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Resumo. José Fialho Luciano Lourenço

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Academic year: 2021

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Precipitações intensas e prolongadas após

incêndios florestais – O papel dos socalcos na

erosão e deposição. Exemplos de bacias

hidrográficas afluentes aos rios Alva e Alvoco

(Serras do Açor e da Estrela)

José Fialho (josefialho@nicif.pt)

Luciano Lourenço (lourenco@nicif.pt)

Resumo

As serras da Cordilheira Central de Portugal têm sido, desde há milhões de anos, palco de episódios espectaculares, uns mais do que outros, mas todos eles protagonizados por intempéries mais ou menos violentas que, umas vezes pela sua impressionante força e, outras vezes, pela sua repetição, “movem montanhas”, como o comprovam os depósitos existentes no sopé.

Nos últimos tempos, os incêndios florestais, ao destruírem a vegetação e, por conseguinte, ao deixarem o solo exposto directamente ao embate das gotas de água da chuva, vieram contribuir para acelerar os efeitos erosivos provocados por estas intempéries.

Com efeito, como a água das chuvas passa a precipitar-se sobre vertentes desnudadas, a sua acção erosiva intensifica-se, mesmo com valores normais de pluviosidade, e aumenta significativamente quando, por vezes, a chuva se manifesta de forma mais violenta e concentrada, situações que originam uma erosão mais vigorosa.

Como estruturas capazes de contrariar estes processos erosivos, mormente após os incêndios florestais, surgem os socalcos, pois enquanto se mantêm conservados funcionam como verdadeiras estruturas anti-erosão. Com efeito, a comparação de dados referentes à erosão dos solos, recolhidos após incêndios florestais em socalcos e em vertentes naturais, não deixa qualquer dúvida sobre a acção anti-erosiva dos socalcos, mesmo em situações de temporal.

Ora, o objectivo da comunicação é o de apresentar resultados concretos, através de casos de estudo, da evolução de vertentes em condições hidrometeorológicas ditas adversas.

Palavras chave: condições hidrometeorológicas adversas; riscos, erosão; incêndio

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Introdução

Em Portugal, os processos de erosão hídrica acelerada, verificados após a ocorrência de incêndios florestais, acarretam um aumento do risco de grandes movimentos em massa, normalmente com consequências muito graves para as populações que, após sofrerem enormes prejuízos causados pelo fogo, são de novo afectadas, agora pela água pois é a água que vem provocar novos e avultados danos às suas infra-estruturas e campos agrícolas.

Nas áreas serranas, a vincada morfologia com declives muito elevados, obrigou o ser humano a adaptar as técnicas de agricultura, de forma a conseguir um pouco de terra para cultivar. Deste modo, as vertentes encheram-se de socalcos, que, para além de proporcionarem solos férteis para as culturas agrícolas, funcionam como óptimas estruturas anti-erosão, dado que ao gerarem rupturas de declive, reduzem a velocidade da água de escorrência e consequentemente, aumentam as taxas de infiltração.

Com condições normais de precipitação, nas áreas queimadas, como teremos a oportunidade de verificar, os socalcos servem para travar a erosão. Contudo, com condições meteorológicas extremas, estas estruturas são por vezes danificadas e os riscos podem manifestar-se plenamente, podendo levar mesmo à infeliz perda de vidas humanas.

Para avaliar a importância dos processos erosivos neste contexto, desenvolvemos este trabalho com o principal objectivo de comparar situações atmosféricas adversas, em áreas afectadas por grandes incêndios florestais, tendo por base episódios ocorridos em 1988 e 2006, na serra do Açor, permitindo, desta forma, retirar conclusões sobre a importância da preservação dos campos em socalcos e da vegetação.

Esta investigação foi desenvolvida no âmbito projecto Terrisc que tem como principais objectivos a inventariação das estruturas de socalcos existentes, do seu estado de conservação, da ocupação e uso do solo, visando uma definição de estratégias de preservação e valorização dessas paisagens, bem como a regularização hídrica das vertentes e a prevenção de riscos naturais, nomeadamente, da ocorrência de incêndios florestais e, consequentemente, da erosão hídrica acelerada.

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Metodologia

Para atingir os objectivos deste trabalho, recorreu-se a dados de escorrência e erosão obtidos entre 1988 e 1989, em parcelas de erosão e pluviómetros totalizadores instalados na serra da Lousã, (Lourenço, 1989), e a dados recolhidos nos 6 campos experimentais do projecto Terrisc, dos quais, 3 são constituídos por uma parcela de erosão e uma estação meteorológica (Loriga, Piódão e Colcurinho), e os restantes, apenas com parcela de erosão (Cabeça, Porto Silvado e Cimo da Ribeira), todos eles instalados em campos de socalcos (fig.1).

Foram ainda efectuados reconhecimentos de campo, com o intuito de verificar, in loco, o resultado dos episódios de precipitação intensa ocorridos nos dias dezasseis de Junho e catorze de Julho de 2006 e dos episódios de precipitação prolongada, dos meses de Setembro e Outubro do mesmo ano, destacando os dias 21 e 25, respectivamente, dentro área de estudo do já referido projecto.

A metodologia baseou-se na interpretação das imagens e informações obtidas, bem como na observação directa e nas medições efectuadas no campo, permitindo focar os aspectos essenciais do funcionamento de pequenas ribeiras e ravinas, perante chuvas anormalmente violentas, revelando os resultados reais da erosão hídrica acelerada.

Resultados

1. Caracterização física da área estuda

A área estudada pelo Terrisc é demasiado vasta (143,4 km2) para ser caracterizada com muito pormenor, tanto mais que os episódios que iremos apresentar, são muito limitados tanto no espaço, separados por apenas alguns quilómetros, como no tempo. Estes factos levam-nos a apresentar uma caracterização mais geral, correspondendo às bacias hidrográficas do rio Alvoco e da ribeira de Pomares.

Estas duas bacias pertencem ao mais importante maciço montanhoso de Portugal, a Cordilheira Central, com a serra da Estrela a desenvolver-se em materiais predominantemente graníticos e a serra do Açor em xisto. A altitude

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de ambas as serras ultrapassa os 1000 m, atingindo 1993 m na Torre, serra da Estrela e 1342 m, em São Pedro do Açor (Fig. 1).

