. O corpo psíquico se produz pelo Outro em relação ao outro (LEVIN, 2000).

O homem não é um ser isolado, que se organiza sozinho, ele necessita das inscrições que o Outro irá realizar em seu corpo para que se construa de forma subjetiva. Pode-se então afirmar que esse é um corpo receptáculo, pois é olhado,

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tocado, marcado e inscrito pela linguagem e, na linguagem, estando, portanto, inserido e sustentado pelo discurso.

É notório que as inscrições que o Outro faz no corpo da criança não são sem efeitos. Mas quando se trata de falar sobre quais são esses efeitos, isto é incerto, pois nos deparamos com uma ampla gama de possibilidades em relação aos efeitos que descobriremos somente a posteriori, isto é, o que sustenta a concepção de que, quando se refere à construção da subjetividade, não se pode falar em prevenção, pois não há como prevenir aquilo que não se sabe.

As inscrições, marcas, que o Outro faz, produzirão efeitos mesmo com seu recalcamento1. O papel do Outro é fundante no processo de estruturação subjetiva da criança, mas é a criança, ela, a partir de suas possibilidades que faz o registro das suas marcas. Sendo assim, a criança não está numa condição de total passividade, ou seja, não está apenas na posição de espectadora, mas tem um engajamento ativo.

A condição para que o corpo humano se constitua está situada da dependência desse corpo ser introduzido no universo da linguagem. Isso significa que não é o sujeito que constitui a linguagem, mas ao contrário. É a linguagem que dá a possibilidade para que o sujeito se constitua.

A partir das considerações feitas por Freud no início do século, as manifestações corporais eram causadas por conflitos psíquicos inconscientes. Trata-se de um corpo Trata-sexual, pulsional, um corpo que não apenas sofre prazer e desprazer, mas que fala dos prazeres e desprazeres. Embora os quadros sintomáticos de paralisias histéricas presentes na clínica Freudiana tenham se modificado no decorrer do século, isto não significa dizer que prescindimos das representações para ter um corpo, estas são construções necessárias, e que mudam dependendo do contexto e da história. Neste sentido se os sintomas se modificam, sua estrutura e determinações simbólicas por serem efeitos da linguagem são imprescindíveis quando nos referimos ao sujeito.

Este sujeito, sujeito na psicanálise, não é o sujeito racional, pensante, consciente. O sujeito psíquico é produto da relação com a linguagem.

1

O recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer [...] O recalque é constitutivo do núcleo original do inconsciente (ROUDINESCO, 1998, p. 647).

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Portanto, se o infans, muito antes de ser concebido, já está presente no discurso, como significante, serão necessárias operações complexas para a constituição subjetiva da criança.

Ao nascer, a criança precisa que lhe seja lançado um olhar, uma palavra de sustentação. Quem dá esse suporte é a mãe (função materna), a qual encarna o Outro primordial para a criança.

No nascimento, surge um corpo orgânico e é através da linguagem que a mãe – ou quem cumpre a função materna –, encarnado no Outro, vai passar a nomear, mapear e simbolizar o corpo do bebê. Assim, a mãe na posição de Outro, toma esse corpo do sujeito e vai banhando com suas palavras o corpo de seu filho. É a mãe, enquanto Outro, que dá significações ao corpo do bebê, deixando marcas simbólicas que ficarão no inconsciente e que irão, junto com outros aspectos, fazendo parte da constituição do sujeito possibilitando a passagem de um corpo que é apenas necessidade para um corpo pulsional. É este Outro que apresenta o corpo a criança, é esse que toma esse puro corpo para ir, então, demarcando e delimitando suas bordas, seus contornos, seus orifícios, seus buracos, seus limites.

De acordo com Jerusalinsky (2002, p. 158):

“A criança bebe as palavras da mãe tanto quanto seu leite” e é neste movimento que se produz uma inscrição desde a qual o órgão da pulsão se

situa em relação ao verdadeiro órgão. É por essa passagem pelo campo do

Outro que os buracos do organismo podem vir a funcionar como diferentes zonas erógenas, na medida em que as hiâncias, aos intervalos do orgânico, se superpõem os intervalos da cadeia significante do Outro, de modo análogo ao que ocorre com um vulcão e seus sucessivos brotes de lava que dele saem transbordando e, ao mesmo tempo, duplicando sua estrutura – o vulcão é ali o buraco do organismo (o verdadeiro órgão) e a lava o banho de linguagem que, ao bordejá-lo, faz dele uma zona erógena e produz seu movimento pulsional. Assim, na medida em que o bebê é tomado pela mãe como objeto de desejo, ela produz nos cuidados que a ele dirige a este um

transbordamento no funcionamento de suas diferentes funções, pois o

objeto que se inscreve desde estes cuidados erógenos já não é mais puramente o objeto da função – por exemplo, função alimentar do leite –, mas um objeto de libido, gozo ou erotismo, pela dimensão significante que este adquire enquanto representante no laço com o Outro.

A afirmação da autora, citada acima, reforça a ideia que são as palavras da mãe, a função que ela desempenha com a criança que permitem a inscrição de diferentes funções no corpo do bebê.

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O sujeito, portanto, se constitui, não “nasce” e não se “desenvolve”. Ele é a prova positiva e concreta de que não é apenas possível como absolutamente exigível e necessário que se conceba o vetor em torno do qual se organiza o campo de atuação da psicanálise como tendo um modo de produção que não é nem inato nem aprendido. [...] Para explicar o modo pelo qual o sujeito se constitui, é necessário considerar o campo do qual ele é o efeito, a saber, o campo da linguagem (ELIA, 2010, p. 36).

