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Trajetória do curso de educador sanitário da faculdade de higiene e saúde pública de São Paulo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

THIAGO EDUARDO DE FRANÇA

TRAJETÓRIA DO CURSO DE EDUCADOR

SANITÁRIO DA FACULDADE DE HIGIENE E

SAÚDE PÚBLICA DE SÃO PAULO

CAMPINAS

2015

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THIAGO EDUARDO DE FRANÇA

TRAJETÓRIA DO CURSO DE EDUCADOR

SANITÁRIO DA FACULDADE DE HIGIENE E SAÚDE

PÚBLICA DE SÃO PAULO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.

Orientador: Maria Helena Salgado Bagnato

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO EDUARDO DE FRANÇA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA MARIA HELENA SALGADO BAGNATO

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TRAJETÓRIA DO CURSO DE EDUCADOR

SANITÁRIO DA FACULDADE DE HIGIENE E SAÚDE

PÚBLICA DE SÃO PAULO

Autor : Thiago Eduardo de França

Orientador: Prof. Dr. Maria Helena Salgado Bagnato

COMISSÃO JULGADORA:

Heloisa Helena Pimenta Rocha Cristiane Pessôa da Cunha Lacaz

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Á minha família. Aos meus pais, em especial.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, em especial meus pais, pelo apoio irrestrito.

À Prof. Dra. Maria Helena Salgado Bagnato pela orientação. Orientação para toda vida.

Serei sempre seu aprendiz.

Agradeço as professoras Dra. Heloisa Helena Pimenta Rocha, Dra. Cristiane Pessôa da

Cunha Lacaz e a Dra Dirce Djanira Pacheco e Zan por participarem da Banca

Examinadora e oferecerem valiosas contribuições para o aperfeiçoamento desta dissertação.

Às Professoras e Educadoras Sanitárias Dra Isabel Bicudo Pereira e Dra. Marcia Faria

Westphal pelas entrevistas concedidas.

Aos amigos de perto e de longe: Juliano, Raphael, Ellen, Thiago, Simone, Daniel, Douglas,

Isabel, Estela, Anaísa, Talita, Fernanda e Renan. Obrigado pela amizade e incentivos

constantes.

Aos colegas do PRAESA pelas contribuições dadas para a elaboração deste trabalho.

À Equipe da Secretaria de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP pelo

atendimento sempre gentil e eficaz.

Ao Centro de Memória e à Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da USP pela

assistência e valiosas contribuições.

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RESUMO

O presente estudo investiga aspectos da trajetória do curso de Educador Sanitário oferecido pela Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo entre as décadas de 1920 a 1960. O curso tinha como objetivo capacitar professores para atuação em escolas e nos Centros de Saúde e, com isso, levar a ‘consciência sanitária’ à população. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem histórico-social, utilizando-se os pressupostos teórico-metodológicos da História Nova e da História Oral. Propõe um estudo interdisciplinar entre ás áreas de Saúde Pública, História e Educação, com o intuito de aproximar e relacionar aspectos presentes nessas áreas. Para isso, utilizamos fontes primárias e secundárias através de busca e análise de registros, anais, atas, regulamentos, circulares, leis, normas, ofícios e cartas. Para complementação das fontes recorremos a entrevistas orais. O emprego dessas duas fontes-escritas e orais- foram fundamentais para obtermos acesso a informações não oficiais. A nossa responsabilidade com este trabalho, foi de assegurar o registro e a continuidade da história do curso e dos sujeitos Educadores Sanitários, que contribuíram para a melhoria da saúde da população e da saúde pública do Estado de São Paulo.

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Abstract

In the present study were investigated the trajectory aspects of the sanitary educator’s course offered by the Hygiene and Public Health institute of São Paulo between 1920 and 1960. The course objective was capacitate teachers to perform in schools and Health Centres, helping the population build up a sanitary conscience. Using theoretical and methodological presuppositions of new history and oral history a qualitative research was carried out, presenting social and historical approach. An interdisciplinary study was proposed amongst public health, history and education study fields aiming to relate and approximate many aspects observed. Primary and secondary sources were used to achieve the proposed study, such as records, annals, minutes, regulations, circulars, laws, norms and letters. In order to complement the sources oral interviews were performed. Solely using these two sources, written and oral documentation, non-official information was possible to be obtained. The present work aim assure the register and continuity of the sanitary educator’s course history and its former workers, whom contributed to the improvement of population’s health and public health of São Paulo state.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AES Associação dos Educadores Sanitários

CAPS Caixas de Aposentadoria e Pensões

DAE Departamento de Assistência Escolar

IAPS Instituto de Aposentadoria e Pensões

EUA Estados Unidos da América

FSP Faculdade de Saúde Pública

MES Ministério da Educação e Saúde

OMS Organização Mundial da Saúde

SESP Serviço Especial de Saúde

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Turma de Educadoras Sanitárias...42

Figura 2 – Diploma Conferido aos Formandos do Curso de Educadores

Sanitários – 1927...43

Figura 3 – Cartaz Informativo do Serviço Nacional de Educação Sanitária...64

Figura 4 - Educadora Sanitária no Grupo Escolar Regente Feijó...65

Figura 5 - Educadora Sanitária Durante Orientações às Mães no Parque Infantil Casa Verde...66

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

CAPÍTULO I - PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO...20

1.1 Os Documentos...22

1.2 As Fotos...24

1.3 As Entrevistas...25

CAPÍTULO 2 - SITUANDO O CONTEXTO: Aspectos Históricos da Saúde Pública em São Paulo...30

2.1 Constituindo Práticas Sanitárias...31

2.2 Do Campanhismo à Educação Sanitária...36

2.3 Expansão da Política Sanitária (1930-1945)...38

2.4 Nascimento do Sanitarismo Desenvolvimentista (1945-1960)...39

CAPÍTULO 3 = O CURSO DE EDUCADOR SANITÁRIO...41

3.1 Funções do Educador Sanitário ...52

CAPÍTULO 4 -TRAJETÓRIAS DAS EDUCADORAS SANITÁRIAS...55

4.1 As Escolhas Profissionais: do magistério à educação sanitária...55

4.2 Os Caminhos para a Educação Sanitária...57

4.3 A Atuação como Educador Sanitário...59

4.4 Desafios e Dificuldades da Profissão...68

4.5 Relação com a Enfermagem...72

4.6 Carreira Docente...74

4.7 A Suspensão do Curso ...76

CONCLUSÃO...83

REFERÊNCIAS...86

ANEXO 1 Roteiro de Entrevista ...94

ANEXO 2 Entrevistas...95

ANEXO 3 Currículo das Entrevistadas ...111

ANEXO 4 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...114

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INTRODUÇÃO

As questões de saúde e educação ressurgem como base de nova preocupação na década de 20, período de grande tensão, efervescência de ideias e de crise da hegemonia das oligarquias representantes dos interesses agroexportadores dominantes.

Novas forças sociais surgem em consequência de modificações na estrutura econômica. O processo de industrialização é incrementado, graças a acumulação do capital propiciado pela produção cafeeira. Por outro lado, a desvalorização do café com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a forte queda do câmbio e as dificuldades que afetam o mercado de exportação e importação constituem, também, fatores que vão estimular e acelerar o processo de industrialização brasileira, a partir de meados da década de 10 (DEAN, 1991; HOBSBAWN, 1995).

As novas forças urbano-industriais – o operário, que aos poucos ganha expressão política, as camadas médias representadas pelos pequenos comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais, militares – compõem a complexidade da nova estrutura social e participam, de maneiras diferentes, do quadro de ebulição social que caracteriza a década de 20 e que culmina com o movimento revolucionário de 30. (DEAN, 1991).

