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Itinerâncias : a memória entre a materialidade e a virtualidade fotográfica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

LIGIA DIOCLECIO MINAMI

I T I N E R Â N C I A S :

a memória entre a materialidade

e a virtualidade fotográfica

CAMPINAS 2018

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I T I N E R Â N C I A S :

a memória entre a materialidade

e a virtualidade fotográfica

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.

ORIENTADORA: PROfA. DRA. LUISE WEISS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO fINAL DA DISSERTAÇÃO DEfENDIDA PELA ALUNA LIGIA DIOCLECIO MINAMI, E ORIENTADO PELA PROfA. DRA. LUISE WEISS.

CAMPINAS 2018

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LIGIA DIOCLECIO MINAMI

ORIENTADORA: PROfA. DRA. LUISE WEISS

MEMBROS:

1. PROf(A). DR(A). Luise Weiss

2. PROf(A). DR(A). Ivanir Cozeniosque Silva 3. PROf(A). DR(A). Livia Afonso de Aquino

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica da aluno(a).

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Luise Weiss, pela orientação, confiança, liberdade e

sensibilidade

Lívia Aquino, por aceitar

acompanhar a pesquisa desde a qualificação, pelas provocações e libertadores apontamentos

Ivanir Cozeniosque, pela presença na banca e por todos os cuidados Aos suplentes da banca, Lygia Eluf e Milton Turcato

Wall e a equipe da Gaia, por toda atenção

Kenji Ota, mestre querido sempre presente

Patrícia Yamamoto, amiga e cúmplice acadêmica

Miguel Chikaoka, por ensinar a fotografia como pretexto para acessar afetos

Dona Edite, por fazer possível esta pesquisa

de várias maneiras

Crisinha, amiga-irmã de todos os momentos

Simone Peixoto, irmã mais velha querida, pelas conversas, cumplicidades e o sofá

sempre disponível

Luciana Bertarelli e Marcio Elias Santos, pela acolhida, amizade e carinhos

Betânia Barbosa, tão longe mas tão perto

Adriana Issobata, por topar

participar das loucuras fotográficas Julia Goeldi, pelas conversas de ateliê e disponibilidade investigativa

Lívia Gabbai, Paula Gabbai, Renato Hofer e Manu Romeiro, queridos de conversês, pedaladas e trocas criativas

Clarisse Romeiro, que me fez pirilampa ao mergulhar em azuis Danilo Perillo, sempre disponível e generoso

fernanda Grigolin, que me ajudou a parir Peneira

Simone Wicca, pelo inesquecível pão caseiro, conversês e desafios lançados

Xilomóvel, pela confiança e por sempre fazerem acreditar que um mundo melhor é possível

A toda a família campineira, que sempre me faz querer atravessar a estrada

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R E S U M O

A construção da memória por uma fotografia itinerante, errante entre pixels da captura digital e a impressão em cianotipia, transitando por suportes que a tornam permeável: contaminada pelos rastros gráficos da monotipia na impressão em papeis e tecidos, pelo movimento virtual do vídeo em

time-lapse, pela narrativa das páginas do livro. Travessia que perscruta o

tempo no fotográfico, condensado pelo instantâneo digital, dilatado pela impressão artesanal, atravessado pela sequencialidade do livro.

PALAvrAs-ChAvE: fotografia, fotografia – processos de impressão,

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The construction of memory by an itinerant photography, placed between digital capture and cyanotype printing, passing through media that makes it permeable: contaminated by the graphic traces of monotype on paper and tissue printing, by the virtual movement of time-lapse video, by the nar-rative of the the book’s pages. Course that addresses time in photography, condensed by the digital snapshot, expanded by the handmade printing, crossed by the sequentiality of the book.

KEY WOrD: photography, photography - printing processes, memory,

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L I S T A D E I M A G E N S

1 . Michael Wesely, Câmera Aberta, Instituto Moreira Salles, IMS, São Paulo, Avenida Paulista, 2017. p. 11

2 . Michael Wesely, Câmera Aberta, The Museum of Modern Art, MOMA, New York, 2004. p. 11

3 e 4 . Michael Wesely, Stilleben, 2001-2007. p. 11

5. Hiroshi Sugimoto. Theaters, Hollywood Cinerama, Los Angeles, 2003. p. 13 6. Hiroshi Sugimoto. Theaters, Movie Theatre-UA Playhouse, New York, 1978. p. 13

7. Hiroshi Sugimoto. Theaters, Metropolitan Orpheum, Los Angeles, 1993. p. 13

8. Hiroshi Sugimoto. Theaters, Movie Theatre, Canton Palace, Ohio, 1980. p. 13 9. Hiroshi Sugimoto. Photogenic Drawing, Roofline of Lacock Abbey, most likely, 1835-1839, 2009. p. 13

10. Hiroshi Sugimoto. Photogenic Drawing, Buckler fern, march 6, 1839 or earlier, 2008. p. 13

11. Robert Rauschenberg and Susan Weil,

Female Figure, 1950. Exposed

blueprint paper (266,7 x 91,4 cm). p. 16

12. Robert Rauschenberg, Bastidores do processo, revista Life, 1951. p. 16 13. Robert Rauschenberg, Bed, 1955, Oil and pencil on pillow, quilt, and sheet on wood supports (191,1 x 80 x 20,3 cm). p. 16

14. Robert Rauschenberg, Storyline from

Ground Rules, 1997, Aquatint (120,7 x

84,8 cm). p. 16

15. Kenji Ota, Semente de Cacau Bravo, 1993, Van dyke brown sobre papel artesanal. (48 x 66 cm). p. 18

16. Kenji Ota, Tectônicas, 1999. Van dyke

brown e cianotipia sobre tecido.

(100 x 120 cm). p. 18

17. Cris Bierrenbach, Sem Nome, 2003, Daguerreótipo (25 x 19 cm). p. 23 18. Cris Bierrenbach, The Blue Lines of

My Life, Geral e detalhe, 1995, cianotipia

sobre papel arroz (215 x 25 cm). p. 23 19. Anna Atkins, British Algae: Cyanotype

Impressions, 1843-1853, fotogramas em

cianotipia. p. 43

20. Blueprints, cópias em cianotipia de projetos de Joaquim Cavalheiro.Projeto para construção de casas na Travessa Joli, Brás, 1913. Projeto para construção de casa na Rua Conselheiro Carrão, 126, Bela Vista, 1913. fonte: Série Obras Particulares. AHMWL-SP p. 44

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1] INTRODUçãO | PARTIDA

...

11

2] SOBRE O TEMPO

...

14

A EFEMERIDADE E O FOTOGRáFICO ... 14

3] PERCURSO

...

17

3.1) DIáLOGOS ... 17 3.2) ARTESANIAS ... 31 3.3) CIANOTIPIA ... 43 3.4) INTERSECçÕES E TROCAS ... 48 3.4) TEMPO E MOVIMENTO ... 54

4] ITINERÂNCIAS

...

70

IMPERMANÊNCIA: VIRTUALIDADE E MATERIALIDADE ... 70

5] MEMÓRIAS

...

84

DOS AFETOS, CAMADAS E MATERIALIDADES ... 84

6] A TRILHA INCESSANTE

...

90

7] BIBLIOGRAFIA

...

93

8] APÊNDICE|DIáRIO

...

96

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1 ] I N T R O D U ç ã O | P A R T I D A

Dias e noites vagueiam pela eternidade. Assim são os anos que vêm e vão como viajantes que lançam seus barcos através dos mares ou cavalgam pela terra. Muitos foram os ancestrais que sucumbiram pela estrada. Também tenho sido tentado há muito pela nuvemovente ventania, tomado por um grande desejo de sempre partir. (Matsuo Bashô)

Com estas palavras Matsuo Bashô1 se lançava, há quatro séculos atrás,

em peregrinação poética e espiritual às terras do norte do Japão. Em seu diário, nar-rativas em prosa (haibun) rodeiam haikais, misturando real e fantástico, conduzindo a metáfora da travessia através de um encadeamento de imagens descritas pela síntese poética de sua escrita.

Há cerca de cinco anos atrás, este mesmo parágrafo me inspirava, dando iní-cio ao que seria uma longa jornada, atravessando a imagem fotográfica e seus desdobra-mentos em fazeres calcados no entendimento da transitoriedade do viver, na eternidade dos ciclos, cruzando numerosas transformações pelo caminho da impermanência.

