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As peças de ourivesaria doadas pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa à Sé de Braga e que integram a exposição permanente do Tesouro-Museu da Sé de Braga

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Academic year: 2020

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Agradecimentos

O presente relatório de estágio do Mestrado em Património e Turismo Cultural, apresentado no Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, foi apenas possível graças ao apoio incondicional de várias pessoas.

Em primeiro lugar e de forma muito especial, agradeço à minha orientadora Paula Bessa que, apesar das diversas dificuldades que este caminho revelou, esteve sempre disponível para me ajudar no trabalho e dar uma palavra amiga como certamente mais ninguém saberia fazer.

Indispensável também para a realização deste trabalho foi a colaboração do Tesouro-Museu da Sé de Braga, por ter mostrado disponibilidade para me apoiar na realização deste trabalho.

Agradeço à Margarida, a minha companheira desta viagem, por ser demasiado parecida comigo e por ser sempre a voz positiva nos momentos mais difíceis.

Agradeço ainda aos meus amigos de sempre (Jojó, Bia, Catarina e Cecília) e ao meu namorado, por mesmo sem saberem, serem os pilares emocionais fundamentais desta viagem e estarem sempre disponíveis para qualquer coisa.

Por último, agradeço com todo o coração aos meus pais e aos meus avós, por acreditarem sempre em mim e por me darem sempre asas para voar.

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As Peças de Ourivesaria Doadas pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa à Sé de Braga e que Integram a Exposição Permanente do Tesouro-Museu da Sé de Braga

Resumo

O presente relatório teve como objetivo central debruçar-se sobre as obras de ourivesaria doadas por D. Diogo de Sousa à Sé de Braga e expostas atualmente no Tesouro Museu da Sé de Braga. Estes objetos correspondem a um cálice com tintinábulos de gosto manuelino e uma predela, ao gosto renascentista.

Numa primeira parte deste trabalho, é analisado o percurso de vida do arcebispo primaz, passando pelas suas raízes familiares, pela sua educação e outras experiências de vida que certamente terão inspirado a vida e a obra marcantes do arcebispo. Ainda nesta primeira parte, como não poderia deixar de ser, serão também abordadas as obras mais importantes de D. Diogo de Sousa desde a obra urbana e à nova redefinição de Braga enquanto cidade, passando pelas obras na Sé e ainda pelas reformas pastorais que exerceu no seio da sua arquidiocese.

Os dois restantes capítulos debruçam-se sobre os pontos fundamentais deste trabalho, analisando sob uma perspetiva mais detalhada o cálice com tintinábulos e a predela, doados pelo arcebispo à catedral bracarense.

O segundo capítulo deste trabalho analisa o cálice com tintinábulos, de gosto manuelino, doado por D. Diogo de Sousa em 1509. Para o estudo deste objeto litúrgico procuramos explicar as características materiais e técnicas decorativas do cálice, colocando-a a par com as tendências da ourivesaria de então bem como com o gosto do arcebispo primaz.

Finalmente no terceiro capítulo, é exposto o estudo sobre a predela ou pedra de ara, com a imagem da Crucificação de Cristo. Também nesta peça procuramos fazer uma análise dos materiais e das técnicas decorativas utilizadas na conceção deste objeto, sendo que se mostrou ainda fundamental uma análise iconográfica mais profunda que nos permitiu por isso ligar as escolhas iconográficas desta peça às gravuras do Norte da Europa, tão divulgadas na época.

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The Goldsmith Pieces Donated by the Archbishop D. Diogo de Sousa to Braga’s Catedral and that are part of the Permanent Exhibition of the Tesouro-Museu da Sé de Braga

Abstract

The present work focuses on the study of two silversmith works donated by the archbishop D. Diogo de Sousa to the cathedral of Braga, which he led from 1505 to 1532.

In the first part of this document, we focused on the life of D. Diogo, presenting his family and his life before he became archbishop. Still on this first chapter, we present his main works in Braga such as the urban reformation of the city, as well as his efforts to modernize the cathedral and his pastoral actions.

The second and third chapters consider the chalice and the predella, respectively, by trying to analyse them through their materials and their decorative techniques, as well as considering them as works of art inside the big frame of what art was like in Portugal in the beginning of the 15th century.

