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Palavras-chave: Práxis transformadora. Currículo. Educação ambiental.

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Academic year: 2021

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO DO CURSO TÉCNICO DE MECÂNICA DO IFES/CAMPUS VITÓRIA

Mariluza Sartori Deorce1

Resumo

O meio ambiente tem sido, nas últimas décadas, preocupação global, pois as crises ecológicas – consequências de um progresso desordenado e de um saber/existir fragmentado – têm trazido desequilíbrios e insustentabilidades social e planetária. Por isso, a educação ambiental, como temática transversal e agregadora de outros saberes e formas mais éticas de perceber o mundo, é um campo de trabalho pedagógico que pode contribuir para gerar mudanças culturais e sociais necessárias. Assim, num contexto de educação profissional técnica, em que valores, como individualismo e competitividade, são enaltecidos por serem condições de empregabilidade. Aposta-se num currículo crítico permeado pela educação ambiental como potencializador de formas mais éticas e prudentes de estar/sendo no mundo. O artigo consiste, pois, em apresentar as categorias freireanas que perpassam as redes ambientais e tornam o currículo técnico território de contestação da dominação e exploração humanas. Este estudo são fragmentos de uma pesquisa de doutorado intitulada “a Educação Ambiental como um centro de força no currículo do curso técnico em Mecânica do Ifes/campus Vitória”. A metodologia utilizada foi o estudo de caso e, para fins de coleta de dados, utilizou-se de entrevistas e grupos focais com educandos e professores do curso técnico de Mecânica. Apostando na práxis libertadora e em Freire, é possível pensar em outros mundos possíveis, mais éticos e sustentáveis. Assim, é pelo sentimento solidário e buscas por práxis transformadoras que é possível engajar-se numa educação técnica para as sustentabilidades social e planetária.

Palavras-chave: Práxis transformadora. Currículo. Educação ambiental.

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Educação – Currículo, PUC-SP. Mestra em Pedagogia Profissional - ISPEPT, Cuba. Revalidação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo. E-mail: mariluza@ifes.edu.br.

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Introdução

Vivemos em tempos de transição paradigmática, em que as certezas absolutas da ciência moderna e o progresso desordenado estão sendo questionados por outras racionalidades mais estéticas e emancipatórias (SANTOS, 2010). A educação ambiental2, como conhecimento prudente e problematizador das condições existenciais, apresenta-se, nesse contexto, como redes de diálogos interdisciplinares sobre as questões socioambientais, seus entraves e alternativas de superação dos problemas, maximizando seu potencial formativo na busca da conscientização cidadã em relação ao meio ambiente – finalidade de uma EA crítica.

No entanto, a transformação das reais condições existenciais só advém por meio da práxis, que é a síntese do movimento dialético entre teoria e prática, entre ação e reflexão, entre anúncio e denúncia (FREIRE, 2005). Por meio da denúncia das formas de dominação e opressão, incluindo aí as crises socioambientais, o processo educativo torna-se dialógico e humanizador e veículo da práxis social transformadora. Assim, a práxis transformadora nada tem que ver com alienação e domesticação. Práxis é o conjunto de atividades que tem por objetivo transformar o mundo com base em um pensamento e consciência críticos sobre a realidade. O homem que segue a práxis procura em suas ações mudar as condições da sociedade, tem consciência de que é preciso lutar contra as circunstâncias a que as classes menos favorecidas se submetem.

A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens que se empenham na luta pela sua libertação, tem as suas raízes aí [inserção crítica na realidade mediante a práxis transformadora]. E tem que ter nos próprios oprimidos, que se saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos (FREIRE, 2005, p. 45).

Como professora da escola pesquisada, observo, nas práticas em EA desenvolvidas por docentes e discentes, experiências curriculares dialógicas que subvertem as lógicas de dominação e opressão. Embora não prescritas no currículo oficial, essas práticas merecem ser visibilizadas e legitimadas por serem portadores de posturas éticas e humanizadoras. Inspirado nos ideais e categorias freireanas de transformação do mundo e em articulação com a EA e currículo críticos, o objetivo deste artigo é apresentar a pesquisa que desenvolvo, em nível de doutorado, no curso técnico em Mecânica do Instituto Federal do Espírito Santo

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(Ifes), visando à reorientação da proposta curricular desse curso, de modo que a EA assuma o centro de força do currículo.

A opção metodológica para o desenvolvimento da pesquisa foi o estudo de caso com privilégio da abordagem qualitativa de análise. Para propósito da coleta de dados, houve realização de entrevistas com os professores e de grupos focais com os educandos. Os resultados preliminares3, obtidos por meio da análise das entrevistas de professores e educandos4, têm revelado que grande parte dos professores pesquisados reconhece a importância da EA, propondo-se a aprofundar os seus conhecimentos sobre as questões ambientais e trabalhar com os educandos na perspectiva de organização de um currículo crítico que tenha como centro organizador, a educação ambiental.

Em relação ao referencial teórico adotado, tomamos a perspectiva crítica da EA na teorização de Guimarães (2004), Carvalho (2006), Loureiro (2006) e Grün (2007). Quanto à breve incursão no currículo crítico, baseamos nossa análise em Henry Giroux (1997) e Michel Apple (1982), sempre em diálogo com os ideais emancipatórios de Paulo Freire. Por fim, são apresentadas as categorias freireanas que sustentam práticas curriculares ambientais enriquecedoras de um cotidiano escolar mais solidário e dinâmico em suas expressões de vida.