Através da entrada da criança na linguagem, ela passa a ser um ser que não se diz, mas que é dito pelo Outro, por meio do discurso do Outro (o Outro sabe quem sou) que se começa a construir então o eu.

Segundo Jerusalinsky (2002, p. 58):

O conceito de Outro foi introduzido por Lacan para definir aquilo que é anterior ao sujeito e o determina em sua constituição: a linguagem. Escreve-se com maiúscula para diferenciá-lo do Escreve-semelhante (outro), com o qual Escreve-se estabelecem identificações imaginárias que dão lugar à rivalidade e ao amor. O Outro, por sua vez, é o lugar do significante em relação ao qual o sujeito precisará vir a se situar, guardando, portanto, uma profunda assimetria com o sujeito. Ainda que este conceito remeta, de modo amplo, à ordem e a lei da linguagem, é fundamental notar que é por meio de um agente materno que um bebê recebe marcas significantes e é inscrito no campo da linguagem.

Como afirma Jerusalinsky (2002), a mãe é a responsável pelas inscrições significantes no corpo do bebê e é inscrito por ela no campo da linguagem. Assim, o mapeamento do corpo da criança implica em erogenizar esse corpo, tornando-o pulsional, e isso, só é possível através do desejo do Outro. O desejo do Outro criará uma falta no corpo (algo sempre faltará), é isto que possibilitará que não se permaneça como puro corpo, mas sim enquanto corpo de um sujeito.

A pulsão desempenha seu papel no funcionamento inconsciente devido a que algo no aparelho do corpo está estruturado da mesma maneira, que na linguagem. O organismo e a linguagem têm esta estrutura intervalar, estas estruturas de hiâncias. A boca, o ânus, o ouvido, o olho, a borda palpebral, a fossa nasal, a uretra, etc. são diferentes buracos dos organismos do bebê em torno dos quais gera uma atividade que exige cuidados. Portanto, tais buracos orgânicos podem vir a se estabelecer como zonas erógenas, no laço com a mãe. Que venham ou não sê-lo depende das marcas que a mãe ali produzir (JERUSALINSKY, 2002, p. 156).

A autora afirma que este Outro (mãe) é o responsável pela inauguração dos “buracos” no corpo do bebê através da erogenização de seus orifícios, sendo esta

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falta fundante e que nos permite sermos sujeito na cultura. Mas, e o que significa esse “buraco”? Segundo Elia (2010, p. 48):

Significa que é só por uma falta no nível do ser, do ser vivo, natural, que o sujeito tem condição de emergir como tal. Significa também que essa falta fundadora do sujeito não se produz por si mesma, ou por algum processo natural, e tampouco cultural – já que a cultura carece tanto quanto o sujeito, de uma teoria que possa explicar, no plano estrutural, sua constituição e seus processos –, mas requer o ato constituinte do sujeito para se fazer como falta. Trata-se de uma condição que comporta algo paradoxal: a falta é fundante do sujeito, mas, em contrapartida, requer o ato do sujeito para se fundar como falta. Podemos formular esse aparente paradoxo de forma mais inteligível dizendo que só há falta no nível do ser se houver sujeito, e que o sujeito é correlato ativo da falta.

Diante disso, as marcas que indicam a falta de algo no corpo, indicarão que este é um corpo erógeno e simbólico, mas também irão afirmar ao sujeito sua condição de faltante e, desta forma, inaugura-se a interminável busca do sujeito para encontrar isso que lhe falte. Logo, é possível constatar que somente através da falta que o sujeito tem condições de se constituir como tal. É através dessa falta que o sujeito se funda e passa a ser um ser desejante.

É dentro deste contexto e das condições exigidas, que o corpo psíquico é constituído, portanto, o bebê antes mesmo de nascer, está situado nessa rede de discursos, o qual perpassa gerações e abraça tudo o que diz respeito à família, suas verdades, preconceitos, hábitos, ideais, costumes.

Todas as manifestações do bebê poderiam ser interpretadas pela ordem da necessidade, porém quando interpretadas pela mãe estas se inscrevem na ordem da demanda que transgridem o funcionamento do órgão, situando sua manifestação no circuito do desejo.

Mas a mãe não só estabelece a demanda do bebê – colocando em cena seu saber inconsciente para ler, para outorgar significação ao choro –, ela produz outro movimento fundamental: após formular uma resposta à demanda do bebê, ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido acertada. É como se a mãe se interrogasse: “Será que é isso mesmo que ele queria?”. Neste movimento, ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que necessariamente coincidiria com o dela. A mãe sustenta uma suposição de sujeito desde muito cedo, ainda quando as reações do recém-nascido são reflexas, carecendo de qualquer intencionalidade, ela está a supor um desejo no bebê (JERUSALINSKY, 2002, p. 137).

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Para a psicanálise, tanto o sujeito como o corpo são construções que dependem do Outro. O ser humano apresenta uma condição biológica muito frágil, incapaz de dar conta das suas necessidades fisiológicas. Desde muito cedo, depende da presença do Outro para que essa sua insuficiência orgânica seja saciada. Algo do desejo da mãe irá antecipar o desenvolvimento da criança, ou seja, irá antecipar no desejo o que se espera que o outro faça.

Referindo-se a satisfação alimentar do bebê evidencia-se que ali há um ciclo de repetições na busca pelo objeto. Quando a criança chora, a mãe responde na forma de amamentar, dar colo, supondo que estaria respondendo aquilo que o bebê está pedindo ou sentindo. Desta forma, a criança necessita de alguém que seja responsável, suas necessidades, e partir daquilo que lhe é oferecido ela encontra o objeto que a satisfaça. É apenas pelo Outro, pela linguagem, que o sujeito pode ter acesso ao saber que lhe permite a escolha do objeto de satisfação.