Os profissionais, preocupados com os problemas sanitários e educacionais que o país enfrentava, buscam novas formas de superar esses problemas, tendo o Estado como principal interlocutor.

Nesse contexto, ocorre um conjunto de transformações, quer no campo educacional, quer no campo de saúde e que geram maior centralização das ações estatais.

As reformas educacionais realizadas durante a década 20 resultaram de manifestações e propostas de intelectuais liberais e políticos, sob a égide do movimento “otimismo pedagógico” denominado por Nagle. (NAGLE, 1974).

Nesse período, propagam-se as ideias escolanovistas, transpassadas ao país por meio de alguns educadores, que entendem:

(que) a educação deve estar baseada em princípios científicos e valer-se de métodos ativos, a fim de superar tanto um empirismo grosvaler-seiro como as tendências intelectualistas, através da pesquisa, descoberta e verificação (CURY apud MELLO,1986, p.26).

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Esses princípios científicos deveriam estar aliados à formação da consciência democrática e, assim, gerar um novo modelo educacional, através da introdução de novos métodos e técnicas de ensino, centrando na criança o processo pedagógico. (CURY, 1984).

Os escolanovistas defendem a escola comum, única, gratuita, obrigatória e integral com formação intelectual, moral, higiênica e física.

O movimento de renovação educacional faz a revisão do conjunto de ideias e princípios da escola tradicional, que se volta para o cultivo do intelectualismo e do individualismo. Tais características não estão mais condizentes com o processo de modernização da sociedade, isto é, com uma “civilização em mudança! – a era científica, tecnológica e industrial. (LOPES, 1984).

A Escola Nova representa a transformação completa da escola, dos programas de ensino, dos procedimentos técnicos e didáticos e do papel do professor. Nela o estado assume a educação, orientando-a a partir das necessidades da sociedade, propiciando a adaptação “das novas gerações para a vida social do tempo em que se vive.” (CURY, 1984, p.91).

No decorrer da década de 20, com o intuito de adotar a educação e uma sociedade em devir urbano-industrial, são propostas e realizadas, através dos ideários da Escola Nova, algumas reformas do ensino primário em diversos estados brasileiros.

As reformas ocorridas nos estados brasileiros, apesar de diferenciarem-se quanto a estruturação e tipos de cursos previstos, apresentam, em comum, a inclusão no currículo do ensino de higiene ou higiene e puericultura e educação física. E, em São Paulo, a partir de 1921, as escolas normais passam a incluir no quinto e último ano do curso, a disciplina de higiene e puericultura. (ALMEIDA JUNIOR, 1929).

A incorporação dessas disciplinas nas reformas educacionais e nas escolas normais é resultante do movimento de intelectuais que, nesse período, apresentam uma série de projetos, programas a respeito da higiene e da saúde pública.

Preocupados com as condições sanitárias da população, os higienistas apoiam e defendem a escolarização, pois associam a existência dos problemas de saúde à ignorância a respeito dos preceitos e normas higiênicas. Durante a década de 20, realizam diversos congressos para tratar e discutir temas como: higiene infantil, formação de hábitos sadios, problemas tidos como degeneradores da humanidade (a

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sífilis, a tuberculose e o alcoolismo), saneamento do ambiente, organização dos serviços de saúde etc.

É nesse período que um novo modelo tecnológico de saúde – médico-sanitário – é incorporado pelas instituições de saúde pública. É introduzido no Brasil por intermédio de médicos higienistas que tinham ido aos Estados Unidos para cursos de aperfeiçoamento, devido ao convênio firmado entre a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e a Fundação Rockefeller.

A Fundação Rockefeller foi uma instituição filantrópica criada em 1913 por John Davison Rockefeller, magnata norte-americano da indústria petroquímica. A Fundação tinha como objetivo “aliviar o sofrimento em todo o mundo”. (CAMPOS, 2004). Ainda, segundo Campos (2004) a Fundação foi ‘uma instituição que praticava a saúde de forma diferenciada, podendo-se até dizer inédita, combatendo os problemas a fundo, com a realização de pesquisas e novos modelos de profilaxia contra doenças que ameaçavam a saúde pública norte-americana e de outros países.” (CAMPOS, 2004, p.160). A atuação da Fundação não ficou restrita apenas aos Estados Unidos, dedicando-se a outros países do mundo, especialmente os da América Latina. A Fundação chegou ao Brasil entre os anos de 1916 e 1917, instalando um escritório no Rio de Janeiro. A chegada da Fundação no Brasil ocorreu em um momento em que o saneamento era uma das questões mais importantes da década. A presença da Fundação Rockefeller começou a influenciar a saúde pública do país por meio de bolsas de estudos para treinamento nos EUA, desenvolvimento de projetos e convênios com instituições de saúde brasileiras e como os governos estaduais. (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003).

Em São Paulo, a Fundação passou a atuar no ano de 1917, no interior do estado, no combate da malária, febre amarela e ancilostomíase. Através vários postos de profilaxia da ancilostomíase, onde desenvolvia um trabalho paralelo com o Serviço Sanitário dirigido por Arthur Neiva. (CASTRO SANTOS; FARIA, 2003). Já no ano de 1918 é firmado um acordo entre o International Health Board e o governo de São Paulo para a criação da cadeira e do Instituto de Higiene, anexo a Faculdade de Medicina, o que seria o ‘embrião de uma instituição de ensino e pesquisa no campo da higiene e saúde pública’. (CAMPOS, 2004, p.162). Com este acordo, o governo paulista forneceria o prédio para o funcionamento do Instituto e a quantia de três mil dólares e, em contrapartida, a Fundação Rockefeller doaria dez mil dólares para equipá-lo e mantê-lo até o fim do acordo, enviaria um técnico norte-americano que

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assumiria a direção e concederia bolsas de estudos para formação de dois técnicos brasileiros em higiene e saúde pública. (CAMPOS, 2001). Com o convênio firmado, Francisco Borges Vieira e Geraldo Horácio de Paula Souza foram os escolhidos para realizar doutoramento em higiene e saúde pública pela Universidade de Johns Hopkins. Ao retornarem, em 1921, Paula Souza assume a diretoria do Instituto de Higiene e Borges Vieira a vice-diretoria.

Em 1922 Geraldo Horácio de Paula Souza é convidado a assumir a Diretoria dos Serviços Sanitários do Estado de São Paulo de 1922 a 1927 e firma parceria com o Instituto de Higiene que forneceria suporte técnico para o desenvolvimento da nova política sanitária. Após analisar os principais problemas sanitários do Estado, Paula Souza acreditou ser o modelo de saúde difundido pela Fundação Rockefeller, o mais adequado ao problema paulista.

Com base no modelo médico-sanitário, Paula Souza propõe, para a organização dos serviços de saúde, unidades locais permanentes – os centros de saúde- e a educação sanitária como instrumento básico das práticas sanitárias. Ele instala o primeiro centro de saúde, em 1923 (fase experimental), junto ao Instituto de Higiene de São Paulo e reforma, em 1925, o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, criando a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde e propondo a criação de cinco deles. (CAMPOS, 2001).

Neste modelo, o indivíduo, e não mais o ambiente, passa a ser considerado como um dos elementos principais na causa da doença e sofre ação permanente dos centros de saúde. Modifica-se a visão da relação entre saúde, doença e sociedade. A ênfase dada ao comportamento das pessoas pressupõe que, com a sua modificação, é possível controlar o desenvolvimento da doença.

Na visão dos higienistas, as camadas trabalhadoras urbanas são ignorantes, doentes, portadoras de hábitos viciados e não civilizados. É necessário um trabalho de “domesticação” dos seus hábitos de vida. Desloca-se a ênfase das ações coercitivas e autoritárias para ações educativas, com vistas à formação de consciência sanitária da coletividade. Desse modo, a educação sanitária transformaria os conhecimentos sobre saúde em formas desejáveis de comportamento individual e coletivo, através do processo educativo.

