• Nenhum resultado encontrado

Júlio César Jobet e a cultura política do socialismo chileno (1957-1973)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Júlio César Jobet e a cultura política do socialismo chileno (1957-1973)"

Copied!
141
0
0

Texto

(1)

MÁRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY

JULIO CÉSAR JOBET E A CULTURA POLÍTICA DO SOCIALISMO CHILENO (1957-1973)

FRANCA 2007

(2)

MÁRCIA CAROLINA DE OLIVEIRA CURY

JÚLIO CÉSAR JOBET E A CULTURA POLÍTICA DO SOCIALISMO CHILENO (1957-1973)

Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, para a obtenção do título de Mestre em História.

Área de Concentração: História e Cultura Política. Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio.

FRANCA 2007

(3)

Cury, Márcia Carolina de Oliveira

Júlio César Jobet e a cultura política do socialismo chileno (1957-1973) / Márcia Carolina de Oliveira Cury. –Franca : UNESP, 2007

Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP.

1. Intelectuais – História – Chile. 2. Chile – História política. 3. Júlio César Jobet – Crítica e interpretação. 4. Socialismo – História – Chile.

(4)

JULIO CÉSAR JOBET E A CULTURA POLÍTICA DO SOCIALISMO CHILENO (1957-1973)

Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, para a obtenção do título de Mestre em História.

Área de Concentração: História e Cultura Política.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente: ___________________________________ Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio

1º Examinador: ___________________________________ Prof. Dr. Marcos Alves de Souza – UNIFRAN

2º Examinador: ___________________________________ Profª Drª Teresa Malatian – UNESP/Franca

(5)

e acorrentar a alma. Obrigada por sua constante presença, pela paciência, por suportar crises e dias mais difíceis, tornando-os mais felizes para mim. Enfim, por ser quem você é, esta pessoa que se mostra especial em cada gesto do dia a dia e que me faz querer me tornar alguém melhor. Obrigada por existir e por fazer parte da minha vida.

À minha mãe, a quem eu tanto amo e admiro. O seu poder de superação e a força com que enfrenta o peso das injustiças deste mundo sempre foram a minha inspiração para “crescer”. Ao meu pai, Mario, e à Teresa; figuras que à sua maneira estão sempre presentes e contribuindo para cada passo que dou.

À grande família: meu irmão, Claudio, esta personalidade controversa e muito marcante na minha formação. À minha nova família, Dona Jeusa e Wagner, pessoas especiais, com as quais sei que sempre posso contar. À Dinha e à Tatiane, família que pude escolher e que sempre fará parte da minha vida.

À Érika, amiga são-paulina com quem compartilho sofrimentos e alegrias pelo futebol e pelos encontros e desencontros da vida. Aos meus “bichinhos” Sandrão e Mylla, seres que não entendem o significado disto, mas que sentem o quanto são queridos e a alegria que trazem por fazer parte da família.

Ao meu orientador, Alberto Aggio, obrigada pela oportunidade e por acreditar no meu trabalho. Aos professores presentes na banca de qualificação, Teresa Malatian e Marcos Alves, por seus questionamentos e sugestões esclarecedoras e muito enriquecedoras para a finalização deste trabalho. Ao professor e colega Fabio Franzini, por sua gentileza e disponibilidade para ajudar.

Devo registrar ainda as pessoas que tornaram a viagem ao Chile uma experiência inesquecível e muito frutífera. Primeiramente, agradeço à colega Janaína Capistrano, por ter facilitado as coisas para mim com a sua atenção e dicas infalíveis.

Agradeço ao Sr. Mario e à Dona Gladis por me receberem com tamanha gentileza em sua residência. Às figuras simpáticas e sempre atenciosas que conheci nas livrarias chilenas e que mesmo à distância estão sempre dispostas a atender. Assim como ao Sr. Alejandro, funcionário da Biblioteca Nacional, e à Gina Morales, secretária do PS, que com inestimável atenção, contribuíram muito para a agilidade das minhas pesquisas. Aos professores Julio Pinto, Luiz Ortega e Juan C. Gómez, pela atenção e disponibilidade para discutir sobre o meu objeto de pesquisa. Agradeço também a CAPES pelo financiamento da pesquisa.

(6)

proporem não só interpretar a realidade política de seus países, mas também intervir na mesma de maneira a transformá-la. Entre eles, muitos mantiveram uma colaboração orgânica com o movimento político e partidário da esquerda. Em meio ao debate de interpretações do desenvolvimento nacional e de propostas de ação política para a América Latina, o Chile se destacou na participação de intelectuais na formulação de projetos de ação que influenciaram a arena política do país ao longo do século XX. Partindo do debate em torno da interação entre os intelectuais e a cultura política, o presente trabalho tem por objetivo refletir acerca do papel do intelectual Julio César Jobet (1912-1980) na cultura política do socialismo chileno. Vinculado organicamente ao Partido Socialista, Jobet foi dirigente desde a sua fundação e destacou-se na formulação do pensamento socialista e dos princípios teóricos que o animariam. Buscaremos apreender a singularidade do pensamento deste intelectual por meio das interpretações e propostas expressas nos seus escritos, nos debates tanto no interior do seu partido como com as demais forças de esquerda da política nacional, de maneira a apreender o alcance e a influência da sua produção nos rumos do socialismo chileno.

Palavras-chave: Intelectuais, Cultura política, Socialismo, Chile, História política, América

(7)

only for commenting on the political reality in their countries, but also intervening in order to transform it. Among them, many kept an organic collaboration with political and partisan left-wing movement. In the midst of the debate of interpretations of national development and proposals for political action for Latin America, Chile stood out because of the participation of intellectuals to the formulation of action plans that influenced the country’s political arena throughout the twentieth century. Starting from the debate on the interaction between intellectuals and political culture, this work aims at reflecting about the role of an intellectual called Julio César Jobet (1912-1980) in Chilean socialism’s political culture. Organically tied to the Socialist Party, Jobet was its leader since its foundation and outstood in the formation of the socialist thinking and the theoretic principles that would drive it. We will seek to get hold of the singularity of his thought through the interpretations and proposals expressed in his writings, in the debates inside his party as well as with other Chilean left-wing groups, in order to apprehend the reach and influence of its production in the routes of Chilean socialism.

(8)

APRESENTAÇÃO...7

CAPÍTULO 1 O SOCIALISMO CHILENO: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA...15

1.1 O socialismo chileno: das origens ao período da UP...16

1.2 Elementos da historiografia do socialismo chileno...39

CAPÍTULO 2 A EXPECTATIVA DA MUDANÇA...52

2.1 Transformações na cultura política do socialismo chileno...53

2.2 Uma nova configuração política e ideológica...67

CAPÍTULO 3 JULIO CÉSAR JOBET E A CULTURA POLÍTICA SOCIALISTA...90

3.1 Análises e debates: as faces de um protagonista...91

3.2 Julio César Jobet e o socialismo: a construção de uma identidade partidária...109

CONSIDERAÇÕES FINAIS...127

FONTES...134

(9)

APRESENTAÇÃO

Praticamente desconhecido no Brasil, o chileno Julio César Jobet (1912-1980) se insere num grupo de homens que buscou, ao longo da sua trajetória, aliar a atividade intelectual à prática política no intuito de contribuir, de uma maneira ou de outra, para a transformação da sociedade. A trajetória deste intelectual e os aspectos mais relevantes do seu pensamento se relacionam diretamente com a história do socialismo chileno e, em especial, com o contexto da experiência política que buscava a construção do socialismo por meio da democracia, um dos momentos cruciais da história daquele país.