By doing so, we will try to explain how these two pieces may be great tools to mirror not only the personality of D. Diogo de Sousa, as well as Portuguese society in the 15th century.

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Índice

Agradecimentos ... i

Resumo ... iii

Abstract ... v

Introdução ... 1

Capítulo 1: D. Diogo de Sousa, Arcebispo de Braga: Família, Percurso, Influência e Obras A Família ... 5

Educação, Percurso e Influências ... 11

D. Diogo de Sousa, Arcebispo de Braga ... 16

Os Novos Arruamentos e o Anel de Campos ... 21

Os Novos Equipamentos Coletivos ... 25

Os Espaços Verdes ... 27

Intervenções no Paço Arquiepiscopal ... 27

A Reforma da Sé Primacial ... 30

A Ação Pastoral ... 37

O Sínodo de 1505 e as Constituições Sinodais (1506) ... 38

Educação ... 42

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Capítulo 2: Cálice com tintinábulos doado por D. Diogo de Sousa ... 47

As Doações de D. Diogo de Sousa ... 48

O Cálice com tintinábulos ... 52

Materiais e Técnicas ... 54

Estrutura e Decoração ... 56

O Gosto Tardo-Gótico/Manuelino ... 62

Capítulo 3: A Pedra d’Ara doada por D. Diogo de Sousa ... 65

Materiais e Técnicas ... 66

Iconografia ... 67

A influência flamenga e das xilogravuras do Norte da Europa ... 73

Conclusões ... 81

Fontes e Bibliografia ... 91

Bibliografia... 91

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Introdução

O presente projeto foi definido em consonância e conjugação com a direção do Tesouro-Museu da Sé de Braga, ou seja, com o estudo a que procederemos estaremos a colaborar para criar materiais dos quais o referido Museu manifestou sentir necessidade.

Entre as peças que integram a coleção permanente deste Museu figuram duas doações do arcebispo D. Diogo de Sousa, um cálice com tintinábulos e uma predela , como é usualmente designada. São estas duas peças que serão objeto do estudo que desenvolveremos neste Estágio, integrando-as, por um lado, no conjunto de doações de D. Diogo de Sousa e, por outro lado, nas correntes de gosto nas quais se inserem, respetivamente, o tardo-gótico e o renascimento.

Assim, o objetivos previamente definidos para este projeto de estágio implicaram que o nosso trabalho consistisse dominantemente na produção de estados da arte, isto é, sínteses dos conhecimentos atuais sobre as duas peças da coleção do Museu de Arte Sacra/ Tesouro da Sé de Braga, a saber o cálice e a «predela».

Por ser impossível compreender as doações deste arcebispo primaz sem tentarmos compreender quem era e o que fez D. Diogo de Sousa, , o primeiro capítulo deste trabalho, numa primeira fase, pretende abordar os aspetos mais marcantes da vida de D. Diogo de Sousa antes de se tornar arcebispo de Braga.

Começamos, por isso, por traçar de forma sumária os mais importantes ramos da sua árvore genealógica, procurando tirar algumas conclusões quanto à escolha de Sousa para o seu nome e brasão. Para este estudo, foram fundamentais as árvores genealógicas já disponíveis em sítios online, entre os quais o website do Geneall1 e do Geni2. Recorremos ainda, para o estudo dos

antecedentes familiares de D. Diogo de Sousa, ao Nobiliário de Famílias de Portugal, de Felgueiras Gayo, escrito entre finais do século XVIII e inícios do século XIX, recorrendo aos tomos relativos às famílias em estudo ou a outros ramos genealógicos que consideramos pertinentes. Foi ainda consultada a Historia da Casa Real Portugueza : desde a sua origem até o presente, com Familias ilustre que procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques de Bragança : justificada com

1 http://www.geneall.net/ 2 http://www.geni.com/

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instrumentos, e escritores de inviolavel fé : e offerecida a El Rey D. João V, da autoria de Antonio Caetano de Sousa e, para ilustrar os brasões das respetivas famílias, por ter sido iluminado por

João do Cró3, a mando de D. Manuel I,contemporaneamente a D. Diogo de Sousa, o Livro do

Armeiro-Mor.