Os centros de saúde assumiram um papel de destaque no projeto sanitário de São Paulo, estas unidades conjugavam ações sanitárias, serviços médicos e de assistência social, e possuíam caráter eminentemente educativo, priorizando, dentre

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as suas atividades, a educação sanitária, elemento-chave para a formação da consciência sanitária. De acordo com Paula Souza e Borges Vieira:

É pela educação que modernamente se orienta a resolução dos problemas não só de saúde pública como de todos os demais que interessam às coletividades, a fim de se obter a cooperação popular consciente, sem a qual são mínimos os resultados, e geralmente contraproducentes as medidas coercitivas. Como organismos de difusão de conhecimentos sanitários, avulta a obra dos visitadores de higiene ou dos educadores sanitários, emanações do Centro de Saúde (PAULA SOUZA & BORGES VIEIRA, 1944, s/p).

A educação sanitária se traduzia nos centros de saúde, em orientações e difusão de informações sobre saúde aos educandos, facilitando-lhes a aquisição de hábitos de higiene. Era ministrada tanto individualmente como a grupos, seja nos próprios centros de saúde, seja nas escolas, domicílios, fábricas, estabelecimentos comerciais ou em outros locais, onde se fizer necessária. Estava voltada para os grupos sociais, principalmente as camadas urbanas, que não são consideradas como “portadoras de consciência sanitária, isto é, não colocam em prática os preceitos higiênicos cientificamente elaborados” (MERHY, 1997).

A criança aparece como elemento central para a formação dos hábitos higiênicos. De acordo com Rocha (2003, p. 147), ‘a educação sanitária priorizaria, em suas práticas, a infância e a mocidade’. De acordo com Almeida Junior:

A melhor época senão exclusiva para a realização da educação higiênica é a infância, graças a maleabilidade psicológica do indivíduo (...) é necessário catequizar os educadores (...) e organizar, na escola primária, o trabalho prático (ALMEIDA JUNIOR, 1929, p.819-820). E, ainda, Fontenelle (1926) argumenta que:

a escola tem de atuar de várias formas, pelo meio como possibilidade de execução dos atos sadios (perfeito fornecimento de água, boas instalações de latrina, lavatórios convenientemente aparelhados etc.), pelo exemplo da professora instruída em higiene e educada sanitariamente (...), pela organização do trabalho sem atentado aos dogmas de higiene, muito particularmente pelo esforço ali feito para inculcar bons hábitos de saúde física, psíquica, entre os quais estão incluídos os exercícios físicos ao ar livre (FONTENELLE, 1926, p.937).

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Rocha (2003) justifica a prioridade da educação sanitária às crianças:

Por meio das crianças procurava-se, desse modo, atingira as suas famílias, ensinando-lhes um padrão de vida civilizado, expresso em práticas desejáveis de asseio pessoal e do vestuário, higiene do lar, alimentação e cuidados com os filhos. Contribuindo para a formação de homens fortes, saudáveis, produtivos e ordeiros (ROCHA, 2003, p.147).

Para esse trabalho de domesticação e formação da consciência sanitária era necessário um especialista em Educação Sanitária para a difusão dos preceitos de higiene. Assim, foi criado um cargo, uma nova categoria profissional: os Educadores Sanitários. Esses educadores ficariam responsáveis por um trabalho mais delicado, o de persuasão dos indivíduos para a necessidade de aquisição de hábitos de higiene.

Em 1925, por proposição de Paula Souza, instala-se, no Instituto de Higiene de São Paulo, o curso para Educadores Sanitários. Este curso visa à preparação de professores primários sobre

teorias e regras de higiene, procurando aliar a habilitação técnica com a experiência do magistério, fatores imprescindíveis para a responsabilidade na formação de hábitos sadios (PAULA SOUZA & BORGES VIEIRA, 1944, p.34).

A principal justificativa para a formação de professoras como educadores sanitários, era, segundo Paula Souza, “a necessidade de auxiliar de saúde pública promoveu, pela completa ausência de enfermeiras diplomadas, a ideia de se utilizar de normalistas, dando-lhes cursos de higiene e educação sanitária, aproveitando assim a prática pedagógica daquele contingente de professores” (PAULA SOUZA, 1947). Além disso, a escolha pelas normalistas foi uma valiosa complementação, pois auxiliou e facilitou o processo de aprendizagem das crianças. Após o término do curso, as normalistas voltariam às suas escolas onde desenvolveriam a educação sanitária entre os escolares.

Segundo Campos (2004), observa-se a importância da criação do curso pela sua rápida institucionalização, por meio do Decreto nº 4.089 de 17/08/1926, que regulamentou o curso de educadores sanitários; curso que se estendeu até o ano de 1961 e que inseriu esse novo agente em vários setores da sociedade.

Historicamente, o curso de Educadores Sanitários, oferecido na Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo, foi o único no Brasil. Por ser novo e único, foi emblemático e contribuiu para transformações na política de saúde pública do Estado

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ao introduzir novos agentes na equipe de saúde. Diante disso, esta dissertação tem por intuito e como ponto de partida buscar entender a história do curso de Educadores Sanitários da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo para, em um segundo momento, descrever, através de relatos orais, aspectos da trajetória de sujeitos que frequentaram o curso e atuaram como Educadores Sanitários.

Tentaremos traçar aspectos da trajetória do curso, paralelamente ao processo de construção da identidade do Educador Sanitário, de 1925, quando começou o curso, até o momento de sua suspensão em 1961.

Com o recurso da recuperação da sua história, tentaremos ampliar a compreensão a respeito das indefinições, dúvidas e ameaças de suspensão pelos quais passou desde sua criação.

Após diversas leituras sobre o curso de Educadores Sanitários, surgiram alguns questionamentos: Onde atuavam esses profissionais? Que atividades

desenvolviam? Quais eram os desafios e dificuldades da profissão? Como era a relação com os profissionais da saúde, em especial a Enfermagem? O que levou o curso a ser suspenso? Que contribuição deu à Saúde Pública do Estado de São Paulo?

O presente trabalho tem por objetivo geral, analisar a trajetória do Curso de Educadores Sanitários da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo e compreender aspectos da formação desses Educadores.

Como objetivos específicos:

 Descrever aspectos dessa história através de depoimentos de 2 educadoras sanitárias;

 Identificar e analisar as atividades e estratégias que desenvolviam para associar educação e saúde;

 Identificar os objetivos e interesses presentes na criação desse curso.  Identificar os motivos que levaram a Faculdade de Higiene e Saúde

Pública a suspender do curso.

Diante destes objetivos procurei reconstruir aspectos da trajetória histórica do curso de Educadoras Sanitárias, buscando em diferentes fontes explicações acerca dos sujeitos envolvidos em sua concepção, organização e cotidiano, trazendo à tona as diversas transformações ocorridas ao longo do tempo e, com isso, contribuir para compor a história da Saúde Pública do Estado de São Paulo.

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O presente estudo, ao retomar a história do Curso de Educadores Sanitários, contribuirá para a produção científica acerca do curso e da formação desses novos profissionais. Desvendar e analisar os interesses envolvidos nas políticas de saúde, na criação e na trajetória do curso, e na figura dos Educadores Sanitários, possibilitará uma reflexão sobre a constituição das políticas públicas de saúde no Estado de São Paulo.

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CAPITULO I - PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com abordagem histórico social, utilizando-se dos pressupostos teórico-metodológicos da História Nova e da História Oral, como serão analisadas em seguida. Propõe um estudo interdisciplinar, utilizando teóricos e estudos das áreas da Saúde Pública, da História e da Educação, com o intuito de aproximar e relacionar aspectos presentes nessas áreas.