Neste sentido, é o Outro que significa, dá um sentido àquilo que está acontecendo e apresenta corpo e objeto ao bebê através da linguagem lhe dando a possibilidade de transformar em algo que tenha representação. A mãe codifica as ações através da linguagem, transformando essas manifestações em mensagens, em demanda. Ela (mãe) instala, desse modo, a demanda na criança, na suposição que seu filho lhe demande algo. A demanda do bebê, suposta pela mãe, é uma projeção do desejo dela.

Dias (2009, p. 47-48) vai nos situar em relação à demanda que:

O grito do recém-nascido, que no início não tem intencionalidade e sentido, é testemunhado pela mãe, que o interpreta como demanda, um pedido de ajuda, fornecendo-lhe, então o alimento. Dessa forma, suprime a tensão interna causada pelo estado de necessidade e proporciona ao recém-nascido a vivência da “primeira experiência de satisfação” e seu concomitante registro. Enfim, acontece que, com o grito, o recém-nascido obtém o objeto (seio ou mamadeira) que satisfaz sua necessidade, bem como a demanda da mãe (de que o filho precisa dela, ama-a e deseja tê-la por perto, por exemplo), suprime, vence, por assim dizer, o estímulo interno (a fome), produzindo uma sensação de satisfação. Nessa satisfação originária, a criança, sem demandar ou esperar, é plenamente satisfeita [...] A esta experiência de satisfação se associam a imagem do objeto que proporcionou a satisfação (o seio) e a imagem do movimento que permitiu a descarga de tensão (a sucção). Esse elo permitirá o surgimento do desejo e a consequente busca da realização do mesmo. O que ocorre é uma reprodução alucinatória da experiência de satisfação, com o consequente desapontamento, pois na ausência do objeto real (o seio), não pode haver satisfação e a necessidade persiste. [...] Essa sensação de prazer vai se desvinculando cada vez mais da satisfação da necessidade de alimento. Esse é o mento inaugural da pulsão sexual e do desejo.

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Trata-se da passagem da necessidade à pulsão (a noção de pulsão será enfatizada no segundo capítulo). O grito interpretado, inicialmente de insatisfação e sem intencionalidade, é interpretado pela mãe como demanda, oferecendo o seio frente à fome. A passagem da necessidade, a demanda, permite ao sujeito realizar a escolha do objeto de satisfação, não sendo mais aquilo que o Outro oferece a ele. Esta abertura deixada pelo Outro, dá lugar ao sujeito desejar, dá lugar a falta. É o Outro materno que constitui, viabiliza, o significado e constrói então o corpo pulsionalizado.

É através deste circuito, pulsional, através da relação mãe-bebê que ela vai permitindo que se deixe uma falta, um espaço para que o bebê possa demandar e escolher por si o que quer.

O sujeito desejante surge no contexto de uma relação simbólica com o Outro e pelo desejo do Outro, necessariamente incluído na sua demanda. Na medida em que a mãe, representante do Outro, dá lugar a falta, na satisfação da demanda, a criança se conforta com a ordem da perda, passando a ter condições de desejar. A perda do objeto primordial e consequentemente vazio deixado por sua falta, essência do desejar, instauram a busca alucinatória e incessantemente desse objeto desejar, no sentido de restaurar a experiência de satisfação original (DIAS, 2009, p. 51).

Essa falta que se coloca num jogo de presença e ausência permite a criança o descolamento do corpo da mãe, expressando a primeira simbolização da ausência materna, sendo designado com o Fort-da. A criança lança o carretel para debaixo da cama e em seguida o traz de volta numa expressão de satisfação, que em alemão se diz Fort-da. O Fort-da, através de uma observação de Freud, consiste no jogo de presença e ausência de um objeto, que simbolizava o desaparecimento e reaparecimento da mãe expressando uma construção do simbólico pelo psiquismo da criança, ou seja, a possibilidade de construir um traço psicológico de permanência, presença do objeto internalizado mesmo em sua ausência.

A criança se desenvolve por meio do discurso do outro, ou seja, por meio do discurso materno, da relação com a função materna. É por meio da linguagem que o sujeito vai se construindo, significando o corpo da criança, sendo narrado e inscrito por esse Outro materno, para que se construa de forma subjetiva. Isto significa que antes mesmo de a criança ter atingido, com a relação ao seu desenvolvimento, a maturidade necessária de determinadas coisas – como, por exemplo, falar, sentar,

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andar – o Outro já vai antecipando, imaginariamente, isso para ela. Esclarece-se, segundo Jerusalinsky (2002, p. 160) que:

a antecipação imaginária de um corpo, de um Eu do bebê, dá lugar a antecipação funcional pela qual os pais, ao antecipar realizações instrumentais do bebê, introduzem ofertas e demandas propiciadoras de tais realizações. Assim, por exemplo, ao tomar o balbucio do bebê como palavra, produz-se uma antecipação linguística, ou ao ofertar uma nova postura ao bebê produz-se uma antecipação psicomotora.

O que se coloca na antecipação é o fato desse Outro reconhecer na criança e, em consequência, no seu corpo, uma possibilidade de produção onde ela possa se implicar, se lançar, como sujeito em uma realização. O corpo da criança só recebe sentido conferido pelo desejo e saber materno, entendido como estruturante de uma imagem – pré-sujeito – com o qual ela (criança) se identifica e constrói a apreensão corporal através da identificação especular. Resumidamente, essa experiência de identificação configura-se como um momento de transformação que se produz em um sujeito quando ele assume a sua imagem. Todo o engodo referente à imagem especular, imagem e esquema corporal, assim como a fase do espelho será aprofundado no segundo capítulo deste trabalho.