Educação ambiental e currículo crítico

A teoria crítica do currículo, ao trazer em seu cerne reflexões sobre as ideologias, as reproduções culturais e sociais, as relações de poder, as relações sociais de produção, a emancipação, a libertação, as práticas de resistência, entre outras, aposta na perspectiva contestadora e argumentativa. Ao invés de se preocuparem com a técnica (como fazer) e com a pretensiosa neutralidade do currículo – aspectos da teorização tradicional do currículo –, as teorias críticas (SILVA, 1999) responsabilizam o status quo pelas desigualdades e injustiças sociais. Na perspectiva crítica, o currículo não é o elenco desinteressado de conteúdos, mas

3As próximas etapas da pesquisa da tese envolvem a reorientação do currículo do curso em diálogo com os

professores, considerando as forças que compõem a organização curricular, tendo por centro a educação ambiental. São elas: política do Instituto Federal do Espírito, projeto político-pedagógico do curso, objetivos, organização dos planos dos componentes curriculares, avaliação e formação de professores.

4 Participaram da pesquisa 23 professores que ministram aulas no curso técnico em Mecânica e 25 educandos do último período do curso.

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território de contestação e poder, perpassado por ideologias e interesses. Assim, o currículo tanto pode servir à manutenção do status quo quanto pode ser território de contestação dos discursos dominantes e alienantes.

Segundo Silva (1999), as teorias tradicionais pretendem ser apenas teorias neutras, científicas, desinteressadas, concentrando-se em questões técnicas e de organização, enquanto

as teorias críticas e as teorias pós-críticas argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está inevitavelmente implicada em relações de poder [...] Não se limitam a perguntar ‘o quê?’, mas ‘por quê’. Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro? (p. 16).

Em consonância com a pedagogia do oprimido (FREIRE, 2005), as teorias críticas de currículo denunciam o caráter bancário e desinteressado do currículo tradicional. Assim, estudiosos como Paulo Freire, Michel Apple e Henry Giroux, entre outros, marcam esse período de contestação porque as teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais, que não estavam absolutamente preocupadas em fazer nenhum tipo de questionamento radical relativamente aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento ou, de modo geral, à forma social dominante.

Entre os autores mencionados que contribuíram para desenvolver uma teorização crítica sobre currículo, destaca-se Henry Giroux, que muito colaborou para traçar os contornos dessa teorização. O autor defende a ideia de que um currículo crítico deve preservar o compromisso com a justiça social, a democracia, a libertação e os direitos humanos. Para Giroux (1997), a pedagogia radical se tornará um projeto político viável se desenvolver um discurso que combine a linguagem da análise crítica com a linguagem da possibilidade, oferecendo análises que revelem as oportunidades para as lutas e reformas democráticas no funcionamento do cotidiano das escolas. Deve ainda oferecer as bases teóricas para que os educadores, professores e demais indivíduos encarem e experimentem o trabalho docente de maneira crítica e transformadora.

Por meio de um currículo como política cultural, defendido por Giroux, é possível canalizar o potencial de resistência dos educandos e educadores para desenvolver uma pedagogia e um currículo com conteúdos político e crítico das situações opressoras. Nesse contexto, dá-se voz aos educandos e se aposta no poder de intervenção dos sujeitos escolares.

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Já Michel Apple, em seu livro Ideologia e currículo (1982), e em concordância com o paradigma marxista adotado, ressalta as relações sociais de classe, embora admita, talvez secundariamente, a importância das relações de gênero e raça no processo de reprodução cultural e social exercido pelo currículo. Dessa forma, currículo e poder são uma junção básica que estrutura a crítica do currículo desenvolvido pelo autor. Ademais, Apple (1982) descreve o currículo como um mecanismo de controle social (políticas educacionais e culturais) e revela que não é neutro nem aleatório e que, para decifrarmos o porquê de determinado conhecimento fazer parte do plano da escola e representar os interesses de determinado grupo, é necessário compreendermos quais são seus interesses sociais, tendo em vista que estes frequentemente guiaram a seleção e organização do currículo. Esses interesses “incorporavam compromissos para com determinadas estruturas econômicas e políticas educacionais, as quais, quando postas em prática, contribuíam para a desigualdade” (p. 103). O autor afirma, ainda, que o controle social e econômico “ocorre nas escolas sob a forma de disciplina, comportamentos que ensinam (regras, rotinas, currículo oculto - obediência e manutenção da ordem) e por meio das formas de significado que a escola distribui” (p. 103). Assim, as escolas controlam as pessoas e o significado.

Segundo Apple (1982), o poder e a cultura estão dialeticamente entrelaçados, e

os conhecimentos formal e informal ensinados nas escolas, os procedimentos de avaliação, etc., precisam ser analisados em conexão com outros aspectos, ou não perceberemos boa parte de sua real significação. Essas práticas cotidianas da escola estão ligadas a estruturas econômicas, sociais e ideologias que se encontram fora dos prédios escolares (p. 105).

É preciso considerar, assim, todo um contexto externo à escola que interfere em suas atividades, decisões, e, consequentemente, no currículo.

Após essa breve incursão sobre currículo na perspectiva crítica desses autores, ficam os questionamentos: De que forma podemos pensar nos diálogos entre currículos e EA? Como os estudos freireanos entrelaçam o campo da EA?

Com base nesses questionamentos, podemos pensar em alguns pressupostos para o entendimento de como a dimensão crítica do currículo estabelece uma relação intrínseca com a EA. Um dos pontos de destaque é que o ser humano é inacabado, inconcluso e está sempre se fazendo na relação com o mundo e com os outros. A consciência de inacabamento possibilita-lhe a educabilidade, permitindo ir além de si mesmo; como ser relacional, comunica-se pelo diálogo – exigência fundamental da existência humana (FREIRE, 2005).