Este estudo parece-nos ainda fundamental na medida em que apenas um certo pano de fundo familiar permitiria a D. Diogo de Sousa ter acesso à educação de referência que teve, bem como à posição social e influência que conseguiu obter no seio da corte, portanto, no conjunto da mais alta nobreza nacional, bem como perante a comunidade eclesiástica portuguesa. O que nos leva a um segundo ponto do primeiro capítulo deste trabalho, que se debruça sobre a educação, percurso e influências de D. Diogo de Sousa.

Neste ponto, procurando manter a ordem cronológica dos acontecimentos, serão traçados os passos do arcebispo primaz pelas Universidades de Salamanca e de Paris, onde contactou com grandes figuras universitárias da época, pela corte, onde chegavam as novidades das descobertas marítimas, onde foi Capelão da Capela Real, culminando nas suas duas embaixadas de obediência aos papas Alexandre VI e Júlio II. Estas duas viagens terão sido, certamente, marcantes e terão moldado o seu caráter humanista e, estamos convencidos, inspirarão profundamente a sua obra futura. Ainda neste ponto, mencionaremos algumas das mais relevantes obras e ações pastorais tomadas por D. Diogo de Sousa enquanto Bispo do Porto, cargo que ocupou desde 1495 e até 1505, ano em que foi nomeado Arcebispo de Braga.

Para o desenvolvimento deste ponto foram fundamentais os estudos de Nair de Nazaré Castro Soares, «O Arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa Príncipe Umanizzato do Renascimento e o Seu Projeto Educativo Moderno» e de Aires A. Nascimento, «D. Diogo de Sousa (1460-1532), Bispo do Porto, Homem de Letras e Leitor de Savonarola», que nos permitiram uma leitura deste percurso do eclesiástico e humanista português sob uma perspetiva diferente da habitual, compreendendo melhor o que influenciou e porque o influenciou.

Numa fase inicial, os temas tratados no segundo capítulo, referentes à obra de D. Diogo de Sousa enquanto arcebispo de Braga do campo do urbanismo, ação pastoral e reforma da Catedral, foram pensados enquanto parte integrante do primeiro capítulo. No entanto, dada a magnitude da sua obra na cidade sede arquidiocese primaz, que reformou e remodelou de raiz e

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em praticamente todas as vertentes possíveis – e que julgamos ser testemunho da consolidação de todo o seu percurso humanista, parece-nos que se justifica que o período que ocupou enquanto arcebispo de Braga, de 1505 até 1532, data da sua morte, ocupem um capítulo distinto.

As intervenções urbanas de D. Diogo em Braga foram estudadas pelo Prof. Doutor Avelino de Jesus da Costa e especialmente bem integradas nos respetivos contextos de gosto pelo Prof. Doutor Miguel Bandeira, entre outros. Também, mais recentemente, podemos passar a contar com o contributo do estudo e das transcrições documentais de Rui Maurício. Foram por isso estas as fontes a que recorremos quanto a este ponto, acrescentando ainda a utilidade do estudo de Flórido Vasconcelos acerca do retábulo de pedra de Ançã quinhentista, mandado fazer pelo arcebispo e que este autor procurou reconstituir, recorrendo aos vestígios que dele restam nos claustros da Sé.

Quanto às correntes de gosto às quais D. Diogo de Sousa foi sensível, dispomos, por exemplo, de vários estudos da Prof. Doutora Paula Bessa.

Para o estudo da ação pastoral, recorremos ao estudo acerca das Constituições Sinodais, feito no contexto dos novecentos anos da Dedicação da Sé de Braga, feito por Isabel Marinho Vaz de Freitas, Albertina da Conceição M. Barbosa e Júlia Isabel Coelho Campos Alves de Castro.

Os capítulos III e IV do presente trabalho debruçam-se sobre as duas peças centrais do trabalho, o cálice com tintinábulos em prata dourada e a «predela» ou pedra de ara doadas por D. Diogo de Sousa em 1509 e 1527, respetivamente. Nestes dois capítulos pretendemos compreender estas peças, enquadrando-as relativamente aos materiais usados, técnicas decorativas e elementos iconográficos . Estas doações de prata de D. Diogo de Sousa foram recentemente estudadas por David Vieira na sua dissertação de Mestrado em Património e Turismo Cultural, trabalho orientado pelas Profs. Doutoras Isabel dos Guimarães Sanches e Sá e Paula Bessa, investigação que se constituiu como sendo muito útil para o nosso trabalho.