Membro do Partido Socialista do Chile (PS) desde a sua fundação, em 1933, Jobet se dedicou à produção teórica, à difusão das idéias e da trajetória socialista, ao debate político com diferentes grupos políticos do país e a representar o PS em diversos encontros políticos na região. A sua atuação se deu principalmente no campo teórico e na vida intrapartidária, não se constituindo em um homem vinculado à vida político-institucional, já que não ocupou cargos públicos.

Jobet nasceu em Perquenco, uma pequena cidade chilena, em 1912. Sua vida pública se desenvolveu a partir da década de 1930 e esteve compreendida entre duas profundas crises sociais: um golpe de Estado ocorrido em 1924 – que consolidou no poder Carlos Ibañez, até 1931 –, ante o fracasso do parlamentarismo, e o golpe militar de setembro de 1973 que destituiu Salvador Allende e deu um duro golpe na democracia do país. O descendente de agricultores franceses realizou seus estudos secundários no Liceo de Hombres de Temuco. Continuou seus estudos no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile e recebeu o título de Professor de História, Geografia e Educação Cívica, cujo trabalho para a obtenção do título se destinava a pesquisar as idéias dos primeiros pensadores da questão social no país.

O seu trabalho historiográfico começou a se destacar a partir da década de 1940 e se enquadrou num período de mudanças de enfoque acompanhada de uma nova abordagem metodológica apreendida pelas novas gerações de historiadores que, entre outros métodos de análise, assimilaram o marxismo como concepção de mundo e forma de construção do

(10)

conhecimento histórico. Seu trabalho veio representar uma proposta de ruptura com a historiografia até então predominante.

Como membro do PS, Jobet também se dedicou, desde a década de 1930, à publicação de textos socialistas em periódicos nacionais e de outros países da região.1 De acordo com Jobet, a sua inclinação política tem origem na sua família e na realidade que o cercava, marcada por uma profunda desigualdade social. Segundo ele, seu pai lhe dava lições libertárias, citando idéias de Jean Jaurés – influência expressada até no nome dado às terras cultivadas pela família: La Bastilha.2

Jobet publicou diversos trabalhos acerca do pensamento social chileno, destacando os primeiros autores que se debruçaram sobre os temas políticos e sociais do país, localizados, principalmente, no século XIX, numa tendência literária que se tornou referência no país por seu pioneirismo no estudo da denominada “questão social”. Além disso, seus ensaios estão entre as principais referências da interpretação marxista da história nacional, com abordagens acerca de temas políticos desde a fundação do Estado chileno, até temáticas que ainda atingiam a sua geração, como o imperialismo, o movimento operário e o desenvolvimento político do país.

O trabalho de Jobet é parte da história do pensamento marxista na América Latina. Sua perspectiva central encontra-se referida à análise da formação e das contradições internas das sociedades latino-americanas. Outra dimensão fundamental do seu trabalho foi a elaboração de projetos políticos de transformação, caracterizando sua produção como uma tentativa de transplantar as concepções da abordagem marxista para a análise da sociedade chilena. Este encontro entre as particularidades da realidade local e a teoria marxista adquiriu variados contornos, de acordo com a lógica da complexidade que compõe o subcontinente. A interpretação histórica da formação desses países expressou o desafio que os intelectuais contemporâneos enfrentaram na utilização dos conceitos marxistas diante das nossas especificidades.

1 Em 1935 Jobet elaborou o manual intitulado Estructura y ritmo de las doctrinas sociales (1760-1930), e

fundou com seu amigo Juan Picasso o periódico El socialista de Cautín. Em 1938, já colaborava com o periódico socialista argentino, La Vanguardia.

(11)

Pode-se considerar que a contribuição de Jobet para o pensamento político chileno fez dele um protagonista da história política do país. Homem que viveu os dilemas do desenvolvimento de um partido que, embora inicialmente se definisse como classista, assumiu uma concepção socialista difusa, para, em seguida, adotar uma postura concertacionista até meados da década de 1950. Jobet buscou, ao longo da sua trajetória, implementar uma identidade e coesão internas ao PS, sempre em torno de uma perspectiva classista e revolucionária.

Ao mesmo tempo, entendemos que, ao indicar as continuidades e contradições da história do país, Jobet buscou apresentar uma nova proposta política, identificada ao partido no qual militou, e contribuiu ativamente para a formulação das concepções revolucionárias, constituindo-se numa das principais referências intelectuais da organização socialista. A trajetória intelectual e a atuação política de Jobet estiveram, portanto, intimamente vinculadas à sua fidelidade partidária.

Compreende-se a atuação de maior importância deste intelectual socialista no contexto do final dos anos cinqüenta, período no qual se identifica em parte da sociedade chilena um descontentamento com a dinâmica política pautada em compromissos e alianças entre diferentes setores, que visavam políticas integradoras, mas que não se mostraram eficientes para realizar mudanças estruturais no país. Internamente, o Partido Socialista viveria uma mudança que acarretaria transformações na sua cultura política, com a predominância de elementos rupturais, dos quais Jobet destacou-se como um expressivo representante.

Entendemos que o pensamento socialista, composto de diferentes correntes e perspectivas, representou um elemento de fundamental importância no complexo conjunto de mudanças que se processaram no cenário chileno no século XX. Suas proposições foram animadas por diferentes concepções traduzidas em manifestações intelectuais e políticas que conferiram à ação dos seus grupos um conteúdo teórico e ideológico ao longo das suas trajetórias na política nacional. A abordagem das suas formulações teóricas, que nos indica

(12)

uma leitura da realidade daquele país e suas perspectivas políticas, nos remete para a sua singularidade.

A perspectiva do presente trabalho entende que as idéias são fruto de uma produção social, e os intelectuais certamente podem ser encarados como desveladores das representações e práticas sociais, assumindo o papel de um analista da sociedade e propagador das aspirações desta.3 Trata-se de analisar o alcance e a responsabilidade dos teóricos sobre os processos políticos, e de considerar a dimensão que assume a referência intelectual na delimitação e difusão de concepções de mundo, de elementos de coesão para determinados grupos ou na sua organização interna e também no exercício da pressão política.

Neste processo, o referencial teórico construído pelos intelectuais, em especial aqueles que, assim como Jobet, apresentam como parte integrante da sua atividade a prática política, termina por expressar elementos de uma cultura política específica em um momento determinado, por meio de um conjunto de referenciais que se relaciona e contribui para a definição de uma identidade voltada a uma coletividade. Esta é uma concepção em que o universo da cultura política também se constitui de uma produção intelectual; universo compreendido numa sistematização de discursos capaz de explicar a realidade, gerar identidades coletivas, orientar práticas sociais e articular projetos de futuro.

Para a compreensão deste processo, o conceito de cultura política deve estar pautado em sua historicidade, na qual o desenvolvimento de determinado conjunto de crenças, atitudes e símbolos ocorre de acordo com determinado contexto histórico, como uma resposta àquilo que se vive. A partir de tais pressupostos, para identificar o papel do intelectual na cultura política do socialismo, deve-se avaliar os diversos elementos que a constituem e considerar a especificidade do seu contexto, a partir do movimento histórico das conjunturas.