A litologia desta área deixa prever um aumento da vulnerabilidade, dada a baixa permeabilidade das rochas magmáticas presentes, que, juntamente com os xistos e os grauvaques, contribuem para baixas taxas de infiltração e coeficientes de escoamento superficial elevados. Em consequência, podem observar-se, com alguma frequência, ravinamentos e movimentos em massa, tais como desabamentos, desmoronamentos e deslizamentos, processos erosivos que se acentuam sempre que ocorre perda de coberto vegetal, em consequência de incêndios florestais.

Morfologicamente, observa-se uma rede de drenagem bem organizada, com um encaixe vigoroso, aproveitando, na maioria dos casos, linhas de fragilidade, como falhas e fracturas, pelo que existe uma grande rigidez em algumas linhas de água, que se desenvolvem através de pequenos tramos rectilíneos. Em resultado do encaixe, verificam-se elevados declives, na maior parte da área de estudo (fig. 2).

Fig. 1 - Enquadramento geográfico da área de estudo e localização das

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Fig. 2 - Declives da área de estudo.

Do ponto de vista climático, a imponência e orientação geográfica desta massa terrestre, interfere na deslocação das massas de ar húmidas vidas de Oeste, funcionando como barreira de condensação, fazendo com que as vertentes expostas a poente registem maiores quantitativos pluviométricos, em detrimento das vertentes expostas a nascente, onde a massa de ar já chega com muito menos humidade, dado que a perdeu ao subir a montanha. Assim, nas 3 estações meteorológicas, foram registados quantitativos médios de cerca de 880 mm, no período de Janeiro a Setembro de 2006, provando que é uma área com uma grande disponibilidade de água para a erosão. As temperaturas médias rodaram os 15 ºC, com a humidade relativa média de 66%, (QUADRO I).

2. Factores que contribuíram para a erosão

A erosão, definida como o conjunto de processos – desgaste, transporte e acumulação – que modelam a superfície da terra (BATOUXAS e VIEGAS, 1998),

resulta da conjugação dos agentes naturais presentes, das condições geomorfológicas e do tipo de coberto vegetal. Como tal, cada área será mais ou

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menos propensa a determinados processos erosivos, mediante as condições meteorológicas que se fizerem sentir, o tipo de litologia e existência ou não de vegetação.

Os processos que contribuem mais directamente para a erosão na área de estudo são a precipitação e o gelo, enquanto que, indirectamente, são o relevo e os incêndios florestais e, por consequência, a inexistência de coberto vegetal. No entanto, este só será considerado se ainda não houver água de escorrência suficiente para amortecer o impacte, sendo o responsável pela criação das superfícies de colmatação ou OPS – organizações peliculares superficiais (CORDEIRO, A. M. R., 2004)

Por sua vez, o gelo também assume uma importância significativa no que respeita à preparação do material para ser posteriormente arrastado, através do destacamento das partículas, efectuado pelas agulhas de gelo (fot. 1). Estas formam-se em altitude, em noites muito frias, normalmente correspondentes a situações anticiclónicas e em locais onde o solo se apresenta desprovido de vegetação.

Os pequenos clastos destacados que ficaram disponíveis para serem transportados pelas primeiras chuvas, apresentam dimensões que, nos casos observados, variam entre mícrones e 2 cm.

O declive é essencial para que se verifique erosão, sendo considerado como o limiar o valor de 30% para desencadear movimentação (REBELO, F. e CAMPAR,

A., 1986). Contudo, o declive, por si só, pode não ser muito relevante, mas se

QUADRO I – Condições meteorológicas locais, no período de Janeiro a Setembro de 2006

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conjugarmos elevados declives com falta de vegetação, obtemos uma erodibilidade muito elevada.

A vegetação é, pois, essencial, principalmente na protecção das vertentes contra a erosão hídrica, dado que, para além de aumentar a capacidade de infiltração do solo, em detrimento da escorrência superficial, segura, não só as partículas minerais do solo, mas também calhaus de maior porte.

Deste modo, os incêndios florestais, ao eliminarem o referido factor de protecção que antes era oferecido pela vegetação, aceleram a erosão hídrica, sendo indirectamente os principais responsáveis pelos episódios erosivos verificados, tanto em 1988 como em 2006, na serra do Açor.

3. Os socalcos enquanto estruturas anti-erosão

Os socalcos foram construídos para possibilitar a prática de agricultura em vertentes declivosas, de modo a evitar a erosão dos solos e a provocar, consequentemente, a regularização hídrica das vertentes. Na actualidade funcionam também como interface entre a floresta e os pequenos aglomerados populacionais, sendo, pois, essenciais à protecção das aldeias contra os fogos florestais, por apresentarem uma descontinuidade horizontal no coberto vegetal. (fot.2).

Fot. 1 - Agulhas de gelo com material mineral e orgânico destacados, na parcela de erosão

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A realidade mostra-nos que estas antigas estruturas se têm revelado muito eficientes na protecção contra a perda de material mineral dos campos agrícolas, favorecendo a infiltração da água das chuvas, contribuído assim para fazer aumentar a humidade do solo, essencial para a instalação da vegetação.

No entanto, a ausência da sua utilização agrícola e, consequentemente, da sua conservação a médio e longo prazo, vai acarretar uma destruição parcial ou total dos muros de suporte dos socalcos, levando ao aumento do risco de movimentos em massa, que pode levar à perda de todo o solo agrícola presente no patamar. Neste caso, a sua reconstrução será muito difícil, por razões de ordem sócio

Fot. 2 - Socalcos em bom estado, a jusante do lugar da Cabeça.

económica, fazendo prever uma crescente degradação destas paisagens, e um constante aumento do risco de movimentos em massa.

Para além disso, devido ao abandono a que muitas desta infra-estruturas estão votadas, a instalação de um coberto vegetal arbustivo e/ou arbóreo, faz aumentar o risco de incêndio, tanto de ignição como de propagação, perdendo, deste modo, paulatinamente, a capacidade de protecção que antes oferecia aos povoados (LOURENÇO, L e NAVE, A, 2006a).