Que imagens são essas que se valem do gráfico e do fotográfico em cole-ções de rastros, em camadas de gestos, de afetos, de memórias? O que esconde essa itinerância incansável através de pixels, químicos e pigmentos? Que síntese é essa que guarda em sua aparente simplicidade o complexo entendimento da vida?

A presença constante de um processo químico fotossensível que precipita imagens – por exposição à radiação solar – em azuis celestes, os gestos envolvidos no processo de produção destas imagens, os pixels-movimento do vídeo tornados matéria através da impressão artesanal, as imagens transformadas pelas texturas diversas dos suportes, as flores e folhas decalcadas em pegadas se encontrando, na impressão, com o imatérico do digital – tudo são sobreposições que contam sobre deslocamentos dessas imagens, que carregam o desejo de eternidade de uma memória perene, frágil. São movimentos em direção ao impossível do imutável, reconhecendo, nestas itinerân-cias, a transitoriedade da matéria, o ocaso das formas que nos rodeiam: folhas que

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caem e secam, flores que murcham, o corpo que envelhece.

No relato deste percurso, duas vozes contam sobre a travessia: uma delas mais racional, fruto da decantação do pensamento, do intervalo entre as experiên-cias do fazer. Dialoga com reflexões de artistas, escritores, filósofos, pensadores da imagem – gerando desdobramentos para a pesquisa a partir de um exercício onde a consciência sobre o trabalho emerge aos poucos, retornando em maior clareza e con-sistência sobre rumos a serem perseguidos na pesquisa.

A outra nasce do calor do embate criativo durante o próprio trabalho, extra-ída do diário de processos, transcrita e editada para este relato. Uma voz que beira o devaneio, mergulhada, por vezes, nas aflições e dificuldades que permeiam o processo criativo durante este parto do interno para a materialidade da obra, do existir para o outro, para o mundo. Voz que oscila: por vezes em grito aturdido, por vezes em calma quase silenciosa. Conversa, durante a travessia, com a síntese poética dos haikais e haibuns de Bashô, onde “o não dito tem valor quase sempre maior do que aquilo que é possível explicitar”, numa intuição que “se concretiza em frases que se esvaem em volutas de fumaça, em palavras que preferem aludir a indicar.” (SICA, 2017, p. 27)

No formato impresso deste relato, estas duas vozes se constituem em dois volumes independentes, evidenciando, talvez, uma sensação de dualidade, de certa angústia: dual em vozes, entre produzir um trabalho visual e outro escrito, entre poético e racional, entre matérico e virtual, entre partidas e chegadas, entre prazer e dor, entre estático e movimento, entre vida e morte.

Talvez seja a partir da investigação destas extremidades que a consciência de unidade venha emergir, num relato que busca transcender as divisões da forma en-quanto discorre sobre os percursos do fazer, num movimento que se pretende mistura, embaralhamento, fusão: da poética à poesia.

Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma cons-ciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade. Assim, a poesia torna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida. (TARKOVSKY, 1998, p. 18)

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2 ] S O B R E O T E M P O

A EFEMERIDADE E O FOTOGRáFICO

A esse quem o poderá prender e fixar para que pare um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo que nunca pára? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. (AGOSTINHO, 1988, p. 276) A mudança, se consentirem em olhar para ela diretamente, sem véu interpos-to, logo lhes aparecerá como o que pode haver de mais substancial e dura-douro no mundo. Sua solidez é infinitamente superior à de uma fixidez que não passa de um arranjo efêmero entre mobilidades. (BERGSON, 2006, p. 17) fotografia... seria esta a definição adequada a referenciar um trabalho cujo hibridismo por vezes escapa às clássicas definições do meio?

A instantaneidade da captura fotográfica em sua vertente digital, o tempo estendido proporcionado pelas artesanias da impressão fotossensível da cianotipia – técnica que remonta aos primórdios da fotografia –, a duração perscrutada na edição do vídeo. São ações que refletem inquietações oriundas da consciência da passagem de um tempo que nos escapa, dada a incapacidade do humano em reter na memória todas as pequenas transformações observadas em si e em seu entorno.

De dentro da efemeridade do tempo, comumente sofremos da angústia de nos apegarmos a episódios, pessoas, na ilusória crença de que ao “congelarmos” este movimento incessante pelo seu registro, estas preciosas sensações às quais nos afer-ramos estarão eternamente presentes dentro daquela imagem-afeto que por vezes car-regamos como um amuleto, nos trazendo o consolo da lembrança.

[...] na fotografia, morte e eternidade são inextricáveis, como as duas faces de uma moeda. O instante arrancado do continuum, que o registro fotográfi-co eterniza, é um fragmento do vivido que se esvaiu. A eternidade do registro acaba funcionando como prova irrefutável de que a vida, em cada milésimo de instante, está grávida de morte. Porque é por natureza provisório, transi-tório, fugaz, cada momento vivido incuba sua própria morte. Sendo capaz de congelar o instante num flagrante eterno, a fotografia acaba apontando para o avesso do eterno: a irrepetibilidade e morte irremediável que está inscrita na passagem de cada instante. A vida aparece para morrer a cada aparição. (SANTAELLA, 1996, p. 179-182)

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Um retrato da convivência com a consciência da sensação da perda se deli-neia: a observação da passagem do tempo para o outro coexistindo com o próprio tem-po se esvaindo. Morremos um tem-pouco todos os dias, somos todos feitos de pequenas transformações, algumas palpáveis, visíveis, outras escondidas no interno do sentir. Na fotografia, a busca pela eternização destes fugazes instantes guarda em sua nar-rativa o turbilhão de ocasos que nos cercam sem que muitas vezes nos demos conta, seja pelas limitações de nossa percepção, seja pelo poder anestesiante que a rotina exerce sobre nosso cérebro. A memória não se constitui apenas de recordações, mas se apoia numa avalanche de esquecimentos. A fotografia vem alicerçar esta precária edição de lembranças performada por nossos afetos.

A utilização da “caixa-preta” (fLUSSER, 2011) fotográfica neste contexto, a explora também como ferramenta de registros automatizados e contínuos, a dar conta desta lacuna da memória em guardar e organizar instantes em sequência, rearranjado--os em vídeo, em time-lapses1 que em poucos minutos condensam dias – instantes

acu-mulados que denunciam as lentas e imperceptíveis efemeridades de nosso entorno. Os processos de impressão fotográfica por contato vêm humanizar a relação com estes registros mecanizados, permitindo, no longo tempo de artesania exigido pela impressão, a apreensão desta imagem pelo tato e pelo gesto, para além da visão – proporcionando a dilatação do instante fotográfico abordado durante este ciclo.

O conjunto destes recursos resulta na criação de um tempo particular e cir-cular, feito de imagens que se alternam entre a virtualidade da captura digital, a busca da concretude durante as impressões por processos gráficos e fotográficos arcaicos e a recaptura para o mundo virtual, ora transformadas em vídeo e duração, ora em ins-tantâneos digitais – que podem, eventualmente, se materializar novamente em outros suportes narrativos, como o livro.

Continuamente o tempo se condensa e se dilata na produção desta imagem itinerante, que vaga por pixels, químicos e pigmentos com diferentes plasticidades, constantemente transmutada, mas sempre inteira em sua essência.

Em diversos momentos desta investigação, retratos de familiares carrega-1 Em GLOSSÁRIO, p. carrega-106.

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dos de densidade afetiva se alternam com vestígios de ocasos da natureza, saba2:

folhas secas, flores que murcham, concretudes que se decompõe e deixam seus teste-munhos em rastros fotoquímicos, depósito de pigmentos e pixels animados, na cons-tatação da inevitável impermanência da matéria, do tempo, do sentir.

Talvez, decantadas estas investigações, a criação deste espaço repleto de imagens-sensações venha a se tornar uma espécie de mnemoteca pessoal, uma cons-telação de imagens detonadora de lembranças.

Talvez o futuro destas imagens-objeto, vídeos e livros, desta intensa produção de passados, acabe por constituir uma espécie de sítio arqueológico de recordações. Sem dúvida, soterradas de camadas: de gestos, de químicos, de pixels, de afetos.

Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como o homem que escava. Antes de tudo, não se deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois “fatos” nada são além de camadas que apenas à exploração mais cuidadosa entregam aquilo que recompensa a escavação. [...] uma verdadeira lembrança deve, portanto, ao mesmo tempo, fornecer uma imagem daquele que se lembra, assim como um bom relatório arqueológico deve não apenas indicar as cama-das cama-das quais se originam seus achados, mas também, antes de tudo, aquelas outras que foram atravessadas anteriormente. (BENJAMIN, 1997. p. 239)

2 “Considera-se que o tempo, per se, ajuda a tornar conhecida a essência das coisas. Os japoneses têm um fascínio especial por todos os sinais de velhice. Sentem-se atraídos pelo tom escurecido de uma velha árvore, pela aspereza de uma rocha ou até mesmo pelo aspecto sujo de uma figura cujas ex-tremidades foram manuseadas por um grande número de pessoas. A todos esses sinais de uma idade avançada eles dão o nome de saba, que significa, literalmente, ‘corrosão’. Saba, então, é um desgaste natural da matéria, o fascínio da antigüidade, a marca do tempo, ou pátina. Saba, como elemento do belo, corporifica a ligação entre arte e natureza.’’ (TARKOVSKY apud Ovchinnikov, 1997, p. 66)

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3 ] P E R C U R S O

3.1) DIáLOGOS

Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. [...] Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEM, 2009, p. 59)

A partir das considerações de Giorgio Agambem, é possível pensar que este olhar crítico sobre o seu tempo e, portanto, contemporâneo, se clarifica com esse deslocamento do presente e uma abertura ao anacronismo, pois desta forma o sujeito conseguiria olhar para o tempo presente sem uma fruição inquestionante, sem estar “ofuscado” pelo excesso de luzes do presente. “Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém de seu tempo.” (Idem, p. 63)

A partir desta espécie de “anacronismo crítico”, é possível pensar em al-guns diálogos inspiradores deste trabalho, destacados por representarem pontos de contato tidos como essenciais nesta pesquisa. Além da relação anacrônica sublinhada pelo uso de técnicas e suportes comercialmente defasados, este grupo de artistas faz destas escolhas elementos essenciais da poética dos trabalhos aqui elencados. fo-tógrafos como Michael Wesely ou Hiroshi Sugimoto se situam neste território, e ainda que o resultado estético do trabalho final seja de inquestionável beleza, o processo criativo e a abordagem do tempo na fotografia é o foco dessas escolhas anacrônicas – embora frequentemente isso só seja percebido por um olhar mais experimentado e atento.

A pedido do MoMa (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque), o fotógrafo alemão Michael Wesely fez uso de câmeras com chapas de filme 4x5 polegadas para

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registrar, com exposições que chegaram a somar três anos de duração, o projeto de renovação de seu edifício, de 2001 a 2004. São fotografias que condensam, em uma única tomada, os inquietantes detalhes e sobreposições ocorridos nesse longo perí-odo de construção. Esse trabalho vem sendo aperfeiçoado desde a década de 1990, registrando reestruturações urbanas como a de Potsdamer Platz, em Berlim, e, mais recentemente, em São Paulo, na construção da sede do Instituto Moreira Salles, na Av. Paulista. Numa outra vertente, Wesely explora o que poderia se aproximar de um regis-tro de naturezas-mortas. Numa única chapa, fotografa buquês de flores em exposições que duram dias, registrando numa única imagem todos os estágios de sua efemerida-de. A síntese fotográfica se opera acumulando numerosas camadas de tempo e de re-presentação do corpo-espaço numa única chapa, construindo imagens de aspecto oní-rico, povoadas de rastros, mas que, em verdade, carregam um forte caráter documental ao registrar as modificações ocorridas durante a passagem do tempo. Sinto o diálogo com esta imagem que carrega o documento, mas que ao mesmo tempo se dobra à sua potência onírica e ficcional durante a apreensão de seu aspecto, provocando certa confusão tomada de fascínio nas tentativas de entendimento destas sobreposições de camadas de tempo.

Já o fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto provoca: “Suppose you shoot a whole movie in a single frame”. E responde: “You get a shining screen.” foi a partir desta proposição que, entre as décadas de 1970 e 2000, criou Theaters, uma série de fotografias de cinemas norte-americanos utilizando chapas de filme preto e branco em câmeras de grande formato, com exposições com a duração dos filmes exibidos – e que resultavam em imagens dos majestosos cinemas com a tela inteiramente lu-minosa. Novamente uma síntese se opera, mas neste caso, resulta em apagamento: os filmes mostrados na tela, com sua luminosidade constante, acabam por “apagar” a informação contida nas telas por excesso de incidência de luz no suporte fotográfico. Num contraponto a esta luz ofuscante, é o espaço que abriga as telas – e que na pro-jeção dos filmes não é sequer notado por sua escuridão – o que vem à luz. O tempo do filme, neste caso, vem revelar o que estava “escondido” em suas bordas. O espaço

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19

MICHAEL WESELY

Câmera Aberta

Instituto Moreira Salles, IMS, São Paulo, Avenida Paulista, 2017 The Museum of Modern Art, MOMA, New York, 2004

Stilleben

2001-2007

2 3 1

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HIROSHI SUGIMOTO

Theaters

Hollywood Cinerama, Los Angeles, 2003; Movie Theatre-UA Playhouse, New York, 1978; Metropolitan Orpheum, Los Angeles, 1993; Movie Theatre, Canton Palace, Ohio, 1980.

Photogenic Drawing

Roofline of Lacock Abbey, most likely, 1835-1839, 2009; Buckler fern, march 6, 1839 or earlier, 2008. 5 6 7 8 9 10

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21

reina estático, em detrimento das imagens do filme, que no entanto acabam congeladas e inacessíveis nessa imagem-duração. Já em Photogenic Drawing, Sugimoto resgata negativos de papel dos primórdios da fotografia feitos por William Henry fox Talbot1 e,

numa verdadeira experiência arqueológica, positiva imagens das experimentações do cientista-fotógrafo, consideradas mal-sucedidas e sequer fixadas ou positivadas pelo autor. Com isso, traz à tona os supostos “erros” e os desloca deste território, alçando estas imagens a um trabalho a ser apreendido em outro espaço discursivo que não o da precisão técnica e científica, perseguida à época da descoberta da fotografia. No territó-rio da arte, a reflexão sobre o processo e as escolhas feitas durante este percurso abar-ca outros critérios, nos levando a questionar sobre o valor destas imagens tecniabar-camente perfeitas e, portanto, dignas de exibição, e estas outras, rejeitadas para os parâmetros científicos e comerciais. Um aspecto comumente abordado no uso destes processos arcaicos da fotografia nesta pesquisa é a recusa da perfectibilidade da imagem técnica, fazendo uso da artesania como forma de se colocar permeável aos acasos e erros, po-tencializando novos desdobramentos criativos a partir de sua incidência.

O uso subversivo de equipamentos e suportes é uma característica comum aos dois fotógrafos, gerando poéticas a partir de um cuidadoso rompimento das regras recomendadas pelos fabricantes de equipamentos e insumos fotográficos, agindo “contra o programa dos aparelhos no “interior” do próprio programa” (fLUSSER, 2008. p. 34). Como ponto em comum com esta pesquisa, o uso de um suporte como ferramenta de sín-tese, de desejo de condensação temporal, desta tensão entre estático X movimento que a fotografia guarda. No caso de ambos, partindo do movimento do entorno condensado no estático fotográfico. Nesta pesquisa, num caminho inverso, do estático fotográfico para o movimento, no uso do time-lapse.