A mesma perspectiva deve ser adotada para a compreensão do papel que exerceu Jobet. É necessário inseri-lo no ambiente político e intelectual vivenciado pelo Chile a partir do início do século XX, especialmente a assimilação de novas teorias que permitiram formulações muito significativas para o debate da esquerda do país. Tais teorias passaram a

3 FREDRIGO, Fabiana de Souza. Os intelectuais e a política nos regimes autoritários: um estudo do caso

(13)

influenciar o movimento operário e, gradativamente, parte importante dos intelectuais que se vincularam a ele. Nesse período, um novo panorama político levou à cristalização de um movimento de esquerda influenciado pelos ideais marxistas, que se tratava de uma entidade indiferenciada multiplicada em uma gama de vertentes socialistas ou emancipadoras.4

Em outras palavras, é preciso identificar o lugar social e político do intelectual, relacionando tal descoberta com sua produção e sua ação no meio em que constrói suas relações, possibilitando a análise mais precisa da sua interferência e da relação da sua produção com um processo político e com a coletividade social. Visando apreender as teorias produzidas, o historiador necessita, mais do que uma articulação puramente mecânica entre contexto e conteúdo, integrar no campo das investigações os paradigmas intelectuais, as correntes filosóficas que interferem, direta ou indiretamente, nas representações e visões de mundo.5

A compreensão da dimensão ideológica de um partido político constitui um rico campo de análise para o historiador na medida em que permite apreender o que ele define para o eleitorado, como programas, discursos da formação, etc.6 Ou para aqueles que se encontram na ideologia política do partido, que consiste em uma grade comum de leitura dos acontecimentos, capaz de fundar uma solidariedade de ação e, para além de toda finalidade prática, um conjunto de crenças que permite integrar os membros do partido numa comunidade. Destaca-se, dessa maneira, a importância da ideologia expressa pelos membros de um partido político e por seus intelectuais, por meio de uma “cultura política que constitui o núcleo das formações políticas e que garante, para além dos acontecimentos conjunturais, a perenidade dos partidos expressa na longa duração”. 7

Nesse trabalho de compreensão das motivações dos atos políticos, buscou-se a apreensão desse conjunto de referentes compartilhados pelos indivíduos e pela coletividade representada no partido, referentes ao sistema de valores, de uma leitura comum do passado,

4 MOULIAN, Tomás. El marxismo en Chile: producción y utilización. Santiago de Chile: Facultad

Latinoamericana de Ciencias Sociales, 1991. Serie Estudios Políticos, p. 1.

5 FREDRIGO, op. cit., p. 260.

6 O sentido de ideologia utilizado no presente texto refere-se ao conjunto de idéias do partido.

7 BERNSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro:

(14)

de aspirações e projeções de um futuro, da comunhão de uma visão de mundo, elementos que constituem, em geral, a compreensão dos historiadores em torno da cultura política, e que utilizamos neste trabalho, considerando o papel de um dos principais intelectuais do socialismo chileno na formação dessa cultura política.8

Esse estudo permite alcançar um amplo espectro de análise que deixa compreender as raízes e filiações dos grupos e restituir coerência aos seus comportamentos frente à política em permanente diálogo com os contextos e experiências vividas pelos atores sociais, permitindo assim, não se prender a esquemas de análise pré-estabelecidos para apontarmos os supostos desvios na postura política desses grupos.

O intuito do presente trabalho é analisar a especificidade do pensamento de Jobet e a sua influência na cultura política socialista entre o início da Frente de Ação Popular (FRAP), em 1957, e o governo da Unidade Popular, até 1973, passando pelas candidaturas presidenciais de Salvador Allende, em 1958 e 1964, considerando o cenário político do período. Considera-se que esse foi um momento de crescente radicalização da esquerda e de uma polarização ideológica do sistema partidário chileno. A intenção é procurar apreender também de que maneira e em que grau esse processo comprometeu e alterou a cultura política socialista e, consequentemente, influiu ou determinou a sorte do governo da esquerda no Chile.

Um aspecto que deve ser considerado é que ao empreender-se a tarefa de analisar a trajetória de um intelectual dedicado à política, da importância de Jobet, pode-se incorrer em dois perigos. Por um lado, ao tomar contato com o pensamento de um historiador que se posicionou frente às contradições da sua sociedade, a incorporação do seu discurso torna-se um risco. Por outro, observar o dilema da relação entre a atividade intelectual e a prática política exige uma arguta clareza diante das funções, bem como frente à fusão das atividades, para não se perder em críticas maniqueístas em torno da negatividade do envolvimento intelectual com os assuntos políticos.

8 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Org.). Para uma

(15)

Para a compreensão da sua trajetória foi importante analisar tal questão, já que Jobet, como um intelectual marxista, concebia a teoria como instrumento de transformação da sociedade. Nesse sentido, foi necessária a abordagem da sua trajetória a partir da reflexão em torno da tensão que configura este tipo de prática intelectual. No entanto, uma dificuldade a mais se coloca. Sob a perspectiva de que a dimensão da cultura constitui uma forma de transcender a política, as concepções acerca dos intelectuais como “homens de cultura” são recorrentes para referir-se ao grupo, considerado por vezes como independente e autônomo diante dos dilemas da sociedade.

Dessa forma, esta discussão em torno do engajamento político dos intelectuais, que coloca em questão a relação entre teoria e práxis, é tratada de maneira a direcionar o debate para a distinção entre as atividades. A partir destas observações, considera-se que analisar a atividade partidária e a construção teórica de um intelectual que almejava a inserção prática na transformação da sociedade significa abordar esta categoria social distanciando-se de uma percepção idealista que encara os intelectuais como um grupo autônomo.

O intuito do trabalho, portanto, é realizar uma abordagem da sua trajetória e do seu pensamento que não resulte unilateral. Em outras palavras, o desafio consiste em analisar seu papel intelectual e político dialeticamente. Recorrendo à terminologia gramsciana9, busca-se encarar a função organizativa desempenhada por Jobet e dimensionar o alcance da atividade do intelectual no papel da produção, reprodução e organização de bens de identificação e de consensos coletivos, compreendendo o presente trabalho na seguinte perspectiva: a da atuação intelectual numa determinada cultura política.

Para apresentarmos o texto, optamos por dividi-lo em três capítulos: o primeiro se destina a esboçar a trajetória da esquerda chilena desde as suas origens, localizadas nas organizações operárias e nas primeiras publicações de cunho socialista, passando pela sistematização do discurso político e a sua vinculação com o movimento partidário. Esta abordagem permite compreender a singularidade da formação e do desenvolvimento da esquerda chilena bem como os aspectos que compreendem a formação da sua identidade,

9 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

(16)

visto que muitos elementos são resgatados ou negligenciados pelo movimento ao longo do século XX.

Ainda no primeiro capítulo dedica-se um tópico à discussão historiográfica, demonstrando algumas das interpretações a respeito do socialismo chileno. O enfoque adotado objetivou traçar um debate com autores que desconsideraram muitas das singularidades deste segmento político, e apresentar novas perspectivas para o entendimento acerca das suas origens, do significado dos processos que marcam a sua atuação na política institucional até o alcance do poder, considerando os diversos elementos e conjunturas que contribuíram para a construção da sua cultura política.

O contexto político que conforma o cenário histórico da nossa pesquisa é abordado no segundo capítulo, abarcando um panorama do período que compreende as décadas de 1950 e 1960, os novos atores que surgem ou se fortalecem nesse momento, bem como os diferentes processos que dinamizaram a disputa política, destacando o espaço ocupado pelo socialismo. São subsídios que nos permitem obter uma melhor compreensão da maneira como se desenha a polarização ideológica que culmina no 11 de setembro de 1973 e, especialmente, das metamorfoses da cultura política do socialismo chileno que alterariam, em alguns aspectos, a sua identidade, temática abordada no segundo item deste mesmo capítulo.

O terceiro e último capítulo objetiva apresentar um mapeamento dos conceitos, temas discutidos e influências sofridas por Julio César Jobet. Analisar o papel do intelectual e dirigente político na cultura política do socialismo chileno, em especial no processo de radicalização daquele segmento, examinando sua função organizativa a partir de um projeto político. Para tanto, busca-se apreender a sua leitura da sociedade chilena, suas propostas e os principais debates empreendidos tanto no interior do seu partido como com as principais forças políticas do Chile por meio dos seus escritos, compreendendo a sua atuação em meio ao efervescente debate político e intelectual do período. Ao compreender as formulações teóricas que animavam as ações do socialismo chileno, é possível apreender os limites da cultura política da esquerda que almejava a construção do socialismo naquele país e que vivenciou o fracasso do governo da Unidade Popular.