Mas os campos de socalcos também necessitam de protecção da água proveniente da vertente a montante, que, sendo em quantidades elevadas, poderia levar à danificação dos patamares e dos muros de suporte a jusante. Desta forma, são construídas estruturas complementares para desviar esse excesso de água dos campos agrícolas, nomeadamente diques e valados. Quando se assiste à degradação, ao entulhamento ou ruptura de uma destas estruturas, perante chuva

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mais ou menos intensa, verifica-se que todos os patamares a jusante vão começar a sofrer danos, podendo levar mesmo à queda de muros e, consequentemente, à erosão dos solos (fot. 3).

Fot. 3 - Pormenor de um dique rebentado, com a destruição parcial dos patamares.

Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Melo.

4. Erosão após incêndios florestais em condições

meteorológicas normais

Os efeitos da erosão acelerada em vertentes, na sequência de incêndios florestais, bem como a evolução de vertentes e erosão dos solos, nas serras de xisto do centro de Portugal, em consequência de incêndios florestais e em particular a análise de casos observados em 1987, na sequência do grande incêndio florestal que, entre 13 e 20 de Setembro incinerou 10 900 ha de mato e floresta, numa vasta área da serra do Açor (Viegas et al, 1988), foram oportunamente objecto de análise (Lourenço, 1988a e 1988b),

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pelo que não nos vamos agora deter nesses aspectos. Apenas pretendemos estabelecer uma análise comparativa entre os valores que em 1989 registámos nas parcelas experimentais instaladas na serra da Lousã (Lourenço, 1989a, 1989b, e 1991) e os que em 2006 observámos na serra do Açor.

A escorrência respondeu, normalmente, à precipitação. No entanto, verificou-se que essa resposta variou mediante uma série de factores, ligados, por um lado, ao tipo, quantidade e duração da precipitação e, por outro, ao contexto do local, pedológico, vegetal, litológico e topográfico.

Com a informação disponível, retirada dos trabalhos realizados em 1988 e 1989, na serra da Lousã (Lourenço, 2004, p. 93 - 131), foi possível efectuar comparações com os valores de precipitação, escorrência e material erosionado, recolhidos em 2005 e 2006 em vertente e em patamar, em condições atmosféricas e litológicas idênticas, de forma a compreender o comportamento e o papel desempenhado pelos socalcos na regularização hídrica das vertentes.

Deste modo, em coberto vegetal de castanheiros, verificou-se que, para valores idênticos de precipitação, se registaram quantitativos de escorrência muito semelhantes, tanto em patamar como em vertente. No primeiro período, na parcela do Piódão, verificou-se que a escorrência foi mais elevada, comparativamente ao resto da amostra. Este facto resultou das primeiras chuvadas terem sido obrigadas a escoarem-se à superfície, em virtude da camada hidrofóbica criada após o grande incêndio.

No que respeita à quantidade de material erosionado, ele é quase inexistente em ambas as parcelas, nunca ultrapassando as 10 g/m3. Deste modo, verificou-se que, com vegetação, o comportamento da erosão foi muito idêntico nos dois casos, (figs 3 e 4).

Em contrapartida, em área ardida, os valores de escorrência foram, em ambos os casos, mais elevados do que na situação anterior. Na vertente, mesmo com precipitações inferiores às registadas no patamar, registou-se quantitativos de água de escorrência muito superiores, o que facilmente se compreende dado o maior declive que facilita a escorrência e dificulta a infiltração, levando a que a quantidade de material erosionado fosse, de igual forma, muito superior, tendo-se registado, num dos períodos, cargas sólidas transportadas de 300 g/m3, na parcela GAMO, valor que se pode considerar como muito relevante, em termos de erosão (figs: 5 e 6).

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A análise comparativa dos resultados obtidos nas parcelas de erosão não deixa qualquer dúvida quanto ao importante papel dos socalcos como infra-estruturas anti erosão, papel que ainda sai reforçado quando analisamos os resultados das outras situações estudadas (Lourenço et al, 1991 e 2006).

Fig. 3 – Análise comparativa dos valores da precipitação e da escorrência,

registados nas parcelas do Piódão, em 2006, (à esquerda) e do GAHC, na serra da Lousã m 1989, (à direita), ambas situadas sob coberto de castanheiros.

Fig. 4 – Análise comparativa dos valores da escorrência e do material

erosionado, registados a parcela do Piódão, em 2006, (à esquerda) e na parcela GAHC, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas sob coberto de

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Com efeito, em todas elas, os valores do material erosionado, recolhido após situações de incêndio florestal, foram incomparavelmente menores nas parcelas instaladas sobre socalcos do que nas montadas em vertentes, o que é facilmente compreensível, em função do que foi dito anteriormente e em que o papel do declive se revelou crucial.

Fig.5 – Análise comparativa dos valores da precipitação e da escorrência,

registados nas parcelas do Porto Silvado, em 2006, (à esquerda), e na parcela GAMO, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas em área ardida.

Fig. 6 – Análise comparativa dos valores da escorrência e do material erosionado,

registados nas parcelas do Porto Silvado, em 2006, (à esquerda) e na parcela GAMO, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas em área ardida.

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5. Erosão após incêndios florestais em situações

meteorológicas particularmente adversas

5.1. Consequências de temporais anteriores a 2006

Os efeitos dos temporais na intensificação da erosão em vertentes afectadas por incêndios florestais são já bem conhecidos (Lourenço, L. 1988c, Lourenço, L e Direito, A.C.,1994 e Lourenço, L. e Lopes, A.C., 2004), do mesmo modo que estão identificados os locais onde o risco de erosão normalmente se manifesta com mais intensidade e que correspondem a intervenções antrópicas nas vertentes, que , no presente, a maior parte das vezes estão relacionadas com a abertura de estradas e caminhos florestais, enquanto que, no passado, foram feitas para transformar as vertentes declivosas em terras agrícolas, através da construção de socalcos, que ficaram protegidos dos enxurradas por diques que marginavam os valados que recebiam a água das chuvas.