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O mundo, como o ser humano, também é inacabado, e, por consequência, toda ação humana pode humanizar ou desumanizar o mundo. É no mundo que se realiza a história, se estabelecem as relações e os seres humanos agem e fazem cultura (FREIRE, 1980, 2005). Esse “mundo” é mediador do processo educativo e, como realidade objetiva, ele é cognoscível. O diálogo entre educadores e educandos é fundamental para construirmos novos conhecimentos e para compreendermos de que somos seres sociais e habitantes do mesmo planeta (FREIRE, 1996, 2005).

Dessa forma, a EA é uma dimensão educativa crítica que possibilita a formação de um sujeito-aluno cidadão, comprometido com a sustentabilidade ambiental, por meio de uma apreensão e compreensão do mundo como realidade complexa (GRÜN, 2007; LOUREIRO, 2006).

Isso possibilita aportar à EA um novo jeito de dialogar sobre as questões socioambientais, seus entraves e alternativas de superação dos problemas, maximizando seu potencial formativo na busca da conscientização cidadã em relação ao meio ambiente – finalidade de uma EA crítica.

Cabe destacar que, entre os princípios metodológicos da Pedagogia de Freire que corroboram a discussão das questões socioambientais, são centrais os temas geradores em torno de questões concretas dos sujeitos envolvidos, local e globalmente, problematizando o atual padrão de vida civilizatório, a ideologia dominante, as situações-limite e construindo premissas para uma sociedade sustentável e solidária – no horizonte do inédito-viável.

Essa perspectiva educacional demanda um enfoque interdisciplinar e multirreferencial superador da visão fragmentada da realidade, possibilitando aos educandos compreender os problemas em vista de ações coerentes e responsáveis com o mundo. Como o próprio Freire enfoca, os educandos são potencialmente sujeitos transformadores do contexto e da realidade onde vivem desde que tenham condições para aprender a se tornarem cidadãos socialmente críticos e engajados.

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Dialogando com Freire sobre educação ambiental

No cotidiano da escola técnica pesquisada, a EA configura-se nas atividades de gestão ambiental de resíduos sólidos e efluentes. No entanto, não podemos desqualificar os saberes e práticas associados a esse gerenciamento visto que a destinação desses resíduos é um desafio que se apresenta no cotidiano dos professores e alunos pesquisados. Portanto, é a esse desafio ambiental que devemos responder de forma crítica e problematizadora.

Sem pretender engessar os movimentos constituintes do cotidiano escolar, mas na tentativa de comunicar as energias emancipatórias e utópicas que circulam nas redes5 de saberes e fazeres em EA organizei didaticamente as categorias freireanas em cinco dimensões, assumindo as relações de complexidade e abrangência inerentes à EA. O diálogo com obras freireanas permitiu-me apresentar os discursos dos professores e educandos em articulação com alguns conceitos e pensamentos de Paulo Freire, a saber: Conscientização, Prática dialógica, Práxis transformadora, Ética e Utopia6.

As categorias aqui apresentadas não pretendem e não encerram a totalidade e a complexidade dos ideais freireanos, mas carregam em si a estética potencializadora de uma pedagogia da autonomia e de uma educação ambiental emancipatória, como veremos abaixo.

Conscientização

Freire entende o homem como um ser de/em relações que está no mundo e com o mundo. As redes de relações tecidas entre os homens e o mundo é o ponto de partida para o entendimento do vocábulo consciência e seus derivados. É por meio da ação dialética das relações homem/mundo que ocorre a tomada de consciência do mundo pelo homem. É nas ações, nas respostas dadas aos desafios da vida, na práxis que o homem toma consciência de si, dos outros e do mundo.

5 Assumimos esta forma de escrita com Alves (2002), Garcia (2002), Ferraço (2001) e outros pesquisadores do cotidiano que, ao enfatizar as redes de conhecimento ou de saberes e fazeres que se aproximam da ideia de “tecer tudo junto”, sinalizando que os processos de aprendizagens são enredados, heterogêneos, múltiplos. É uma tentativa também de expressar novos modos de pensar e fazer diferentes da fragmentação herdada da racionalidade modernidade.

6 As categorias foram selecionadas a partir das entrevistas com os professores e educandos do curso de Mecânica, isto é, dos discursos e práticas por eles potencializados. Os conceitos de libertação, autonomia, criticidade, emancipação e democratização, centrais nas obras freireanas, perpassam as categorias elencadas, sendo apresentadas ao longo de todo o capítulo.

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A conscientização vai além da tomada de consciência visto que a “tomada de consciência não é ainda a conscientização porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada da consciência” (FREIRE, 1980, p. 26).

Outra questão pertinente à consciência é a sua intencionalidade, pois toda consciência é sempre consciência de alguma coisa, que pode ser o mundo como também ela mesma. A consciência, voltando-se sobre si mesma, permite que o homem reflita criticamente sobre seus atos e supere suas contradições. Assim, pela dialética consciência/mundo, a realidade condiciona o homem, mas não o determina, já que, pela reflexão crítica, o homem atua sobre a realidade para modificá-la, terminando por modificar a si mesmo.