(17)

CAPÍTULO 1

(18)

1.1 O socialismo chileno: das origens ao período da UP

É importante considerar que a compreensão do socialismo chileno deve levar em conta uma grande tradição histórica do Chile que remonta ao período das lutas operárias do século XIX, passando pela formação dos partidos de esquerda, bem como pelos diversos processos dos quais participaram, considerando que a Unidade Popular é um “capítulo carregado de capital histórico acumulado”. Trata-se de um período capaz de expressar todas as tensões e contradições do país.

Dessa forma, a apreensão daquele movimento vai além da sua vinculação com o comunismo internacional do pós-guerra, com a Guerra Fria ou com o impacto do processo revolucionário cubano. É preciso pensar o socialismo chileno como uma expressão política daquela sociedade, em especial, dos trabalhadores.

Até as primeiras décadas do século XX, a estrutura agrária da sociedade chilena se manteve juntamente com os seus reflexos nos setores político e social. Enquanto que países como Brasil, México e Argentina apresentaram o processo de consolidação do Estado Nacional juntamente com uma maior inserção no sistema capitalista mundial, o Chile, já em 1830, dava sinais de um Estado forte, e ao final do mesmo século passou por uma experiência parlamentarista, que indicava a reorganização dos grupos dominantes na política nacional.1 A imagem de um país politicamente maduro e democrático se fortaleceu ainda mais com a possibilidade de vivenciar o socialismo pelas vias institucionais no século XX.

Mas é certo também que, assim como os demais países latino-americanos, o Chile sofreu no início do século XX pressões que caracterizaram os países periféricos, como a forte presença imperialista, tensão social gerada pelo processo de modernização capitalista e uma precária e insuficiente incorporação das classes populares. Foi nesse sentido que o debate da esquerda se desenhou ao longo do seu desenvolvimento: o da superação da contradição entre a estabilidade política e a questão social do país. Debate que se ampliou de acordo com as

1AGGIO, Alberto. Frente popular, radicalismo e revolução passiva no Chile. São Paulo: Annablume, 1999, p.

(19)

interpretações marxistas no país, que indicaram as diferentes vias de transformação para aquela sociedade.

No Chile, o Estado assumiu um importante papel na intermediação entre a presença imperialista e as elites locais na exploração das riquezas nacionais. Ao final do século XIX, intensificou-se no país a exploração de minerais que se tornariam os seus principais produtos comerciais. Ao mesmo tempo, o país viveu um grande desenvolvimento urbano e sua conseqüente concentração populacional.

O desenvolvimento das relações sociais de produção na mineração e na indústria determinou um crescimento do proletariado, sobretudo nas explorações de prata e cobre, e de maneira especial, na exploração do salitre, além de aumentar o número de operários na construção de ferrovias. Os primeiros núcleos do proletariado industrial surgiram nas últimas décadas do século XIX e já realizavam atos de greve expressivos que se intensificaram no século XX.2

As relações estabelecidas na mineração, propícias para a ação das massas, a migração para o norte mineiro, estabeleceu uma corrente de transmissão política com o sul, com operários, camponeses e parentes que se deslocavam em ambas as direções, disseminando idéias e comportamentos que afloravam entre os trabalhadores do salitre. Estas são algumas das condições, bastante originais no meio latino-americano dessa época, que motivaram o precoce surgimento de partidos operários, de franca definição socialista, ainda antes da revolução bolchevique de 1917.

Como conseqüência da Guerra do Pacífico (1879-1884)3, o Chile se converteu no único produtor mundial de salitre, transformando a exploração salitreira, ao longo da mudança de século, no eixo dinamizador do conjunto da economia chilena, de maneira a favorecer a diversificação de sua base produtiva e tornar mais complexa a sua estrutura social.4

2 ELGUETA, Belarmino. La cara oculta de la historia: el legado intelectual de Julio César Jobet. Chile:

Factum Ediciones, 1997, p. 69.

3 Em decorrência deste conflito, o Chile expandiu seu território, recebendo parte do Atacama (cidade de

Tarapacá), do Peru, e parte do território boliviano (Antofagasta), que perdeu a saída para o mar.

4 CORREA, Sofía; FIGUEROA, Consuelo (Org.). Historia del siglo XX chileno: balance paradojal. Santiago:

(20)

É possível identificar as primeiras organizações operárias modernas nas cidades, entre os círculos de artesãos que passaram a ser integradas por operários industriais e os mineiros. Inicialmente tratavam-se das mutuales, sociedades de socorro mútuo, que estavam investidas de preceitos ilustrados, e buscavam, através da associação de trabalhadores de diferentes sindicatos, incentivar a cooperação e a solidariedade entre seus filiados. A principal característica destas organizações era a atenção especial à formação educacional dos seus membros através da integração cultural, especialmente articulada por meio de diversos periódicos e folhetins operários.

No final do século XIX, emergiram outros tipos de organizações operárias, como as mancomunales e as sociedades de resistência. De acordo com Sofia Correa e Consuelo Figueroa, as primeiras se caracterizavam por reunir trabalhadores de diferentes atividades, enquanto que as sociedades de resistência eram marcadas por opor-se de forma permanente a qualquer tipo de negociação nos conflitos, evidenciando um maior espírito confrontacional nos seus postulados.

No entanto, ambas, diferentemente do mutualismo da primeira época, ostentaram um caráter revolucionário, apresentaram-se em termos programaticamente confrontacionais frente aos setores que oprimiam a classe operária, com propensão à conformação de uma identidade de classe de mais claro perfil. Sofia e Consuelo destacam a transição das organizações na medida em que:

[...] se observa um evidente trânsito de um associacionismo com demandas exclusivamente sociais e com ambições de cooperação mútua a entidades embuídas de uma orientação e discurso de caráter político. Os postulados socialistas e anarquistas, de crescente gravitação durante a mudança de século, estimularam o desenvolvimento desse tipo de organização, que experimentou um notável incremento, aumentando de 240 sociedades operárias na última década do século XIX, a 433 em 1910.5 [tradução nossa]

Nesse primeiro momento, havia estudiosos que se voltavam para as questões sociais e, ao mesmo tempo, homens que iniciaram suas atividades no meio operário para se destacarem como articuladores de movimentos de trabalhadores e difusores de idéias questionadoras daquela ordem. O contexto inicial de difusão de um ideal socialista ou

(21)

anarquista é caracterizado pela atuação de grupos de agitadores independentes, articuladores e até poetas que estabeleciam a necessidade de mudança do sistema e denunciavam os problemas que atingiam, especialmente, os trabalhadores urbanos e industriais.

Surgiram nesse período os primeiros grupos operários com suas publicações periódicas iniciais, como o Centro Social Obrero e a Unión Socialista, em 1897, que buscaram expressar as reivindicações nacionais do proletariado chileno. Os grupos, que eram orientados por idéias socialistas e anarquistas, disseminavam sua propaganda nos grandes povoados e regiões industriais. Seus jornais eram elaborados, principalmente, em Santiago e Valparaíso, na região salitreira e em Magallanes, traduzindo as aspirações de uma classe que se formava vigorosamente.6

Eduardo Devés indica o início do socialismo científico no Chile, gestado na figura de Alejandro Bustamante, no interior de duas organizações políticas: o Partido Obrero Francisco Bilbao e o Partido Socialista, sucessor do primeiro.7 De acordo com o autor, este movimento contrastava com o corte revolucionário dos grupos anteriormente mencionados, destacando em seu programa a defesa do progresso, da liberdade; a oposição à servidão do povo e à pressão exercida pela oligarquia; em combate à pobreza, bem como a defesa do sufrágio universal. Tais documentos teriam sido redigidos por Ricardo Guerrero, apontado como o primeiro marxista chileno.