Sempre que, por falta de manutenção ou porque a carga arrastada não está em consonância com o dimensionamento das infra-estruturas de condução das águas pluviais, sejam os valados de antanho, sejam os aquedutos ou as manilhas de agora, ocorrem entupimentos que, de um modo geral, obrigam ao desvio dos cursos de água, intensificando-lhes o seu poder erosivo.

Não vamos agora fazer uma análise sistemática das muitas situações analisadas anteriormente , nem das causas que as originaram, referindo apenas, a titulo de exemplo, três dessas situações, cada uma num material litológico diferente, apenas para reforçar que não dependem apenas do tipo de material litológico, mas antes têm a ver com retirada da vegetação que antes protegia o solo e a vertente do embate directo da água da chuva, favorecia a infiltração e dificultava o escoamento superficial. Retirada a cobertura vegetal pelo incêndio florestal, que também alterou a estrutura e a textura do solo, o poder erosivo da água da chuva aumenta muito, e independentemente do substrato rochoso ser constituído por xisto (fot. 4), granito (fot. 5) ou calcário (fots. 6 e 7).

No entanto, quer pela sua importância relativamente a estes, quer porque nas suas imediações se voltaram a repetir situações análogas em 2006, os efeitos provocados pelo temporal que, em 23 de Julho de 1988, se abateu sobre o cabeço da Sorgaçosa, afectando as bacias hidrográficas das ribeiras de Pomares, Aldeia e Avelar (fig. 7), merecem uma breve referência.

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Com efeito, as pequenas ribeiras afluentes à Sorgaçosa transformaram-se subitamente em torrentes de lama, pedras, troncos e água que, rompendo diques, retomaram os antigos cursos, levando tudo à sua passagem. Até uma casa, construída numa antiga linha de água, ficou seriamente danificada (fots. 8 e 9).

Na ribeira do Carvalhal que passa nas proximidades do Espinho e se situa na vertente oposta à da Sorgaçosa, a mesma intempérie, também provocou erosão intensa, derivado ao rebentamento de vários diques.

Este facto levou a que o curso de água retomasse o leito original, danificando algumas quelhadas1 (fot. 10). Os estragos provocados por estas chuvadas

alastraram-se a toda a bacia hidrográfica da ribeira de Pomares. Os danos centraram-se nas pequenas represas, pontes e pontões que atravessaram a ribeira e a inundação de campos agrícolas marginais, levou a que pastos e hortas, se tivessem transformado em amontoados caóticos de calhaus, situação que, aliás, voltou a suceder em 2006.

Fot. 4 – Estrada de acesso à Quinta de

Belide, concelho de Góis, em 1991, destruída na sequência de um episódio pluvioso intenso ocorrido após o grande incêndio florestal de 1990.

Fot. 5 – Estrada de acesso ao, concelho

de Manteigas, destruída na sequência do episódio pluvioso intenso da madrugada do dia 15 para 16 de Outubro, ocorrido nas cabeceiras do ribeiro da Albagueira, cuja floresta tinha sido destruída por um incêndio em Agosto de 1991.

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Fot. 6– Caminho florestal de Cascalheira,

Cortes, Leiria, destruído no dia 9 de Dezembro de 2003, na sequência do episódio pluvioso intenso que ocorreu numa das áreas afectadas pelo incêndio da serra de Aire, de 2 de Agosto de 2003.

Fot. 7 – Caminho florestal de Vale

Fernando, Cortes, Leiria, destruído na sequência do episódio pluvioso que, no dia 8 de Março de 2004, afectou outra das áreas fustigadas pelo incêndio da serra de Aire de 2 de Agosto de 2003.

5.2. Consequências dos temporais ocorridos em 2006 –

precipitações intensas e prolongadas

5.2.1. Precipitação intensa – Junho e Julho de 2006

18 anos após, a situação repetiu-se! A área afectada é sensivelmente a mesma (fig. 8) e a conjugação de factores análoga. Com efeito, em Julho de 2005, ocorreu um dos maiores incêndios de que há registo, em território nacional, tendo ardido 17 444 ha de floresta e mato. Cerca de um ano depois, em Junho de 2006, uma instabilidade atmosférica leva à formação de trovoadas muito fortes, por todo o país. A cidade de Coimbra, assim como outras cidades portuguesas, foram atingidas por vários desses fenómenos atmosféricos, provocando danos nas infra-estruturas, principalmente, viárias.

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Fig. 7 – Localização das áreas mais afectadas na bacia hidrográfica da ribeira de

Pomares, mostrando o limite do grande incêndio de 1987. 1 –Área não ardida; 2 – Área mais afectada pelo temporal de Junho de 1988; 3 – Área onde os efeitos

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Sobre as bacias hidrográficas das ribeiras de Pomares e do Piódão (fig. 8), precipitaram-se, em menos de uma hora, cerca de 22 mm de chuva2 (fig. 9),

sendo este valor muito elevado, se atendermos à curta duração da trovoada.

Fot. 8 – Casa da Sorgaçosa construída numa antiga linha de água, após a

tempestade. Cliché: Comarca de Arganil

Fot. 9 – Casa da fotografia anterior, depois da reconstrução.

2 Registos da estação meteorológica instalada pelo NICIF, nas proximidades do

Piódão. Contudo, nas cabeceiras da bacia hidrográfica esse valor terá sido mais elevado, em função da maior altitude, de acordo com o testemunho de vários observadores locais.

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Fot.10 – Pormenor da ribeira e de um socalco parcialmente destruído.

As consequências do temporal, em termos erosivos, fizeram-se notar em toda a bacia, principalmente através das acumulações deixadas nas piscinas fluviais de vários locais, como Soito da Ruiva, Sobral Magro, Pomares, Avô, Piódão, Foz de Égua e Vide. Verificaram-se, também ravinamentos, nas proximidades das Fontes do Cide e, sobretudo, na pequena bacia hidrográfica do Gondufo (fig. 8). As piscinas fluviais ficaram total ou parcialmente cobertas por material mineral de todas as dimensões arrancados às vertentes, ao qual se juntaram troncos e ramos de árvores queimadas. As estruturas ficaram completamente inutilizáveis e, no caso específico do Soito da Ruiva, a sua reabilitação será muito difícil (fot. 11), já que o acesso só se efectua a pé, e a população envelhecida não tem grande força anímica para reverter a situação. Em Sobral Magro, a pequena represa também se encontrava danificada, já que, neste caso, os troncos e os grandes ramos transportados na enxurrada “encalharam” na estrutura de betão, servindo de barragem, tanto à água, como a todo o material que nela era transportado, tendo-se verificado uma forte acumulação de pedras e terra a montante da represa (fot. 12).