Ao objetivar o mundo, o ser humano historiciza-o, desmitifica-o e, por assim fazer, vai superando a consciência ingênua de leitura da realidade e avançando na consciência crítica de compreensão do mundo, em que a natureza, a ciência e a tecnologia não são dimensões autônomas e neutras, mas interconectadas. No cotidiano da escola pesquisada, os problemas ambientais são “temas geradores” que levam educadores e educandos a problematizar a realidade para compreendê-la. E, por assim fazer, os educadores percebem as relações entre natureza, cultura e sociedade.

Considero importante o tema educação ambiental, principalmente numa escola de ensino profissional onde nós temos vários cursos tanto voltados para o meio industrial quanto voltados para as atividades que estão diretamente relacionadas com ambiente, tanto o ambiente de trabalho quanto o ambiente social que a gente tem. Então não dá para dissociar essas coisas (Prof. Hidráulica)7.

A conscientização, por via das práticas em EA, visa à superação da consciência ingênua do educando conduzindo-o à leitura crítica e problematizadora do mundo. Como exemplificação, cito dois comentários de alunos do curso acerca das consequências de uma formação profissional alijada de temáticas ambientais:

Imagine um técnico em manutenção, se ele não tiver essa conscientização que o óleo ou a graxa que ele vai trocar vai prejudicar o ambiente de trabalho dele, ele vai fazer o trabalho relapso. Não é nem por maldade, mas porque ele não tem conhecimento. Se você for hoje fazer uma dinâmica de grupo na Vale, na CST ou em qualquer lugar, eles perguntam sobre a questão ambiental e se você não tiver noção você trava porque você não consegue dialogar a respeito da exploração de uma jazida e sobre reflorestamento.

A responsabilidade ambiental dos educandos em relação ao exercício profissional é também preocupação dos docentes do curso. Ao conscientizarem os alunos acerca da gestão 7 Os professores entrevistados serão identificados pelos nomes dos componentes curriculares que compõem a matriz curricular do curso técnico em Mecânica.

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ambiental, os professores sabem que a EA extrapola o ambiente escolar e perpassa todas as atividades profissionais.

A própria Escola, o próprio professor tem que começar a perceber que essa questão do meio ambiente está muito próxima da nossa responsabilidade (Prof. Máquinas Térmicas).

Então é preciso que o aluno leve essa consciência para a indústria para que ele possa contribuir também para essa preservação. Para essa adequação da tecnologia, do conhecimento em relação à atividade profissional dele, qualquer que seja ela (Prof. Eletricidade).

A abordagem de uma EA crítica num contexto de formação profissional técnica fomenta a criticidade e a autonomia dos educandos que se assumem como sujeitos no mundo num processo de mediação homem/mundo. Com Freire (1980, 2005), podemos entender que a consciência ambiental não se reduz ao acúmulo de informações ecologicamente corretas porque carrega em si não apenas a razão, mas também sensibilidades éticas e estéticas de ser/estar no mundo. A conscientização crítica exige, sobretudo, o questionamento da nossa relação com a natureza. Essa reflexão implica uma postura epistemológica questionadora de uma visão utilitarista e mecanizada da natureza.

E aí quando a gente faz uma análise sobre a Revolução Industrial, falamos que havia essa total despreocupação histórica [preocupação com o meio ambiente]. Você tinha recursos abundantes. Então quando você tem essa evolução e essa sofisticação do mundo do trabalho, passa a ter essa preocupação maior. Aqui no plano [de ensino] está Evolução dos Sistemas de Trabalho; não está escrito educação ambiental porque eu entendo que na minha prática esse é um tema abordado de forma universal, como se fosse o tema Ética. Você não vai ver o tema Ética abordado ali, você tem que falar isso (Prof. Administração).

O discurso do professor é relevante porque relaciona crescimento econômico e problemática socioambiental e reconhece a transversalidade dos saberes ambientais. No âmbito da EA, não podemos dissociar o técnico do político-social sob pena de reduzirmos a práxis educativa à lógica mercantil-privatista.

Com esses exemplos, não pretendo diminuir a complexidade ambiental pela afirmação de que basta que cada um faça a sua parte, como se a soma dos comportamentos individuais resultasse necessariamente na transformação social. O sentido mais radical de uma EA transformadora vai além de sensibilizar a população para o problema. É preciso que nos conscientizemos de que os problemas socioambientais são complexos e planetários e, por isso mesmo, exigem um engajamento político coletivo, seja em nível local, seja global.

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O diálogo é uma das categorias centrais na obra freireana. É meio de superação da educação depositária de verdades absolutas – a educação bancária – e condição sine qua non para o exercício de uma pedagogia do oprimido que se afirma problematizadora dos discursos alienados e alienantes do bancarismo. A educação bancária tende a manter a consciência ingênua dos educandos, ao pretender a submissão e adaptação dos sujeitos, reprimindo a curiosidade e o gosto pela rebeldia. Já o diálogo entre educadores e educandos potencializa a consciência reflexiva e politizada acerca das condições da realidade, constituindo-se em força propulsora para o pensar crítico-problematizador da condição humana no mundo. Freire (2005, p. 91) ressalta o diálogo como “[...] o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo [...]”.

A crise socioambiental não pode ser concebida como uma realidade dada, naturalmente constituída, pela qual nada se pode fazer, mas como situação-limite em que a natureza integra uma rede de relações tanto biológicas quanto sociais e culturais. A complexidade dessa crise exige o diálogo e a conexão entre os diferentes saberes e sujeitos para problematizar a racionalidade moderna e as consequências de um progresso desordenado. Por isso, não é possível a discussão da temática ambiental em sua complexidade por via da educação bancária.