Em 1951, o MoMa adquire um gigantesco fotograma2 de corpo inteiro feito

em cianotipia por Robert Rauschenberg, incluindo o trabalho em sua exibição de fotogra-fias abstratas e lançando o estudante de Black Mountain College, na Carolina do Norte, no circuito das artes. Em abril do mesmo ano, a revista Life3 publicava uma série destes

1 Em GLOSSÁRIO, p. 106. 2 Em GLOSSÁRIO, p. 106. 3 goo.gl/4LffNU

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ROBERT RAUSCHENBERG

Female Figure

Robert Rauschenberg and Susan Weil, 1950. Exposed blueprint paper (266,7 x 91,4 cm) Bastidores do processo, revista Life, 1951. Bed, 1955

Oil and pencil on pillow, quilt, and sheet on wood supports (191,1 x 80 x 20,3 cm) Storyline from Ground Rules, 1997 Aquatint (120,7 x 84,8 cm) 11 13 12 14

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23

trabalhos performados junto a sua companheira Susan Weil, explorando a técnica com as famosas blueprints – papeis emulsionados com químicos de cianotipia utilizados para cópias de projetos de engenharia. Mais uma vez a experimentação promovia a subversão do suporte, abordado das mais diversas maneiras por este artista inquie-to, conhecido pela sobreposição de imagens e de técnicas de impressão dentro do mesmo trabalho – e pelo uso dos próprios objetos misturados a pintura, em compo-sições que denominou “assemblages”. Numa das mais conhecidas vertentes de seu trabalho, a torrente de fotografias sobrepostas numa multiplicidade de camadas cria narrativas que remetem ao cotidiano das ruas, num momento em que a pintura do expressionismo abstrato com propostas mais herméticas reinava na cena artística. É como se o espírito caótico das fotomontagens dadaístas do início do século revivesse em Rauschenberg pela via das impressões, promovendo o rompimento de paradigmas na arte vigente, carregando o banal encontrado numa simples caminhada pelo entor-no urbaentor-no para o território da arte, numa variedade de cores e uso experimental de técnicas de impressão que impressionam pelo vigor. Pensando no experimentalismo no uso de técnicas e nestas imagens construídas em camadas, é possível identificar pontos de intersecção com esta pesquisa, embora aqui este recurso se dê pela esco-lha monocromática de resultados, ao contrário da frequente explosão de cores da obra de Rauschenberg.

No Brasil, artistas como Kenji Ota e Cris Bierrenbach também incorporam técnicas arcaicas em suas obras como parte integrante de sua poética e conceito.

Na série Semente de Cacau Bravo, Kenji Ota aborda o diálogo do fotográfico com a matéria imprimindo a imagem da semente – fotografada em filme e ampliada em filme gráfico – em van dyke brown sobre papeis artesanais produzidos pelo próprio artista. O acaso proporcionado pelo uso do processo na sensibilização do papel – feita com pinceis sobre superfície rugosa e irregular – é evidenciado pelas diferentes tona-lidades na aparência da imagem, que parte da mesma matriz em suas três versões. O resultado é uma evocação da matéria, a evidência do suporte como detonador das imprevisibilidades incorporadas à poética. Esta mesma busca tem feito parte das

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pro-KENJI OTA

Semente de Cacau Bravo, 1993 Van dyke brown sobre papel

artesanal. (48 x 66 cm)

Tectônicas, 1999 Van dyke brown

e cianotipia sobre tecido. (100 x 120 cm)

15 16

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25

postas de impressão desta pesquisa, onde diferentes substratos acabam por alterar a plasticidade da mesma imagem impressa, neste caso apenas explorando a cianotipia. Em Tectônicas, o tecido e as transparências criam camadas que pela sobreposição en-tre processos e diferentes experimentações, geram imagens com aparência rochosa, a despeito da fluidez leve e delicada de tecidos onde foram impressas. Chama a atenção a abertura e a busca para que os acasos se manifestem durante o processo, conforme pode ser conferido no depoimento a seguir.

KENJI OTA | depoimento

Fale sobre este trabalho, de quando é, como surgiu?

A série se chama Tectônicas, agora todas as fotos de rochas e coisas afins tem este nome, sejam em papel ou tecido. São de 1999. Havia ganho a Bolsa

Vitae neste ano para realizar um ensaio fotográfico com processos. A

princi-pio seriam feitos em papel artesanal. Só me lembro que quando comecei a fazer os trabalhos nada dava certo... atribuí esta “falência” ao fato de que na época não parava de chover em São Paulo, e creditei o desastre à excessiva umidade do ar.

O fato é que, em determinado momento, decidi experimentar o suporte tecido na esperança de conseguir algo, e aí começou uma grande viagem de muitas experimentações e descobertas...

E sobre as camadas de tecido?

Todos os trabalhos se compõem pela sobreposição de três camadas de te-cidos-imagens. A primeira a da imagem fotográfica com filme, a segunda no modo fotograma e a terceira foi necessária apenas para fins de bloqueio de luz porque o organdi é muito fino e transparente. Infelizmente não tive a luz na época de aproveitar a transparência.

Quais técnicas fotográficas foram utilizadas?

Vandyke nas duas camadas e muitas vezes cianótipo, na última camada de

tecido. Este formato creio que tem muito a ver com as Tankas Tibetanas. Na época eu frequentava um centro tibetano, e a grande sala de meditação era decorada com muitas Tankas maravilhosas.

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Como foi o processo de cada uma das camadas?

Durante o processo de trabalho o que mais me interessou e mobilizou vários experimentos foi fazer a segunda camada, porque em quase todos os casos na primeira era simplesmente emulsionar o tecido e imprimir a foto. Dois trabalhos escaparam deste modus operandi regular, um que é um fotograma – só amassando o tecido e expondo na luz do sol, e outro que eu quis fazer aquele metalizado semelhante ao dos papéis. Aí tive que dar uma dupla emul-sionagem para fazer subir o metalizado.

Agora a segunda camada realmente foi algo muito interessante, experimentações de várias formas de emulsionagem não regulares: socava o tecido num balde de

vandyke e as vezes deixava lá por uma noite. Quando o tecido teimava na

regu-laridade tonal eu socava no fixador forte para provocar clareamentos irregulares. Quando não metalizava como eu desejava, eu intuitivamente borrifava água no tecido exposto na luz “desenhando” relevos no tecido amassado. Enfim, na segun-da camasegun-da é que o trabalho mais legal aconteceu.

O curioso é que depois de tantas experimentações realizadas, tudo tinha um aspecto mineral!!

Onde foram expostos estes trabalhos?

Alguns foram expostos primeiramente na III Bienal Internacional de

fotogra-fia, em Curitiba, em 2000, depois foram para Berlim, no ICBRA Gallery, no

mesmo ano. Foi uma coletiva com vários brasileiros: Luise Weiss, Feres Kouri, Rubens Matuck... chamou-se de Mensch Natur Technik. No mesmo ano foram para Bobigny, que é um bairro afastado de Paris, numa exposição que era uma espécie de intercâmbio entre Brasil e França. Os franceses expuseram na FAAP e nós lá. A mostra chamava-se São Paulo ICI Bobigny LA-BAS.

Mais recentemente, em 2012, Eder Chiodetto expôs três tecidos novamente, em Curitiba, na Galeria SIM.

Kenji subverte de maneira surpreendente a própria técnica a partir da forma de executar os fotogramas, originados do próprio gesto aliado a intervenções químicas da água e do fixador, sem um objeto físico a ser fotografado. Também chama a atenção a produção artesanal de seu próprio substrato no trabalho em papel, amplificando a incidência de acasos provenientes da absorção diversa do químico sobre a superfície

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irregular. Numa escala mais tímida, a escolha pela irregularidade dos papeis artesa-nais produzidos por um fornecedor especializado, o uso em comum da cianotipia e a possibilidade de camadas e fusões de imagens geradas pela sobreposição de transpa-rências em tecidos são caminhos igualmente perseguidos por esta pesquisa, que deve sua imersão nestes processos arcaicos e várias de suas reflexões à generosidade e possibilidade de acesso direto a este artista e seu trabalho.

Na superfície de um tríptico de daguerreótipos4, Cris Bierrenbach explora

o autorretrato através das características únicas de um dos processos fundadores da fotografia, projetando o reflexo de suas inquietações na superfície espelhada das imagens. O processo eleito, que tem como suporte uma chapa de metal espelhada em prata, a um só tempo acolhe a fotografia e reflete a imagem de quem o olha, podendo gerar reflexões sobre a própria natureza destas imagens-espelho que nos rodeiam ou mesmo como metáfora dos relacionamentos humanos. Em outro traba-lho, usa a cianotipia em papel arroz, em vários retalhos costurados com impressões das linhas das mãos de diferentes pessoas, criando peças que remetem a uma col-cha de identidades. É interessante pensar nessas imagens que remetem ao único de cada ser humano, ao destino de cada um (quando pensamos na leitura de mãos) atreladas a este processo de cópias também únicas, já que devido às artesanias envolvidas, uma impressão nunca sai exatamente como a outra – mais uma vez, as mãos, que neste caso executam o processo, entram em cena enfatizando essa iden-tidade singular. A exploração do caráter único das cópias e o uso da representação da identidade também tem eco na presente investigação, a partir de negativos feitos em monotipia que, positivados em cianotipia, evidenciam estas mãos como rastro--identidade de um contato direto. A diversidade de experimentações em processos tão variados como fotografia preto e branco, cianotipia, goma bicromatada, daguerre-otipia, raio-x, vídeo ou performances, é uma das marcas registradas da artista, que mistura técnicas arcaicas e contemporâneas, criando anacronismos que convivem dentro da relevância de linguagem suscitada por cada uma de suas proposições – sendo esta flexibilidade na escolha de linguagens outra característica em comum 4 Em GLOSSÁRIO, p. 106.

