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Apresentando o realismo agencial: alguns conceitos e seus desdobramentos

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Pedro de Castro Tedesco

Apresentando o Realismo Agencial: alguns conceitos e seus desdobramentos

Florianópolis-SC 2020

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Pedro de Castro Tedesco

Apresentando o Realismo Agencial: alguns conceitos e seus desdobramentos

Dissertação submetida ao Programa de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profa. Kátia Maheirie, Dra.

Coorientador: Prof. João Manuel de Oliveira Dr.

Florianópolis-SC 2020

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Tedesco, Pedro de Castro

Apresentando o Realismo Agencial : alguns conceitos e seus desdobramentos / Pedro de Castro Tedesco ;

orientadora, Kátia Maheirie, coorientador, João Manuel de Oliveira, 2020.

74 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Florianópolis, 2020.

Inclui referências.

1. Psicologia. 2. Ciência. 3. Feminismo. 4. Psicologia. 5. Estudos Psicossociais. I. Maheirie, Kátia . II. de Oliveira, João Manuel. III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. IV. Título.

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Pedro de Castro Tedesco

Apresentando o Realismo Agencial: alguns conceitos e seus desdobramentos O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca

examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. (a) Kátia Maheirie, Dr. (a) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. João Manuel de Oliveira, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. (a) Lia Vainer Schucman, Dr. (a) Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. (a) Paula Sandrine Machado, Dr. (a) Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Certificamos que essa é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Psicologia Social

____________________________ Coordenação do Programa de Pós-Graduação

____________________________ Prof.(a) Kátia Maheirie, Dr.(a)

Orientador(a) Florianópolis, 2020

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus orientadores pelo trabalho e paciência.

As minhas amigas, amigos e familiares pela compreensão, respeito e apoio para a finalização desta dissertação.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivos apresentar algumas propostas teórico-conceituais do Realismo Agencial de Karen Barad, a partir de como essa abordagem filosófica está sendo utilizada na área da Psicologia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em busca de trabalhos científicos (artigos, dissertações e teses) nacionais e internacionais da área da Psicologia que tivessem o Realismo Agencial como principal aporte teórico de suas pesquisas. Paralelamente, uma pesquisa teórico-analítica nos escritos da autora e seus interlocutores se fez necessária. Como resultado da pesquisa bibliográfica em artigos, teses e dissertações, apresentamos um primeiro artigo, onde se mostra que foram encontrados 11 artigos científicos internacionais. Não foi possível encontrar artigos nacionais nas bases de dados consultadas, bem como nenhuma dissertação e tese. Após a leitura integral desses artigos e a constatação dos principais conceitos do Realismo Agencial utilizados nesses estudos, esta dissertação traz, em seu segundo artigo, uma breve apresentação do Realismo Agencial com foco em três dimensões dessa filosofia utilizando-se, também, das obras de Barad. Os três focos de atenção que constam nesta dissertação estão situadas em uma dimensão ontológica (em relação as noções de sujeito e aos fundamentos da realidade) e epistemológica (em termos da compreensão e estatuto dos conhecimentos científicos), como primeiros passos na compreensão do Realismo Agencial para uma futura interlocução com a Psicologia e com pesquisas psicossociais. Palavras-chave: Realismo Agencial. Neo-Materialismo. Karen Barad.

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ABSTRACT

This dissertation aims to present some theoretical-conceptual proposals of Karen Barad's Agential Realism and to identify how this philosophical approach is being used in the field of Psychology. For this purpose, a bibliographic research was carried out in search of national and international scientific works (articles, dissertations and thesis) in Psychology that had Agential Realism as the main theoretical contribution of their research. At the same time, a theoretical-analytical research in the writings of the author and her interlocutors was necessary. As a result of this bibliographic research, 11 international scientific articles were gathered; it was not possible to find national articles in the databases consulted, as well as no dissertation and thesis was found. After reading these articles in full and verifying the main concepts of Agency Realism used in these studies, this dissertation brings, in its second article, a brief presentation of Agency Realism focusing on three dimensions of this philosophy, also using the works of Barad. The three focuses of attention that appear in this dissertation are located in an ontological dimension (in relation to the notions of subject and the fundamentals of reality) and epistemological dimension (in terms of understanding the status of scientific knowledge), as first steps in the understanding of Agential Realism and its posible interlocution with Psychology and with psychosocial research.

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LISTA DE TABELAS

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Sumário

Introdução ... 8

Método ... 21

Artigo I: Um estado da arte sobre o Realismo Agencial na Psicologia ... 29

Artigo II: Apresentando o Realismo Agencial: alguns conceitos e seus

desdobramentos ... 53

Considerações Finais ... 71

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Introdução

Esta dissertação tem como objetivo apresentar algumas propostas teórico-conceituais do Realismo Agencial de Karen Barad (Barad, 1995, 1996, 1998, 2003, 2007), a partir de trabalhos na área da Psicologia. O tema desta dissertação surgiu após meu contato inicial com autoras cujos trabalhos propunham uma interface entre os Estudos Sociais da Ciência (Science Studies) e os Estudos de Gênero, tendo como principal referência a produção acadêmica de Donna Haraway. As ideias propostas por Haraway em seus estudos envolvendo ciência e gênero levaram-me a gerar um interesse nas formas como as práticas científicas mobilizavam instrumentos, matéria, afetos e visões de mundo cujo entrelaçamento indicava que o conhecimento produzido não deveria ser creditado apenas ao ou a cientista. Conforme Haraway discute em diferentes momentos de sua obra (Haraway, 1994, 1995, 2000), sujeito e objeto dizem respeito a entidades localizadas socio-historicamente cuja constituição implica levar em consideração simultaneamente os processos de produção material e semiótica.

O trabalho de Haraway me guiou até Karen Barad apresentando-me a sua proposta: o Realismo Agencial. Um dos insights do Realismo Agencial que mais me cativaram diz respeito a como as teorias científicas dotam alguns aspectos da realidade com agência trazendo consigo consequências materiais e políticas significativas (Hekman, 2008). Uma vez que os processos de formulação teórica são práticas materiais (Barad, 1995, 1996), as teorias científicas ordenam e selecionam os componentes da realidade com os quais irão formular os conhecimentos que suas práticas experimentais vão produzir. Esse processo de exclusão/inclusão de componentes diz respeito a forma como se delineiam as fronteiras entre as entidades incluindo suas propriedades e sentidos em processos diferenciais de materialização (Barad, 2003, 2007, 2014a).

A possibilidade de analisar a maneira como as práticas científicas delineiam fronteiras, propriedades e sentidos a partir de uma perspectiva materialista me levou a aprofundar meus estudos em relação a obra de Barad levando a formulação da pergunta de pesquisa desta dissertação: quais as potências teórico-analíticas que o Realismo Agencial poderia suscitar na Psicologia? Tendo esta pergunta como fio condutor dei início a leitura das obras de Barad para paulatinamente ir me familiarizando com sua filosofia; nesse processo, minhas leituras cobriram capítulos publicados em edições, o seu livro publicado em 2007, artigos publicados em periódicos científicos e entrevistas. Adiciona-se a busca em bases de dados por trabalhos acadêmicos na Psicologia que utilizassem o Realismo Agencial como principal fonte de

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inspiração teórica. Esse percurso é apresentado na seção correspondente ao método e uma apresentação dos trabalhos encontrados constará no primeiro artigo que compõe a dissertação. Como forma de situar a obra de Barad em termos de suas filiações teóricas e conceituais, essa introdução trará uma caracterização do campo de estudos com o qual o Realismo Agencial tem sido majoritariamente associado no cenário acadêmico internacional: o Neo-Materialismo. As três caracterizações aqui reunidas em relação ao Neo-Materialismo pretendem indicar os possíveis temas de estudo da área e as filiações teórico-conceituais desse conjunto de pesquisadoras/es, cujo compartilhamento aponta para a emergência e consolidação do Neo-Materialismo no cenário acadêmico internacional. Ademais, apresentar as características do Neo-Materialismo auxilia a introduzir alguns temas e premissas analíticas trabalhados no Realismo Agencial delineando o horizonte teórico com o qual Barad dialoga. Os conceitos teóricos do Realismo Agencial serão apresentados na seguinte ordem: os fenômenos, os aparatos, as intra-ações, a dinâmica entre matéria e agência, os cortes agenciais, a separabilidade agencial e as difrações.