A superação do bancarismo em EA está no diálogo entre educador e educando que problematiza as “verdades absolutas” e o paradigma dominante da ciência moderna. Para isso, o professor tem de assumir uma postura de abertura ao novo e ao imprevisto.

Nosso grande problema é quebrar os paradigmas. Muitas pessoas se amarram no tempo e querem ficar do jeito que estão eternamente. Eu não sou assim! Eu sou uma pessoa que gosta de evoluir, gosto de mudanças e não gosto de ficar fazendo muito tempo a mesma coisa (Prof. Solda).

Todos os professores entrevistados se dispuseram a continuar aprendendo sobre EA porque consideraram a formação acadêmica insuficiente quanto a essa temática. Como eles percebem a necessidade da gestão ambiental nos espaços de aulas e no ambiente de trabalho do educando, incluem em suas aulas a questão ambiental, a segurança e a saúde do trabalhador. Embora o foco seja na segurança do trabalhador, por meio do ensinamento de normas regulamentadoras, os docentes conseguem perceber a interlocução dessas dimensões na EA.

Eu acho que a educação ambiental está norteando hoje toda a área da tecnologia. Então, na realidade, não só pela questão da tecnologia, mas também pela questão do planeta, da terra que a gente está vivendo, das condições de saúde do trabalhador, do meio ambiente (Prof. Manutenção).

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Você não pode mais dissociar, separar meio ambiente, qualidade e segurança da sua produção. É uma coisa integrada. Não existe a possibilidade de dar certo se não for associado. Tem que ser integrado. Faz parte do processo (Prof. Segurança, Meio Ambiente e Saúde).

A percepção da conexão entre diferentes saberes amplia as redes de saberes e fazeres em EA e alimenta o movimento de diálogo entre os sujeitos e entre as disciplinas curriculares. O sentimento dos docentes do curso é que realmente haja o movimento interdisciplinar entre os conhecimentos da área de mecânica e até entre cursos.

Eu acho que dentro das ementas do curso se de repente colocassem um tema que perpassasse por todas as disciplinas seria uma forma interessante de se falar. Pra não ficar aquela coisa maçante de uma única disciplina tratando desse tema. Todos os Laboratórios aqui do IFES, todos, até mesmo a parte de usinagem, solda, têm uma coisa que pode ser levada em consideração e pode ser tratado dentro das disciplinas (Prof. Caldeiraria).

Embora sejamos um grupo de cursos, não há uma integração dos cursos, uma integração interdisciplinar. [...] Eu acho que deveria haver uma interdisciplinaridade mais efetiva para que esses ambientes estivessem mais presentes nessa formação técnica e social do aluno (Prof. Máquinas Térmicas).

Eu acho que nós temos que trabalhar de forma integrada. Principalmente trazer as questões relativas ao meio ambiente social e do próprio ambiente produtivo. Então eu acho que através de determinadas ações, principalmente seminários, palestras, integração do ambiente Escola/empresa, Escola/sociedade, focalizando diretamente essa parte do meio ambiente (Prof. Hidráulica).

Esse assunto não pode ser tratado simplesmente por uma disciplina, ele tem que ser pulverizado por todas outras disciplinas e todos colaborariam de uma forma integrada (Prof. Segurança, Meio Ambiente e Saúde).

Como os discursos e práticas dos professores e educandos sinalizaram, a construção de práticas inovadoras não ocorre pela reprodução bancária de conteúdo, mas pela criação, aventura pelo novo e, sobretudo, no caso da interdisciplinaridade, por novas relações na organização do trabalho pedagógico. As relações de diálogo e de reciprocidade no cotidiano escolar permitem a emergência de “categorias de inteligibilidade globais, conceitos quentes que derretam as fronteiras em que a ciência moderna dividiu e encerrou a realidade” (SANTOS, 2010, p. 72).

Práxis transformadora

Em Freire, podemos afirmar que a práxis é a síntese do movimento dialético entre teoria e prática, já que dizer a palavra verdadeira transforma o mundo. A palavra mantém o contínuo diálogo entre prática e teoria, entre ação e reflexão, entre anúncio e denúncia. Portanto, não há palavra verdadeira que não seja práxis, em especial no âmbito da educação dialógica. O ser humano, concebido como um ser de intervenção no mundo, ao exercer a possibilidade de dizer a palavra, “deixa suas marcas de sujeito e não pegadas de puro objeto” (FREIRE, 2000,

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p. 119). Nesse contexto, há de se romper com uma pedagogia centrada no individualismo, na competitividade e no lucro para promover a comunhão com os outros, já que os homens se educam em sociedade.

Para fins de elucidação da práxis transformadora, tomemos exemplos que ressaltam as energias pedagógicas emancipatórias que emergem das práticas docentes quando se atenta para o cotidiano mais próximo ou entorno e para a contextualização. Essas duas dimensões – cotidiano e contextualização - são importantes no fazer pedagógico porque conectam os saberes técnicos aos saberes da experiência do educando.

Valorizar o cotidiano dos sujeitos como espaço de criação e contextualização das práticas pedagógicas é uma forma de articular o conhecimento sistematizado ante o mundo, tornando o conhecimento mais compreensivo e íntimo. A sensibilidade para olhar o cotidiano desafia os educandos a buscar respostas e, consequentemente, quanto mais incitados, mais serão levados a um estado de consciência crítica e transformadora ante a realidade.

Por meio de olhares críticos sobre a materialidade do espaço físico do Ifes e sobre as contradições inerentes ao processo ambiental do entorno, os professores exemplificam situações didáticas em que a EA é contextualizada. “Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem” (FREIRE, 1996, p. 34).