Para que esta relação mãe-bebê não se dê de forma desestruturada, é necessária a entrada de um terceiro (o pai), que faça um corte e instaure a Lei. Com a presença da função paterna, a criança consegue desfazer-se dessa relação “unificada” com a mãe e assegurar-se mais de sua identidade. Neste sentido, ela vai poder renunciar seu interesse único pela mãe e permitir-se socializar com outras pessoas. Se a função paterna não limitar o desejo da mãe, a criança pode se tornar um prolongamento da mãe.

Abre-se então, a construção da organização da sexualidade infantil, a qual possibilitará o sujeito constituir-se enquanto eu, descolado do corpo da mãe. A este processo se dará o nome de operação edípica na qual será instaurado o falo, objeto imaginário que supostamente preenche a falta, o vazio do Outro.

Neste sentido, interrogo-me acerca do que o falo representa na constituição psíquica do sujeito e como ele é instaurado. Para isso, se falará da castração e dos três tempos do complexo de Édipo.

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O que é o falo, na obra de Lacan? Começaremos por esclarecer o que não é: não é o pênis. A referência a castração não é, em nenhum momento, uma alusão a privação do órgão genital masculino. Constitui uma referência à função do pai, como mediador da relação entre mãe e a criança. Essa função paterna se interpõe na relação didática, imaginária, especular, que é verificada entre o bebê e a mãe. É isto a castração. Para poder ser o terceiro e intermediar o vínculo diádico, o pai deve transmitir a lei, fato que se atualiza por ser o portador do nome. É o pai quem nomeia o filho e neste caso, está simbolizado que é o possuidor do falo, da Lei (A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD, p. 153).

Enuncia-se que a instauração do falo corresponde à identificação, no desejo do Outro, do infans ao objeto imaginário que poderia suprir a falta que aparece no Outro. Assim, neste momento inicial da construção da subjetividade, a criança ocupa o lugar de falo imaginário do Outro.

Podemos explicar o Complexo de Édipo como o conjunto de sentimentos, em grande parte inconscientes, amorosos e hostis em que a criança tem durante a fase fálica em relação aos seus pais. Aos poucos e continuamente a criança substitui tais sentimentos por identificações. Este processo ocorre em três tempos, dos quais, resumidamente, serão descritos por Jerusalinsky (2002, p. 260):

Se no primeiro tempo do complexo de Édipo o bebê é o falo da mãe, no segundo tempo, o pai ocupará a posição de um rival aterrorizante para a criança em relação ao amor da mãe. O pai, no segundo tempo do complexo de Édipo, é porta-voz da ameaça de castração e é suposto pela criança como “detentor do falo”. No terceiro tempo, o pai aparece como doador do falo e a criança se inscreve na sexuação do lado masculino (ao renunciar à mãe como objeto de amor e identificar-se ao pai, para ser o portador do falo, recalcando a conflitiva edípica) ou do lado feminino (reconhecendo-se num primeiro momento como castrada e identificando-se à mãe que, ainda que não tenha o falo, sabe onde buscá-lo: assim os homens passam a ser tomados como objeto de amor – isto marca a entrada no complexo de Édipo).

O complexo de Édipo pode ser entendido como um conflito, resultante da interdição do incesto, que incide na vida sexual da criança como uma privação, onde a mãe é o primeiro objeto de amor, tanto para o menino como para a menina, sendo a lei paterna que interdita.

Com a entrada do pai (função paterna), a criança sai da posição de falo da mãe e vai para a posição de ideal do eu, onde começa a construir seu próprio eu e diferenciar-se do Outro. Surge então no sujeito uma falta que faz com que ele busque a satisfação, ou seja, procura identificar-se com o outro. É a falta que faz

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com que o sujeito se mova e se diferencie do outro, ela é constituinte e proporciona o desenvolvimento.

A criança deixa então de ser o falo da mãe, na medida em que o desejo da mãe se volta para o pai e que a criança descobre que a mãe prefere o outro (o pai) e não ela. Por outro lado, o pai priva a mãe do falo: a mãe deixa de ter o falo e o pai passa a ser identificado, pela criança como aquele que é o falo. Nessa situação, o pai simbólico ainda não está constituído, mantendo-se no nível do imaginário: o pai surge, na relação da criança com a mãe, como um outro, como um objeto fálico, possível rival junto ao desejo da mãe (DIAS, 2009, p. 68).

É a partir da posição de falo imaginário da mãe que nasce a criança. Com a entrada do pai na relação mãe-bebê, nasce o sujeito desejante. Quando a criança sai do lugar do falo materno, ou seja, daquilo que preenche o desejo da mãe, ela sai da posição de depositório do desejo dos pais surgindo seu narcisismo.

O pai é, então, um castrador, porque priva a mãe de ter o falo, e priva a criança de ser o falo da mãe. Porém esse pai só se sustenta por meio do discurso da mãe e ela endereça seu desejo a ele. Então a criança dá a esse pai (imaginário) uma potência fálica e passa então a ser amado e odiado. Odiado por ter tirado a criança de condição de objeto de desejo e amado justamente por tê-la tirado dessa posição. Porém esse ódio é recalcado para que a criança possa amar esse pai. É o amor pelos pais e o desejo de mantê-los que produz a renúncia edípica e o controle dos sentimentos agressivos, ocorrendo assim o declínio do Édipo.