O Neo-Materialismo surge no cenário acadêmico euro-norte americano durante a década de 1990 a partir dos trabalhos de Manuel DeLanda (1996) e Rosi Braidotti (2002) (Tuin & Dolphijn, 2010). Tendo como referência o materialismo de Gilles Deleuze e Felix Guattari, DeLanda propõe uma ontologia na qual a realidade material é teorizada a partir da noção de agenciamento (DeLanda, 1996). Nessa ontologia os fluxos de matéria e discurso apontariam para uma realidade em constante tensão entre pontos arborescentes e rizomáticos nos quais os processos de materialização e discurso seriam sedimentações parciais e provisórias (DeLanda, 1996). Partindo igualmente das obras de Deleuze e Guattari, Rosi Braidotti passa a teorizar os fluxos corporais e sexuais em uma perspectiva nômade para entender a constituição do sujeito sexuado (Braidotti, 2002). Essa constituição teria como premissa um vitalismo amparado em um desejo afirmativo de vida que se constitui por e na diferença (Braidotti, 2002).

Um ponto em comum das abordagens Neo-Materialistas conforme apresentada por Iris van der Tuin diz respeito às reinterpretações de filosofias monistas como uma maneira de prescindir de conceituações embasadas por esquemas teóricos informados por dicotomias - justificando a retomada de autores como Spinoza e Gilles Deleuze (Tuin & Dolphijn, 2010; Coole & Frost, 2010). O diálogo travado com o materialismo de Gilles Deleuze, Felix Guattari e Spinoza figura no Neo-Materialismo não com o intuito de apontar eventuais falhas desses autores, mas sim como uma maneira de homenagear as propostas analíticas aventadas e propor

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interpretações que primem pelo entendimento da materialidade dos corpos em seus processos de constituição (Tuin & Dolphijn, 2010).

Outra maneira de caracterizar o Neo-Materialismo é sumarizada por Diana Coole e Samantha Frost em três temas cuja recorrência orienta as agendas Neo-Materialistas: (a) discussões ontológicas motivadas em parte pelas Ciências Naturais e nomeada como pós-humanista no sentido de que considera a vitalidade da matéria e sua agência; (b) considerações em relação ao status da vida e do ser humano suscitadas por processos geológicos e biotecnologias; e (c) um renovado interesse pelas tradições materialistas em filosofia, em especial, a obra de Marx (Coole & Frost, 2010).

A influência das Ciências Naturais ao Neo-Materialismo decorre das discussões referentes ao estatuto da matéria na Física, particularmente pela Física Quântica. Os experimentos e debates motivados pela Física Quântica vieram a confirmar a inadequação do modelo conceitual da Física Clássica de Newton especialmente ao estatuto que é conferido à matéria (Coole & Frost, 2010). Ainda que discussões nas Ciências Naturais não sejam diretamente transpostas à Filosofia e Ciências Humanas suas análises conceituais podem atuar como um motivo que reconfigura os discursos teóricos em Ciências Humanas em consonância com filosofias nas quais o estatuto da matéria igualmente rejeita defini-la como passiva e inerte (Coole & Frost, 2010).

As discussões oriundas das Geociências, em especial o Antropoceno (Lewis & Maslin, 2015), igualmente mobilizam os temas de estudo no Neo-Materialismo (Coole & Frost, 2010). Os efeitos antrópicos no planeta apontam para a implausibilidade de filosofias e propostas científicas que primem pela separabilidade do ser humano em relação ao meio ambiente em termos tanto ontológicos, quanto epistêmicos (Haraway, 2016). A paulatina constatação das interconexões materiais e semióticas entre os seres que constituem o planeta indica a necessidade de se propor novas formas de pensamento levando a uma reinterpretação das noções de passividade e inércia da matéria, bem como do papel do ser humano em relação aos demais seres que habitam o mundo (Haraway, 2003, 2016). Essas considerações apontam para o renovado interesse em abordagens materialistas (Coole & Frost, 2010) com propostas de materialismos não-dialéticos a partir das obras de Jacques Derrida e Gilles Deleuze (Cheah, 2010) e releituras da obra de Marx em uma perspectiva pós-humanista (Edwards, 2010).

Por fim, o Neo-materialismo é também entendido como uma resposta ao impasse da teoria e crítica feminista causada pelo giro linguístico cujo foco analítico primava por analisar

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as dimensões discursivas, culturais e linguísticas relativas aos temas de interesse do feminismo (Alaimo & Hekman, 2008). Longe de ser considerado improdutivo, as análises que privilegiam dimensões discursivas trouxeram importantes contribuições para a teoria feminista elucidando as interconexões entre poder, linguagem, discurso e conhecimento que não só constituem a posição das mulheres, como também definem o que e quem conta como mulher (Alaimo & Hekman, 2008).

Como mencionado antes, uma das autoras cuja obra é retomada como inspiração para algumas vertentes do Neo-Materialismo – e em especial para o Realismo Agencial - é Donna Haraway. Em seu “A manifesto for Cyborgs: Science, technology, and socialist feminism in the 1980s” (Haraway, 2000) o ciborgue figura como uma metáfora que interpela as dicotomias modernas (em especial o par Natureza – Cultura) de maneira a demonstrar a complexidade relacional que nos constitui. Aspectos tidos como naturais ou culturais são discutidos a luz de suas interconexões, demonstrando que o ciborgue figura como nossa metáfora metafísica por excelência: máquinas, animais e humanos formam um amálgama relacional, parcial e situado (Haraway, 2000). Em seu texto, Haraway nos alerta da difícil tarefa de definir essas relações sem recair em relativismos ou perder as conexões parciais cujos efeitos políticos e materiais importam tanto às ciências como à política (Haraway, 1995, 2000). Compreender as conexões materiais e seus efeitos políticos permite reposicionar a materialidade das relações sociais em conjunto com as suas dimensões discursivas em termos de sua mútua constituição (Haraway, 2000) ou como posteriormente será definido por Karen Barad em sua intra-atividade (Barad, 2003, 2007).

O que se pode perceber no Neo-Materialismo em que pesem as diferenças entre os projetos de pesquisa de cada pesquisador/a é um movimento que parte da epistemologia e vai em direção à ontologia (Hekman, 2008). No que se refere ao Realismo Agencial em uma de suas formulações iniciais Barad conceituou sua proposta teórica como uma maneira de se comprometer em termos éticos e políticos com as consequências materiais da produção dos conhecimentos em Ciência, situando o Realismo Agencial como uma ontologia das práticas de conhecimento (Barad, 1996). Partindo das interpretações epistemológicas de Niels Bohr, Barad formula uma interpretação feminista da Física Quântica (Barad, 1995) na qual o Realismo Agencial possibilita analisar a natureza da matéria, as práticas que a informam e o delineamento de fronteiras que constituem as dimensões materiais e discursivas das entidades (humanas e não-humanas) que povoam o mundo (Barad, 1995, 1996, 1998).