[...] a Mecânica trabalha com muitos processos de reciclagem e dentro dessa direção o aluno tem que ter a consciência que uma latinha, por exemplo, pode ser reciclada. Ela não é jogada fora. Às vezes você usou um material aqui, como a gente usa nas soldagens. Tudo que eu uso na ferramentaria ou na caldeiraria às vezes eles pegam e falam que vão descartar. Eu falo: “Não descarta não, dá aqui pra mim que eu ainda posso reutilizar isso aqui”. Aí daqui vai para um latão de lixo e esse latão de lixo vai para a reciclagem. Eu faço um lixo separado. Eu tenho um lixo orgânico numa vasilha e a parte de metais em outra vasilha. Inclusive eu separo alumínio de aço. Só tem um detalhe, como a Escola não tem a política dessa reciclagem... Quem é que faz essa reciclagem? É o menino que mexe na manutenção aqui, ele pega e vende. Ele não é um funcionário da Escola, ele é um terceirizado. Onde que eu vou jogar o lixo? A Escola não tem a política de onde eu vou jogar isso e eu já procurei saber. Eu poderia eu mesmo vender e pegar esse dinheiro e colocar na verba da Mecânica, mas eu acho que a Escola deveria ter essa política. Deveria ter um latão ali que todo lixo de metal da Escola fosse jogando nesse latão e pegar todo esse lixo depois e vender. Aí sim você pode direcionar o dinheiro para uma questão social ou outra coisa (Prof. Solda).

Através desses estudos de casos recentes são formuladas questões e eles se interessam. Por quê? Normalmente nesses grandes acidentes, principalmente acidentes químicos, então eles tem a oportunidade de conhecer a realidade, viver essa realidade palpável. Está ali do lado dele. Pode ter uma empresa perto de onde ele mora, pode ter uma empresa no caminho do colégio... (Prof. Segurança do Trabalho).

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As práticas de uma EA transformadora visa a processos de formação de consciência ecológica, como se pode notar no fragmento abaixo:

[...] a torneira do tanque estava pingando e o aluno me pediu a chave. Foi lá e concertou a torneira sem que ninguém pedisse. Ele falou: “Professor, está havendo um desgaste, um desperdício de água.” E ele foi e concertou. Tem a questão também do descarte de óleo. Alguns alunos estão querendo coletar esse óleo e entregar para as empresas que fazem o descarte (Prof. Manutenção).

Como se pode evidenciar, as práticas ambientais dos professores da Mecânica se articulam à preocupação de que os desafios do cotidiano lhes impõem o descarte correto de efluentes líquidos, a gestão de resíduos sólidos, a reciclagem, a organização e limpeza dos espaços, entre outros. Mesmo que esses temas não estejam explicitados nos planos de ensino, os professores percebem a necessidade de trabalhar a EA como mediadora do processo de aprendizagem.

A EA aspira a atitudes ecológicas, e as experiências de aprendizagens sociais e individuais dela advindas podem ser compreendidas no sentido mais profundo da experiência de aprender. Por esse motivo, a práxis transformadora por via da EA é uma aprendizagem em seu sentido radical, como elucida Carvalho (2006):

[...] a qual, muito mais do que apenas prover conteúdos e informações, gera processos de formação do sujeito humano, instituindo novos modos de ser, de compreender, de posicionar-se ante os outros e a si mesmo, enfrentando os desafios e as crises do tempo em que vivemos (p. 69).

Ética

Uma nova humanidade só é possível por meio da ética da solidariedade, em que o cuidado e o compromisso com o outro e com o planeta sejam atitudes agregadoras de um processo civilizatório mais justo e igualitário. A ética de que fala Freire contrapõe-se àquela que está posta hoje, ou seja, a ética do mercado, da negação do outro e consequentemente da exclusão social. Nesse contexto excludente, a ética restrita aos ditames do mercado sustenta a exploração insustentável dos bens naturais em nome de um progresso desordenado e de promessas inalcançáveis de melhor qualidade de vida a todos os habitantes do planeta.

Cabe ressaltar aqui a crítica que faz Freire a uma educação profissional pragmatista, submissa à ética menor – a do mercado. O que ele propõe é um processo de formação humana que vincule os conhecimentos técnicos e científicos às suas historicidades e funções social e política.

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A formação técnico-científica de que precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento para o uso de procedimentos tecnológicos. No fundo a educação de adultos como a educação em geral não podem prescindir do exercício de pensar criticamente a própria técnica [...] A compreensão crítica da tecnologia é a que vê nela uma intervenção crescentemente sofisticada no mundo a ser necessariamente submetida a um crivo político e ético [...] Uma ética, a serviço das gentes de sua vocação ontológica, a do ser mais e não de uma ética estreita e malvada, como a do lucro, a do mercado [...] (FREIRE, 2000, p. 101-102).

O caráter eminentemente solidário das redes em EA denuncia a crise ecológica dos tempos atuais que põe em risco não apenas a vida humana, mas todas as formas de vidas existentes no planeta. Como bem disserta Grün (2007), a busca por uma ética de parceria com a natureza em EA não aceita a concepção da natureza como simples objeto de exploração, mas a concebe numa relação de outridade – o outro com quem convivemos. O que se propõe numa ética de parceria é uma simbiose em que os elementos se relacionam num regime de integração e solidariedade opondo-se à visão mecanicista e dicotômica de natureza e sociedade.