Igualmente fundamental para o estudo das peças de ourivesaria doadas pelo arcebispo primaz, foi o estudo de Avelino Jesus da Costa acerca do Tesouro e Biblioteca da Sé bracarense nos séculos XV e XVII. Uma profunda análise de inventários deste intervalo de tempo, permitiu-nos fazer uma avaliação não apenas do aspeto destas peças, bem como do contexto em que estas foram doadas e do restante espólio doado por D. Diogo de Sousa.

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Relativamente, aos trabalhos em metais, prata e prata dourada, às técnicas, iconografias e estruturas nelas usadas, foi ainda da maior utilidade, a Tese de Doutoramento da Doutora Ana Cristina Sousa orientada pela Prof. Doutora Lúcia Maria Cardoso Rosas.

Com recurso a esta observação detalhada do cálice manuelino e da pedra de ara, bem como recorrendo aos restantes estudos acerca de D. Diogo de Sousa, procuramos pois que nos seja então possível, através das alfais em estudo, responder a três questões:

- De que forma as peças analisadas constituem um «reflexo» do percurso e da personalidade de D. Diogo de Sousa?

- De que forma a encomenda destas mesmas peças se enquadra na restante obra do arcebispo primaz?

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Capítulo 1: D. Diogo de Sousa, Arcebispo de Braga: Família, Percurso, Influência e

Obras

D. Diogo de Sousa, o arcebispo que ficou conhecido como mecenas e refundador da cidade de Braga, é uma figura incontornável não só da cidade como de toda a arquidiocese bracarense. Além das obras que mandou fazer na Sé Catedral, reformulou toda uma cidade, por onde, ainda hoje o seu nome continua bem presente, como testemunho daquilo a que Miguel Melo Bandeira considera ter sido um dos «momentos mais empolgantes da história urbana de Braga»4.

A Família

D. Diogo de Sousa nasceu em Évora no ano de 1461 (sendo que algumas fontes apontam para o ano de 1460), filho de João Rodrigues de Vasconcelos (nascido cerca de 1410), terceiro senhor de Figueiró e Pedrógão e D. Branca da Silva (nascida cerca de 1420).

Ambas as famílias de que descende, quer do ramo genealógico de sua mãe assim como do de seu pai, correspondem a famílias cujas linhagens eram longas e com um papel de relevo em vários momentos da história.

A genealogia sempre foi um recurso dos homens poderosos para justificar a sua posição.5 Julgamos por isso ser interessante abordar, ainda que de forma breve, o contexto familiar e genealógico do arcebispo primaz, procurando compreender de que forma este contexto familiar o

4 Miguel Melo Bandeira, «D. Diogo de Sousa, o “urbanista” – leituras e texturas de uma cidade refundada» (texto originalmente apresentado nas

Comemorações do Bimilenário da Cidade de Braga, Faculdade de Filosofia da Universidade Católica, Braga, 24 de março, 2000), p.19.

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poderá ter constituído uma influência para a sua formação enquanto pessoa ou ajudado a colocar na posição privilegiada que ocupou na sociedade da sua época.6

O pai de D. Diogo de Sousa, João Rodrigues de Vasconcelos, foi o terceiro Senhor de Figueiró e Pedrógão, sucedendo ao seu pai, Rui Vaz Ribeiro e ao seu avô, Rui Mendes de Vasconcelos. Este último era o quarto filho de Gonçalo Mendes de Vasconcelos7 e, de acordo com Fernando Gayo, este título foi-lhe atribuído a 22 de dezembro de 13848 pelos serviços que prestou ao Rei D. João I no Cerco de Lisboa, nas Cortes de Coimbra, onde o rei foi jurado, e na Batalha de Aljubarrota, onde esteve presente com o seu irmão Mem Rodrigues de Vasconcelos9.

Esta atribuição de títulos foi bastante recorrente no período que se seguiu à Crise da Sucessão de 1383-85, período onde a mobilidade social e os processos da mesma são bastante evidentes10. Assim, várias das famílias mais importantes na época fernandina desapareceram ou emigraram para Castela, sendo-lhes confiscados os bens que, mais tarde, eram atribuídos a outras linhagens tendo como base desta atribuição os serviços prestados à Coroa. Terá sido este o caso dos Vasconcelos11.