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Essa ontologia do conhecimento foi possível de ser elaborada pela autora a partir da alternativa fornecida por ela em relação às abordagens anti-representacionalistas – outro ponto em comum nas agendas Neo-Materialistas (van der Tuin & Dolphijn, 2010). O representacionalismo que Barad faz referência é fundado na crença em uma separação ontológica e epistêmica entre os seres humanos e a realidade material dando ensejo ao conjunto de premissas envolvidas no surgimento da Ciência no século XVII (Barad, 1995, 1996, 2007). Segundo a autora, a Ciência em sua invenção tomou a linguagem como um meio transparente de acesso e representação de uma realidade material preexistente tendo como análogo a instituição da observação como critérios para a objetividade do conhecimento (Barad, 2007).

Em contraponto as abordagens representacionalistas Barad recorre a performatividade conforme apresentada por Judith Butler e a utiliza no Realismo Agencial como referencial analítico no intuito de compreender as práticas de teorização, pensamento e observação em Ciência como parte dos resultados e análises realizadas (Barad, 2007). Situada em uma dimensão ontológica, a performatividade foi inicialmente apresentada como uma forma de interpelação de noções essencialistas e representacionais do sujeito dando condição para análise das articulações diferenciais que permitem a emergência de algo a ser nomeado como sujeito (Butler, 1990). No Realismo Agencial a performatividade figura como uma alternativa teórica-analítica na medida em que não pretende discutir a correspondência entre as formas de representação, as representações e os objetos representados. Antes, pretende atentar para as consequências materiais das práticas mobilizadas em Ciência e outros âmbitos da experiência além de analisar as condições necessárias para que uma representação possa se constituir (Barad, 2007).

A escolha pela performatividade também leva a autora a considerar o Realismo Agencial como uma abordagem pós-humanista, na medida em que permite analisar os processos diferenciais de materialização que incidem na constituição de fronteiras entre seres humanos e não-humanos (Barad, 2007). É a partir da relação entre processos diferenciais de materialização e as (re)configurações materiais de fronteiras e propriedades que eles encetam que temos a base da ontologia relacional do Realismo Agencial (Barad, 2007). Em sua filosofia, Karen Barad nomeia a relação entre processos diferenciais de materialização e a (re)configuração de fronteiras e propriedades de sua ontologia relacional como fenômenos (Barad, 2007).

Afirmar que a ontologia do Realismo Agencial decorre dos fenômenos supõe algumas mudanças analíticas propostas pela autora. O termo “fenômeno” é recuperado da epistemologia

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de Bohr na qual indicava a indissociabilidade dos instrumentos de mensuração dos resultados e dos objetos estudados em laboratório (Barad, 1996). Para Bohr, os fenômenos sinalizavam que os instrumentos de mensuração utilizados para os estudos em laboratório na Física Quântica eram parte constituinte dos resultados obtidos bem como necessários para que os conceitos e teorias formuladas adquirissem sentido. Barad retoma a idéia dos fenômenos, porém a expande: para além de uma dimensão epistemológica no Realismo Agencial os fenômenos são entendidos como unidades ontológicas (Barad, 2007).

Os fenômenos no Realismo Agencial apontam para uma realidade constituída por processos diferenciais de materialização nos quais as entidades materializadas têm suas fronteiras materiais e semânticas articuladas a partir de suas relações denotando uma inseparabilidade ontológica no tocante as suas formas de materialização e ação (Barad, 2007). Segundo Joseph Rouse (2004), os fenômenos, conforme postulados por Barad, possuem como principal característica a repetibilidade, ou seja: os padrões diferenciais de materialização são passíveis de se repetir – o que não significa afirmar que seus processos de materialização sejam regulares ou que tenham como pré-requisito a instituição de regularidades.

A repetibilidade dos fenômenos implica considerar as condições que dão ensejo a sua reprodução: a repetibilidade de um padrão no tocante a materialização de um fenômeno requer determinadas configurações materiais cujas relações possibilitem instituir diferenças entre os componentes do fenômeno dispondo-os entre si em termos espaciais e temporais de uma forma relativamente estável (Barad, 2007; Rouse, 2004). A atenção a produção das diferenças importa ao Realismo Agencial, pois é por meio delas que se pode compreender a repetibilidade diferencial dos fenômenos. Quando temos a reiteração de um padrão de diferenças (por exemplo, os processos de materialização que diferenciam os seres humanos de objetos, máquinas e outros animais), podemos afirmar a existência de uma reiteração de condições materiais e discursivas cuja repetibilidade diferencialmente materializa o “humano” em consonância com o “não-humano”.

A maneira como essas configurações materiais dão ensejo para a produção de fenômenos é um dos indicativos de sua normatividade (Rouse, 2004): são normativos na medida em que as configurações materiais que dão condição para a materialização dos componentes do fenômeno não são aleatórias. O que conta material e discursivamente como humano não é passível de ser materializado em qualquer situação. Apenas sob determinadas configurações materiais pode ocorrer a instituição de um mesmo padrão de materialização cujas diferenças entre os componentes no interior do fenômeno assegura a sua repetição, reiteração e

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singularidade permitindo, portanto, a materialização das noções de humano e humanidade (Rouse, 2004).

Essas configurações materiais são definidas por Barad como aparatos de produção corporal usando a terminologia de Donna Haraway (2000), ou simplesmente aparatos – termo igualmente recuperado de Bohr (Barad, 2007). Em sua epistemologia, Bohr entendia um aparato como um arranjo material através do qual conceitos particulares podem ser definidos dando ensejo para a materialização de fenômenos com propriedades físicas definidas; por isso que em sua epistemologia os aparatos são parte constitutiva dos fenômenos produzidos (Barad, 1996, 2007).

Ao retomar o conceito de aparato de Bohr, Karen Barad passa a compreender os aparatos no Realismo Agencial como configurações materiais do mundo (Rouse, 2004) que simultaneamente produzem fenômenos e são, em si mesmos, um fenômeno (Barad, 2007). Essa dualidade conceitual dos aparatos é explicada pela autora por conta da dinâmica dos processos de materialização: quando temos a produção de um fenômeno isso significa que esse fenômeno é produzido mediante a relação entre aparatos instituindo, com isso, um processo diferencial de materialização. Como Barad conceitua os aparatos como uma prática produtora de fronteiras sem uma delimitação fixa (open-ended practices, Barad, 2007, pp. 146), esses mesmos aparatos podem ser reconfigurados por outros aparatos – encetando, com isso, um padrão diferencial de materialização que é, em si mesmo, um fenômeno (Barad, 2007).

Como forma de designar as relações de mútua constituição entre matéria e discurso, bem como os processos de materialização nas quais essa mútua constituição se encontra enredada, Barad se vale do termo intra-ação (Barad, 1995, 1996, 1998, 2003, 2007, 2014a). As intra-ações são uma maneira de Barad articular sua proposta filosófica assinalando uma mudança conceitual que pode ser melhor compreendida quando aproximamos o neologismo de Barad ao seu idioma de origem: em inglês “interação” é grafado por Barad como “inter-action” ao passo que “intra-ação” é grafado como “intra-action”. Barad argumenta que pensarmos em termos de interações (inter-action) supõe um esquema conceitual em que as entidades ao interagirem mantém um certo grau de autonomia e independência no decurso de sua interação – mesmo que a partir dessa interação se produza uma terceira entidade distinta das anteriores.