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CRIS BIERRENBACH

Sem Nome, 2003

Daguerreótipo (25 x 19 cm)

The Blue Lines of My Life Geral e detalhe, 1995. Cianotipia sobre papel arroz (215 x 25 cm) 17 18

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com a pesquisa em curso.

Destes diálogos, inúmeras reflexões vêm de encontro às buscas empenha-das nesta pesquisa e, embora os resultados estéticos ou escolhas técnicas destes diálogos por vezes não coincidam com o aqui proposto, algumas questões essenciais chamam a atenção: vêm sugerir sobre as possíveis formas de amadurecimento concei-tual dentro do processo criativo.

Ainda falando de anacronismos, pode-se pensar na presença de processos primitivos como a monotipia ou mesmo na utilização da cianotipia nesta pesquisa, como sinalizadores de uma espécie de diálogo amplificado com o objeto da memória, sobrepondo ao tempo passado a que remetem as imagens, o tempo arcaico da origem dos processos utilizados e seu tempo particular do fazer, numa sobreposição de cama-das que acaba por gerar vínculos profundos com as imagens. A força destes vínculos, nesta abordagem, é constituída a partir da consistência da experiência performada pelas artesanias, que pedem reflexão e cuidado durante seu fazer, impregnado de ma-terialidade e também de acasos, de respostas imprevistas das matérias trabalhadas, muitas delas incorporadas como parte importante do trabalho, gerando desdobramen-tos não planejados inicialmente.

As questões de dilatação e condensação do tempo também são constante-mente observadas durante esse deslocamento da imagem entre materialidade e virtu-alidade, bem como a transformação de seu aspecto visual sobre suportes com apelos táteis diversos e variações tonais distintas.

Ao reincorporar estas imagens-experiência impressas ao imatérico da fo-tografia digital, seja por meio do vídeo ou da refofo-tografia, observa-se esta itinerância da imagem não como negação ou perda, mas como soma de experimentações, como reflexão atenta para operações aparentemente banais performadas em nosso cotidia-no pelas “caixas-pretas” (fLUSSER, 2011) que cotidia-nos rodeiam. Gestos prosaicos como escanear ou refotografar uma imagem para divulgação podem, nesta proposta, alcan-çar outros destinos que se pretendem pensativos das ricas e infinitas possibilidades destes movimentos.

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3.2] ARTESANIAS

Arcaico significa: próximo da arké, isto é, da origem. Mas a origem não está situada apenas num passado cronológico: ela é contemporânea ao devir histó-rico e não cessa de operar neste, como o embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto. A distância – e, ao mesmo tempo, a proximidade – que define a contemporaneidade, tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto pul-sa com mais força do que no presente. (AGAMBEN, 2009. p. 69)

A origem, o caos, o começo.

A questão: de que é feita minha memória?

Num primeiro momento, caminho instintivo, um mergulho em caixas e ga-vetas empoeiradas pelo esquecimento. Escavações arqueológicas em meio a oce-anos de recordações, objetos de evocação diversos: retratos, roupas, páginas de diários, documentos. Objetos ordinários, tesouros extraordinários.

Dessa maneira iniciava-se uma busca. Do aparente caos dos acúmulos de supostas insignificâncias, revolvidos os afetos de outros tempos, surgiu esse desejo de dar forma, de entender, organizar, entrar em contato. O meio? A fotografia. Parecia simples escanear retratos, fotografar objetos, digitalizar materialidades e imprimí-las, reordenar. Mas o inesperado aconteceu. A insuficiência. Não bastava o documento do fotográfico. A origem, o olhar sobre o passado, tinha que se impregnar do presen-te. As imagens tinham que ser ingeridas, mastigadas e regurgitadas.

Da incompletude sentida no processo de captura de imagens fotográficas digitais, um longo trajeto se delineou. Estas inquietações têm sido parte integrante de um processo criativo iniciado em 2010 – ano das primeiras experiências com os processos históricos da fotografia como cianótipo, van dyke e goma bicromatada, sob orientação do mestre Kenji Ota, no bacharelado de fotografia do Senac. Através destes processos, fui apresentada a uma forma estendida e híbrida de fazer fotogra-fia, que enfatiza não apenas a captura, mas principalmente a impressão artesanal. A imagem, originalmente apreendida por equipamentos digitais, via escaneamento ou câmera, era impressa em negativo numa transparência (fotolito) e, posteriormente,

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Abraço, 2010

Cianotipias em linho. Negativo a partir de escaneamento de fotografias.

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Nuvemovente, 2012 Van dyke brown em seda

esticada em moldura. Quadros sobrepostos. Negativos a partir de fotografia digital.

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positivada em algum dos processos fotográficos citados.

Neste percurso, além da impressão, processos arcaicos de captura de imagem como calotipia e daguerreotipia também foram foco de investigação: o caló-tipo úmido em 2013, quando frequentava a Casa Ranzini e pesquisava, junto a Roger Sassaki e fernando fortes, as possibilidades deste processo que utiliza o papel como negativo; e os daguerreótipos, em curso ministrado por Cris Bierrenbach no Sesc Pompeia, explorando a captura fotográfica em chapas de metal sem o recurso da reprodutibilidade tradicionalmente associado à fotografia moderna.

Em meio a estas pesquisas, era como se operasse uma desconstrução de meu fazer fotográfico, até então concentrado em grande parte na imaterialidade do paradigma digital. Lentamente, alguns questionamentos surgiram a partir destas ex-perimentações: como o imediatismo da fotografia digital operava em meu fazer? Até onde minha insatisfação com a fotografia digital alcançava? Como estes processos arcaicos me faziam refletir sobre isso?

Eu me dobrava à lógica processual desta fotografia de tempos estendidos buscando entender como isso impactava meu trabalho, em meu olhar. Como as ima-gens passaram a me olhar depois destas experiências?

Algumas frustrações nesta trajetória foram importantes para delimitar os aspectos desta busca. Dois episódios foram especialmente marcantes.

No primeiro acontecimento, os planos eram claros: faria um calótipo1,

fo-tografia feita em câmera de grande formato, cujo suporte é artesanalmente emulsio-nado por químicos fotossensíveis, dando origem, quando exposto à luz ultravioleta capturada pela câmera, a um negativo em papel. Este negativo pode ser positivado por contato – e não por ampliação – em processos igualmente artesanais como papel salgado, albúmem, cianótipo. Mal me iniciara na técnica, queria experimentar possibilidades: usando um delicado papel japonês de 17g como suporte, fotografa-ria algumas penas, àquela altura tão presentes na temática de meu trabalho. Mas além de fotografá-las, também queria inserí-las no chassi onde se acomodaria meu negativo. Ou seja, o objeto cujo rastro seria capturado fotograficamente pela câmera 1 Em GLOSSÁRIO

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na cena, seria também poeticamente fotografado por contato, atado ao suporte que o registraria fotoquimicamente, numa espécie de fotograma.

A primeira frustração foi óbvia. Os calótipos são feitos a partir de quími-cos que respondem principalmente à radiação ultravioleta, ou seja, à luz solar. Os primeiros modelos a serem fotografados pelo processo se prostravam heroicos sob o sol para que suas fisionomias deixassem seu registro sobre o papel. Walter Benja-min fala dos retratos em calotipia de David Octavius Hill, feitos em um cemitério de Greyfriars, em Edimburgo, quando observa o quanto a técnica influencia os resulta-dos estéticos que, não raro, lhe causavam um misto de estranhamento e fascínio:

A fraca sensibilidade luminosa das primeiras chapas exigia uma longa ex-posição ao ar livre. Isso por sua vez obrigava o fotógrafo a colocar o mode-lo num lugar tão retirado quanto possível, onde nada pudesse perturbar a concentração necessária ao trabalho. […] O próprio procedimento técnico levava o modelo a viver não ao sabor do instante, mas dentro dele: durante a longa duração da pose, eles por assim dizer cresciam dentro da imagem, diferentemente do instantâneo […] (BENJAMIN, 2008, p. 96)

Em minha falta de experiência com a técnica, eu começara por evitar que meu tema fotográfico fossem pessoas. Seria muito frustrante para qualquer vítima de minha vontade constatar que depois de 15 minutos ou mais de imobilidade, a imagem poderia não sair ou não ficar a contento. Esta foi a primeira concessão feita à técnica e à minha falta de experiência. Pensei que minhas penas estariam de bom tamanho para minhas inabilidades.