É um estudo que se apoia na Nova História devido a sua receptividade em trabalhar com novas fontes historiográficas, com novos objetos e abordagens, colaborando com mudanças significativas na escrita e no ensino de história

Para a realização da pesquisa, utilizamos fontes primárias e secundárias, através da busca e análise de registros, anais, atas, regulamentos, circulares, leis, normas, ofícios, cartas, artigos, dissertações, teses e livros que abordavam a História da Saúde e da Educação no Brasil. As fontes hemerográficas e iconográficas foram também imprescindíveis nesta busca. Utilizamos também a entrevista para complementação das fontes documentais.

A análise das fontes de natureza escrita foi realizada por meio de um entrecruzamento com as fontes orais. A utilização dessas duas fontes (escritas e orais) foram fundamentais para obter acesso a pressupostos não oficiais.

A história é de suma importância para a manutenção da memória e o desenvolvimento das sociedades humanas. Novos conhecimentos são produzidos a partir de conhecimentos já obtidos e de fatos ocorridos. Desse modo, a permanência e circulação de informações permitem a disseminação de ideias e conhecimentos, propiciando interações com diversos ambientes, tanto locais quanto globais.

Aos historiadores, cabe a função de retomada do passado e da análise dos fatos, criando (co)relações e identificando paradoxos. De acordo com Vieira, Peixoto e Khoury (1989, p.12), “não só ao poeta, mas também a historiadores incubem recuperar lágrimas e risos, desilusões e esperanças, fracassos e vitórias, fruto de como os sujeitos viveram e pensaram sua própria existência”.

A história, enquanto ciência, vive continuamente em construção, instituindo, pelos tempos, os fatos históricos, além de oportunizar transformações na existência humana, possuindo como alicerce o princípio das mudanças.

De acordo com Le Goff (2008), a história, desde seu surgimento nas sociedades ocidentais, começou como “um relato”, a narração daquilo que “eu vi, eu

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senti”. No entanto, os documentos escritos passaram a ser utilizados como testemunhos, ultrapassando as limitações da transmissão oral do passado. A organização de bibliotecas e arquivos proveu os materiais da história.

Durante muito tempo a história foi vista como simples narrativa de acontecimentos históricos, como mera descrição de fatos passados, especialmente os protagonizados por personagens ilustres, como reis, rainhas, mártires, que, de certa forma, davam sentido à existência humana.

Foi somente nas primeiras décadas do século XX, que essa concepção de história modificou-se. A história, a partir de então, não seria mais entendida como algo acabado que estivesse em um lugar do passado, prestes a ser descoberto e descrito sequencialmente pelos historiadores. Pelo contrário, essa nova história passaria a ser uma construção científica. Segundo Le Goff (2008)

[...] substituiu a História [...] fundada essencialmente nos textos, nos documentos escritos, por uma História baseada numa multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, ou, para um passado mais distante, um pólen fóssil, uma ferramenta [...] (LE GOFF, 2008, p. 28-29).

Esta História Nova caracterizou-se pela proximidade com outros campos de conhecimento com a Sociologia e a Antropologia, ciências que têm como objeto de estudo o homem e seu relacionamento social e cultural no mundo e que concedem à história diversas formas para o entendimento humano. Assim, as relações passam a ser entendidas pela história não mais em um sentido amplo e homogêneo, mas também através de suas peculiaridades e individualidades. As formas de vida dos diferentes grupos sociais, as múltiplas dimensões da vida do homem no tempo, passam a ser percebidas pela história. Dessa maneira, a história passa a investigar as diferentes histórias – da mulher, da criança, das formas de viver, pensar, sentir etc. A História Nova surgiu com o movimento dos Annales, na França, em 1929. Esse movimento, representado pela revista Annales e fundado por Marc Bloch e Lucien Frebvre, questionava a História Tradicional, se contrapondo a uma História factual, centrada nas ideias e decisões dos ditos “grandes homens” e refletia sobre os novos rumos que os historiadores dariam às suas pesquisas. Propunham uma História-problema, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir

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e pensar. O que movia os fundadores dos Annales era construir uma História interdisciplinar, que serviria como base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica (VAINFAS, 1997).

A História Nova pretende estar em torno da história vivida dos homens, de uma instituição, dos fatos cotidianos e do concreto como sua melhor inspiração. A História Nova vale-se não apenas de documentos textuais, mas também de outros tantos registros como fotografia, filmes, objetos, produções artísticas, “a nova história se interessa virtualmente por toda atividade humana isto é, tudo tem uma história, ou seja, tudo tem um passado que pode ser princípio reconstruído e relacionado ao restante desse passado” (LE GOFF, 2008, p. 20).

Os documentos utilizados neste trabalho foram ‘garimpados’ no Centro de Memória da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

O Centro de Memória da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo tem por objetivo preservar e divulgar a memória da saúde pública no Brasil. Para isso, expõe, publica e cria diversas formas de acesso às informações, buscando dialogar com a comunidade acadêmica, com pesquisadores, cidadãos em geral, usuários e futuros construtores da saúde pública. Reúne informações e dados sob a forma de documentos – iconográficos, textuais, objetos tridimensionais, sonoros, audiovisuais etc. Tem como tarefa reunir, organizar e tornar disponíveis acervos que recuperam as práticas cotidianas de um dos mais importantes centros de pensamento e atuação na área da saúde pública no país (FSP/USP).

1.1 Os Documentos

Após contato prévio com a equipe do Centro de Memória, agendei uma primeira visita para conhecimento do acervo e investigação e solicitação dos documentos. Deparei-me com um arquivo grandioso, composto por um conjunto iconográfico formado basicamente por fotografias, totalizando 5.000 imagens com data limite entre 1923 a 2009, a maioria digitalizadas. Quanto aos documentos como atas, memorandos, ofícios entre outro, estão organizados em caixas-arquivo com o nome de fundo ou coleções da instituição ou pessoa a qual pertenciam os documentos.

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Esta visita me aproximou e me instigou, ainda mais, a investigar o meu objeto de pesquisa. Além de aguçar meu interesse pela pesquisa histórica e (re)conhecer a importância do documento e sua preservação para a História. Diante disso, passei a pesquisar sobre a importância do documento como fonte de pesquisa, deparando-me com alguns estudiosos do assunto – Heloisa Liberalli Belloto e Paul Otlet.

Otlet (1937) conceitua documento como

Documento é o livro, a revista, o jornal, é a peça de arquivo, a estampa, a fotografia, a medalha, a música, é também atualmente o filme, o disco e toda a parte documental que precede ou sucede a emissão radiofônica (OTLET, 1937 - online).

Para Belloto (2002, p.9) “documentos de arquivo são testemunhos inequívocos da vida de uma instituição”. Ainda, de acordo com a autora, os documentos de uma entidade pública ou privada “demonstram como decorremas relações administrativas, políticas e sociais por elas mantidas, tanto no âmbito interno como no externo’”.

Vale ressaltar que “O documento não é inócuo” (LE GOFF, 2008, p. 547). Tem-se ainda a operação com eles, as quais são Tem-sempre de natureza retórica, pois quem fala não é o documento, e sim o historiador que fala por ele (MENESES, 1998).

Durante a primeira visita me ative aos documentos ‘oficiais’ – atas, ofícios, decretos entre outros, que informassem sobre o processo de criação do curso de Educadores Sanitários, sua trajetória, estrutura curricular, plano de ensino, até o momento em que foi extinto. A utilização desses documentos serviu como suporte para a escrita do texto, pois possuem seu valor próprio e representam o discurso institucional.