Nas restantes piscinas fluviais os problemas foram idênticos aos descritos anteriormente. Nas proximidades das Fontes do Cide, ocorreu uma situação típica de entulhamento das manilhas da estrada, que levou a que a água corresse por cima desta, transportando consigo material sólido, sem, no entanto, danificar a via. A particularidade desta situação, prende-se com o facto de ter sido apenas

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uma ribeira a funcionar, dado que, outra, afastada escassos metros, não funcionou com a mesma violência. Isto permite-nos aferir a localização do limite da trovoada. No cruzamento do Gondufo, outra obstrução de entrada de manilha, provocou uma acumulação de material sobre a estrada e o deslizamento da berma que provocou a mobilização de muito material mineral e que causou estragos na rede viária (fot. 13).

Fot. 11 – Piscina fluvial de Soito da Ruiva, entulhada pelos calhaus trazidos na

enxurrada.

Fot. 12 – Pormenor do entulhamento ocorrido na piscina fluvial de Sobral

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Fot. 13 – Deslizamento próximo do Gondufo, com danificação da estrada.

3 Pelas razões indicadas na nota anterior, nas cabeceiras das ribeiras, coincidentes com o

nível culminante da serra do Açor, os valores da pluviosidade terão sido bem mais elevados.

Menos de um mês depois, dia 14 de Julho de 2006, uma depressão de origem térmica, centrada na Península Ibérica, gerou fortes chuvas de origem termo-convectiva, ligadas a nuvens do tipo cumulonimbo, com um enorme desenvolvimento vertical. Verificou-se, inclusivamente, a queda de grandes pedras de granizo, provando que o forte arrefecimento das massas que ascendiam, era feito de forma muito brusca e em altitudes muito elevadas. A estação meteorológica do Piódão registou uma queda pluviométrica de cerca de 40 mm no espaço de uma hora (fig. 10). No entanto, testemunhas locais afirmaram que a chuvada foi concentrada em menos de meia hora, o que agrava ainda mais a situação3.

Se anteriormente considerámos 22 mm um valor elevado, estamos, assim, perante um valor muito superior, que, em situações análogas, só poderia causar muitos danos. Desta vez, os estragos concentram-se quase exclusivamente na bacia hidrográfica da ribeira do Piódão, onde o risco se manifestou com mais intensidade, já que, para além dos avultados danos materiais, se registou a morte de um homem.

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Fig. 11 – Esboço de localização das barrocas das cabeceiras da Ribª do Piódão, mais afectadas

pelos temporais de 16 de Junho e 14 de Julho de 2006. 1 Peneda das Sombras, 2 -Depósito de confluência, 3 - Viveiro das trutas, 4 - Obstrução de manilha - B.ca dos Prados,

5 - Obstrução de manilha - B.ca dos Pereirinhos, 6 - Perfil 1, 7 - Perfil 2, 8 - Perfil 3, 9 - Perfil 4, 10 - Perfil 5 (ver Fig. 65), 11 - Bloco de grandes dimensões, 12 - Aqueduto da B.ca dos Prados, obstrução, 13 - Aqueduto

da B.ca do Cadoiço, obstrução, 14 - Garagens destruídas, 15 - Parque de estacionamento, destruído, 16 - Piscina fluvial soterrada.

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este tipo de travessias. Podendo ser uma solução prática, ela é muitas vezes ineficaz por duas ordens de razões.

A primeira delas é porque, quase sempre, estão sub-dimensionadas, face ao regime torrencial que os caudais destas linhas de água atingem em situações de

Fot. 14– Pormenor do leito da ribeira escavado a montante do viveiro das trutas.

Fig. 12 – Perfil longitudinal da barroca dos Prados e perfis transversais da

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Fot. 15– Vista geral do viveiro das trutas (em segundo plano, à direita)

atulhado como os materiais trazidos pela enxurrada.

Fot. 16– Pormenor do terraço de confluência, visto de jusante, e o desmantelamento

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precipitação extrema, mormente quando se conjugam com vertentes despidas de vegetação, por antes ela ter sido incinerada pelos incêndios florestais. A segunda tem a ver com o facto de serem colocadas sub-horizontalmente, o que dificulta o arrastamento do caudal sólido, ou seja, dos detritos e, em consequência, leva a que estes se acumulem à entrada ou no interior e, assim, obstruam a passagem dos caudais obrigando-os a escoar-se sobre o asfalto (fot. 17).

Nestes casos, as manilhas com 80 cm de diâmetro, não deram resposta ao enorme afluxo de água, resultando no galgamento da estrada e à sua destruição parcial, por um processo de remontar de cabeceiras (fot. 18) que, se não for travado, acabará por destruí-la completamente.

Mesmo em situações em que os caudais são menos abundantes, é frequente observar a acumulação de detritos à entrada das manilhas que, paulatina e progressivamente, ajudam à sua provável obstrução (fot.s 19 e 20)

Antigamente, quando era necessário atravessá-las, havia um grande «respeito» pelas linhas de água, resultante de um longo conhecimento acumulado sobre o modo de funcionamento do seu regime torrencial. Deixava-se sempre espaço para a livre circulação das águas, de modo a evitar que as infra-estruturas

Fot. 17– Pormenor da albufeira criada a montante da estrada , localizada a jusante do

viveiro, em resultado da obstrução da entrada das manilhas, momentos antes da enxurrada.

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Fot. 18– Vista geral da área afectada nas imediações do viveiro das trutas.

Fot. 19 – Vista geral da deposição dos materiais na Barroca dos Prados , resultante da

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construídas fossem danificadas. De igual modo, quando era necessário proceder ao estreitamento do vale, para conquistar terra para a agricultura, o estreitamento das margens das ribeiras era feito de modo a compensar em altura de água a redução da largura, podendo manter-se assim a superfície molhada.