A ética universal do ser humano ou da solidariedade (FREIRE, 1996) ou a ética da parceria (GRUN, 2007) problematizam a ética antropocêntrica surgida desde o Renascimento. Esta, por estar centrada no ser racional, está diretamente associada ao paradigma mecanicista, o qual inaugura a visão de que a natureza é uma máquina com peças fixas e movimentos previsíveis.

Como as crises que nos assolam são decorrentes da crise dessa razão cartesiana e do progresso desordenado, há de se pensar em novas formas de relação entre o ser humano e a natureza, mais prudentes e éticas, que nos conduzam à religação com o outro e com o mundo.

Voltando-me a Freire (1996), quando de sua recusa à ética restrita ao mercado, ressalto que todos os docentes do curso de Mecânica consideram importante a EA por esta ser também uma exigência da empresa, da indústria. Mas sob que ótica o sistema econômico percebe a EA? As respostas dos docentes deixaram transparecer uma certa ingenuidade ou falta de criticidade quanto às relações entre mercado e EA. No entanto, a lógica utilitarista e pragmática dessa relação é denunciada pelos educandos do curso.

Porque hoje as empresas pensam mais em produtividade e lucro e não pensam muito na parte de prevenção, enfim, na questão ambiental. Eu acho que a principal mudança que tem que ocorrer é repensar essa maneira de introduzir a parte ambiental em cada setor da manutenção.

Indagado se as empresas seguiriam as normas ambientais se não fossem multadas, um educando prontamente respondeu:

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Não, com certeza não. É hipocrisia você dizer que elas seguiriam. Elas deixariam de lucrar. Porque uma empresa quanto mais ela expandir, melhor pra ela. Às vezes essa expansão não é autorizada justamente por sofrer medidas ambientais. Empresas hoje ganham incentivos fiscais devidos alguns prêmios, algumas ISOs ambientais que elas recebem. A única função das empresas seguirem essas normas ambientais é devido às punições. Senão, de maneira nenhum eles iriam seguir.

Em um contexto social hegemonizado pelo mercado, os objetivos da EA tendem a ser desviados para uma abordagem pragmatista. Quando há a imposição dos valores econômicos sobre os demais princípios e valores, a dimensão técnico-natural do desenvolvimento sustentável se legitima acirrando ainda mais as desigualdades sociais. Daí a importância da inclusão da ética da solidariedade ou da parceria nas práticas ambientais: a substituição da ética antropocêntrica por uma mais global faz surgir a perspectiva biocêntrica.

As potencialidades emancipatórias por meio da ética ambiental também se fizeram notar pela preocupação dos docentes não só com a presente geração como também com as gerações futuras. As redes de solidariedade representadas pelo cuidado com o próximo problematizam as relações de dominação e de domesticação. Assim, a busca por uma ética parceira da EA desloca o antropocentrismo, o individualismo e os determinismos da ciência e da tecnologia de seus territórios consolidados. A ética é o fundamento das sensibilidades ecológicas e dos valores emancipatórios que sustentam as práticas educativas ambientalmente sustentáveis, pois favorece a religação do homem ao seu entorno e ao seu semelhante. Como bem sintetizou um professor, “a nossa sobrevivência está muito voltada à parte ambiental” (Prof. Tornearia).

Ele [o aluno] tem que aprender que você tem que manter o ambiente saudável. Não só a família dele, mas o ambiente dos próximos como filhos, netos... Ele tem que manter um ambiente bom (Prof. Solda).

Então os alunos pegam isso muito rápido: que esse cuidado com o resíduo tem que ser levado a sério porque ele vai voltar a usar o laboratório. Às vezes o pai dele já utilizou e é bem provável que os filhos vão usar (Prof. Ensaios).

Mineração, por exemplo, é uma indústria importante e ela é uma indústria que agride o meio ambiente e às vezes vai embora. Ela vira as costas e os problemas atravessam várias gerações (Prof. Segurança do Trabalho).

A ética solidária exige uma postura de alteridade para com a natureza. A sociedade e a natureza não podem mais serem pensadas como dimensões separadas ou autônomas, mas intrinsecamente relacionadas. Trata-se, como afirma Carvalho (2006), de um “aprendizado no qual estaria em jogo a humanização das relações com a natureza e a ‘ecologização’ das relações sociais” (p. 141).

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Se optarmos, na verdade, por um mundo onde caibam todos (ASSMAN, 1998) ou por um mundo de gente (FREIRE, 1996, p. 127), não teremos outra opção ético-política senão a busca permanente pela justiça ambiental ou direito de existência digna.

Utopia

A utopia fortalece a práxis transformadora diante das desigualdades sociais, do desequilíbrio ambiental, da insustentabilidade planetária e da lógica mercantilista e privatista. “[...] O utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante” (FREIRE, 1980, p. 27).

A utopia, entendida em Paulo Freire como esperança naquilo que pode vir a ser, é uma condição antropológica no deslumbramento de possibilidades para transformação das condições existenciais. É a crença na reinvenção do humano e na capacidade de inconformar-se com as coisas no modo como estão.

Nesse contexto, a EA desponta como potencializadora de uma educação problematizadora que proporciona uma formação humanística para o enfrentamento de realidades complexas e em processo constante de mutação. É essa a crença de Carvalho (2006):

Afinal, em um tempo de desesperança com os sistemas políticos e educacionais, a questão ambiental é, talvez, uma das esferas da vida social que hoje mais reúne esperanças e apostas na possibilidade de mudanças tanto em termos coletivos – sociais e até planetários – quanto em termos de estilo de vida e de transformações na vida pessoal (p. 68-69).