Sem tochas de luz ultravioleta artificiais para iluminar meu tema, as ima-gens teriam que ser feitas em ambiente externo. Prevendo os ventos comuns daque-le final de verão, prensei as penas sob um grande vidro. Após um cuidadoso posicio-namento da câmera, evitando os reflexos advindos de meu estratagema, outro fator agravou a tomada: o mau tempo. Passadas longas horas entre o preparo da cena a ser fotografada e a sensibilização química do papel a servir de suporte, os ventos se encarregaram da transformação do cenário – e do processo fotográfico. Os cálculos fotométricos sob as condições de luz iniciais, com o céu levemente nublado, indica-vam uma exposição de cerca de 15 minutos. Durante a tomada, com os ventos se intensificando, as nuvens se fecharam, escurecendo drasticamente o dia e o melhor:

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começou a chover. Um guarda-chuva teve que ser acionado, prejudicando ainda mais a condição de luz. A exposição passou a 30 minutos, debaixo de ventos e chuva. O resultado? A fotografia de minha frustração e impotência. O dia em que o acaso me deu uma dura e cansativa lição.

No segundo episódio, que envolvia um daguerreótipo, já contava com mi-nha experiência anterior de frustração. Ciente das limitações de processos que de-mandam longa exposição e câmeras de grande formato acopladas a pesados tripés, me conscientizei de minhas impossibilidades e me concentrei em fotografar algo simples. Enquadrei uma cena externa, onde se podia ver uma rica gama de texturas: um muro de tijolos de argila aparente e uma tubulação de ferro que brotava do chão de paralelepípedos. As condições meteorológicas foram incrivelmente similares às do calótipo frustrante, mas o sofrimento, infinitamente menor. Novamente o céu se fechou em meio à exposição de 15 minutos. Novamente a exposição praticamente dobrou de tempo. Saí tranquila, desta vez, sem chuva.

O problema se deu em outra etapa. Eu fazia a foto em meio a um curso de duração determinada2. Era final de tarde. Na daguerreotipia, assim como em

vá-rios processos do início da história da fotografia, as artesanias demandam tempo e paciência. Neste caso, um tempo ainda mais longo, ao utilizar o método menos sen-sível desenvolvido por M. Edward Becquerel, mas um tanto menos tóxico do que o original descoberto por Louis Jacques Mandé Daguerre3 – que fazia uso de vapor de

mercúrio durante o processo. A chapa de cobre previamente galvanizada com prata passava por um longo preparo, que incluía polimentos ao ponto do espelhamento e sensibilização por exposição aos vapores de iodo. Posteriormente, além do longo tempo de exposição para a captura da foto, longo também era o tempo de revelação da imagem latente carregada pela chapa. Coberta por uma película vermelha

(Am-berlith) para filtragem da luz, a imagem aparecia lentamente na chapa, colocada sob

fortes holofotes de luz halógena. Como o tempo era curto naquele final de dia, as cerca de duas horas demandadas por esta etapa não foram completadas, gerando

2 Daguerreotipia com Cris Bierrenbach. Sesc Pompeia, maio de 2013. 3 Em GLOSSÁRIO, p. 106.

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Calótipo úmido em papel japonês, com fotograma de pena.

(11,5 x 16 cm)

Calótipos úmidos. negativos em papel japonês .

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uma imagem belíssima, porém, sub-revelada.

Diante da vivência anterior em calotipia, saí radiante com um lindo daguer-reótipo subrrevelado em mãos. No entanto, esta última experiência me esclareceu alguns limites da relação entre o tempo e os resultados que buscava.

A despeito de alguns incidentes de percurso, meu interesse pelos proces-sos de impressão fotográfica por contato nunca esmaeceram. Neste tipo de técnica, a captura fotográfica que irá originar a matriz a ser impressa permite a escolha da tecnologia digital. Já havia feito algumas capturas com pinhole em filme gráfico e positivado nestes processos, mas entendi que gostava do tempo instantâneo da captura digital. Me agradava a liberdade para experimentar qualquer assunto com a praticidade de uma câmera portátil e instantânea e a flexibilidade da dimensão físi-ca deste negativo gerado digitalmente – além da transformação possibilitada pelos tratamentos de imagem. Só sentia que após a captura da imagem, a foto não estava concluída. Durante o processo criativo, ficou claro que a impressão era uma etapa potente e rica a ser explorada.

Queria enxergar a itinerância desta imagem por materialidades e virtua-lidades, perceber a resiliência de sua essência, a integridade, a despeito de todas as camadas acumuladas neste trajeto. A oportunidade de refletir sobre as imagens capturadas fazendo uso das mãos e de um tempo de produção mais próximo da es-cala humana têm sido características importantes nestes processos de impressão fotográfica com os quais tenho comumente trabalhado.

Cada processo possui características de cor, nitidez e textura próprios, transformando o aspecto previsível associado à verossimilhança da fotografia digital – conseguindo subverter, pelo caminho trilhado na materialização destas imagens, o aspecto programável da fotografia que Vilém flusser tão bem definiu: “Todas as ima-gens que o fotógrafo produz são, em tese, futuráveis para quem calculou o programa do aparelho. São imagens prováveis” (fLUSSER, 2008, p. 34).

Transcendendo o entendimento do programa para além do que garante o funcionamento dos dispositivos fotográficos, pode-se pensar na impressão com

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Daguerreótipo, método Becquerel. (10 x 15 cm)

Daguerreótipo sub-exposto, método Becquerel. (10 x 15 cm)

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o uso de processos artesanais, explorando um espaço maior para a incidência de acasos, como uma das inúmeras formas de “utilizar os aparelhos contra seus progra-mas.” De “lutar contra a sua automaticidade” (idem).

Surge um desejo de aprofundar essas investigações, intercalando o uso de técnicas diversas para a criação de imagens: fotografia digital, vídeo, monotipia, cianotipia.

Conectando todas estas técnicas, a possibilidade de trabalhar imagens de maneira a explorar a transformação de seu aspecto verossimilhante, mas sempre atrelado ao conceito defendido por Roland Barthes em “A Câmera Clara”, onde ele considera que “o referente adere” (BARTHES, 2006, p. 14) na imagem fotográfica, chamando “referente fotográfico não à coisa facultativamente real para que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objectiva sem a qual não haveria fotografia” (BARTHES, 2006, p. 87) – ou seja, não negando o potencial narrativo ficcional inerente ao fotográfico, mas reiterando a ligação da imagem com o objeto ou sujeito fotografado.

Nesta pesquisa, esta “aderência” por vezes é expandida quase à literali-dade, quando um processo fotográfico que permite que se prescinda do uso de câ-meras é utilizado na produção dos fotogramas.

É interessante pensar nesta fotografia sem câmera, cujo rastro se traduz visualmente numa quase ausência, já que apenas os contornos deste corpo-objeto são fotografados, gerando, muitas vezes, uma imagem “vazia” das texturas deste referente, como um espaço vago, aberto, uma lacuna.

Talvez esta pesquisa se situe entre a busca dessa aderência fotográfica em sua forma mais extrema – por meio dos fotogramas – e a procura pelo rastro desta textura do referente, quando do uso da monotipia para produção de negativos a serem positivados em cianotipia. Em ambos os casos, a presença destes corpos--referentes é solicitada de maneira intensa, através do contato direto destes na su-perfície a ser impressa.

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pro-41

fotografia digital original; cianótipo em papel japonês; cianótipo tonalizado com chá preto em papel para aquarela; cianótipo em cambraia de algodão.

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dução de rastros, de vestígios, de pegadas. Como se a contingência “do que foi”, apontada por Barthes à época da fotografia em sua forma de apreensão físico-quími-ca, lhe conferisse um elo de ligação mais intenso com o referente por conta de sua inextrincável materialidade.