6 Em anexo segue a sua árvore genealógica até ao início da primeira dinastia portuguesa.

7 Felgueiras Gayo, «Título dos Vasconcelos» §44 N13 (referente Senhores de Figueiró e Pedrogão),Nobiliário de Famílias Portuguesas, Edição de

Carvalhos de Basto, Volume X (Tomos XXVIII E XXIX) (Braga: 1990), p. 98.

8 Ou 22 de Novembro de 1384, uma vez esta data é mencionada numa nota cuja letra, segundo os editores, não seria de Felgueiras Gayo. 9 Mem Rodrigues de Vasconcelos foi feito Capitão da Ala dos Namorados e foi feito Mestre da Ordem de Santiago pelo mesmo monarca, D. João I. 10 Mafalda Soares da Cunha, «A Nobreza Portuguesa no Início do Século XV: Renovação e Continuidade», Revista Portuguesa de História, t. XXXI,

volume 2, 1996, p. 231.

11 Na figura 1 encontramos o brasão de armas dos Vasconcelos tal como está representado no Livro do Armeiro-Mor, da autoria de João do Cró ou

João du Cros. Este documento corresponde a um códice iluminado (cujas iluminuras se atribuem ao mestre Arryet) mandado fazer por D. Manuel I. Possui fixados os brasões existentes numa altura em que vigorava uma certa arbitrariedade no que ao uso das armas dizia respeito. Este códice possuía diversos capítulos, entre os quais: os Nove da Fama, o dos Estados da Europa, Ásia e África, o do Imperador a sagração do rei de França, arcebispos e bispos alemães, e a nobreza portuguesa, começando pelas armas de D. João II. Encontra-se disponível on-line em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4162406 .

Figura 1: Brasão de Armas da Família Vasconcelos (Livro do Armeiro-Mor, fl. 53)

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O primeiro Senhor de Figueiró e Pedrógão terá falecido sem casar, deixando três filhos de uma manceba de nome Constança Alves, que foram legitimados pelo próprio Rei D. João I em 1430. O primeiro desses filhos foi o avô de D. Diogo de Sousa, que casou com D. Violante de Sousa, filha (bastarda?) do Mestre da Ordem de Cristo, D. Lopo Dias de Sousa.

Relativamente à família materna do arcebispo bracarense, os Silva, constituíam uma família também ela antiga, que se dividiu em dois troncos distintos no contexto da Crise da Sucessão, outra realidade comum nesta época. Esta divisão da família, ainda que com contextos distintos de caso para caso, era o resultado de uma parte da família, tomando a parte de Castela lá permanecer depois da Crise. Assim, os que permaneceram em Portugal passaram a designar-se de segundo tronco familiar12.

Deste modo, o bisavô de D. Diogo de Sousa, D. Aires Gomes da Silva, o Velho (c. 1320), ter-se-á associado ao partido de Castela, perdendo por isso várias das suas posses após a Batalha de Aljubarrota e quando se põe fim à crise.

No entanto, o seu herdeiro, D. Rui Gomes da Silva (c. 1360), avô do arcebispo primaz, terá inicialmente tomado o partido do pai, e portanto terá estado do lado de Castela durante a Crise de 1383/85. No entanto, não se terá apresentado na Batalha de Aljubarrota e passou para o lado de D. João I, com quem esteve na Conquista de Ceuta, em 141513, de que terá sido nomeado governador em 1424. Este apoio da nobreza no contexto dos primeiros momentos da expansão ultramarina, constituiu também um importante veículo de ascensão social14, permitindo ainda que elementos de linhagens que haviam emigrado para Castela, ou que tinham tomado o seu partido, pudessem recuperar património bem como restabelecer o nome da sua linhagem no

12 Cunha, «A Nobreza em Portugal…»…, p. 231. 13 Gayo, Nobiliário…, Tomo XVII, p. 10. 14 Cunha, «A Nobreza em Portugal…»…, p. 240.

Figura 2: Brasão de Armas da Família Silva. (Livro do Armeiro-Mor, fl. 54)

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contexto social português. Terá sido neste contexto, que o primeiro monarca da dinastia de Avis, lhe atribuiu ainda a posição militar de primeiro Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela.