Por outro lado, pensar em termos de intra-ações (intra-action) implica teorizar que as diferenças entre as entidades bem como sua relação não partem de um polo exterior à relação; antes, é a partir de dentro dessa relação que se materializam as diferenças e distinções entre as

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entidades denotando com isso a inseparabilidade ontológica que o conceito de fenômeno no Realismo Agencial operacionaliza. Aproximando essa idéia sinalizada pelas intra-ações do conceito de aparato podemos compreender não só os aparatos e fenômenos como um tipo de intra-ação (Barad, 2007), como também entender que sendo os aparatos produtores de fronteiras temos que as intra-ações no Realismo Agencial permitem rastrearmos os processos de produção de diferenças envolvidos na constituição mútua de matéria e discurso (Barad, 2007).

Essa constituição mútua é teorizada por Barad através de uma compreensão generativa entre matéria e discurso permitindo compreender como ambas mutuamente se constituem (Barad, 2003, 2007). Recuperando o conceito de práticas discursivas de Michel Foucault na qual o autor discute a constituição do sentido a partir da articulação diferencial dos componentes que constituem uma determinada prática discursiva (Foucault, 2004) Barad propõe uma interpretação pós-humanista desse conceito foucaultiano. Conforme nos indica Foucault uma prática discursiva diz respeito a um conjunto de regras histórico e imanente relacionado as maneiras de dispor posições de enunciação, objetos, regras de relacionamento entre seus componentes, instituições e formas de enunciação permitindo compreender a produção de sentido como resultado provisório da articulação diferencial de seus elementos (Foucault, 2004).

Barad aproxima o conceito de prática discursiva de Foucault com a noção de aparato em Bohr como uma maneira de reformular os aspectos humanistas de ambas filosofias propondo compreender os aparatos como práticas materiais-discursivas que diferencialmente produzem sujeitos e objetos (Barad, 2007). Conceituar os aparatos como práticas-discursivas indica que a materialidade das entidades no interior dos fenômenos, bem como a própria materialidade do aparato, institui possibilidades de materialização alinhadas à dimensão normativa dos fenômenos (Rouse, 2004). A materialidade dos corpos importa na medida em que constrange de uma forma não-determinista suas possibilidades de (re)configuração material (Barad, 2007, 2014a). Por serem relativos à produção de fronteiras, propriedades e teorizados como práticas materiais-discursivas, os aparatos figuram como uma condição de possibilidade para sucessivas materializações engendrando aquilo que é incluído e excluído desses processos bem como indicando a dinâmica entre matéria e agência (Barad, 2007).

A definição de matéria de Barad prima por reconhecer sua capacidade generativa e produtiva em uma maneira na qual se torna possível reconhecer sua vitalidade (Hekman, 2008). A vitalidade da matéria com a qual Barad trabalha e indica pelos aparatos decorre do entendimento da matéria como um “congelamento de agência” (Barad, 2007, pp. 183-184). A

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agência no Realismo Agencial diz respeito a um movimento contínuo de (re)configuração material aonde aquilo que é materializado permite visualizar o “caráter substantivo” (Barad, 2007, pp. 183) e o movimento generativo da matéria. O “caráter substantivo” ao qual Barad faz referência indica que a materialidade dos corpos não pode ser definida como matéria; antes, é melhor compreendida como um traço da matéria - uma “fotografia” na qual o seu conteúdo (a materialidade) é apenas a materialização provisória de uma possibilidade de estados de materialização que permanentemente intra-agem uns com outros – estejam eles materializados, ou não (Barad, 2007, 2012).

Matéria e agência são compreendidas em sua imanência aonde a agência diz respeito a (im)possibilidades de estados materiais provisórios e a matéria a uma dessas possibilidades (daí, reitero, o entendimento da matéria como um congelamento da agência). Nesse enquadre teórico a agência é definida justamente como as (im)possibilidades de materialização que se por um lado ainda não se encontram materializadas, por outro não se encontram permanentemente obliteradas (Barad, 2007, 2012). Compreender a agência como estados materiais-discursivos que podem ou não a vir se materializar intra-agindo com a materialidade dos aparatos e fenômenos materializados implica considerar a agência como um processo contínuo do mundo em sua de (re)configuração material (Barad, 2007). Dito de outra forma, a agência não é uma propriedade exclusiva de algum ser; antes, ela diz respeito a uma parte do mundo tornando-se inteligível para outra parte (Barad, 2007, pp. 140-141) em um processo aberto e imanente que (re)articula materialmente fronteiras, sentidos e propriedades.

Conforme vimos, a relação entre agência e matéria dá margem para considerar o que é ou não materializado no interior dos processos de materialização engendrados por aparatos e fenômenos. Essa dinâmica de inclusão e exclusão possibilitada pelos aparatos e fenômenos decorre de um outro tipo de intra-ação: os cortes agenciais (Barad, 2007). Os cortes agenciais na filosofia de Barad são entendidos como os responsáveis pela disposição espaço-temporal dos componentes do fenômeno instituindo as fronteiras e propriedades dos seus componentes (Barad, 2007).

Uma vez que os cortes agenciais incidem naquilo que é ou não é materializado Barad os conceitua como um tipo de intra-atividade simultaneamente ôntica e semântica (Barad, 2007). São ônticos na medida em que a sua instituição ao incidir naquilo que se materializa igualmente incide naquilo que vem a constituir a realidade material do mundo; e são semânticos pois as articulações materiais que engendram são significativas, ou seja: importam ao fenômeno sob

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materialização ou à materialidade do aparato (Barad, 2007). Em sua formulação pós-humanista (ou seja, que não toma o ser humano como medida do mundo) afirmar que algo faz sentido implica considerar que houve uma responsividade entre os componentes do fenômeno em relação às diferenças que mutuamente os constituem. Ser sensível às diferenças denota que material e semanticamente essas diferenças importam à materialização do fenômeno, de seus componentes e dos aparatos envolvidos (Barad, 2007).

Os cortes agenciais possibilitam entender a produção de diferenças no interior do fenômeno na medida em que permitem identificar o que diferencia cada componente entre si além de identificar no que e como essa diferenciação importa no processo de materialização sob análise (Barad, 2003, 2007). Ademais, é a intra-atividade dos cortes agenciais no interior do fenômeno que engendra uma estrutura de causa e efeito que habilita a criação de um padrão de repetição na produção do fenômeno marcando alguns de seus componentes como “causa” e outros como “efeito” (Barad, 2007). Decorre dos cortes agenciais uma maneira de se compreender as relações de exterioridade e interioridade no fenômeno por meio de um tipo específico de corte: a separabilidade agencial (Barad, 2007).

A separabilidade agencial é entendida como uma das condições de possibilidade para a objetividade do conhecimento em Ciência no Realismo Agencial e é o que indica a filiação de Barad a uma forma de naturalismo que alinha os conhecimentos produzidos em Ciência com uma noção realista da realidade (Rouse, 2004). Uma vez que não há separação absoluta em termos ontológicos entre as entidades que constituem o mundo, se faz necessário propor uma maneira de entender as noções de “exterioridade” e “interioridade”, bem como os seus processos de materialização. Ambas noções são trabalhadas por Barad como “exterioridades/interioridades-no-interior-do-fenômeno” (Barad, 2007, pp. 140) indicando que essas noções espaço-temporais são reconfigurações materiais provisórias que possuem um mesmo referente: o fenômeno (Barad, 2007).

A maneira como os conceitos no Realismo Agencial muitas vezes se sobrepõem e se diferenciam analiticamente diz respeito ao método empregado por Barad em termos de estilo de composição argumentativa, análise e formulação teórica: a difração (Barad, 2007, 2014b). A difração é uma proposta de conceituação e análise relativa as políticas de identidade e diferença proposta por Donna Haraway como alternativa à reflexão (Haraway, 1999). A reflexão, conforme Haraway discute, supõe esquemas teóricos e analíticos que se valem de um

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fundamento normativo que opera como referente a partir do qual derivam diferenças (Haraway, 1999).