Através da construção acima de como o sujeito se constitui psiquicamente, podemos observar que a criança se descola do corpo da mãe, sai da condição de assujeitamento, para constituir-se enquanto sujeito desejante. Porém após esse descolamento, como o sujeito reconhece a imagem do seu corpo? O capítulo seguinte nos permitirá descobrir a conquista progressiva da aquisição da imagem pelo sujeito.

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CAPÍTULO II COMO O SUJEITO FAZ A APREENSÃO DA IMAGEM CORPORAL?

Partindo das considerações feitas no capítulo anterior em que se fala como o sujeito estrutura-se psiquicamente temos embasamento teórico para agora falar então do corpo. Falamos então de um corpo falante, sexual, mas que também esse corpo é imagem. Nasio (1993, p. 150), irá nos confirmar tal afirmação ao dizer que:

O corpo, como vimos, é um corpo falante e sexual, mas é também – e será nessa minha proposição – uma imagem. Não minha própria imagem do espelho, mas a imagem que é remetida pelo outro, meu semelhante. Um outro que não é, necessariamente, o próximo, mas qualquer objeto do mundo em que vivo. A imagem de meu corpo, acima e antes de tudo, é fora do meu corpo que a percebo. Ela me volta de fora, para dar forma e consistência a meu corpo sexual, o do gozo. O corpo como imagem seria antes, este relógio, meu relógio, ou então essa luminária de couro, ou ainda esta casa em que lhes falo. Esses objetos são imagem, minha imagem, desde que este relógio, esta luminária ou esta casa estejam carregados por um valor afetivo. Pois bem, afirmo que, desde que assuma intimamente um sentido para mim, esta casa, por exemplo, como a imagem do corpo, é um prolongamento do meu corpo.

A concepção de corpo que nos interessa neste trabalho vai além da ideia de corpo apenas físico e material, suporte das necessidades biológicas, mas a ideia de corpo pulsional, no qual se permite que se inscrevam marcas.

[...] o corpo para a psicanálise é pulsional, regido pela libido, visando basicamente a satisfação. Esse corpo se distingue do organismo, cuja função primordial é a perpetuação da espécie e apropriação. Ao corpo pulsional não interessa a finalidade biológica da reprodução, pois a sexualidade humana nada tem de mais natural, uma vez que se inscreve no campo simbólico tendo, desse modo, arrancado o corpo pulsional da sua função biológica, desnaturalizando pela incidência do significante (TEIXEIRA, 2000, p. 32).

Desta forma, a pulsão tem como propósito demonstrar a passagem de um corpo ao outro: o corpo biológico ao corpo que vamos chamar de pulsional.

Freud em “As pulsões e suas vicissitudes” (1915) utilizou o termo Trieb para se referir à pulsão, porém este termo foi traduzido do inglês como instinto, o que causou certa confusão, pois, para ele, a “pulsão está relacionada a uma obtenção de prazer além da satisfação fisiológica sob forças que não agem de forma momentânea, mas de forma constante, diferentemente do instinto”.

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Freud (1915, p. 119) então descreve a pulsão:

como um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como representante psíquico dos estímulos que se organizam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida de exigência feita a mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.

Desta forma, a pulsão seria a força que movimenta o ser humano.

Freud (1915) define como elementos da pulsão: Pressão (Drang), Finalidade (Ziel), Objeto (Objekt) e Fonte (Quelle). Quanto à pressão, ela é uma força constante, ativa. Sobre a finalidade, ele enfatiza a imutável finalidade última da pulsão e os diferentes caminhos que podem levar a esta finalidade. O objeto, conforme descreve Freud, é a “coisa” através da qual a pulsão pode atingir sua finalidade, sua principal característica é que o objeto “é o que há de mais variável num instinto e, originalmente, não está ligado a ele”. Ele sugere que quando há uma ligação particularmente estreita entre uma pulsão e determinado objeto se configuraria como uma fixação. A fonte da pulsão é descrita como algo da ordem do somático (do corpo). Assim, só podemos conhecer a pulsão através de sua manifestação no psíquico, através de seus representantes.

Reconhecendo que poderiam ser descritos diversos tipos de pulsões, Freud (1925) cria duas categorias para agrupá-las: pulsões de autoconservação (ou do eu) e pulsões sexuais.

Os instintos sexuais são numerosos, emanam de grande variedade de fontes orgânicas, atuam em princípio independentemente um do outro e só alcança uma síntese mais ou menos completa numa etapa posterior. [...] Logo que surgem estão ligados aos instintos da autopreservação, dos quais só gradativamente se separam; também na sua escolha objetal, seguem os caminhos indicados pelos instintos do ego (FREUD, 1925, p. 146-147).

Nesse momento da psicanálise, as pulsões sexuais estão apoiadas nas pulsões de autoconservação, ou seja, estão associadas à preservação da espécie e de alguma forma obedecem a um pressuposto biológico, embora Freud deixe claro que não é a biologia, mas a psicanálise que pode explicar sua complexidade.

Freud fala em quatro destinos para a pulsão: reversão ao seu oposto, retorno ao eu, repressão e sublimação. A reversão em seu oposto é dividida em duas formas: a reversão do conteúdo (amor-ódio) e a reversão ativo-passivo

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(sadismo-masoquismo). O retorno ao eu é encontrado também no exemplo do sadismo-masoquismo, sendo o masoquismo um retorno do sadismo ao próprio eu.

Freud afirma que nenhum destes destinos pode dar conta da pulsão, ou seja, satisfazê-la plenamente, portanto, a satisfação é sempre parcial. Diz, ainda, que tanto o retorno ao eu quanto a reversão em seu oposto podem caminhar lado a lado, o que fica claro se pensarmos que são mecanismos para a satisfação da pulsão.