Prevenindo as situações, os antigos evitavam a necessidade de reconstrução das infra-estruturas e o dispêndio de mais mão de obra, que, assim, poderia ser usada noutros fins, bem como os recursos financeiros, no passado sempre escassos, sobretudo nas áreas serranas, o que implicava uma boa gestão dos existentes.

Um exemplo paradigmático desta situação corresponde à do pontão existente no antigo caminho do Torno para o Piódão, sobre a barroca do Soito Escuro, tributária da ribeira do Piódão, sob o qual foi colocada uma manilha de 80 cm de diâmetro, quando o caminho foi transformado em estrada (fot. 21)

Outro exemplo, ainda mais flagrante, diz respeito à solução adoptada para o atravessamento da ribeira do Piódão, para efeitos de implantação do parque de estacionamento e da travessia da estrada para o Torno e Foz de Égua. Bastava atentar na solução anteriormente usada para atravessamento da ribeira, imediatamente a jusante do parque, pelo antigo caminho de comunicação do Piódão com o exterior, para imaginar que, mais cedo ou mais tarde, a solução encontrada levantaria problemas, como se confirmou.

Fot. 20 – Pormenor do rail de protecção, neste caso aos materiais

(30)

Com efeito, a ponte do caminho pedonal deixou o leito com uma largura de 2,60 m. No ponto central do vão, o arco tem uma altura de 5,30 m (fot. 21), o que corresponde a uma possível superfície molhada com cerca de 10 m2, a

qual permite o escoamento de um caudal significativo. Por exemplo, para uma velocidade média de 10 m/s corresponde a 100 m3/s.

A construção da ponte, que data do início do séc. XX, foi feita com a preocupação de deixar superfície suficiente para escoamento de caudais instantâneos abundantes e de manter o declive do talvegue, para evitar a acumulação da carga sólida (fot. 22).

Mais recentemente, a construção dos aquedutos na barroca do Cadoiço, no final da década de sessenta ou início da de setenta do século passado, dimensionado com 1,10 de largura por 2,20 de altura, ou seja, cerca de 2,5 m2 de superfície e o da barroca dos Prados, posterior a 1974,

dimensionado com 2 m de largura por 2,20 m de altura, ou seja, cerca de 5 m2 Fot. 21 – Pormenor da travessia da barroca onde se vê o arco do antigo. No seu

interior encontra-se uma manilha de 80 cm de diâmetro, colocada para permitir o alargamento e a posterior implantação da estrada.

(31)

(fots. 23 e 24) no conjunto, corresponde a menos de 7 m2, valor bem inferior ao

da ponte pedonal, anteriormente descrita.

Acresce, além disso, que não respeitaram o declive dos respectivos talvegues, tendo ficado com soleiras sub-horizontais que, ao dificultarem o arrastamento dos detritos, facilitam a sua acumulação e, por conseguinte, a posterior obstrução das entradas dos aquedutos (fot. 25).

Ora, entre estes aquedutos e a ponte antes referida, situada a jusante, foi implantado o já antes mencionado parque de estacionamento. A solução encontrada para a sua implantação consistiu em intubar a barroca dos Prados após a sua confluência com a do Cadoiço, reduzindo-a a uma superfície molhada de 1,75 m2, uma vez que o diâmetro das manilhas é de 1,5 m (fot. 26), ou seja, manifestamente incapaz de escoar as afluências, em pontas de cheia, provenientes das duas barrocas que nelas confluem.

Fot. 22 – Vista geral da Ponte do caminho pedonal do antigo acesso ao Piódão (arco em

segundo plano) bem como da nova ponte pedonal de acesso à piscina fluvial, anterior à enxurrada, uma vez que esta foi destruída. Comparar a dimensão de superfície deixada

(32)

Fot. 23 – Pormenor do aqueduto da

ribeira do Cadoiço. Fot. 24 – Pormenor do aqueduto daribeira dos Prados.

Fot. 25 – Aspecto da obstrução do

aqueduto da fot. 24, a montante da estrada.

Fot. 26 – Pormenor do diâmetro das

manilhas situadas por debaixo do parque de estacionamento do Piódão.

(33)

Não será pois de admirar que no dia dia 14 de Julho, em que, com base nas observações efectuadas na barroca dos Prados, se estimaram, em certos locais, superfícies molhadas instantâneas de 47 m2, as manilhas fossem insuficientes para escoarem tamanhos caudais. A própria ponte ficou submersa.

Como o parque de estacionamento estava instalado sobre a ribeira e as manilhas de betão ficaram com a entrada completamente obstruída pelo material transportado pela enxurrada, a água passou sobre o parque, provocando a sua total destruição (fot. 27).

Os estragos processaram-se ao longo de toda a linha de água e foram particularmente também avultados na piscina fluvial da aldeia, já que a estrutura ficou totalmente coberta por material, até à altura do pontão das comportas. O facto de duas das três comportas se encontrarem fechadas, pois já estávamos em meados de Julho, agravou a situação, já que uma foi insuficiente para permitir a livre passagem da água tanto mais que ficou obstruída com troncos e ramos, obrigando a deposição, a montante, da carga sólida transportada, a qual fossilizou completamente a piscina (fot. 28).

Imediatamente a montante da piscina e para acesso à mesma, existia uma ponte pedonal que foi levada pela corrente e arrastou consigo um turista que a ia

Fot. 27 – Aspecto da destruição do parque de estacionamento, visto da ponte

antiga, onde se pode ver a manilha que canalizava a ribeira. Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

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Fot. 28 – Piscina fluvial do Piódão, completamente coberta pelos materiais da enxurrada.

Ao fundo, maquina usada para remover esses materiais. Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

a atravessar e viria a falecer, só tendo sido encontrado mais de uma semana depois, apesar dos esforços dos intervenientes nas operações de busca (fot. 29). Esta morte, muito provavelmente, poderia ter sido evitada, se não tivessem sido criados, a montante, uma série de estrangulamentos à normal circulação dos caudais.