Um esquema teórico-analítico reflexivo prima pela busca de analogias e homologias entre entidades buscando identificar suas semelhanças, correspondências e regularidades; desse modo, se faz necessário eleger alguma entidade como referente a partir do qual se buscarão as analogias e homologias nas demais entidades sob análise (Haraway, 1978; Barad, 2007, 2014b). É o que permite, por exemplo, a formulação de justificativas em relação à diferença sexual e a organização política entre seres humanos, tendo como analogia a noção de organismo conforme trabalhada na Biologia e nos estudos sobre Primatologia (Haraway, 1976, 1978).

Por outro lado, Haraway propõe a difração como uma forma de pensamento em relação aos debates sobre identidade e diferença que prima pelos efeitos das diferenças - compreendendo as diferenças em relação a maneira como são produzidas (Haraway, 1999). Em um esquema analítico difrativo não se realizam analogias ou homologias uma vez que o foco de análise diz respeito a maneira como se produzem as diferenças entre as entidades levando em consideração as suas interconexões materiais e discursivas. O que importa à difração é a maneira como as entidades se diferenciam em termos relacionais atentando para as consequências materiais que essas diferenças suscitam (Haraway, 1999).

Em Barad, temos a proposta de tomar a difração enquanto método (Barad, 2007, 2014b). No Realismo Agencial o método não é situado em um campo epistemológico, mas sim ontológico: a difração no Realismo Agencial diz respeito a instituição de padrões diferenciais de diferença (Barad, 2014b). Conforme indicado anteriormente a articulação entre aparatos produz fenômenos, ou seja, padrões diferenciais de materialização (Barad, 2007). Com a difração podemos estudar esses padrões diferenciais de materialização que os aparatos instituem atentando para as maneiras em que esses padrões diferenciais de materialização se diferenciam; daí a difração ser definida como uma forma de analisar padrões diferenciais de diferença (Barad, 2007, 2014b). A difração, portanto, dá ensejo para estudarmos tanto as constituições de fronteiras e sentidos produzidos pelos aparatos (de modo que discutiríamos como que os fenômenos são diferencialmente engendrados), quanto estudar as difrações que constituem o próprio aparato tendo as articulações diferenciais que lhe engendraram como ponto de partida e análise (Barad, 2007, 2014b).

À guisa de conclusão retoma-se que o objetivo dessa dissertação é apresentar algumas propostas teórico-conceituais do Realismo Agencial de Karen Barad a partir de trabalhos na

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área da Psicologia. A seção de método indicará a maneira como se constituiu a trajetória de pesquisa desta dissertação apresentando as questões e recursos metodológicos empregados. Como aporte metodológico principal o recurso a produções bibliográficas em relação à obra de Karen Barad (incluindo livros, entrevistas e artigos) pode ser apontado como a linha mestra de organização da pesquisa a partir da qual se tornou possível a produção dos dois artigos que constituem essa dissertação. Ademais, a leitura de comentadores/as sobre o Realismo Agencial auxiliou na compreensão desta filosofia indicando diferentes maneiras de se relacionar com a proposta filosófica de Barad.

O recurso a pesquisa bibliográfica, além de auxiliar na apresentação e familiarização do Realismo Agencial, possibilitou identificar como que essa proposta de Barad é praticada no âmbito da Psicologia dando origem ao primeiro artigo desta dissertação. Neste artigo, traremos um estado da arte em relação ao Realismo Agencial na Psicologia, buscando mapear os principais conceitos do Realismo Agencial utilizados e as possibilidades analíticas que eles trazem. O segundo artigo trará uma exposição de três conceitos do Realismo Agencial e as possibilidades analíticas as quais dão ensejo: as intra-ações e sua relação com os processos de materialização; uma maneira de compreender a constituição e formação do sujeito; e, por fim, uma forma de entendermos a noção de objetividade científica e o que compreendemos por conhecimento.

Nas considerações finais traremos as limitações desta dissertação e a potência do Realismo Agencial em termos de práticas de pesquisa em Psicologia, em particular, e aos estudos psicossociais em geral. As limitações da dissertação dizem respeito ao seu processo de formação em termos das eleições metodológicas escolhidas e objetivos elencados durante o período de realização do Mestrado em Psicologia. Já os potenciais em termos de práticas de pesquisa dizem respeito as possibilidades analíticas suscitadas pelo Realismo Agencial abrangendo sugestões de pesquisas futuras que venham complementar e ampliar a atual pesquisa que constitui essa dissertação, bem como a possibilidade de abrir um campo onde se poderia propor abordagens teóricas e analíticas a partir do Realismo Agencial.

O potencial de pesquisa em Psicologia e no campo de estudos psicossociais pode ser situado na proposta de Barad de prescindir de interpretações binárias que tentam reificar o par indivíduo – sociedade como entidades de existência autônoma e individual com sentidos e propriedades previamente assegurados. Uma vez que pretende compreender essas entidades em conjunto, recusando análises que privilegiem apenas um desses polos, o Realismo Agencial

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pode figurar como um recurso teórico-metodológico que potencializa e oferece um vocabulário teórico e analítico que amplie e dialogue com os trabalhos já existentes na área.

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Método

Como forma de constituição do corpus analítico desta dissertação procedi pela busca de estudos científicos que estivessem situados na área da Psicologia e tivessem o Realismo Agencial como principal aporte teórico. Ao reunir esses trabalhos se torna possível identificar a forma como o Realismo Agencial tem sido praticado na Psicologia em relação aos temas, objetos de estudo e metodologias empregadas nessas pesquisas. Para encontrar esses trabalhos científicos utilizei como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica em conjunto com consultas em bases de dados nacionais. As bases de dados são repositórios de informação nos quais se reúnem materiais de análise e pesquisa científica tais como artigos, edições, dossiês, coletâneas e trabalhos de conclusão de curso de Pós-Graduação (Ferreira, 2002). Na presente dissertação as bases acessadas foram o Portal de Periódicos CAPES (para inventariar artigos, dossiês, entrevistas) e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, em busca de Trabalhos de Conclusão de Curso nessa modalidade acadêmica.

O Portal de Periódicos e o Catálogo de Teses e Dissertações permitiu agilidade e credibilidade as buscas. Sendo uma base de relevância nacional e internacional, ambos os portais permitiram um amplo acesso a literatura acadêmica especializada auxiliando a selecionar os materiais e orientando sua leitura. Outrossim, permitiu por meio dos indexadores obter um panorama em relação as discussões suscitadas pelo Realismo Agencial em diferentes áreas do conhecimento. Todavia, uma vez que o objetivo desta dissertação diz respeito a identificação do Realismo Agencial na área da Psicologia, bem como uma apresentação de alguns conceitos desta filosofia, as buscas nas bases de dados privilegiaram artigos nos quais pelo menos um/a de seus autores/as estivesse vinculado a um programa de Pós-Graduação em Psicologia.

Os principais descritores utilizados nas bases de dados consultadas na busca por esses trabalhos foram: “Neomaterialismo”, materialismo”, “Neomaterialism”, “Neo-materialism”, “Realismo Agencial”, “Agential Realism” e “Karen Barad” uma vez que fazem referência tanto ao trabalho da autora, quanto ao campo maior de estudos no qual a sua proposta se insere. A utilização dos descritores em inglês e português teve como objetivo abranger estudos científicos nacionais e internacionais em Psicologia com o Realismo Agencial, buscando ampliar o campo de possíveis resultados nas bases de dados. Como forma de refinar os resultados foi utilizado o filtro “periódicos analisados por pares” com o intuito de assegurar credibilidade aos artigos encontrados.