A formação de partidos políticos ligados ao mundo operário se inicia em 1887, com a fundação do Partido Democrático, grupo de tendência laica – denominação necessária para um período no qual as disputas políticas se demarcavam com especial atenção na questão religiosa – liberal e democrática. A identificação do grupo com as demandas de artesãos e operários permitiu uma postulação reformista, de defesa da luta no interior do sistema vigente. Ao mesmo tempo, formou-se no país um importante número de correntes anarquistas identificadas com postulados libertários e que se filiaram à IWW (Industrial Workers of the World).

6 JOBET, Julio César. Ensayo crítico del desarrollo económico social de Chile. 3.ed. México: Centro de

Estudios del movimiento obrero Salvador Allende, 1982, p. 123-124.

7 Cf. DEVÉS, Eduardo; DÍAZ, Carlos. El pensamiento socialista en Chile: antología 1893-1933. Chile:

(22)

A prosperidade econômica vivenciada após a guerra de 1879 sofria flutuações e crises que afetavam com maior intensidade os estratos mais pobres, situação que gerou o gérmen dos movimentos de protesto que culminaram com a primeira greve geral do país, em 1890, abrindo um ciclo grevista de orientações trabalhistas e políticas que se estendeu por quase duas décadas.

A partir de 1903, os trabalhadores chilenos passaram a realizar manifestações e greves de maior repercussão. O nome de Luis Emilio Recabarren8, considerado o mais importante líder do movimento dos trabalhadores no Chile, destacou-se nesse período de efervescência social. Liderou manifestações por aumento de salário, redução de preços e melhores condições de trabalho. Recabarren ingressou no Partido Democrata, que agrupava artesãos e alguns setores operários e consistiu no único partido popular da época.

Recabarren é o principal nome do socialismo chileno a ser reivindicado pelo Partido Socialista. Como um dos mais importantes líderes do movimento operário e fundador do Partido Obrero Socialista, ele iniciou este grupo no intuito de criar uma organização que fosse verdadeiramente representante dos trabalhadores, e o fez a partir da sua desvinculação do Partido Democrata e da crítica à postura dessa organização.

É possível extrair das suas postulações algumas idéias que serão reivindicadas por membros do socialismo, especialmente Jobet, na busca de uma identidade operária e de elementos para o projeto socialista, que denotam o pioneirismo do líder operário no início do século XX. A questão da independência de classe é uma das principais características do pensamento de Recabarren, na medida em que ele já buscava diferenciar os componentes da burguesia e da oligarquia nacional reunidos no Partido Democrata.

Egresso deste grupo, Recabarren publicou, em 1912, o folheto intitulado El Socialismo, que constituiu o manifesto da nova organização fundada neste mesmo ano, em Iquique, o Partido Obrero Socialista. Neste folheto, Recabarren se preocupa em tecer severas críticas aos democratas, apontando-os como “vendidos da oligarquia”. Inicia-se, portanto,

8 A contribuição de Luis Emilio Recabarren é destacada em diversos trabalhos a respeito do desenvolvimento

marxista na América Latina e do movimento operário no Chile. Além das obras utilizadas no presente trabalho, ver: JOBET, Julio César. Recabarren y los orígenes del movimiento obrero y el socialismo chilenos. 2.ed. Santiago de Chile: PLA, 1973.

(23)

uma delimitação importante do movimento da esquerda nacional que, não obstante as mudanças sofridas, será retomada com força em diferentes momentos: a independência de classe, as críticas em torno do “reformismo burguês” e, especialmente, críticas à democracia nacional:

[O programa democrata] só contém um programa de reformas por realizar sobre as instituições existentes, ampliando-as, suavizando e democratizando, mas deixando sempre o que são: instituições coercitivas da liberdade dominadas pela burguesia. Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo.9 [tradução nossa]

Recabarren dedicou-se à organização de uma estrutura sindical da classe operária e consistiu no maior responsável pela organização do movimento e, posteriormente, passou a ser o principal nome da Federación Obrera Chilena (FOCH), organização criada pelos conservadores, sob bases mutualistas, com finalidade de assistência social e de mediações nas relações de trabalho. A despeito desse caráter inicial, Recabarren passou a liderar o que viria a ser um dos principais centros de atuação do proletariado chileno, gerando uma radicalização das ações do setor e a sua filiação à Internacional Comunista, em 1921, pouco antes da criação do Partido Comunista.

O líder tornou-se uma das referências do movimento operário chileno, dentre outros motivos, por congregar o movimento trabalhista e a luta partidária no âmbito da política institucional chilena, ao tomar contato com a teoria socialista. Essa particularidade do movimento operário daquele país serve de referência para pensar que a adoção do marxismo foi realizada historicamente e de acordo com a sua inserção nos processos políticos e sociais específicos, legando ricas e frustrantes experiências históricas que permitem analisar movimentos e culturas políticas desenvolvidas a partir desse encontro.

O exemplo da influência exercida pelos ideais revolucionários, com o triunfo da Revolução Bolchevique, sobre a constituição da esquerda do país está na transformação do Partido Obrero Socialista, fundado por Recabarren, em Partido Comunista, em 1921. A mudança se deu após a sua visita a Moscou, ilustrada a partir do registro das suas impressões, bastante equivocadas, que já deixam visualizar a concepção mecanicista de transplantação de um modelo revolucionário:

(24)

Pude ver com alegria que os trabalhadores da Rússia tinham efetivamente em suas mãos toda a força do poder político e econômico, e que parece impossível que tenha no mundo força capaz de despojar o proletariado da Rússia daquele poder já conquistado.

[...] ao proletariado do Chile só falta disciplinar um pouco mais sua organização política e econômica para encontrar-se capacitado a realizar a revolução social que expropriará todo o sistema de exploração capitalista [...]10 [tradução nossa]

Ao longo da década de 1920, diversos nomes se destacaram como herdeiros do ideal de Recabarren, tais como Ramón Sepúlveda, Carlos Alberto Martinez, Manuel Hidalgo Plaza. Foram líderes políticos que faziam parte do mundo operário e que trabalhavam em organizações sociais, especialmente voltados para a difusão dos ideais socialistas da zona de Valparaíso, do norte salitreiro, de organizações operárias de Viña Del Mar e do porto.

Parte dessas lideranças deixou o então Partido Comunista após cisões internas e fundou grupos de orientação socialista que viriam a formar o Partido Socialista do Chile, como a Nueva Acción Pública e a Izquierda Cristã. Somaram-se a eles o Partido Socialista Marxista, a Orden Social, o Partido Socialista Unificado, a Acción Revolucionária Socialista. Além do crescimento do operariado e de um movimento de esquerda, o Chile viveu, no início do século XX, a ascensão das classes médias ao cenário político com forte representação partidária. Dessa forma, a arena política chilena, que tinha como demarcação dos debates a questão clerical/anticlerical, representados pelos partidos da oligarquia nacional, evidenciou o conflito de classes latente no seio da sociedade, a partir do seu deslocamento para a luta político-partidária e da colocação de novas alternativas que iriam percorrer todo o século.

O sistema de partidos passou a se definir tanto em função de diferenças doutrinárias como em termos de representação social: de modo geral, liberais e conservadores se identificavam com a elite, proprietária de grande parte da terra e do capital; os radicais representavam a classe média – em particular aos empregados públicos e aos profissionais de província –, assim como aos grandes latifundiários do sul; democratas, socialistas e comunistas eram os representantes das classes populares.