5.2.2. Precipitação prolongada – Setembro e Outubro de 2006

A entrada do Outono foi assinalada pelo início de precipitação que, com maior ou menor regularidade se prolongou pelos meses seguintes, ao ponto este Outono se dos mais pluviosos de que há registo, tendo sido considerado no 3º mais chuvoso desde 1931, depois de 1960 e 1965. Por exemplo, o mês Outubro registou em certas áreas , um aumento de pluviosidade superior a 250 %, relativamente à média de referência de 1961 – 1990, para valores de Portugal Continental (IM, 2006) (fig. 13). Por todo o país registaram-se valores muito elevados de precipitação acumulada, que apenas durante os

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meses de Setembro Outubro e Novembro atingiu os 253 mm em Faro, 708,6 mm em Castelo Branco, 750,4 em Viana do Castelo mm e 1042 mm nas Penhas Douradas.

Toda esta pluviosidade foi causada por uma situações sinópticas muito particulares, que provocaram precipitações prolongadas.

O mês de Setembro caracterizou-se por temperaturas mais elevadas do que a média mensal, e com valores diários de precipitação bastante elevados, por exemplo com 107 mm em Lamas de Mouro, no dia 23, 99,1 em Viana do Castelo, no dia 25 e 40 mm em Castro Daire, no dia 21 (INM, 2006). A situação sinóptica destes dias foi caracterizada pela sucessiva passagem de depressões barométricas, às quais se associaram sistemas frontais e linhas de instabilidade.

Por sua vez, o dia 25 de Outubro de 2006 foi o que registou maior precipitação na área de estudo. Em termos sinópticos, caracterizou-se pela existência de um grande anticiclone sobre a Escandinávia, conjugado com o deslocamento do anticiclone dos Açores para latitudes mais baixas e a presença de um grupo altas pressões que se estendia em cunha desde o Norte de África até ao interior da Rússia, funcionando como uma forte barreira à penetração e ao rápido deslocamento das massas de ar de oeste para leste (fig.14). Esta situação

Fot. 29 – Pormenor das buscas, envolvendo maquinaria pesada e meios

cinotécnicos da Guarda Nacional Republicana. Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

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Fig. 13 – Precipitação total de Outubro de 2006 .

Percentagem em relação ao período de 1961 -1990. IM, 2006

contribuiu para a frontogénese que, associada ao centro de baixas pressões no Atlântico Norte, situado à latitude da Península Ibérica, percorreu, no seu deslocamento para nordeste o litoral atlântico do continente europeu.

Os sistemas frontais assim gerados foram muito activos, com massas de ar relativamente quentes e bastante húmidas, resultado do constante fornecimento de fluxos de calor latente e vapor de água, transferidos do oceano Atlântico, com temperaturas anormalmente altas para a época, para a atmosfera. Deste modo, originaram-se elevados valores de precipitação registados um pouco por todo o Continente.

A formação de um núcleo de ar frio em altitude a Oeste da Península Ibérica contribuiu para agravar a situação, formando uma vasta área de baixas pressões,

(37)

bastante cavada, frente às costas de Portugal Continental, intensificando a instabilidade, através de quantitativos pluviométricos muito elevados e vento do quadrante sul moderado ou mesmo forte com rajadas (IM, 2006).

Na área de estudo, as estações meteorológicas de Loriga e Piódão4,

concordantes com a situação de todo o país, registaram valores de pluviosidade anormalmente altos, tanto no mês de Setembro (figs. 15 e 16), como no mês de Outubro (figs. 17 e 18).

Os totais de precipitação para Loriga e Piódão foram no primeiro mês de 168,79 mm e 128,97 mm, respectivamente. No mês seguinte, de Outubro, os valores foram de 679,98 mm e 535,45 mm, quantitativos que podemos classificar como muito elevados.

No entanto, apesar da queda pluviométrica se ter efectuado ao longo de todo o Outono destacam-se alguns dias, principalmente em Outubro, devido aos valores elevadíssimos que, indubitavelmente, causaram ainda mais erosão e, consequentemente, mais estragos nas áreas anteriormente afectadas. No mês de Setembro destaca-se o dia 21, onde se precipitaram 52,81 mm em Loriga e 30,48 no Piódão, concentrando cerca de 40 % da chuva ocorrida, em ambos os casos, em apenas meia hora, com valores de 20,57

Fig. 14 – Situação sinóptica do dia 25 de Outubro de 2006, 12h UTM –

adaptado de Metoffice.gov.uk

4 Devido a sucessivas avarias na estação meteorológica do Colcurinho, não foram

(38)
(39)
(40)

Os campos em socalco, mesmo em bom estado, sofreram fortes danos, principalmente os que interceptavam pequenas linhas de água e, cujas levadas foram incapazes de conduzir as respectivas afluências para fora dos patamares. Dado que o aporte de água foi tão elevado, as referidas estruturas não o suportaram, tendo rebentado, potenciado danos tanto no patamar como no muro (fot. 30). O facto das ribeiras terem saído do percurso imposto pelo homem e terem voltado a correr onde seriam os seu leitos naturais, provocou intensa erosão, dado que no processo de encaixe das pequenas linhas de água, é

Fig. 20 – Pluviosidade ocorrida nos dias 22 e 25 de Outubro de 2006, na estação

(41)

fez notar, em particular através da reactivação de pequenas torrentes com escavamento dos antigos leitos, em parte fossilizados, onde processos de deslizamento abriram profundas cicatrizes nos depósitos que fossilizavam os valeiros, conseguem-se visualizar com grande detalhe tanto a bacia de recepção como o canal de escoamento e o ainda cone de dejecção (fot.32). Assistiu-se também ao das já existentes, tendo mesmo aberto cicatrizes em antigas ravinas quase fossilizadas (fot. 33).

O destacamento e movimentação de material mineral proveniente destes depósitos, em conjugação com o arrancado às vertentes, foi, desta feita, o maior fornecedor de carga sólida para transporte fluvial, visto que a maioria dos leitos já se encontraria na rocha mãe, tendo, por isso, pouco material para fornecer.