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A opção por não utilizar um descritor como “Psicologia” em conjunto com os demais descritores supracitados se justifica pela obtenção de nenhum artigo, dissertação ou tese nas bases de dados quando combinado esse descritor com os demais. Ou seja: ao pesquisar “Psicologia” AND “Realismo Agencial”, por exemplo, as bases de dados acusaram nenhuma resposta. Por outro lado, a utilização dos descritores mencionados sem a restrição à Psicologia permitiu um maior número de resultados. Os artigos encontrados foram analisados um a um acessando o artigo e realizando uma busca online com o nome dos/as seus/as autores/as buscando identificar a sua filiação institucional a programas de Psicologia nacionais e internacionais. O Catálogo de Teses e Dissertações, uma vez que permite como filtros selecionar as áreas de conhecimento, permitiu uma maior agilidade nas buscas. Nesse caso, ao selecionar cada dissertação e tese, empreendeu-se a leitura dos resumos dos trabalhos e de suas conclusões em busca de identificar a utilização ou não do Realismo Agencial. Como resultados totais, tivemos 11 artigos científicos internacionais, nenhum artigo nacional e nenhuma tese e dissertação; todos os artigos encontrados ocorreram com o descritor “Karen Barad”. Após encontrar esses trabalhos procedi pela leitura integral de seus conteúdos. Os artigos encontrados constam na tabela abaixo:

Tabela 1 - Artigos publicados em periódicos Filiação Institucional

das/os autoras/es por ordem de autoria Artigos / data de publicação Método/ Metodologia Objetivos País Institute of Psychology, Academy of Sciences of the Czech Republic, Prague, Czech Republic University of Western Sydney, Sydney, Australia Australian Catholic University, Strathfield, Australia Bullying as Intra-active Process in Neoliberal Universities (2011) Biografia Coletiva Analisar as dimensões materiais-discursivas do bullying no ambiente acadêmico República Tcheca e Austrália

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University of Melbourne, Melbourne, Australia

Universität Bochum Heteronormative pheromones? A feminist approach to human chemical communication (2011) Revisão Bibliográfica Analisar como a produção acadêmica sobre o tema engendra diferenças sexuais Alemanha Department of Political Science, University of Copenhagen; Danish School of Education - Pædagogisk Psykologi, København Theorizing the complexities of

discursive and material

subjectivity: Agential Realism and poststructural analyses (2011) Revisão Bibliográfica Como teorizar sobre subjetivida de a partir do Realismo Agencial Dinamarca Educational Studies in Psychology, Research Methodology, and Counseling, University of Alabama The materiality of fieldwork: an ontology of feminist becoming (2014) Auto-etnografia metodológic a Como articular uma ontologia do campo de pesquisa em sua dimensão material-discursiva Estados Unidos

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Department of Dance,

University of

Roehampton;

Counselling,

Psychotherapy and Applied Social Sciences, School of Health in Social Science, Medical School, University of Edinburgh Witnessing Loss: A feminist Material-Discursive Account (2014) Apresentaçã o do processo terapêutico envolvendo técnicas de Dança, rodas de conversa e produção audiovisual Analisar os aspectos materiais- discursivo envolvidos na psico-terapia Reino Unido Department of English at Saint Louis University

Theory & History of Psychology at the University of Groningen. Ecologies of deception in Psychology and Rethoric (2015) Pesquisa Bibliográfica Analisar a decepção e agência em suas dimensões material e discursiva Estados Unidos

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Centre for Alcohol and Drug Research, Aarhus University, Embodied Subjectivities: Bodily Subjectivity and Changing Boundaries in Post-human Alcohol Practices (2015) Entrevistas Explorar o aspecto subjetivo da intoxicaçã o por álcool; analisar como essa subjetivida de emerge; discutir conceitos da pesquisa feminista em álcool e outras drogas Dinamarca Danish School of Education - Pædagogisk Psykologi, København New materialist analyses of virtual gaming, distributed

violence and relational aggression (2016) Entrevistas Apresentar propostas analíticas para pesquisa qualitativa Dinamarca Birkbeck, Department of Psychosocial Studies, University of London Imaginings of

empowerment and the Biomedical Production of Bodies: the Story of Nonoxynol-9 (2017) Pesquisa Bibliográfica Discutir as relações entre demandas feministas e a Reino Unido

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indústria biomédica University of Edinburgh

Counselling,

Psychotherapy and Applied Social Sciences, School of Health in Social Science, Medical School, University of Edinburgh In(tra)fusion: Kitchen research practices, collaborative writing, and re-conceptualising the interview (2018) Escrita colaborativa Discutir uma nova forma de entender a entrevista como prática de pesquisa qualitativa Reino Unido

Social and Global Studies Centre, RMIT University, Melbourne

Monash Centre for Health Research and Implementation, Monash University

Birkbeck Institute for Social Research, Birkbeck Institute for Social Research, Birkbeck, University of London

Centre for Social Research in Health, UNSW Arts and Social Sciences, The University

Unravelling

subjectivity, embodied experience and (taking) psychotropic medication (2019) Entrevistas Discutir a produção de subjetivida de envolvida no tratamento em saúde com psicotrópi cos Austrália e Reino Unido

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of New South Wales, Sydney School of Management, RMIT University, Melbourne Total 11

Outro recurso metodológico empregado para a constituição desta dissertação foi a leitura dos materiais elaborados por Karen Barad, fossem eles livros, capítulos em edições, entrevistas ou artigos. A busca por esses materiais ocorreu por meio das referências bibliográficas de seus artigos e livro os quais indicam, igualmente, comentadores em relação a sua obra. Em relação aos comentadores do Realismo Agencial a sua eleição partiu ou de indicações da própria autora do Realismo Agencial (no caso de indicar em seus artigos as análises e comentários de outros autores e autoras com os quais ela dialoga), ou por meio de edições cujas editoras traziam algum capítulo escrito por Barad ou análises de sua filosofia. A partir da leitura desse material foram realizados fichamentos com o intuito de compreender não só cada conceito e proposta teórica individualmente, como também para poder me familiarizar com a dinâmica e organização desses conceitos no Realismo Agencial.

Essas considerações metodológicas permitem enquadrar a pesquisa empreendida como de natureza qualitativa uma vez que buscou compreender a maneira, segundo a qual, as pesquisadoras e pesquisadores da área da Psicologia trabalharam com o Realismo Agencial em seus projetos pessoais de pesquisa. A compreensão da forma como esse aporte teórico foi utilizado permite entender não só os seus avanços como suas limitações analíticas permitindo uma relação crítica com a teoria proposta (Gil, 2007). Dentro desse enquadre metodológico, o recurso que melhor se enquadra nessas considerações é a pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica é um procedimento de pesquisa que se vale de referenciais teóricos já analisados constituindo-se como fontes de informação, análise e teorização que não são categorizados como documentos primários (Fonseca, 2002). Ao passo que uma pesquisa documental se vale de documentos não-analisados (como registros paleontológicos e/ou arqueológicos; ou textos, excertos ou trechos de obras inéditas) a pesquisa bibliográfica parte de fontes onde já se

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encontram teorias, análises e discussões (Fonseca, 2002). Logo, os materiais utilizados em uma pesquisa bibliográfica abrangem livros, enciclopédias, artigos, coletâneas, dossiês, manifestos, folhetins e edições.

Segundo Gil (2007) a pesquisa bibliográfica se refere a pesquisas que pretendem investigar as interpretações relativas a um tema de pesquisa, a um objeto de estudo ou mesmo a bibliografias que versam sobre ele. Por conta dessas características a pesquisa bibliográfica é entendida como um dos passos iniciais de qualquer pesquisa, uma vez que anteriormente ao início de uma atividade teórica, analítica ou exploratória se faz necessário o levantamento de bibliografias a ser utilizadas no decurso da pesquisa (Marconi & Lakatos, 1992).