(25)

Na década de 1930, portanto, iniciava-se o conflito político estruturado em dois campos contrapostos - direita e esquerda - bem definidos; coexistindo, em cada um, uma pluralidade de forças diferenciadas entre si, ainda que aglutinadas em torno de projetos compartilhados e em função da sua confrontação em relação a outro setor. Sendo assim, é possível falar em direitas e esquerdas, de acordo com os matizes que se advertiam no interior de cada um desses blocos, no doutrinário ou nas estratégias políticas.11

Formando a ala direita da política chilena, tem-se o Partido Conservador que, sinteticamente, pode ser caracterizado como o grupo representante da aristocracia latifundiária. Além da defesa da doutrina católica, principal elemento de oposição ao Partido Liberal, a plataforma conservadora apoiava com firmeza a livre empresa privada como fator chave no processo de desenvolvimento do país.

Formado em 1840, o Partido Liberal representa um segmento da elite orientado para o comércio. Com a proposta de laicização do Estado, da ampliação das liberdades civis e do sufrágio, e da limitação da autoridade Executiva, as forças liberais chegaram ao poder em 1861 e governaram por trinta anos, durante a chamada “República Liberal”. Ideologicamente, as diferenças entre estes e os Conservadores são bastante tênues, em especial, após o fim da questão religiosa nos assuntos de Estado.

Conforme se verá adiante, durante o período de 1932 a 1964, o Partido Radical (PR) teve o maior poderio eleitoral. Protagonista de um dos governos de maior impulso modernizador, o grupo também apresenta divisões internas entre uma ala direitista que identifica sua filosofia política com a dos conservadores e liberais, e uma ala esquerdista promotora de reformas sociais. De acordo com Julio Pinto e Gabriel Salazar, trata-se de uma divisão que tem suas raízes sociais e ideológicas. Sociologicamente, o PR foi dirigido pela classe média de províncias, com um núcleo dirigente formado nas escolas secundárias do Estado e na Universidade do Chile.12

11 CORREA; FIGUEROA, op. cit.., p. 117.

12 SALAZAR, Gabriel; PINTO, Julio. Historia contemporánea de Chile I: Estado, legitimidad, ciudadanía.

(26)

Inicialmente, o anticlericalismo constituía o principal eixo ideológico do movimento, com um desenvolvimento vinculado à maçonaria e à reforma educacional, além de latifundiários do sul, de inclinação conservadora, que se transformaram em radicais pelo desejo de reformas eclesiásticas e pela desconfiança em torno da centralização política. Este é o partido do sistema político chileno que tem a mais variada composição, que compreende desde operários até latifundiários. Inclui nortistas dos distritos mineiros, latifundiários do sul, pequenos comerciantes, profissionais, intelectuais, artesãos, operários especializados. A sua espinha dorsal provém da classe média.

Na esquerda, de forma muito particular no contexto latino-americano, o Partido Comunista (PC) esteve representado precocemente e de forma mais consistente do que os seus similares no subcontinente, marcando, assim, uma especificidade da esquerda chilena na América Latina, que apresentou, primeiramente, a formação de um partido comunista originado do movimento operário, para somente duas décadas depois se formar um partido socialista.

O PC exerceu um papel central no movimento sindical do país durante quase quarenta anos, ao mesmo tempo em que se configurou como a principal força política entre os trabalhadores chilenos. De acordo com Pinto e Salazar, a mudança tática do partido, que passa a seguir um caminho gradualista e pacífico até o poder, seu forte impacto em círculos sindicais e intelectuais ajudou a manter a influência nacional da organização, chegando a alcançar, no ano de 1964, aproximadamente 30.000 filiados.13

No entanto, o que se observa na história do Partido Comunista é a sua orientação a partir dos ditames da Internacional Comunista, o que revela, entre as décadas de 1920 e 1930, a adoção pelo PC da linha ultraesquerdista do chamado “Terceiro Período”, caracterizada por uma postura confrontacional, que o isolou de outros grupos da esquerda nacional. Essa linha

13 Devemos considerar que os programas de recuperação econômica, adotados na década de 1930, além do

impulso à industrialização, significaram a incorporação de um importante segmento do setor popular urbano às áreas fabris e à construção. O proletariado industrial, por exemplo, experimentou um aumento quantitativo que variou de 84.991, em 1926, para 389.700, em 1949. ATRIA, Raul; TAGLE, Matias (Edit.). Estado y política en Chile: ensayos sobre las bases sociales del desarrollo político chileno. Santiago de Chile: CPU, 1991, p. 162.

(27)

ditada pelo Comintern rechaçava os contatos com os partidos burgueses e objetava as “tendências parlamentares” do Partido Socialista.

Por outro lado, os socialistas se contrapunham à orientação ultraesquerdista dos comunistas, porque entendiam que essa postura isolaria a classe trabalhadora de outros segmentos sociais igualmente explorados, e principalmente, por tratar-se da adoção de uma orientação externa. O abandono da linha do “Terceiro Período” pelos comunistas deu-se a partir da proposta de criação de amplas alianças, inclusive com os partidos considerados burgueses, para salvar a democracia da ameaça fascista, consolidada na coalizão da Frente Popular, em 1936.

Nos anos cinqüenta, a estratégia do PC era a de libertação nacional. Do ponto de vista programático, permaneceram as chamadas tarefas da revolução: expropriação dos latifúndios e nacionalização das empresas imperialistas; manteve-se da fase anterior a intenção estratégica de aliança com a burguesia nacional, afirmando-se a concepção de que, no Chile, o caminho poderia ser pacífico.14

No entanto, para os comunistas, havia terminado a etapa histórica de direção da Frente de Libertação por parte da burguesia chilena. A aliança só seria segura se se optasse pelos setores antagônicos ao imperialismo, aos monopólios e ao latifúndio. A esquerda deveria, portanto, constituir a aliança comunista-socialista para atrair a esses setores da burguesia; deveria se objetivar a hegemonia do proletariado, indicando-se, assim, como núcleo, o eixo comunista-socialista. Esta nova linha estratégica apresentava como requisito indispensável “a classe operária e as suas vanguardas como pólo dirigente da revolução de libertação nacional”. Vale lembrar que o XX Congresso do PCUS admitia a tese da “transição pacífica”, o que legitimava o percurso do PC chileno na década de 1950.15

O Partido Comunista considerava a sua luta como parte da revolução mundial do proletariado a efetuar-se nos moldes da Revolução de Outubro. A Frente de Libertação Nacional era considerada a ferramenta com a qual se poderia construir uma democracia popular e um governo popular para a criação de um país independente e democrático.

14 AGGIO, Alberto. Democracia e socialismo: a experiência chilena. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2002, p. 83. 15 Ibidem, p. 83-84.

(28)

No projeto comunista, a união das forças populares, dirigida pelos operários e agricultores, desalojaria a minoria oligárquica do poder econômico e político para impulsionar as reformas estruturais da sociedade. Tratava-se de uma organização essencialmente de operários. Sua força provinha basicamente de trabalhadores urbanos e sindicalizados, incluindo seguidores provenientes do setor camponês, a partir da década de 1950, fator impulsionado, principalmente, após a Revolução Cubana; além de um pequeno segmento dos setores médios e um número pequeno, mas significativo, de intelectuais.

Em geral, é possível indicar três momentos na trajetória do PC, sendo o primeiro, o período que compreende desde a sua fundação, em 1921, até 1933. O segundo momento, que abarca o período de 1933 até o X Congresso de 1956; e o terceiro até fins de 1980. O primeiro momento se caracteriza como a etapa confrontacional, inserida no contexto de crise do Estado oligárquico, no qual o PC preconizava a política do enfrentamento de classes e se mantinha à margem da política estatal.

Como conseqüência da Guerra Fria, da ampliação do campo socialista e das intervenções norte-americanas em diversas partes do mundo, a posição comunista se definiu como uma linha de frentes amplas com signo antiimperialista. Nas eleições presidenciais de 1946, o PC fez parte de uma composição política com os radicais que elegeria Gonzalez Videla à presidência da República.