A pulsão, portanto, estará sempre buscando satisfação, se fará presente de forma permanente (não cessando jamais), procurando alcançar seus objetivos que é a obtenção de prazer (reduzindo o nível de tensão à praticamente zero). Porém, nunca haverá um objeto certo e imutável para obter a satisfação, ele sempre será indefinido e invariável.

A pulsão, conforme Freud (1996), é o conceito limite entre o psíquico e o somático, é ela que move o sujeito na vida, dando a esse a condição humana. Na pulsão, ao contrário dos instintos, o que se coloca é algo da ordem da singularidade, pois em cada sujeito ele irá variar de acordo com as marcas que o Outro lhe fez.

As considerações feitas até o momento possibilitam observar e sublinhar que a criança, no processo de estruturação subjetiva a construção do próprio corpo, direcionada ao Outro materno. Somente através da identificação com a imagem sustentada pelo discurso materno – desejo materno – haverá a apreensão do corpo pela própria criança. Porém, para que isso aconteça é necessária a passagem pelo que se denomina o estádio de espelho, pois assim ela terá, em relação ao seu corpo, a noção de totalidade.

No estádio do espelho, a criança, carregada pela mãe e posicionada diante do espelho, percebe, inicialmente, a imagem de seu corpo como uma realidade, como um outro, atestando uma confusão entre ela e o outro. Num segundo momento, a criança descobre que o outro do espelho não é uma realidade, mas uma imagem. E, finalmente, a criança reconhece e assume a imagem refletida como sendo a dela. Trata-se de um processo de identificação, no sentido de uma “transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, 1949, p. 97). Por essa identificação, o sujeito conquista progressivamente sua identidade (DIAS, 2009, p. 56).

Anterior ao estádio do espelho, a criança não consegue ver seu corpo de forma unificada e sim, percebe um corpo fragmentado e não consegue distingui-lo do corpo da mãe, nem do mundo que a envolve. A partir do estádio do espelho,

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situado entre os seis e os dezoito meses, se apresenta para a criança a dimensão de totalidade, de ideal e o sujeito passa a reconhecer a imagem como sua, diferenciando-se, assim, dos outros.

Para que esta criança se constitua psiquicamente é necessário que este Outro, que lhe faz função lhe olhe e lhe fale. Se esta pessoa não auxiliar a criança a se inscrever no imaginário, o estádio do espelho não se organizará. O estádio do espelho é o momento de identificação primordial que a criança faz dela mesma com a imagem que este Outro (mãe) lhe apresentou e é isso que vai promover a estruturação do Eu, dando fim aquele corpo fragmentado.

Ao reconhecer sua imagem no espelho, a criança antecipa imaginariamente a forma total de seu corpo e se identifica com ela. Esse momento de reconhecimento da imagem de seu corpo é acompanhado pela expressão de jubilo, enquanto observa sua própria imagem refletida no espelho e a relação desta com o ambiente refletido. Se a criança manifesta por meio de gestos, mímicas e gritos, seu interesse pela imagem no espelho é porque reconhece algo nela que lhe diz respeito: uma realidade que acompanha e se associa ao seu próprio comportamento (DIAS, 2009, p. 56).

O discurso da mãe é promovedor da identificação especular. Onde eu me olho, onde eu escuto, é onde eu me constituo. A criança precisa de alguém que lhe dê condições e sustentação, que aposte no seu corpo e que lhe diga que é capaz. A mãe é esse alguém que dirá a criança que ela não é apenas, boca, olho e nariz, e sim, aquela que lhe possibilitará a apreensão de unidade. O essencial, no triunfo da assunção da imagem do corpo no espelho, é que a criança, carregada pela mãe, cujo olhar a olha, vira-se para ela como para lhe pedir que autentifique sua descoberta. É o reconhecimento da sua mãe: “Sim, és tu Pedro, meu filho”, que, com um “és tu” dará um “sou eu” (CHEMAMA, 1995, p. 58).

Buscando Bergès (2008, p. 42), acerca do estádio do espelho, ele nos diz que:

É, me parece que o que há para reunir o olhar do outro na relação oblíqua com o objeto, à imagem: esta relação oblíqua ao olhar do outro é certamente questão do testemunho do Outro, de seu suporte, de sua “existência”, como diz Lacan, mas também põe em jogo uma relação lógica da póstero-motricidade com o objeto. Eu penso que se pode juntar a esse objeto do olhar do outro, o objeto motor circundando a imagem no espelho e que, ele, não é especularizado: a motricidade como halo, como suporte. É uma maneira talvez de entrever o que se diz da “mãe-ambiente”, disso que nos momentos importantes das fases do corpo teria a ver com um suporte da mãe: seus braços, etc. Lacan vê esse suporte pelo lado do olhar da mãe.

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O que dá pra destacar na jubilação é que ela antecipa a globalidade da imagem.

A falta do olhar da mãe para com seu filho pode fazer com que não se constitua ali um sujeito desejante. Porém, quando a criança recebe o olhar da mãe, de reconhecimento por tê-la apresentado a ela mesmo, a criança tem a possibilidade de desenvolver sua identidade, vendo-se de forma global e não apenas enquanto partes.

As etapas do estádio do espelho, numa breve descrição dizem que: no primeiro tempo a criança tem dificuldade de separar a imagem dela e do outro, no segundo tempo ela descobre que o outro do espelho não é real, mas sim uma imagem, isso indica que de agora em diante ela sabe distinguir a imagem do outro da realidade do outro, essa etapa é decisiva no processo identificatório. No terceiro tempo a criança reúne as duas fases anteriores, porque além de já saber que aquele reflexo é uma imagem, sabe também que esta imagem é dela. Ela passa a reconhecer-se, transformando assim a imagem de corpo esfacelado para o corpo unificado.