As redes de saberes e fazeres em EA carregam em si o ideário de uma sociedade ecológica que, insatisfeita com as crises geradas pelas condições existentes, nega o determinismo8 histórico-social em nome de uma ordem mais justa e humana. E, na compreensão da história como possibilidade, e não como tempo já sabido, o amanhã é problemático e, por assim ser, há possibilidades para diferentes amanhãs.

Os discursos e práticas ambientais de professores e educandos no contexto de formação técnica para o trabalho emergem devido às necessidades do cotidiano mais próximo, mas podem ser ampliados para contextos socioambientais mais amplos. O compromisso com a

8 Para Freire (2001), a história é dialética; é tão vir-a-ser quanto nós. A história se faz no movimento de seus

sujeitos quando em busca do sentido de existência e, por isso mesmo, abre espaço para a busca da utopia. Essa concepção contradiz o entendimento da história do neoliberalismo: na concepção neoliberal, a história é predeterminada, controlada e estática.

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vida e a utopia por melhores condições existenciais problematizam os valores de uma sociedade hegemonizada pela lógica de mercado e favorecem a inserção da ética ecológica nos mais diversos espaçostempos cotidianos. E, por ser a escola espaçotempo privilegiado de interação social, as redes em educação ambiental, traçadas coletivamente, carregam possibilidades de contribuição emancipatória que podem ser ampliadas e multiplicadas nos diferentes espaçostempos estruturais.

A EA desponta como cartografia de futuros possíveis e como formação de subjetividades inconformistas já que, “[...] enquanto nova psicologia, a utopia recusa a subjetividade do conformismo e cria a vontade de lutar por alternativas” (SANTOS, 2003, p. 324). Há de se lutar tanto por alternativas viáveis quanto por condições concretas mais favoráveis aos sonhos e esperanças.

E é ainda com Santos (2005) que reforçamos o entendimento da utopia de que fala Freire: [...] o realismo desesperado de uma espera que permite lutar pelo conteúdo da espera, não no geral, mas no exato lugar e tempo em que se encontra. A esperança não reside, pois, num princípio geral que providencia por um futuro geral. Reside antes na possibilidade de criar campos de experimentação social onde seja possível resistir localmente às evidências da inevitabilidade, promovendo com êxito alternativas que parecem utópicas em todos os tempos e lugares exceto naqueles em que ocorrem efetivamente. É este o realismo utópico que preside às iniciativas dos grupos oprimidos que, num mundo onde parece ter desaparecido a alternativa, vão construindo, um pouco por toda parte, alternativas locais que tornam possível uma vida digna e decente (p. 36).

As utopias que sustentam as redes ambientais cotidianas problematizam a racionalidade moderna e anunciam sensibilidades mais éticas e estéticas de ser/estar no mundo. Assim, há de credibilizar os pensamentos, discursos e práticas cotidianos, individuais ou coletivos, comprometidos com formas de vidas mais dignas e prudentes. Como bem argumenta o professor autor da primeira citação, a EA não é algo descolado da vida; ela é o conhecimento do mundo e por meio da qual projetamos um futuro melhor.

Eu espero que ele [o aluno] entenda a questão ambiental não sendo uma coisa regrada e simplesmente imposta. E que não é um conhecimento apenas de Escola, é um conhecimento de mundo, é um conhecimento de necessidade da humanidade. E que ele aplique, exija, faça a sua parte (Prof. Pneumática).

Que ele [o aluno] tenha uma condição de trabalho melhor, que ele possa proteger o meio ambiente com as suas ações. Não esperar que o outro faça (Prof. Manutenção). [...] Nenhum educador tem a sua prática neutra, ele se posiciona de certa forma. A gente pensa que embasar uma prática pedagógica pela educação ambiental é você defender um planeta melhor para as futuras gerações, é você ter uma preocupação com o futuro do planeta, não só para o presente, mas também para o tempo futuro (Prof. Gestão).

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A crença desses três professores traduz a esperança por alternativas de futuros mais sustentáveis e a confiança no potencial transformador do ser humano. São discursos elucidativos dos demais discursos e práticas do professorado que, por estarem também comprometidos com uma concepção libertadora de educação, são também vetores de energias utópicas.

E, como corrobora Freire (2001), “na verdade, a educação precisa tanto da formação técnica, científica e profissional quanto do sonho e da utopia” (p. 29).

Considerações finais

O currículo crítico tecido pela EA e sustentado por categorias e ideais freireanos é potencializador de paisagens educativas mais emancipatórias e sustentáveis. Em meio à desesperança humana e a um mundo marcado por desigualdades e injustiças de toda sorte, as aprendizagens num contexto de educação profissional técnica podem subverter as lógicas de dominação e competitividade, ao problematizarem a realidade socioambiental em que estamos inseridos. Juntos, educadores e educandos, pela prática dialógica vão desenhando poeticamente novas formas de sentir/estar no mundo, mais éticas e estéticas.

E, para finalizar, repito uma mensagem de Paulo Freire que merece ser repetida de geração a geração, para que o ser humano não se esqueça de sua capacidade criadora de intervenção no mundo. Que a mensagem possa soar como uma melodia no ouvido de todos os educadores ambientais que se colocam sensíveis ao Outro e ao planeta e, que dessa forma, seguem construindo um cotidiano escolar mais solidário e humanizador. Eis a mensagem pela qual se faz valer o cultivo da utopia por práxis transformadoras: “O mundo não é. O mundo está sendo” (FREIRE, 1996, p.76).

Referências

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Referências

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