Este governo herdou sérios problemas econômicos e sociais e se viu numa situação delicada, especialmente no plano externo, devido à participação comunista na administração. O Chile dependia dramaticamente do financiamento externo, ao mesmo tempo em que a sua composição política era contrária à orientação da nova política exterior norte-americana no período da guerra fria, cujo apelo à solidariedade nas nações americanas a fim de defender o continente da ameaça comunista ditava as regras das relações entre os países vizinhos. Mesmo após o afastamento dos comunistas do governo, os Estados Unidos mantiveram o embargo, a fim de assegurar a completa ruptura entre o governo e o Partido Comunista.

No entanto, o apoio dos comunistas às greves contra a política do governo e as permanentes críticas feitas à relação do Chile com os Estados Unidos proporcionaram ao

(29)

presidente González Videla a justificativa necessária ao rompimento definitivo com os comunistas. Para conseguir conter a pressão do PC e a agitação operária, apoiada pelos comunistas, o governo decretou, em 1948, a Lei de Defesa da Democracia, proscrevendo o Partido Comunista e atingindo diretamente os direitos e liberdades sindicais. O movimento operário e popular voltou a atuar com maior desenvoltura em meados da década de 1950.16

Já no X Congresso, de 1956, refletiu-se a tese da “transição pacífica” e a linha da “frente única” entre socialistas e comunistas, substituindo a política de enfrentamento que a Guerra Fria estabeleceu no mundo, e que foi ratificada na formação da Frente de Ação Popular (FRAP), como se verá adiante. Os comunistas concebiam um movimento no qual era essencial uma política de alianças pluriclassistas para a revolução de libertação nacional, no bojo de um processo que acentuasse a participação das massas, levando em conta as suas lutas de classe mais diretas.

Para que ambos se efetivassem, defendiam reformas substanciais nas estruturas políticas do país, de forma a que se restaurassem todas as liberdades políticas, com vistas a um aprofundamento de processo de democratização. Nesse sentido, o Partido Comunista foi uma das forças políticas que mais se empenharam na defesa de reformas políticas e institucionais de cunho democratizante, visando aperfeiçoar o sistema institucional.17

Este contexto que permitiu a formação da FRAP marca um momento de redefinição para o socialismo chileno, cuja cultura política fora caracterizada por forte antagonismo ao comunismo. A criação do Partido Socialista se deve também à insatisfação de alguns grupos socialistas com a liderança comunista dentro da esquerda, o que o levou a delimitar, desde o início, o caráter alternativo ao comunismo na esquerda nacional como uma das suas principais características, e que se fortaleceu ao longo da sua trajetória. A sua história tem a particularidade do contexto de crítica ao stalinismo, à política da URSS e aos partidos comunistas. O partido se autodefiniu, constantemente, a partir da diferenciação com relação ao comunismo, do anseio de realizar o que o PC não havia sido capaz de fazer, e de representar “verdadeiramente” os anseios populares.

16 AGGIO, op. cit., 1999, p. 152-153. 17 AGGIO, op. cit., 2002, p. 84.

(30)

É preciso problematizar o surgimento da esquerda chilena, já que esta se formou primeiramente com o comunismo, com o pioneirismo de Recabarren. O fortalecimento do PS se deu no momento de crise da URSS, o que permite afirmar que o seu discurso, caracterizado como humanista e libertário, também tem a ver com esse momento de contestação ao regime soviético e das denúncias contra o stalinismo.

O Partido Socialista, fundado em 1932, pode ser caracterizado como um grupo formado essencialmente pelas classes médias, unido por uma concepção bastante difusa do socialismo. Sua formação tem como marco a República Socialista de 12 dias, movimento liderado pelo comandante da aviação Marmaduque Grove, para destituir do governo Esteban Monteiro, primeiro presidente eleito pelo Partido Radical.

Deste governo pode-se afirmar que Monteiro buscou articular em torno de si apenas os setores tradicionais da política chilena, deixando de lado a esquerda que se fortalecia e que tentava afirmar um projeto de ação capaz de superar a grave questão social que atingia o país. A partir deste evento, as organizações socialistas se reuniram para formar o Partido Socialista, que esteve sob a liderança de Grove até 1943.18

Tratava-se inicialmente de uma organização definida como marxista, mas que privilegiava um projeto nacional e popular e que enfatizava o caráter pluriclassista da sua identidade. É possível afirmar que se tratou de uma organização que veio compor um novo quadro político que se configurava no país, marcado pela concepção antioligárquica e antiimperialista. Seu caráter nacional e popular, além da sua caracterização como um partido dos trabalhadores manuais e intelectuais, e que não admitia a divisão classista, marca a postura do grupo que também se comprometeu com a proposta modernizadora da Frente Popular, abrindo, assim, a primeira etapa das recorrentes cisões no partido.

Podemos destacar que, o que definiria a adesão de um indivíduo ao Partido Socialista não seria o “seu pertencimento de classe, mas a sua consciência política revolucionária, a sua oposição à oligarquia e ao capital estrangeiro”, como é possível observar no seguinte excerto:

18 Os líderes da rebelião foram destituídos e presos na Ilha de Páscoa. Ainda em 1932, Marmaduque Grove

concorreu à eleição presidencial, vencida por Arturo Alessandri, e obteve a segunda colocação, com 17,7% dos votos.

(31)

Não se vem ao Partido porque é intelectual ou operário, vem porque se adquiriu consciência revolucionária do atual momento histórico. Por isso lutamos contra a demagogia, a mentira de fazer crer que só os intelectuais poderão salvar-nos, ou que só os operários são os revolucionários. Por isso é um atentado à unidade de nosso partido o divisionismo mentiroso do obrerismo e intelectualismo, e quem atenta contra a unidade do Partido Socialista atenta hoje contra o futuro do povo, pretendendo destruir o seu instrumento de libertação. 19 [tradução nossa]

Ainda de acordo com Schnake, uma das principais lideranças do grupo naquele contexto, o movimento que originou o partido se denominava socialista por ser contrário ao liberalismo individualista. O partido se caracterizaria pela “unidade social e política da classe operária, setores camponeses e classe média do país, no intuito de libertar-se da exploração econômica e política do capital internacional e da oligarquia”. Nas suas palavras, significava a mobilização do povo para uma ação de Segunda Independência Nacional, a Independência Econômica do Chile.

Essa característica nacionalista do socialismo chileno é um dos componentes que vão perdurar ao longo da sua história, mas que, como se nota, trata-se também de uma forma de demarcar a originalidade do movimento frente ao comunismo, entendido como uma extensão do socialismo soviético; além de referendar o passado das lutas operárias e se projetar como alternativa para o futuro, um dos determinantes mais evidentes da ação do PS, constantemente preocupado com a “chilenidad” dos seus pressupostos, como afirma Marie Noëlle Sarget.20 Trata-se de um nacionalismo unido ao ideal da união continental fundado no sonho de Bolívar.

Um elemento que ilustra esse ideal nacionalista é o símbolo do Partido Socialista, que permite observar a constante referência feita ao passado do país, assim como aos ideais de luta e da originalidade do grupo. O desenho de um machado índio sobre o mapa da América Latina remete ao “toqui”, instrumento utilizado pelos índios mapuche, do sul do Chile, tanto para destruir, como para construir, e que se tornou símbolo da resistência mapuche ao invasor

19 SCHNAKE, Oscar. Política Socialista (1938). In: WITKER, Alejandro (Org.). História documental del

PSCH 1933-1993: signos de identidad. Chile: IELCO, sd, p. 23-24, v.18.