Os documentos é um dos maiores legados culturais que contribui para a (re)construção da memória coletiva. Ao (re)construirmos a história e a memória coletiva por meio de documentos, contribuímos para a rememoração coletiva e individual através da memória documental.

A utilização de documentos em pesquisas deve ser valorizada. A quantidade de informações que podemos colher deles proporciona um maior entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural, justificando o seu uso nas diferentes áreas da ciência (SÁ-SILVA et al. 2009).

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1.2 As Fotos

Nesta segunda visita, o foco foi o acervo iconográfico do Centro de Memória. São 5.000 imagens digitalizadas e catalogadas de acordo com a data e assunto. Meu objetivo, durantes esta visita, era obter fotos referentes ao Curso de Educadores Sanitários.

Entre as diversas fontes historiográficas as fotos são de essencial importância, pois possibilitam uma observação cautelosa dos ambientes urbanos, sociais e culturais, em diferentes épocas.

No final do século XIX as fotos eram desprezadas como documento. Continham apenas o valor de ilustração, de prova ou testemunhos. De acordo com Pinsky & De Luca (2011, p.37), para confirmar e qualificar autenticidade da fotografia eram necessários documentos escritos. Porém, Lucien Paul Victor Febvre, historiador modernista e fundador da Escola dos Annales, deduziu que

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. (...) Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (FEBVRE, 1949 p.428 apud LE GOFF, 2008 p. 530)

Febvre ainda sugeriu procedimentos de investigação que aconselha a análise das evidências identificadas nas fontes históricas como interpretação e nunca como representação do passado. O historiador, ao interpretar o passado em fontes iconográficas, consegue explorar sinais subjetivos presentes na foto e relacioná-los com outras fontes históricas.

A fotografia quando utilizada como instrumento ou objeto de pesquisa, necessita de uma desconstrução do aparente. É necessário desvelar o que está oculto na foto, identificando os assuntos que foram focados no momento histórico em que ela foi realizada. De acordo com Kossoy (2002) a imagem fotográfica como fonte deve-se levar em conta o deve-seu processo de construção, pois a fotografia é um documento criado e construído. Para o autor, a realidade da fotografia não corresponde necessariamente à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. “A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes leituras que

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cada receptor dela faz num dado momento; tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações” (KOSSOY, 2002, p. 38).

Empregadas, neste estudo, apenas como recurso ilustrativo, as fotografias exibidas no trabalho, mantêm relação com o contexto social, ao retratar valores da época e do local em que foi produzida. Por este motivo, essas imagens possuem um inestimável valor histórico e documental.

1.3 As Entrevistas

Foram várias as dificuldades encontradas para localizarmos os sujeitos que poderiam participar da pesquisa. Depois de inúmeras tentativas, conseguimos contatar 2 Educadoras Sanitárias que aceitaram participar do estudo.

Após obter, através da Professora Maria da Penha Vasconcellos, Coordenadora do Centro de Memória, o e-mail da Educadora Sanitária, entrei em contato com a mesma. Pelo e-mail, expliquei sobre minha pesquisa, o objetivo e a convidei para participar. Depois de três longos e ansiosos dias, recebo uma resposta positiva. A Professora Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira (Educadora Sanitária, Doutora em Saúde Pública, Professora aposentada da FSP), aceitou participar e conceder a entrevista. Marcamos uma data para nos encontrarmos na FSP/USP. A partir desse dia passei a me preparar, buscando mais informações a respeito do uso da entrevista em pesquisa e sobre história oral. Após alguns contatos, marcamos a entrevista em local, dia e horário estabelecido pela professora. Esclareci os objetivos da pesquisa, apresentei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e demos início a entrevista. Para a gravação utilizei gravador digital e, também, um caderno para anotações mais específicas e lembretes. Ao seu término, perguntei sobre a existência de outras educadoras sanitárias. A Prof. Isabel me passou contato (e-mail) de uma educadora sanitária que, por sinal, também era professora da FSP.

Com o contato em mãos, enviei e-mail para a educadora sanitária, Professora Márcia Faria Westphal (Educadora Sanitária, Socióloga, Doutora em Saúde Pública e Professora Aposentada da FSP). A Prof. Márcia aceitou o convite e marcou a entrevista de acordo com sua disponibilidade. A entrevista ocorreu no mês de setembro de 2014 na FSP. Com duração de aproximadamente 50 minutos, a Prof. Márcia relatou sua trajetória como educadora sanitária.

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A entrevista é uma das técnicas mais utilizadas por pesquisadores para a coleta de dados. De acordo com Salvador (1980), a entrevista tornou-se, nos últimos anos, um instrumento do qual se servem constantemente, e com maior profundidade, os pesquisadores das áreas das ciências sociais e psicológicas. Recorrem estes à entrevista sempre que têm necessidade de obter dados que não podem ser encontrados em registros e fontes documentais, podendo estes serem fornecidos por determinadas pessoas.

Ribeiro (2008) trata a entrevista como:

A técnica mais pertinente quando o pesquisador quer obter informações a respeito do seu objeto, que permitam conhecer sobre atitudes, sentimentos e valores subjacentes ao comportamento, o que significa que se pode ir além das descrições das ações, incorporando novas fontes para a interpretação dos resultados pelos próprios entrevistadores (RIBEIRO, 2008, p. 141)

Elaborou-se um roteiro de perguntas que seriam feitas, para isso optamos pela entrevista semiestruturada que segundo Triviños (1987, p.146) tem como características questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipótese que se relacionam ao tema da pesquisa. Ainda, de acordo com o autor, a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).

Para Manzini (1990/1991, p.154), a entrevista semiestruturada faz emergir informações de forma mais livre e as respostas não estariam condicionadas a uma padronização.

Neste momento, fazendo uso da História Oral, coletei o depoimento de dois sujeitos que cursaram e atuaram como Educadoras Sanitárias.

A História Oral é um recurso utilizado para o estudo de vida de pessoas, grupos ou comunidades. É um conjunto de procedimentos que possui como ponto de partida um projeto e que tem como definição pessoas a serem entrevistadas. É compreendida, também, como relatos sobre fatos não registrados ou como complemento de registros não suficientes para o que se deseja investigar (SANTOS & ARAUJO, 2007).

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De acordo com Meihy (2005) há três categorias de História Oral: história oral temática, tradição oral e história oral de vida. A história oral temática refere-se ao estudo que tem como objetivo a compreensão de uma temática específica; a tradição oral assemelha-se a etnografia, buscando examinar o cotidiano, os mitos e rituais de um grupo, com ênfase nas histórias e práticas sociais de comunidades específicas. Já a história oral de vida é a narrativa da experiência de vida de um indivíduo. Ela busca retratar uma pessoa que possui um percurso de vida que nos oferece elementos significativos para que possamos compreender eventos, períodos e práticas culturais e históricas.

Nessa linha, a história oral, centra-se na memória humana e sua capacidade de rememorar o passado enquanto testemunha do vivido. Segundo Alberti,

[...] a história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas que dele participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos (ALBERTI, 1989: 4).

A memória pode ser entendida como a presença do passado, uma construção psíquica e intelectual de fragmentos que representam esse passado. Porém nunca em sua totalidade e sim parcialmente, em decorrência dos estímulos para a sua seleção. De certa forma, filtramos nossas lembranças e ativamos aquilo que nos é significativo. Talvez não possamos impedir que certas lembranças aflorem, mas podemos controlar o modo como elas sairão da esfera privada para a esfera pública (MATOS & SENNA, 2011).

Uma possibilidade de sistematização das lembranças, como indicadores e referenciais para múltiplos estudos, são os registros da oralidade. Como procedimento metodológico, a história oral busca registrar – e, portanto, perpetuar – impressões, vivências, lembranças daqueles indivíduos que se dispõem a compartilhar sua memória com a coletividade e dessa forma permitir um conhecimento do vivido muito mais rico, dinâmico e colorido de situações que, de outra forma, não conheceríamos. De acordo com Alberti (1989)

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A história oral pode ser entendida como um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica...) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, etc (ALBERTI, 1989: 52).