Dir-se-ia que a fotografia traz sempre consigo o seu referente, ambos atingi-dos pela mesma imobilidade amorosa ou fúnebre, no próprio seio do mundo em movimento: eles estão colados um ao outro, membro a membro, como o condenado acorrentado a um cadáver em certos suplícios; ou ainda semelhan-tes a esses casais de peixes [...] que navegam juntos, como que unidos por um coito eterno. (BARTHES, 2006, p. 13)

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3.3] CIANOTIPIA

A possibilidade de uma fotografia forjada sob o sol, que reflita os diferentes azuis do céu, que prescinda do uso de câmeras. Da simplicidade, a síntese, a comple-xidade de uma poética que se coloca em diálogo com a natureza, com o empírico das artesanias e seus gestos. Uma imagem que se forma pelo contato direto do objeto a ser fotografado sobre a superfície saturada de sais fotossensíveis de ferro. O que pode parecer, num primeiro momento, de um primitivismo limitante aos olhos contemporâne-os, pode se revelar, num olhar mais atento, em riqueza, em potência poética agregada a um fazer profundamente ligado à origem, ao nascer da fotografia.

O cianótipo foi o primeiro e mais simples dos processos fotográficos de im-pressão por contato que não envolviam sais de prata. foi descoberto em 1842, pelo matemático, astrônomo, químico e inventor inglês Sir John Herschel (1792-1871), con-tribuidor ativo da cena fotográfica do século XIV. Dentre suas pesquisas, destaca-se a descoberta das propriedades do hipossulfito de sódio, usado como fixador fotográfico, num processo que estabilizava as imagens feitas com sais de prata, impedindo que o químico continuasse a oxidar depois de exposto ao sol, levando a imagem a desaparecer. Uma descoberta crucial para o desenvolvimento da fotografia como a conhecemos nos dias de hoje.

A cianotipia deriva das pesquisas de Herschel com sais de ferro – o citrato férrico amoniacal e o ferricianeto de potássio –, que quando combinados, se tornam sensí-veis à radiação solar. É uma técnica fotográfica de impressão por contato: um negativo ou um objeto (quando se trata de um fotograma) é colocado sobre o suporte (papel, tecido, madeira) emulsionado com químico fotossensível e exposto à radiação ultravioleta (ou luz solar), que provoca uma reação, fixando o químico à superfície. Quando lavado em água, o químico não precipitado no suporte se dissolve e uma imagem com a característica cor azul se revela.

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indus-trializado em folhas de papel sensibilizado, utilizado em cópias de desenhos técnicos e plantas de projetos para engenheiros e construtores – as famosas blueprints.

Uma das pioneiras a utilizar a técnica foi Anna Atkins (1799-1871), botânica amadora com interesses em ilustração científica e taxonomia. fruto de suas investiga-ções, em 1850, num desejo em criar uma versão ilustrada da pioneira publicação de William Harvey, Manual of British Algae1 (1841), ela lança o que é considerado um dos

primeiros livros confeccionados com processos fotográficos: British Algae - Cyanotype

Impressions2, que consistia em diversos fotogramas de algas impressos em cianotipia,

com 13 versões produzidas e parte de uma antologia com três volumes, completada em 1853.

Nos fotogramas, ao capturar os contornos e transparências dos objetos posicionados sobre o suporte fotossensível, uma fotografia sem o uso da câmera se opera, trazendo consigo toda a carga de imprevisibilidade, acasos e encantamentos inerentes a um processo que passa ao largo da industrialização e das imagens às quais estamos familiarizados na contemporaneidade.

Dentro do fazer criativo, a vulnerabilidade do processo a fatores externos e mesmo o manuseio artesanal conduzido ao largo da previsibilidade técnica à qual nos acostumamos, pode entregar resultados que ultrapassam o planejado. O processo força a reflexão sobre as próprias expectativas na produção de imagens, gerando a possibilidade de expansão do trabalho a partir do diálogo com a matéria do suporte escolhido e com algumas características marcantes da técnica, como a diversidade dos azuis em função da incidência variável de radiação solar – dias ensolarados, nubla-dos, diferentes horários ao longo do dia –, os diferentes graus de contraste da imagem decorrentes de tempos de exposição diversos, o comportamento particular de cada objeto exposto em relação à radiação solar.

Além da surpresas obtidas pelos fotogramas, com os contornos dos objetos se delineando de maneiras surpreendentes, a exploração de inúmeras alternativas de composição a partir de um suporte fotossensível traz novas abordagens na relação 1 https://archive.org/details/manualofbritishm00harv

2 The New York Public Library - digital collections (https://digitalcollections.nypl.org/search/index?utf8 =✓&keywords=anna+atkins)

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ANNA ATKINS

British Algae: Cyanotype Impressions

1843-1853

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BLuEPRINTS

Cópias em cianotipia de projetos de Joaquim Cavalheiro

Projeto para construção de casas na Travessa Joli, Brás, 1913. Projeto para construção de casa na Rua Conselheiro Carrão, 126, Bela Vista, 1913.

fonte:

Série Obras Particulares. AHMWL-SP

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com a imagem, privilegiando a experimentação e a liberdade proporcionadas pelo ma-nuseio direto dos químicos e objetos a serem impressos, permitindo, além da visão, o contato tátil com o suporte, o gesto durante a aplicação da emulsão, vindo a enriquecer a relação sensível com a materialidade da imagem.

Outro ponto importante a ser considerado é o tempo estendido na produção das imagens, indo na contramão da instantaneidade digital e permitindo que contempla-ção e reflexão se somem aos resultados, potencializando a geracontempla-ção de novos desdobra-mentos a partir dos resultados obtidos no decorrer do percurso, com escolhas que po-dem, a depender da permeabilidade aos acasos do trajeto, transcender a ideia original.

Seu uso nos dias de hoje, vem de encontro à possibilidade de uma ferramen-ta que, pela simplicidade da composição pelo conferramen-tato e pela positivação de uma matriz em negativo, é passível de diálogos com outras linguagens – como a fotografia digital, a monotipia ou o desenho. Estas múltiplas alternativas na geração de negativos podem ser exploradas tanto em impressões individuais como numa mesma composição, so-brepondo camadas dentro de uma mesma imagem e permitindo, neste hibridismo, a manifestação de uma forte carga subjetiva e poética.

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3.4] INTERSECçÕES E TROCAS

A obra transcende o autor. [...] a simples imitação não gera satisfação dura-doura; a habilidade precisa amadurecer. A lentidão do tempo artesanal é fonte de satisfação; a prática se consolida, permitindo que o artesão se aposse da habilidade. A lentidão do tempo artesanal também permite o trabalho de reflexão e imaginação – o que não é facultado pela busca de resultados rápi-dos. Maduro quer dizer longo; o sujeito se apropria de maneira duradoura da habilidade. (SENNET, 2009, p. 328)

Pensando nas artesanias envolvidas em processos fotográficos de impres-são por contato como cianotipia, goma bicromatada, van dyke brown, albumina ou pa-pel salgado, entre outros, pode-se elencar alguns pontos de intersecção com a prática de processos gráficos de impressão como gravura em metal ou madeira.

São processos que, apesar de reprodutíveis a partir de uma matriz a ser replicada, possuem cópias “únicas”, já que durante o manuseio artesanal, é frequente que haja variações em suas reproduções derivadas, sem o rigor mecânico da repetição, presente em tecnologias industriais baseadas na automação de impressoras e maqui-nário de gráficas.

A presença de um tempo de produção atrelado ao fazer manual também permite maior permeabilidade na reflexão sobre as imagens, “o artífice pode fazer uma pausa no trabalho e refletir sobre o que está fazendo” (SENNETT, 2009, p. 329), facili-tando desdobramentos empíricos em impressões subsequentes, através de interven-ções na própria matriz ou mesmo em composiinterven-ções derivadas de múltiplas camadas ou matrizes, fruto desta maleabilidade proporcionada pela impressão – amplificando sua importância durante o trajeto criativo.

A possibilidade do ateliê de gravura como espaço compartilhado de trabalho em processos fotográficos artesanais de impressão também se mostra natural, talvez pela própria história da fotografia, que em alguns de seus primeiros passos, derivava de matérias e raciocínios gráficos – basta lembrarmos das heliografias1 de Niépce a

fazer uso do betume da judeia, das placas de metal de Daguerre, comumente utilizadas 1 Ver Em GLOSSÁRIO, p. 106.

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como matrizes de gravura ou até mesmo se pensarmos nos calótipos de Talbot, que os chamava de “desenhos fotogênicos”.