20 SARGET, Marie-Noëlle. Système politique et Parti Socialiste au Chili: un essai d’analyse systematique.

(32)

espanhol. O símbolo é colocado sobre o mapa do continente para se referir à coletividade, à união e à libertação antiimperialista.21

Em geral, os postulados da República Socialista de 1932 apregoavam a justiça social e a libertação econômica do país por meio da união dos trabalhadores manuais e intelectuais. Sendo a união de diferentes setores sociais um dos principais pontos da declaração socialista, assim como a definição de socialismo como um programa contrário ao “liberalismo individualista”. Questionado sobre qual ideologia correspondia à revolução, seu representante, Marmaduque Grove, respondeu:

A nenhuma. Nós tratamos de fazer para esta revolução seu peculiar conteúdo ideológico [...] As doutrinas sociais foram criadas [a partir da] observação da realidade européia [...] Assim que aplicadas na América Latina, cuja realidade é distinta, postergam-nos as soluções imediatas de nossos problemas e introduzem o confusionismo.22 [tradução nossa]

Esta afirmação dá uma dimensão do caráter inicial do PS, que apregoava, dentre outras coisas, a flexibilidade das ideologias, como na utilização do marxismo, e do caráter pluriclassista de um grupo que era composto de correntes ideológicas que variavam desde tendências trotskistas, passando por grupos denominados antioligárquicos, latino-americanistas, até personalidades intelectuais advindas do anarquismo e do socialismo humanista. Os autores latino-americanos não chilenos influenciaram relativamente pouco o PS, em comparação com outros marxistas europeus. O argentino Juan B. Justo e José Carlos Mariátegui, marxista peruano, figuram entre os autores socialistas que ocupam lugar em algumas referências, mais por traduções e comentários que fizeram da obra de Marx.

No entanto, o partido valoriza constantemente a contribuição de autores nacionais, como Recabarren e, sobretudo, a daqueles fundadores do partido, como Grove, Eugenio Matte, Oscar Schnake, nomes que constituíram a liderança nos primeiros anos de vida do partido. Além disso, o grupo conferia especial espaço aos escritores do partido, como Jobet, Alejandro Chelén, Raul Ampuero, Salomon Corbalán, Eugenio Gonzalez, Oscar Waiss, cujos textos, especialmente após a década de 1940, contribuíram diretamente para forjar uma determinada cultura política ao partido, bem como sua identidade.

21 SARGET, op. cit., p. 79.

(33)

Esses membros, em especial quando formavam parte do Comitê Central (CC), tinham importante influência nas deliberações do partido quanto às linhas e rumos a adotar. O CC representava a organização nas suas relações com outros grupos, decidia os acordos a estabelecer, designava as candidaturas socialistas em via de eleições, tomava as sanções eventuais contra dirigentes e militantes, nomeava e destituía diretores da imprensa do partido e aplicava as decisões do Congresso Geral. Além de exercerem forte influência nas idéias a serem seguidas pelo grupo, já que o conteúdo teórico-ideológico representava um elemento muito valorizado na condução no partido.

É possível conceber a história do Partido Socialista em duas etapas. A primeira pode ser demarcada do momento da sua fundação até a reunificação do socialismo, em 1957; enquanto que a segunda abarca desse momento até a divisão de 1979; sem, no entanto, caracterizar-se como momentos estanques, ou seja, trata-se de momentos nos quais elementos diversos, concertacionistas e rupturais se imbricavam na conformação da cultura política socialista, além da sua identificação latino-americanista, popular e dos objetivos de ocupação do poder serem elementos compartilhados por grupos internos com orientações diferentes. São concebidas aqui essas duas fases na trajetória do socialismo chileno por entender-se que ocorre uma modificação na postura ideológica do Partido Socialista, demarcada pela predominância do caráter confrontacional a partir do final da década de 1950 naquele movimento.

A etapa que compreende o período de 1933 a 1957 pode ser definida como o momento nacional-popular23, no contexto em que o socialismo surgiu como uma alternativa para as classes populares e setores médios, apresentando características definidas por uma clara distinção ideológica e política dos comunistas, antioligárquicas e antiimperialistas.

23 Um projeto nacional-popular tem como características: a concepção da política como constituição da vontade

coletiva, como uma busca pelo consenso, e não como o aproveitamento das conjunturas em função de uma mobilização manipulada de massas disponíveis; pensa cada um dos elementos da política em uma perspectiva utópica, como realização de graus cada vez maiores de democracia, portanto, como processo que deve conduzir ao socialismo, este concebido como sistema que permite a máxima liberdade de todos; e o consenso é encarado como algo além da articulação de interesses econômicos e políticos, trata-se de um pacto social em função de uma mudança concertada. Cf. MOULIAN, Tomás. Democracia y socialismo en Chile. Santiago: FLACSO, 1983.

(34)

Esta distinção é demarcada por elementos, como um papel mais flexível e instrumental do marxismo, a necessidade de substituir o Estado burguês pelo Estado dos trabalhadores, a superação do capitalismo, crítica ao internacionalismo comunista, a definição do partido como popular e não exclusivamente operário. Além disso, a defesa, por parte das suas principais lideranças do período, da participação ativa em coalizões de governo, e a defesa de programas de reformas democratizantes, de fomento à industrialização e do fortalecimento do papel do Estado como regulador das desigualdades.

Esse foi um período bastante conturbado na história do partido, que reunia diferentes grupos e concepções acerca do papel do socialismo. Incapacidade de influência do partido nas decisões do governo, “seguidismo frente à direção burguesa” e ausência de uma perspectiva estratégica para iniciar o processo de construção socialista a partir da etapa de reformas, foram algumas das críticas internas dirigidas às lideranças do grupo. Começava a se delinear a trajetória da convivência conflitiva entre as tendências com pretensões confrontacionais e os grupos que defendiam alianças e a promoção de reformas a partir do Estado.

A segunda etapa do socialismo chileno é o momento do qual se ocupa o presente trabalho, identificada na mudança das suas lideranças. Esta pode se caracterizar por sua crescente ideologização e o progressivo abandono da perspectiva nacional-popular, influenciada por processos e teorias revolucionárias externos, além do descontentamento com as experiências de governo vivenciadas pelo país sob o comando das classes dominantes; tendência alimentada por concepções que visualizavam uma crise total na sociedade, que passavam a guiar seus projetos políticos.

Características centrais da cultura política socialista, como o nacionalismo, o antiimperialismo, a postulação da substituição do Estado burguês pelo Estado dos Trabalhadores eram compartilhadas por esta nova tendência à frente do socialismo. No entanto, o Partido Socialista confrontaria então o que se denominou na época de “colaboracionismo”, expresso na política de lideranças do socialismo chileno que participaram do governo da Frente Popular, como Grove, Oscar Schnake e Salvador Allende,

Referências

Documentos relacionados

Nesse contexto, são considerados acidentes de trabalho certos acidentes sofridos no horário e local de trabalho; a doença proveniente de contaminação acidental no

Pues, entonces, el Derecho Administrativo (tal como ha sido concebido por los legisladores y juristas europeos continentales) es allí inexistente. Así, el Doble Derecho

Resumo No presente estudo, propomo-nos 1 identificar os motivos e objectivos de realização que levam os jovens à prática do Basquetebol; 2 identificar as crenças dos Atletas quanto

Este estudo teve como objetivo examinar como se comportam estrategicamente as empresas da cidade de Getúlio Vargas/RS, frente ao problema empreendedor (mercado) e

Adotam-se como compreensão da experiência estética as emoções e sentimentos nos processos de ensinar e aprender Matemática como um saber epistêmico. Nesse viés, Freire assinala

Quanto às suas desvantagens, com este modelo, não é possível o aluno rever perguntas ou imagens sendo o tempo de visualização e de resposta fixo e limitado;

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Teoria das emoções de James-Lange: uma emoção é uma espécie de percepção cognitiva sobre o que acontece no corpo durante um impacto. Catatimia: É a importante influência que a