O uso da entrevista na História Oral tem seu início a partir da elaboração do planejamento, da escolha dos sujeitos e do roteiro de questões. Meu primeiro contato com as entrevistadas foi de suma importância para que estabelecêssemos um clima de confiança e compromisso. Sobre isso Thompson nos diz,

Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-sucedido deve possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar (THOMPSON, 1998, p. 254). No presente trabalho, ao relacionarmos memória e história oral de vida, apoiamo-nos na compreensão de que, através da memória, a narrativa ressignifica a história. De acordo com AMADO (1995):

A memória torna as experiências inteligíveis, conferindo-lhes significados. Ao trazer o passado até o presente, recria o passado, ao mesmo tempo em que o projeta no futuro; graças a essa capacidade da memória de transitar livremente entre os diversos tempos, é que o passado se torna verdadeiramente passado, e o futuro, futuro (AMADO, 1995, p.132)

A narrativa surge como uma forma de interagir memória e história oral, propiciando novos conhecimentos para reconstituirmos a história individual e coletiva dos indivíduos. Segundo Benjamin (1994) a arte de narrar é aprofundar as palavras em experiências vividas. O narrador retira o que ele conta da experiência: de sua própria experiência ou da relatada por outros. E incorpora, por sua vez, as coisas narradas às experiências dos seus ouvintes. Os acontecimentos narrados não possuem uma única versão, o que possibilita aos ouvintes produzirem outras versões. Sendo a narrativa uma transmissão de experiências entre gerações com base em tradições e no contado do narrado com o vivido, podemos inferir que para que haja narrativa é necessário a memória. Para Benjamin a memória supõe a narrativas das experiências de vida de diferentes gerações. A memória ‘faculdade épica por

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excelência’ e ‘musa da narração’, provoca o desabrochar de ‘reminiscências’ que rompem a cronologia dos fatos. (BENJAMIN, 1994). A memória é a ressignificação das experiências vividas, é um caminho de idas e vindas que propicia novas relações entre o passado e o presente.

Neste trabalho, as falas das entrevistadas foram consideradas como narrativas originadas e ricas em experiências vividas, narrativas que evidenciam tradições, com histórias individuais edificadas através da história coletiva, narrativas de sujeitos que falam, rememoram e ressignificam. Procuramos, também, considerar os silêncios, os esquecimentos, a linguagem não verbal e o relacioná-los com as fontes documentais.

Esta dissertação, de natureza histórica, encontra-se dividida em 4 capítulos. No primeiro capítulo abordaremos a arquitetura metodológica do estudo. No segundo capítulo realizaremos uma retrospectiva histórica da saúde pública no estado de São Paulo até a década de 1960. Já no terceiro capítulo abordaremos o Curso de Educador Sanitário e as funções desse novo agente de saúde. No quarto capítulo analisaremos a trajetória de formação e profissional de duas educadoras sanitárias.

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CAPÍTULO II - SITUANDO O CONTEXTO: ASPECTOS HISTÓRICOS DA SAÚDE PÚBLICA EM SÃO PAULO

A Primeira Guerra Mundial marcou uma ruptura com o passado. De acordo com Hobsbawm (1995), essa ruptura representou o fim da sociedade burguesa do século XIX e o início de um novo período histórico – o Século XX - que perdurou até final da década de 1980, com o colapso da União Soviética.

As transformações sociais que marcaram este período não ficaram restritas à organização política e econômica das novas potências emergentes, mas permearam todas as dimensões da vida social.

A São Paulo dos anos 20 estava em transformação. O café, que até então era a principal mercadoria responsável pelo processo de crescimento urbano das últimas décadas, passou a ter uma importância cada vez menor. Uma nova dinâmica, vinda principalmente da indústria, que se consolidava, mas também de outros trabalhos, trazia consigo uma nova estrutura de necessidades, produzindo e reproduzindo todo um conjunto de novas relações e práticas sociais, entre as quais as de saúde.

Mudanças tingem a cidade. São Paulo passou a experimentar a mesma eufórica prosperidade que se registrava simultaneamente em outras partes da América Latina. Na virada do século, o ritmo de crescimento da cidade, superou o de qualquer centro urbano do país. A população de São Paulo cresceu em dez anos cerca de 268%, isto é, 14% ao ano, chegando a 239820 habitantes. Já em 1920 o Estado de São Paulo representava 33,5% da produção industrial, dos quais ao menos a metade concentrados na capital (RIBEIRO, 1993; SPOSATI, 1985).

O crescimento populacional deste período esteve diretamente ligado à imigração, em grande parte subvencionada pelo Estado. Estima-se que até 1920 tenham entrado em São Paulo 1.577.576 imigrantes. A industrialização forçou uma urbanização numa escala sem precedentes. A ausência de mão de obra especializada facilitava sua alocação em qualquer uma das novas áreas de trabalho e que não exigissem experiência profissional e com isso estimulando, também, a migração camponesa.

Tanto pelo incremento industrial, quanto pela dinâmica produtiva e de investimentos, nota-se que na primeira década do Século XX, São Paulo ganhou a primazia industrial, o que lhe trouxe consequências políticas, sociais e econômicas.

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As condições de higiene e saúde continuavam precárias na década de 20. Mesmo vencidas, em parte, as epidemias, doenças como a tuberculose, a febre tifoide, o sarampo e a cólera continuavam produzindo milhares de vítimas. As novas condições de vida e trabalho nas fábricas e nos bairros operários, o adensamento populacional e a miséria refletiam-se nas estatísticas do Serviço Sanitário do Estado. Apesar da legislação, não há indicativos de melhoraria nas condições de moradia ou trabalho.

2.1 Constituindo Práticas Sanitárias

O papel que a força de trabalho passa a ter na nova forma urbana de produção marcará as medidas de saúde do período, quando se verifica a penetração estatal no âmbito da assistência médica.

Até o início da República a assistência médico sanitária limitava-se as medidas orientadas ao controle do meio físico, visando condições mínimas de salubridade e a contenção de doenças que, como se supunha, eram transmitidas por “miasmas”.

Desde o final do século XVIII problemas semelhantes já vinham sendo enfrentados por países europeus, quando o desenvolvimento industrial e o crescimento das cidades trouxeram à tona a relação entre as condições ambientais e as doenças

Não havia consenso em relação às causas das infecções e doenças epidêmicas, com as explicações variando num amplo espectro que, de forma esquemática, abrigava os defensores da teoria dos miasmas, para os quais a origem do mal provinha da decomposição de material orgânico e animal e das águas estagnadas; seus opositores diretos, os contagionistas, os quais sublinhavam o papel dos contágios específicos, e uma miríade de posições intermediárias que tentavam conciliar posturas antagônicas (MOTA, MARINHO, 2011, p.24). A situação da Província de São Paulo, se comparada a do Rio de Janeiro e Salvador, era de extrema precariedade. Estima-se que em 1835 havia, na Capital, 5 médicos e 4 cirurgiões, além de 7 boticários para uma população de 326.902 habitantes.

Até as últimas décadas do Século XIX a organização dos serviços de saúde em São Paulo correspondia às necessidades de uma sociedade colonial escravista, isolada e relativamente autossuficiente que, de fora, “só precisava de pólvora e sal” (DEAN, 1991).

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Com a República, a introdução definitiva do trabalho livre e a intensificação da imigração, São Paulo viveria um momento de importantes transformações. Com a república, São Paulo foi dotado de um efetivo sistema de saúde pública. Os proclamadores da República lideraram um movimento de descentralização de atividades públicas. Manifestou-se esse movimento descentralizador também nas atividades de saúde pública.