Nesta dissertação, a utilização da pesquisa bibliográfica teve como objetivo mapear e identificar a maneira como o Realismo Agencial tem sido utilizado na Psicologia com o intuito de, em diálogo com essas produções, rascunhar sugestões para futuros trabalhos em Psicologia e nos estudos psicossociais que tenham o Realismo Agencial como seu principal aporte teórico.

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Artigo I: Um estado da arte sobre o Realismo Agencial na Psicologia

Resumo: Este artigo aborda um estado da arte em relação a produção acadêmica sobre o Realismo Agencial na área da Psicologia. Como forma de inventariar os artigos científicos reunidos, foi realizada uma consulta as bases de dados do Portal de Periódicos e do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES com alguns descritores voltados ao Realismo Agencial. Os resultados apontam que o conceito de intra-ação é amplamente utilizado nos trabalhos como forma de sinalizar a mútua constituição entre matéria e discurso. Transversal a esses trabalhos é a utilização do Realismo Agencial para propor alternativas analíticas que primem por um entendimento da matéria como generativa e agenciativa, a partir dos processos de materialização envolvidos na constituição de seus objetos de estudo. Como possíveis apontamentos, sugere-se que trabalhos futuros em Psicologia, que tenham o Realismo Agencial como principal aporte teórico, tenham como foco as dimensões éticas dos processos de materialização.

Palavras-Chave: Neo-Materialismo. Realismo Agencial. Psicologia. Karen Barad

Resumen: Este artículo trata sobre el estado del arte en relación con la producción académica sobre el realismo de la agencia en el campo de la Psicología. Como forma de hacer un inventario de los artículos científicos recopilados, se realizó una consulta en las bases de datos del Portal de Periódicos y el Catálogo de Tesis y Disertaciones CAPES con algunos descriptores centrados en el Realismo Agencial. Los resultados muestran que el concepto de intra-acción es ampliamente utilizado en obras como una forma de señalar la constitución mutua entre la materia y el discurso. Transversales a estos trabajos es el uso del Realismo Agencial para proponer alternativas analíticas que se centren en una comprensión de la materia como generativa y de agencia, basada en los procesos de materialización involucrados en la constitución de sus objetos de estudio. Como recomendaciones, se sugiere que los trabajos futuros en Psicología que tenga al Realismo Agencial como el principal soporte teórico enfoque en las dimensiones éticas de los procesos de materialización.

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Introdução

Este artigo tem como proposta apresentar um estado da arte sobre o Realismo Agencial formulado por Karen Barad (Barad, 2003, 2007), trabalhado em programas de pós-graduação na área da Psicologia. O Realismo Agencial é uma abordagem pós-humanista das práticas científicas que visa analisar as consequências materiais dessas práticas em sua performatividade (Barad, 2007). Uma compreensão da performatividade das práticas científicas implica considerar as tensões suscitadas na materialização das entidades envolvidas no decurso dos experimentos em Ciência, buscando compreender as condições materiais e discursivas envolvidas nesses processos de materialização (Barad, 2007).

Para tanto, Barad desenvolve um arcabouço teórico-conceitual que permite rastrear os processos de constituição de fronteiras, sentidos e propriedades dessas entidades dando ensejo a compreender a materialização diferencial de noções de gênero, humanidade, matéria e discurso em dimensões ontológicas e epistemológicas (Hekman, 2008). Como forma de apresentar o Realismo Agencial esta introdução trará uma breve apresentação dos principais conceitos introduzidos pela autora como a definição de matéria, a metafísica da individualidade, as intra-ações e suas variações analíticas: os fenômenos, os aparatos, os cortes agenciais, a separabilidade agencial e as difrações (Barad, 2007).

O Realismo Agencial prima por reconhecer o caráter generativo e produtivo da matéria levando a uma definição de matéria na qual esta não é uma propriedade, uma substância, uma essência, um efeito ou mesmo uma entidade transcendente cuja inteligibilidade decorreria de algum ato de significação linguístico e/ou discursivo (Barad, 2003, 2007). Conforme Barad conceitua em sua filosofia, matéria diz respeito a uma entidade cuja imanência dá condição para processos diferenciais de materialização nos quais a própria dinâmica dos processos de (re)configuração material e discursiva das entidades materializadas é um indicativo do caráter produtivo e generativo da matéria (Barad, 2007). A matéria no Realismo Agencial não figura como uma entidade cuja inteligibilidade transcende a experiência humana; antes, são os fluxos de matéria e os processos diferenciais de materialização que ela enceta que dão condição para a materialização das noções de humano e humanidade, bem como suas fronteiras, sentidos e propriedades (Barad, 2007).

Uma das características do Realismo Agencial diz respeito a tentativa de Barad formular uma filosofia que parta de uma compreensão de Ciência que prescinda de abordagens assentes em práticas de representação (Barad, 2007). Conforme a análise de Barad a representação

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deriva de uma abordagem ontológica e epistemológica nomeada pela autora como Metafísica da Individualidade na qual a realidade seria constituída por entidades individuais, autônomas, espaço-temporalmente localizadas e separadas entre si (Barad, 2007). A crença nesta separação dá condição para a formulação de esquemas dicotômicos nos quais os pares que o constituem são analisados como entidades cuja formação nega qualquer relação de constituição mútua ou de interconexão entre os termos enquadrados por esse esquema dicotômico – algo nomeado por Linda Hankinson Nelson como “dicotomias irreais” (Nelson, 1993). É a metafísica da individualidade, por exemplo, que informa o esquema analítico cartesiano analisado por Barad aonde mente e corpo são entendidos em termos ontológicos e epistemológicos como dimensões separadas da realidade instituindo uma relação hierárquica entre ambos reificando as dimensões corporais e materiais como passivas e inertes (Barad, 2007).

Como forma de prescindir dos esquemas teóricos formulados a partir da metafísica da individualidade Barad recupera a performatividade segundo apresentada por Judith Butler. A performatividade é uma maneira de compreender os processos materiais e discursivos cujas relações diferencialmente produzem posições de sujeito e noções de humanidade (Butler, 1990). A possibilidade de analisar esses processos permite interpelar as tentativas de fundamentar em termos normativos o que é possível de ser entendido como sujeito e como humano indicando o caráter provisório e histórico desses fundamentos (Butler, 1990, 1998).

A performatividade no Realismo Agencial figura como uma maneira de criticamente se envolver com o caráter imanente da matéria e analisar simultaneamente as consequências materiais, políticas e éticas das práticas científicas através de um neologismo cunhado pela autora: as intra-ações (Barad, 2007). As intra-ações são uma proposta teórica formulada por Barad em contraponto a “interação” cuja ideia central é indicar que, ao contrário da metafísica da individualidade na qual as entidades existiriam de forma autônoma e individual em função de sua separação ontológica, a intra-ação aponta para a mútua constituição em termos materiais, discursivos, ontológicos e epistêmicos das entidades que informam o mundo (Barad, 2007). Essa afirmação implica considerar que a materialização de qualquer entidade supõe o envolvimento necessário de outras instâncias da realidade para que possa vir a existir. Esse aspecto das intra-ações será melhor exemplificado através dos artigos que versam sobre o bullying e estados de intoxicação corporal reunidos neste artigo e apresentados na seção de resultados.