Litografia, serigrafia e fotogravura foram técnicas comercialmente bastante uti-lizadas, onde a associação do gráfico com o fotográfico constituiu avanços importantes na história da reprodutibilidade da imagem. Embora tenham sido gradativamente substi-tuídas por outros processos menos artesanais que atendessem à vertiginosa demanda por quantidade e perfeição no terreno da reprodutibilidade técnica, são ferramentas ricas de possibilidades artísticas no espaço do ateliê de gravura. Por afinidade de artesanias, outras técnicas livres e diretas como monotipia e desenho também são passíveis de mistura com qualquer processo de impressão fotográfica por contato – como cianotipia ou goma bicromatada – pois permitem matrizes em materiais simples e acessíveis como acetato ou papel vegetal. São processos que se mostram abertos a experimentações híbridas, pensadas a partir da lógica da matriz e sua impressão por contato, passíveis de contaminações entre si.

Pensando nestas contaminações, é interessante notar a potência do ateliê como espaço de convergência, que se consolida durante o percurso do trabalho, esta-belecendo “um movimento de coesão entre as pessoas através dos rituais do trabalho, seja um cafezinho tomado no corredor ou uma parada urbana” (SENNETT, 2009, p. 88). Assim, o espaço se converte num local de troca de experiências não só em eventuais orientações ou cursos ministrados aos usuários, mas também em trocas durante o próprio fazer coletivo. Entre impressões e preparos de materiais, é natural o intercâm-bio de informações e reflexões acerca dos processos criativos particulares de cada interlocutor.

Durante as investigações desta pesquisa, foi importante a convivência em três destes espaços: o Laboratório de Gravura do Instituto de Artes da Unicamp e o Ateliê Coletivo do Xilomóvel, em Campinas, e o Ateliê de Gravura do Sesc Pompeia, em São Paulo. A abordagem do vídeo nesta pesquisa nasceu a partir da participação em um trabalho com retratos desenvolvido por Julia Goeldi, artista que tem um sólido trabalho em gravura em metal (vide em 3.5 - Tempo e movimento). Enquanto contribuía

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posando como modelo para uma gravura em água tinta, conversas acerca dos resul-tados levaram a questionamentos que enveredaram por investigações fotográficas e filosóficas. Logicamente haviam outros pontos já sendo maturados durante a pesquisa, mas as trocas ocorridas nestes espaços foram fundamentais para o amadurecimento do trabalho.

Também foi de grande importância a abertura destes espaços para a propa-gação destes processos fotográficos, seja em oficinas ou apresentação da pesquisa, despertando o interesse por estas técnicas como ferramenta criativa. No Laboratório de Gravura da Unicamp, convidada pela Profa. Luise Weiss, pude apresentar técnicas como goma bicromatada e cianotipia aos alunos. Muitos deles nunca haviam tido con-tato com os processos. Ensinar sobre a técnica e compartilhar esta visão de possibi-lidades híbridas entre gráfico e fotográfico na universidade foi um importante passo, pois permitiu o amadurecimento das formas de transmissão da experiência, gerando novas propostas para outras instituições de ensino de artes e alargando o alcance destes processos como ferramenta, amplificando seu diálogo com outras linguagens e descortinando novos rumos em minha reflexão sobre o ensino no território das artes.

O retorno dessas trocas com outros artistas e mesmo com leigos no campo das artes foi sem dúvida enriquecedor, trouxe questionamentos e descobertas im-portantes para a pesquisa, levando a novas abordagens na forma de responder às demandas de propostas que compartilhem não apenas técnica, mas pontos de vista artísticos e modos de conduzir o processo criativo.

Destas propostas, cabe destacar o convite recebido pelo Xilomóvel Ateliê Itinerante para participação em um festival de ateliês volantes, realizado na Estação Cultura de Campinas e promovido pelo Itaú Cultural, em edital do Projeto Rumos. O fes-tival Volante, com atividades voltadas para o grande número de pessoas que transitam por este espaço público, deveria apresentar técnicas gráficas e fotográficas de maneira acessível e lúdica, permitindo aos participantes o contato com os diversos processos presentes – xilogravura, serigrafia, tipografia, cianotipia, pinhole, fotografia lambe-lambe e demonstração de gravura em metal (água tinta). Pensando neste roteiro de

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cias ao alcance dos transeuntes locais, foi a primeira vez em que propus uma oficina onde os papeis já vinham emulsionados – a exemplo das outrora famosas blueprints –, focando a proposta nas possibilidades da impressão e narrativa permitidas pela ciano-tipia. Surgiu aí um projeto que denominei Fotomobil, com proposições que abordam a fotografia experimental contaminada com outras linguagens. A atividade para o festival consistia em uma pequena caixa contendo dois papeis fotossensíveis em formato de livros-sanfona, onde os autores poderiam positivar negativos fornecidos e misturá-los a fotogramas feitos com objetos presentes no kit, utilizando as dobras do livro como recurso narrativo. foi uma surpresa extremamente positiva perceber as características empíricas do processo sendo exploradas em toda a sua potência pelas mais diversas faixas etárias, considerando que as explicações sobre a técnica eram bastante sucin-tas em relação a outros cursos ministrados anteriormente.

Cabe também destacar um conjunto de três oficinas derivadas desta expe-riência, abordando a cianotipia e o uso dos fotogramas em diferentes diálogos: com a monotipia, a poesia e o desenho em camera obscura. Nas três, os participantes rece-biam folhas de papel sensibilizado e produziriam imagens tendo como suporte final um pequeno caderno a ser costurado ao final do curso.

No Jardim Fotográfico, os alunos eram convidados a percorrer o entorno e cole-tar folhas de espécimes vegetais para fazer fotogramas que dialogassem com os negativos digitais de folhas recebidos. Uma pequena prensa também era disponibilizada, onde as folhas coletadas poderiam se transformar em monotipias decalcadas em papel vegetal, gerando novos negativos. As três modalidades de rastro destas folhas eram então unidas pela impressão em cianotipia e pela narrativa do caderno.

Já em Fotopoemas, os alunos recebiam algumas imagens em negativos di-gitais e um poema de Manuel de Barros. Eram então instigados a recortar o poema, desconstruindo frases e palavras inspirados pela receita dadaísta de se fazer um po-ema. No caderno, uma reconstrução junto às imagens fornecidas e a fotogramas era proposta, tendo novamente a cianotipia e a narrativa sequencial como unificadora e criadora de novos sentidos.

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A observação do entorno e o desenho com a camera obscura era o mote de

Observatório Fotográfico. Os participantes saíam pelas redondezas com a camera obs-cura e desenhavam sobre papel vegetal, gerando negativos que posteriormente seriam

positivados junto a fotogramas na impressão por cianotipia, ressignificando desenhos e entorno e tendo o caderno como suporte.

Em cada uma das propostas eram apresentadas referências que remetiam aos primórdios da história da fotografia, situando a técnica historicamente. As propos-tas também contavam com algumas personalidades homenageadas, que acabavam por sugerir possíveis abordagens nos trabalhos: Anna Atkins e seus cadernos com fotogramas de algas na proposta com a monotipia; William Henry fox Talbot e seus desenhos do entorno em camera obscura; os poemas dadaístas e Manoel de Barros na proposta com poesia.

foi enriquecedor ter maior consciência da abertura ao que o processo entre-gava a partir da resposta dos alunos às provocações lançadas: o que era erro e o que era incorporado ao trabalho final? Como a camera obscura enxergava, como o olho en-xergava, e como isso se traduzia em traço? Como o desafio da narrativa texto-imagem se dava na desconstrução de um poema de Manuel pelos métodos dadaístas? Quais as diferenças entre capturar uma folha em fotografia digital, em monotipia ou pela apreensão direta conseguida com os fotogramas? Como a narrativa desta produção de imagens se transformava a partir da sequencialidade das páginas do caderno?

A maior das questões voltou para mim não em forma de interrogação, mas em constatação: como compartilhar experiências em propostas de ensino pode revelar tanto acerca de si e retornar em tamanha riqueza para o próprio trabalho.

A antiga coordenação da alma, do olhar e da mão [...] é típica do artesão, e é ela que encontramos sempre, onde quer que a arte de narrar seja praticada. Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre o narrador e sua maté-ria – a vida humana – não sematé-ria ela própmaté-ria uma relação artesanal. Não sematé-ria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência – a sua e a dos outros – transformando-a num produto sólido, útil e único? (BENJAMIN, 2008, p. 221)

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Referências

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