Em 1892 seria criado o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, diretamente subordinado ao Secretário do Interior, tendo como principais atribuições o estudo e o controle das doenças endêmicas e epidêmicas, os socorros de assistência pública, a organização da política sanitária das cidades e vilas e organização das estatísticas demógrafo-sanitárias.

Longe de representar uma continuidade mais ou menos ‘natural’ das ações de saúde que vinham se desenvolvendo desde o Império, as quais se acrescentavam novas tecnologias, é importante perceber a profunda mudança por que passavam seus processos de trabalho. Ainda que mantida a ênfase nas ações voltadas para o saneamento do meio físico, como se verá, ocorreria uma mudança radical não apenas em seus objetos de trabalho, como também dos instrumentos, agentes e produtos. Em meio à nova estrutura de necessidades que se constituía na sociedade, transformavam-se as próprias finalidades das ações. Trava-se agora da possibilidade de uma abordagem cientificamente controlada do meio, orientada pelas descobertas bacteriológicas e não mais pela transmissão miasmática das doenças. Estas novas possibilidades históricas guardavam, de certa forma, e ainda que em tempos diversos, notáveis semelhanças com o já ocorrido em outras partes do mundo, o que permitiria que o novo modelo pudesse se implantar com a necessária rapidez e já dotado de alta efetividade.

Em 1893, o Serviço Sanitário do Estado teria como estrutura um Conselho de Saúde e uma Diretoria Geral, a qual estavam subordinados toda uma série de novos órgãos, como o Instituto Bacteriológico do estado, o Laboratório de Análises Clínicas e Bromatológicas, o Instituto Vacinogênico, a Seção de Estatística Demógrafo-Sanitária, o Serviço Geral de Desinfecção, o Hospital de Isolamento da Capital e uma Seção de Engenharia Sanitária. Na continuidade imediata deste processo seriam ainda criadas diversas outras instituições, como o Instituto Serumterápico, em 1901, no bairro do Butantã. De acordo com Costa (1985), em um curto espaço de tempo

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São Paulo passaria a contar com a mais importante e completa estrutura de serviços de saúde pública do Brasil e possivelmente da América Latina.

No ano de 1894 é promulgado o primeiro Código Sanitário do estado, instrumento central para as ações da polícia sanitária. Com 520 artigos, poucas coisas escapavam ao seu domínio. Com o Código Sanitário, as construções de ruas, praças e habitações foram regulamentadas e definiu novos cuidados em relação à água, esgoto e alimentação pública, casas de banho, barbeiros e cabeleireiros, lavanderias públicas, quartéis, hospícios, hospitais e maternidades, além dos cuidados frente às moléstias epidêmicas e endêmicas, instituindo-se a notificação compulsória para as doenças pestilenciais, as febres exantemáticas e a difteria e tornando obrigatória a vacinação e a revacinação, entre centenas de outros itens (MASCARENHAS, 1949).

A medicina ampliava seu raio de ação invadindo o social

A transformação do objeto da medicina significa fundamentalmente um deslocamento da doença para a saúde. Não é mais ação direta e lacunar sobre a doença como essência isolada e específica que move o projeto médico. O “médico-político” deve dificultar ou impedir o aparecimento da doença, lutando, a nível de suas causas, contra tudo o que na sociedade pode interferir no bem estar físico e moral. A inserção do indivíduo no social, a necessidade de conhecer o meio e agir para proteger o indivíduo de um perigo ao mesmo tempo médico e político não significa porém que a medicina sai do seu campo próprio de ação. Se a sociedade, por sua desorganização e mau funcionamento, é causa de doença, a medicina deve refletir e atuar sobre seus componentes naturais, urbanísticos e institucionais visando a neutralizar todo o perigo possível. Nasce o controle das virtualidades; nasce a periculosidade e com ela e prevenção (MACHADO et al.,1978, p.87).

Nota-se neste período a constituição de uma ampla rede composta não apenas por médicos e educadores, mas também por sociólogos, antropólogos e juristas, entre outros, cuja atuação conjunta iria resultar na criação de novas disciplinas, tais como a medicina legal; na constituição de objetos antropológicos, como os loucos, criminosos, negros, mulheres e prostitutas, além de um processo de influência mútua que viria a deixar suas marcas nos métodos de observação e análise destas novas práticas.

As transformações nas práticas de saúde, institucionalizadas através do Serviço Sanitário do Estado, viriam a constituir um novo momento tecnológico nas práticas de saúde pública, que seria denominado campanhismo. Fundado na Epidemiologia e possuindo como principais instrumentos as campanhas e a polícia

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sanitária, seria responsável pela origem de uma série de novos agentes, configurando um modelo tecnológico de organização do trabalho que duraria, ao menos em São Paulo, até por volta de 1925 (MENDES GONÇALVES, 1994).

No ano de 1917 ocorreria mais uma reformulação do Serviço Sanitário do Estado. A malária reaparece no interior, rompendo o equilíbrio sanitário e evidenciando a precariedade da estrutura sanitária no campo. A reorganização do Serviço Sanitário manteria a mesma estrutura básica que vinha desde 1882, atualizando alguns aspectos que não traziam mudanças significativas ao modelo.

A precariedade da estrutura sanitária do campo faz com que em 1918 fosse instituído o Código Sanitário Rural, que visava apoiar as ações da polícia sanitária no interior, onde seriam criadas as delegacias e a Inspetoria dos Serviços de Profilaxia Geral, que criou serviços permanentes a partir dos postos de combates ao tracoma, malária e ancilostomíase em algumas cidades. Inicia-se, neste momento, a constituição das primeiras unidades sanitárias permanentes da saúde pública paulista, destinadas a intervenções especializadas em alguns processos de adoecimento (COSTA 1985; MASCARENHAS, 1949).

Com a reforma de 1917 foram criadas 11 Delegacias de Saúde, 5 na Capital e as demais em Santos, Campinas, São Carlos, Ribeirão Preto, Guaratinguetá e Botucatu. Aos delegados de saúde subordinavam-se os inspetores sanitários, 33 na capital, 6 em Santos, 2 em Ribeirão Preto, 2 em Campinas e 3 em cada uma das demais cidades com delegacias de saúde. As delegacias de saúde tinham como atribuição a inspeção sanitária do seu território, a execução de vacinações, a direção dos dispensários, postos médicos e serviços clínicos dos hospitais regionais, a fiscalização de construções e dos serviços de higiene rural e a coleta de materiais suspeitos para análise laboratorial, além de desempenharem uma ação médico-individual, ainda subordinada aos interesses da saúde pública: o tratamento da malária, do tracoma e da ancilostomíase (MASCARENHAS, 1949).

Segundo Mendes Gonçalves (1994), notava-se outra característica central do campanhismo: sua capacidade de desvincular as ações contra as doenças infecciosas de seus determinantes de natureza social. Essa característica foi responsável pelo respaldo “científico” à violência e autoritarismo que marcaram essas práticas, como ocorrido nos episódios da Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, além de

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outros menos conhecidos, como o enfrentamento armado que teria ocorrido na cidade de Jaú, no interior de São Paulo, em 1896, em meio a uma campanha envolvendo a população e o então jovem inspetor sanitário Emilio Ribas.

Ainda em 1917 foram instalados os primeiros postos permanentes de Saúde Pública nas cidades de Iguape e Tremembé, ligados à recém-criada Inspetoria dos Serviços de Profilaxia Geral, sob a responsabilidade dos inspetores sanitários. É importante observar que estes primeiros postos permanentes seriam a origem dos futuros Centros de Saúde e Postos de Assistência Médico-Sanitária.