Ao nível das infra-estruturas, principalmente das viárias, esta situação em nada diferiu dos acontecimentos transactos, voltando a verificar-se uma destruição parcial ou total das vias de comunicação, em função da colocação de manilhas

Fot. 30 – Patamares destruídos,

cobertos com material arrancado da vertente, Loriga.

Fot. 31 – Patamares destruídos,

notando-se o sulco aberto pela linha de água que procura encaixar-se, Chãs de Égua.

(42)

mal dimensionadas e que não respeitam o declive natural das linhas de água, pelo que, tal como seria de esperar, não suportaram a passagem dos caudais, mais uma vez carregados com material mineral e vegetal, extremamente abundantes. Assistiu-se, de novo, a situações em que as estradas, mesmo quando não totalmente destruídas, ficaram intransitáveis (fot.34). A que passa junto ao viveiro de trutas, foi completamente destruída, tendo mesmo desaparecido todo o material do aterro da estrada e permanecido, como irónico testemunho, partes das manilhas de canalização da barroca dos Prados (fot.35). A erosão ocorrida foi de tal forma intensa, que se pode observar a rocha exposta à superfície, facto inverso ao que aconteceu em Junho e Julho, onde a estrada serviu de barreira ao escoamento, obrigando à deposição do material sólido, como documentado na fot.15. Deste modo, a precipitação quando ocorre sobre áreas ardidas, gera sempre erosão, tal como foi largamente documentado ao longo deste trabalho.

Fot. 32 – deslizamento recente, que

se estendeu ao longo do canal de escoamento até ao cone de dejecção,

EN 230, Piódão - Teixeira.

Fot. 33 – Antiga ravina, notando-se o

reinício do processo erosivo, junto às Casas Figueiras.

(43)

Os diferentes níveis de desgaste e perda de solos variam em função da duração e quantidade de precipitação, que, nos casos apresentados, se traduziram por avultados danos que, só com grande perseverança e muita vontade das entidades competentes, se vão conseguir minimizar.

Considerações finais

A presença de uma morfologia movimentada como a que ocorre nas montanhas do centro de Portugal proporciona aos processos erosivos um papel de enorme importância na modelação da paisagem. Por vezes, os incêndios florestais, que progressivamente têm vindo a alterar a vegetação que cobre estas serras, têm, igualmente, vindo a potenciar episódios impressionantes de erosão hídrica acelerada.

Fot. 34 – Rede viária parcialmente

destruída e intransitável devido ao entulhamento da manilha que canalizava o curso de água por debaixo da estrada Chãs de Égua - Piódão.

Fot. 35 – Vista do viveiro das trutas, no

leito da barroca dos prados, a montante da estrada totalmente destruída. Comparar com a fot.18, que apresenta um pormenor 4 meses antes.

(44)

Ao compararmos em condições físicas idênticas, o comportamento da erosão em socalcos e em vertentes, comprovamos que os socalcos agrícolas são efectivamente eficazes no combate à erosão hídrica. Os socalcos e concomitantemente, os muros de pedra solta que os suportam, são uma peça chave para a preservação das áreas montanhosas, funcionando por um lado como estruturas anti-erosão e, por outro, como estruturas capazes de reduzir o risco de propagação do fogo, razão pela qual devem ser mantidos e preservados, o que implicará um grande esforço para levar a cabo esta tarefa, que tem tanto de difícil como de audaciosa.

Por outro lado, não podemos concluir sem deixar uma recomendação no que concerne ao uso de manilhas nas linhas de água, para facilitar o seu atravessamento por estradas e caminhos florestais.

Se as manilhas constituem um processo expedito, porque é pouco dispendioso e de fácil aplicação, para resolver o problema, não devem, por outro lado, vir elas próprias a constituírem problemas no futuro, o que será facilmente evitável se forem aplicadas as seguintes três medidas:

1. Dimensionar o diâmetro das manilhas de modo a que possas escoar pontas de cheia produzidas por aguaceiros intensos, sobre vertentes declivosas e desprovidas de vegetação, provenientes da área de recepção situada a montante das mesmas.

2. Colocação das manilhas de modo a respeitar o normal declive da linha de água, ou seja, de modo a facilitar o escoamento da carga sólida, evitando a sua deposição no interior das manilhas e sem criar rupturas de declive, sobretudo a montante, a qual facilita a obstrução da entrada das manilhas.

3. Afeiçoar em forma cónica o espaço envolvente da entrada das manilhas, como se de um funil se tratasse, de modo a facilitar a canalizações da água e outros materiais – ramos, troncos, pedras e lixo diverso para o interior das manilhas.

A aplicação da primeira destas medidas e eventualmente também da terceira, poderá onerar um pouco o custo da obra mas, se o compararmos com os ganhos que se podem acautelar em termos futuros, certamente não será um custo supérfluo, mas sim um investimento irrisório face aos lucros que pode permitir, não só em termos da não destruição da paisagem, mas também dos custos que a recuperação de alguns dos danos provocados acarreta, já que outros, como as vidas humanas, nem sequer são quantificáveis.

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Que estes exemplos levem os gestores do território a reflectirem, a extrair as devidas conclusões e, mais importante, que levem os decisores políticos à aplicação das medidas propostas pelos técnicos.

No entanto, convém nunca esquecer, que todos os episódios pluviosos mencionados só tiveram as consequências apresentadas porque ocorreram sempre depois de incêndios florestais. Com efeito, estes ao destruírem a cobertura vegetal e, por conseguinte, ao retirarem o papel de protecção que esta oferece ao solo, contra o poder erosivo das gotas de água da chuva e do escoamento superficial que se segue, contribuem decisivamente para a aceleração dos processos erosivos. Deste modo, os efeitos dos incêndios florestais não terminam com a extinção das chamas, pois perduram e continuam a manifestar-se de forma negativa, por vezes, durante muito tempo, pelo que prevenir os incêndios também significa travar a erosão e combater a desertificação.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Eng.ª Cristina Almeida Melo a cedência das fotografias e ao Sr. Francisco Lopes Fontinha a visita guiada que nos proporcionou à barroca dos Prados e, a ambos, a pronta disponibilidade que sempre apresentaram para connosco colaborarem nas explicações dos factos ocorridos.

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