Durante o estádio do espelho ocorre a primeira experiência narcísica que constitui-se a partir de uma identificação unificada do corpo próprio, que resulta na constituição do eu e no investimento libidinal em si mesmo.

A partir do jogo de espelhos que o sujeito constituirá a imagem de seu corpo e a funções imaginárias do “eu”. Os pais, quando começam a observar imitações de seu filho em relação a eles mesmos, sentem-se “reconhecidos” e fazem uma ressignificação do próprio espelho no corpo do filho. Portanto, Levin (2000) diz que “a criança funciona como espelho para a mãe; e porque a mãe se reconhece na criança, esta poderá reconhecer-se e apropriar-se de seu corpo através dela”.

Embora a função materna seja mencionada com grande relevância, destaca-se que a constituição subjetiva da criança também depende da função paterna, bem como, a função paterna é responsável para que a relação mãe/bebê não se dê de forma conflitante.

Diante disso, pode-se perceber que não é por si mesma que a criança tem um nome, um corpo, ela precisa receber isso do Outro. Dessa forma, ela poderá diferenciar-se, constituindo-se como sujeito desejante que pode nomear as coisas e se nomear. O corpo, portanto, se produz, pelo Outro e em relação ao Outro. É um

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corpo que está no universo do desejo, que é olhado enquanto corpo de um sujeito, inserido num discurso e repleto de significantes.

Em Freud o conceito fundamental para pensarmos a questão do corpo é o de narcisismo, que segundo Freud (1914, p. 81) é “atribuído a toda criatura viva” e faz parte da constituição psíquica do sujeito, a partir do narcisismo dos pais que tiveram de abandoná-lo. No texto “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914) Freud trabalha o conceito de libido como sendo a energia sexual, e no narcisismo essa energia volta-se para o ego, que é o contrário de quando o sujeito apaixona-se e a libido volta-se completamente para o objeto.

Freud distinguiu o narcisismo em dois momentos: primário e secundário. O narcisismo primário irá apontar que o primeiro modo de satisfação da libido é o autoerotismo, pois as pulsões são parciais e procuram, cada qual por si, a satisfação no próprio corpo. O sujeito encontra-se na posição de Eu Ideal, sem falta, um tempo de completude. Mãe e filho se completam, o olhar da mãe está voltado totalmente ao bebê, pois o eu ainda não se constitui como tal. Nesse momento os pais reproduzem seu narcisismo na criança e atribuem todas as perfeições e sonhos que um dia renunciaram. Assim, o bebê seria responsável por realizar tudo aquilo que os pais não puseram em prática. O narcisismo primário seria o encontro entre o narcisismo do nascente e o renascente dos pais, possibilitando a inscrição de imagens e palavras que são pronunciadas no berço do bebê.

O narcisismo secundário corresponde ao narcisismo do eu. É necessário que se produza um retorno do investimento dos objetos transformando em investimento do eu, situado entre o autoerotismo e o vínculo com o objeto e constrói-se graças ao retorno da libido retirada dos objetos.

Decorrente desse processo, fala-se sobre a identificação, que se processa no narcisismo e é marcada pela assunção da imagem unificada do próprio corpo e convoca a identificação ao desejo o Outro. A partir de Dias (2009) a idealização é um processo que diz respeito ao objeto; por ela esse objeto, sem qualquer alteração da natureza, é engrandecido e exaltado na mente do indivíduo, ou seja, o objeto é idealizado. A identificação com os pais, como objetos idealizados, contribui para a formação das instâncias eu ideal e ideal do eu. A identificação com os pais, como objetos interditores, por sua vez, contribui para a formação do supereu.

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Segundo Freud (1914), o narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse ego ideal, que como o ego infantil, se acha possuidor de toda perfeição e valor. O indivíduo não está disposto a renunciar à perfeição narcísica de sua infância. O que o indivíduo projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido da infância na qual ele era seu próprio ideal.

Em virtude das modificações culturais decorrentes do processo histórico o sujeito, o corpo do sujeito recebeu mudanças em sua percepção. Em cada época os ideais de corpo variam a partir das novas referências culturais do contexto. Portanto, a partir da perspectiva psicanalítica, o acesso do sujeito e de seu corpo à ordem da cultura está totalmente relacionado a um complexo processo de subjetivação que se constitui através das relações que o sujeito estabelece durante sua vida.

Para que a constituição psíquica seja possível se faz necessário sua inserção na cultura, seja constituído pela linguagem e atravessado pelo desejo. Neste sentido, o sujeito constitui sua imagem corporal a partir das suas relações na primeira infância, de como a mãe contorna seu corpo ao cuidá-lo. A mãe é quem apresenta a criança a sua imagem corporal, da qual o sujeito se apropria.

Partindo da psicanálise, é importante pensar na questão da imagem corporal através da diferença entre esquema e imagem corporal. O primeiro diz respeito a um corpo biológico, provido de pernas, braços, peso, medidas, entretanto o corpo representado pelo sujeito não é este, o real da carne.