Em 1916 a Fundação Rockefeller inicia entendimentos com a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo visando à construção de um edifício próprio, estruturado com base em laboratórios e em um moderno hospital, que também deveria contar com uma escola de enfermagem. A Fundação forneceria recursos técnicos, financeiros e materiais e forneceria bolsas de estudos para um curso de Higiene da Johns Hopkins Medical School, em Baltimore, nos Estados Unidos.

À crise social do período somavam-se também as tensões provenientes do campo sanitário. Estas se evidenciaram de modo particularmente agudo ainda em 1918, quando da chegada em São Paulo da pandemia de influenza, a gripe espanhola, que então dizimava populações na Europa, ainda em guerra.

Durante cerca de 66 dias o desnorteado Serviço Sanitário do Estado contabilizou 5100 mortes. A fuga de uma parte da população para o interior levava consigo a doença, que então se espalhava por todo o país. O Serviço Sanitário, através dos jornais, sob censura, ameaçava a população que se via obrigada a sair às ruas, responsabilizando-a pela gravidade da situação. Diante da incapacidade de ações efetivas, enquanto as condutas médicas variavam do isolamento a fortes purgantes, mobilizava-se a polícia e construíam-se muros em torno dos cemitérios (BERTOLLI FILHO, 1989).

O fim da epidemia também marcava o fim da guerra, anunciando uma época de grandes transformações. A Higiene transformava-se em um sanitarismo “científico”, passando a desenvolver-se de modo importante junto aos laboratórios. As ações da Fundação Rockefeller passam a ser de uma Saúde Pública de cunho biomédico e experimental aproximando-se de disciplinas como fisiologia, virologia e imunologia.

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Em 1918 foi aprovado o acordo entre a Rockefeller e a Faculdade de Medicina e Cirurgia e assinando um convênio com o Governo do Estado de São Paulo, iniciando um amplo processo de intercâmbio e colaboração.

Em 1924, com o fim do convênio, o Instituto de Higiene, seria transferido para a Secretaria dos Negócios do Interior, através de uma Lei Estadual. Continuaria responsável pela Cátedra de Higiene da Faculdade de medicina, mas passaria a assumir responsabilidades quanto ao aperfeiçoamento técnico dos funcionários do Serviço Sanitário e ainda por um amplo conjunto de atividades, como as de propaganda sanitária.

O Instituto de Higiene continuou a receber apoio da Fundação Rockefeller através da doação de recursos financeiros para a construção de um prédio próprio. O Instituto passou a ser dirigido pelo Dr. Geraldo Horácio de Paula Souza, sanitarista recém chegado de um curso de Saúde Pública na Johns Hopkins, juntamente com o Dr. Francisco Borges Vieira, primeiros bolsistas paulistas do convênio com a Fundação Rockefeller. Neste período Paula Souza passaria a responder pela Cátedra de Higiene da Faculdade de Medicina, pelo Instituto de Higiene e pela direção do Serviço Sanitário do Estado, que ocupava desde 1922 (CANDEIAS, 1984).

2.2 Do Campanhismo à Educação Sanitária

A sociedade passava por transformações marcadas pela entrada, em cena, do proletariado urbano e das classes médias. O agravamento da situação social, as lutas e as greves operárias, as crises políticas, o estado de sítio permanente e as revoltas tenentistas, como a de 1924 em São Paulo, assinalavam uma nova conjuntura.

Neste contexto, as estratégias para o controle dos conflitos e das tensões sociais passaram a ganhar importância. Eram de suma importância mudanças no modo como vinha sendo tratada a “questão social”. Essas mudanças seriam expressas tanto ao nível das políticas como das práticas sociais, como o objetivo de construir uma nova hegemonia burguesa, onde a coerção pudesse ser associada a novas possibilidades de consensos (FAUSTO, 1989).

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Neste processo, o campanhismo era inviável técnica e politicamente, seja pelo autoritarismo, inerente às suas práticas, e pelas suas próprias vitórias contra as epidemias, que também o tornavam tecnologicamente superado.

Em 1925, com a Reforma do Serviço Sanitário, também conhecida como Reforma Paula Souza, uma mudança fundamental ocorreria nos rumos dos serviços de Saúde Pública em São Paulo, pondo fim a era da polícia sanitária.

Neste novo contexto, a organização das práticas de Saúde Pública passaria por uma importante transformação, tanto em âmbito político-institucional, como na própria essência dos processos de trabalho, com a constituição de novas práticas e novos agentes, tendo a educação sanitária como seu principal instrumento.

Do ponto de vista estrutural, a reforma de 1925 baseou-se numa profunda reformulação dos serviços. Além da modernização de algumas estruturas, uma série de novos órgãos foram criados: Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, voltada para a capital, e a Inspetoria de Higiene dos Municípios, encarregada de difundir pelo interior as novas práticas.

Visando modernizar a legislação e a ação das novas Inspetorias, diversos itens do Código Sanitário foram alterados, entre os quais a autorização para a fixação de cartazes, pelas autoridades sanitárias, nas portas das residências de pessoas submetidas ao isolamento domiciliário, para instruir o público “sobre a existência e contágio da moléstia e proibir acesso a qualquer pessoa não encarregada do doente ou do serviço”. A Reforma de 1925 tornou obrigatória a notificação de moléstias profissionais, reforçou o policiamento nas fábricas objetivando a segurança do trabalhador, enfatizou a questão da higiene dos operários, instituiu a inspeção de fábricas e pontos de vendas de alimentos e bebidas, criou o serviço de inspeção e fiscalização do exercício da medicina e da farmácia e o serviço de verificação de óbitos (RIBEIRO, 1993, p. 247-250).

Por fim, duas novas Inspetorias viriam a ter um papel central na nova organização dos serviços: a Inspetoria de Higiene dos Municípios e a estratégica Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde.

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A Inspetoria de Higiene dos Municípios, voltada para o interior, previa a estruturação de unidades, em pareceria com os municípios, voltadas as atividades sanitárias de sua circunscrição.

A Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, com sede na Capital, tinha como objetivo promover a consciência sanitária da população. O serviço tinha essencialmente caráter de assistência sanitária, sendo contrário a toda ação clínica que não tivesse o imediato objetivo profilático de redução de focos contagiantes. Os Centros de Saúde tinham a educação sanitária como principal instrumento de trabalho

Nesse aparelho (centro de saúde) é da mais assinalada importância o serviço de educação sanitária, visto ser este o seu principal desideratum. É pela educação que moderadamente se orienta a resolução dos problemas não só de saúde pública como todos os demais que interessem às coletividades, a-fim-de se obter a cooperação popular consciente, sem a qual são mínimos os resultados, e geralmente contraproducentes as medidas coercitivas (PAULA SOUZA & BORGES VIEIRA, 1944, s/p.).

É importante observar que neste período a proposta de Centros de Saúde encontrava-se em plena expansão em outros países. No Brasil, o desenvolvimento dessa proposta, longe de ser um fenômeno paulista, representava um movimento que, a mesma época, ocorria em diversos estados brasileiros, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Bahia (MERCADANTE, 2002).

Diante do exposto, e de acordo com Mendes Gonçalves (1994), a partir de 1925, em São Paulo, as práticas de saúde pública passariam a constituir um novo modelo tecnológico de atenção, tendo a educação sanitária como seu principal instrumento, promovendo uma retomada instrumental das relações entre saúde, doença e sociedade, no interior de um quadro geral de referência fortemente marcado pelas ideias de pobreza e assistência social.

2.3 Expansão da Política Sanitária (1930-1945)

O ano de 1930 representa o início de uma série de ações do poder público para a institucionalização de alguns direitos sociais, em especial os direitos do trabalhador. A grande inovação do período deu-se com a extinção das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs).

Referências

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