Na ontologia do Realismo Agencial a realidade é constituída intra-ativamente por meio de processos diferenciais de materialização nomeados pela autora como fenômenos (Barad,

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2007). Os fenômenos são as unidades ontológicas básicas do Realismo Agencial e ao serem compreendidos como processos diferenciais de materialização indicam que o fenômeno sob análise não possui uma configuração material fixa, nem mesmo propriedades e sentidos passíveis de ser previamente assegurados (Barad, 2007; Rouse, 2004). Os artigos reunidos que tomam o conceito de fenômeno como recurso analítico o utilizam para demonstrar que a depender das configurações materiais e discursivas nas quais nos encontramos temos diferentes maneiras de materializar os componentes do fenômeno cuja relativa estabilidade decorre do padrão de diferenças materializado no interior do fenômeno (Rouse, 2004). Conforme será apresentado na seção de resultados, se considerarmos a intoxicação por álcool um fenômeno, compreendê-lo a partir do Realismo Agencial implicaria considerar quais dimensões materiais e discursivas estão envolvidas na materialização dessa intoxicação de modo que o estado corporal intoxicado diferencialmente materializa noções como consciência, individualidade, avaliações morais, éticas e noções de gênero (Poulsen, 2015).

As relações entre os processos diferenciais de materialização e as (re)configurações materiais que eles encetam são abarcados pelo conceito de aparato (Barad, 2007). Os aparatos são configurações materiais do mundo e designam qualquer entidade concreta – podendo ser instrumentos de mensuração laboratoriais (Barad, 1995, 1996), testes clínicos com microbicidas (van der Zaag, 2017) ou aparelhos de ultrassom utilizados para gerar imagens de fetos em hospitais (Barad, 1998). O potencial analítico dos aparatos decorre das articulações com outros aparatos com as quais se vê enredado produzindo os processos diferenciais de materialização que dão ensejo aos fenômenos (Barad, 2007).

Como Barad demonstra em um artigo publicado como recurso pedagógico para a apresentação de sua filosofia, é a partir de imagens de ultrassom que se materializam fetos em hospitais suscitando questões judiciais, religiosas, éticas e de gênero, nas quais o feto figura como um fenômeno que se materializa em diferentes âmbitos da experiência (Barad, 1998). A materialização dos fetos importa na medida em que seu processo diferencial de materialização não se dissocia dos demais componentes desse fenômeno: mulheres, famílias, hospitais, noções de saúde, cuidado e valores morais são intra-ativamente materializados a partir da ultrassonografia e sua utilização em procedimentos hospitalares (Barad, 1998).

Uma vez que os aparatos produzem fenômenos e os fenômenos em sua materialização diferencial dão condição para o delineamento das fronteiras, sentidos e propriedades dos seus componentes, Barad emprega o conceito de corte agencial como um tipo de intra-ação que propriamente constitui essas fronteiras materiais e discursivas (Barad, 2007). O conceito de

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corte agencial é utilizado como uma forma de se acercar das produções de diferenças que ocorrem no decurso dos processos de materialização dos fenômenos permitindo tecermos distinções entre seus componentes e compreender no que essas distinções importam (Barad, 2007). No momento no qual podemos provisoriamente identificar os componentes do fenômeno como entidades distintas no que se refere às suas fronteiras e sentidos temos o indicativo da intra-atividade dos cortes agenciais. Conforme veremos nos artigos reunidos os cortes agenciais incidem naquilo que se é incluído e excluído dos processos de materialização diferencial dos fenômenos.

A separabilidade agencial é um tipo específico de corte agencial engendrado no interior dos fenômenos que figura como condição de possibilidade para a objetividade científica e para as noções de exterioridade e interioridade entre as entidades materializadas (Barad, 2007). A importância da separabilidade agencial reside na instituição das conexões que irão definir o que é exterior ou interior tanto entre os componentes dos fenômenos quanto com cada componente consigo mesmo. Logo, é a separabilidade agencial que permite que noções como “exterior”, “interior”, “dentro” e “fora” possam temporal e espacialmente ter sentido (Barad, 2007). Naturalmente, se houver uma mudança nas articulações entre aparatos haverá uma mudança nos cortes agenciais no interior dos fenômenos alterando, igualmente, a separabilidade agencial e aquilo que que figurará como causa e efeito, exterior e interior (Barad, 2007).

A maneira como Barad desenvolve seus conceitos é definido pela autora como um estilo difrativo de composição teórica e argumentativa (Barad, 2007, 2014b). A difração é uma proposta que Barad retoma de Donna Haraway (1999) e é utilizada no Realismo Agencial para indicar que conquanto as entidades sejam materializadas de maneiras diferentes a depender dos processos de materialização nos quais estejam enredados, a difração torna possível rastrear essas diferenças e entender no que e como elas importam nesses processos diferenciais de materialização (Barad, 2014b). Compreender a importância das diferenças e entendê-las como um processo relacional e contingente permite interpelar as dimensões materiais e discursivas que engendraram essas diferenças dando ensejo a formulação de uma ética no tocante as consequências materiais das práticas científicas (Barad, 2007).

Após essa breve apresentação do Realismo Agencial este artigo pretende apresentar um estado da arte em relação a essa proposta filosófica na Área da Psicologia a partir de uma busca as bases da dados do Portal de Periódicos e do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. A partir dos artigos inventariados é possível perceber a prevalência do conceito de intra-ação proposto pela autora que figura como uma estratégica teórica-analítica empregada pelas/os

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autoras/es dos artigos para suscitar abordagens alternativas aos seus respectivos temas e objetos de estudo. Outrossim, as intra-ações dão ensejo a uma compreensão da matéria como uma entidade produtiva e generativa dos processos diferenciais de materialização das entidades analisadas, permitindo indicar o que se é incluído e excluído desses processos de materialização e suscitando questões éticas em relação a esses processos.

Método

O objetivo deste artigo é apresentar um panorama dos trabalhos acadêmicos em Psicologia que partem do Realismo Agencial para a realização de suas análises e pesquisas com o intuito de destacar as dimensões dessa filosofia que vem sendo privilegiadas ou obliteradas por essa produção acadêmica. Para tanto, foi realizada uma consulta online em duas bases de dados com o objetivo de encontrar produções acadêmicas que tivessem o Realismo Agencial como principal aporte teórico de suas pesquisas valendo-se de uma metodologia de pesquisa conhecida como “estado da arte”.

As pesquisas em estado da arte primam, segundo (Ferreira, 2002), por apresentar uma descrição inventariante em relação a determinado tema no âmbito das produções acadêmicas tornando possível a organização desse material em diferentes eixos analíticos. Essa organização permite a identificação de temas emergentes ou recorrentes que indicam as formas segundo as quais esses temas são trabalhados como também os tipos de pesquisa que vem sendo realizados em relação a esse tema (Rossetto, Fighera, Santos, Powaczuk & Bolzan, 2013). A sistematização e organização dos materiais analisados permite não só uma introdução desse tema para o público em geral e à comunidade acadêmica, como também auxilia a orientar a elaboração de projetos de pesquisa (Silva & Menezes, 2001), o levantamento de novas questões em diálogo com a produção já existente (Marconi & Lakatos, 1992) e a indicação do estatuto e relevância de determinado tema no âmbito acadêmico (Rossetto, Fighera, Santos, Powaczuk & Bolzan, 2013).

As pesquisas em estado da arte são entendidas como uma metodologia de pesquisa que permite a identificação e mapeamento de pesquisadoras/es mais citadas/os na área, referências clássicas (como livros, personalidades, estudos) e consensos em relação a compreensão de um tema de pesquisa indicando os aspectos privilegiados e obliterados pela comunidade acadêmica em relação a um assunto de interesse científico (Rossetto, Fighera, Santos, Powaczuk & Bolzan, 2013). Esse mapeamento contribui para o entendimento de discussões analíticas que em um

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