O esquema corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma nosso viver carnal no contato com o mundo físico; reporta o corpo atual no espaço à experiência imediata. Ele pode ser independente da linguagem, é inconsciente, pré-consciente e consciente. O esquema corporal é, em princípio, o mesmo para todos os indivíduos (aproximadamente da mesma idade, sob o mesmo clima) da espécie humana. A imagem do corpo, em contrapartida, é peculiar a cada um: está ligada ao sujeito e à sua história. Ela é específica de um tipo de relação libidinal. A imagem do corpo é a síntese viva de nossas experiências. Ela pode ser considerada como a encarnação simbólica inconsciente do sujeito desejante. A imagem do corpo é, a cada momento, memória inconsciente de todo o vivido relacional e, ao mesmo tempo, ela é atual, viva, em situação dinâmica, simultaneamente narcísica e interrelacional: camuflável ou atualizável na relação aqui e agora, por qualquer expressão linguareira, desenho, modelagem, invenção musical, plástica, assim como mímica e gestos. É graças à nossa imagem do corpo sustentada por – e que se cruza com – nosso esquema corporal que podemos entrar em comunicação com outrem (DOLTO, 1984, p. 14-15).

O esquema corporal diz respeito ao tempo do amadurecimento neurológico, do desenvolvimento orgânico, de um corpo estudado fisicamente, com seus órgãos

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e membros trabalhados pontualmente. Já a imagem corporal é inconsciente, é aquela da qual o sujeito se apropria a partir de seu reconhecimento no espelho, e quem realiza o processo de identificação especular para a criança é a mãe.

A imagem corporal está diretamente ligada ao fato do corpo estar inserido na linguagem, a este corpo psíquico, da psicanálise, delineada pela mãe com sua história e inserida no social. A imagem corporal se dá de forma singular para cada um, é constitutiva do sujeito e inconsciente. O corpo para se constituir necessita do olhar do Outro e a partir das inscrições que da mãe (Outro) fizer, nasce um sujeito singular provido de uma imagem corporal própria.

A mãe a qual seguidamente nos remetemos aqui não é necessariamente a biológica e sim aquela que faz função, responsável pelos cuidados com o bebê, que cumpre tal função e significa o corpo da criança. Ela faz o contorno das bordas pulsionais, erotiza o corpo do bebê, fazendo a passagem de um corpo unicamente orgânico a um corpo pulsional. É a partir da significação de cada parte do corpo do bebê, da passagem pelo espelho, que passa por esse Outro primordial, que o sujeito tem possibilidade de constituir-se.

O ser humano é o único ser vivo que necessita de um semelhante para constituir-se como sujeito, pois há uma impossibilidade simbólica de sobrevivência, além do orgânico que o bebê demanda. Como bem sabemos, quem o acompanha nesse processo primário de estruturação é o Outro (mãe) e, posteriormente, a cultura.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este Trabalho de Conclusão de Curso nos trouxe a oportunidade de aplicar todo conhecimento adquirido ao longo do Curso de Psicologia embasado pelo viés do referencial psicanalítico, tendo como proposta explicar como se dá o processo de constituição psíquica e a apreensão da imagem corporal.

O sujeito desde seu nascimento encontra-se numa posição de dependência, seja ela imposta pela necessidade orgânica ou pela demanda psíquica. Ela necessita do amparo de um ser humano que aplaque suas necessidades fisiológicas.

Assim, o amparo psíquico da figura materna para com seu bebê é de suma importância para a constituição do eu, sendo a base principal para todos demais relacionamentos do bebê no mundo externo. O sadio relacionamento mãe-bebê representa desse modo, proteção e segurança para a criança, contribuindo essencialmente para o desenvolvimento adequado do aparelho psíquico.

O adulto encarregado de cuidar da criança, que geralmente é a mãe, vai se chamar de Outro, este Outro vai então deixar as marcas no corpo do bebê, as quais serão os alicerces do seu aparelho psíquico.

A condição orgânica, unicamente, não permite ao sujeito constituir-se sem que ele tenha sido banhado, atravessado, pela linguagem. É somente quando este corpo receber significação pelo discurso do Outro (mãe), sendo por ela nomeado que este corpo passa então a ser subjetivado, transformando-o num corpo erógeno e simbólico.

A criança no começo não percebe a diferença entre ela e a mãe, pensa que são uma coisa só, entende isso como uma unidade. Somente com o tempo e com os

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cuidados que a mãe dedica a ela é que a criança vai perceber a diferença entre eles e finalmente entender a individualidade de cada um.

A passagem pelo estádio do espelho é a porta de referência e uma operação fundamental da constituição psíquica. Nesta fase o discurso materno serve como espelho e lança um olhar que possibilita a criança constituir-se. Esse olhar é da ordem do discurso, da palavra, serve como referência para a criança para que possa ter apreensão da imagem corporal e do eu. Ocorre então o descolamento do corpo da criança da mãe, que a possibilita não mais ver seu corpo fragmentado e sim como unidade.

Para que a criança efetive seu processo de singularização, ela deverá passar por uma série de crises constitutivas subjetivantes que como consequência permitirão a ela apropriar-se do seu corpo e de sua identidade enquanto sujeito desejante.

Esta pesquisa, sobre o corpo em psicanálise, nos possibilitou percorrer diversos autores, do campo da psicanálise.

Percorrer o trajeto de constituição do sujeito e imagem do corpo foi no principal intuito neste trabalho. Neste sentido, compreender a constituição psíquica do sujeito se faz necessário para que se compreenda como o sujeito se relaciona com seu corpo. Como foi possível observar, a inscrição pelo Outro, o estádio do espelho são movimentos cruciais na construção do eu, estando assim, descolado da mãe, subjetivado, plenamente apto a responder pelas demandas do social.

A partir das concepções trabalhadas nesta pesquisa, pode-se observar que a construção da imagem de si mesmo desde o início é apoiada em olhares, pois para o sujeito constituir-se é necessário que haja mediadores simbólicos, encarnados nas figuras parentais, que o inscrevam no campo da linguagem.

Sendo assim, é possível contatar que a história do sujeito passa pela história de seus corpos.

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Referências

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