D. Diogo de Sousa vê as suas raízes estenderam-se ainda aos Meneses, outra família com algum relevo no panorama social português. A sua ligação a esta família faz-se pela sua avó paterna, D. Isabel de Menezes (c. 1390), que era filha ilegítima de D. Pedro de Menezes (c. 1370 - 1437), o primeiro Conde de Vila Real15. Este era primo da Rainha D. Leonor Teles e foi o primeiro Capitão de Ceuta, onde faleceu, e Alferes do Rei D. Duarte.

No entanto, apesar da ligação a estas grandes famílias, D. Diogo não adotou nenhum destes apelidos, escolhendo Sousa como nome de família, nome que pertencia à sua avó paterna, D. Violante de Sousa. As fontes divergem, quanto ao facto desta ser ou não filha

legítima de D. Lopo Dias de Sousa, no entanto, será ela a sua herdeira enquanto Senhora da Casa de Sousa16.

15 Não se confunda D. Pedro de Meneses, primeiro Conde de Vila Real, com D. Pedro de Meneses, primeiro Marquês de Vila Real. Este último foi

contemporâneo de D. Diogo de Sousa e uma ilustre figura na corte de D. Manuel I, sendo também ele um nome frequentemente associado a humanistas portugueses deste tempo pelo seu mecenato.

16 A Violante de Sousa sucedeu também uma mulher, a sua terceira filha, Isabel de Vasconcelos de Sousa e Meneses.

Figura 3: Brasão de Armas dos Teles/Telo de Meneses. (Livro do Armeiro-Mor, fl. 50v.)

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Os Sousas correspondiam a uma das famílias mais antigas do Reino de Portugal, sendo também uma das mais importantes. Segundo Fernando Gayo, o seu primeiro Solar situar-se-ia na Comarca de Vila Real, entre os Rios Tua e Tâmega, em Panóias. No entanto, foi o segundo solar da família, que lhe terá dado o nome, situado este na terra de Sousa, perto de Riba Tâmega. Isto significa, portanto, que o apelido Sousa só se terá principado bem depois desta família ter tido origem17.

As suas armas, que D. Diogo de Sousa tanto usou para identificar a sua obra e as suas doações, são esquarteladas, no primeiro e no quarto estão as quinas de Portugal, parte do seu brasão após o casamento de D. Maria Pires Ribeiro18 (1285-1330) com D. Afonso Dinis, filho bastardo de D. Afonso III de Portugal19. No segundo e terceiro quartel, encontram-se, em campo vermelho , quadernas de meias luas, as armas originais da família. O seu timbre era um castelo de ouro, lavrado de preto.

Assim, os Sousas tinham, ainda que de forma ilegítima, descendência direta da Família Real. O referido D. Afonso Dinis não era, no entanto, a única ligação dos Sousas à Casa Real.

No século XIV, D. Álvaro de Sousa (c. 1330 - c. 1365), herdeiro da casa de Sousa e Senhor de Mafra e Ericeira, trisavô de D. Diogo de Sousa, casou com D. Maria Teles de Meneses20 (1338-1379), irmã de D. João Afonso Telo de Menezes, IV Conde de Barcelos e VI Almirante de

17 Gayo, Nobiliário, Título dos «Sousas», p. 311.

Este título corresponde a um acrescento do autor, ou seja, Felgueiras Gayo não tinha no Nobiliário organizado o título dos «Sousas». Este baseia-se num volume da sua autoria encontrado na Mibaseia-sericórdia de Barcelos.

18 Deixamos aqui em breve nota de que apenas nesta altura se tornou comum que os membros das famílias não usassem o título das linhagens a

que pertenciam, daí Maria Pires Ribeiro não usar o apelido de Sousa. (D. Luiz de Lencastre e Távora, Dicionário das Famílias Portuguesas, Quetzal Editores, 2ª edição (Lisboa: 1999))

19 Fruto da relação deste monarca com Maria Peres de Enxara.

20 D. Maria Teles de Meneses casou-se uma segunda vez com D. João, Duque de Valência e Campos, Infante de Portugal (filho D. Pedro I e de D.

Inês de Castro).

Lembramos ainda que nesta altura os Meneses eram possivelmente a família mais importante e mais influente do Reino de Portugal, detendo consigo a hegemonia dos títulos e do património (Cunha, «A Nobreza de Portugal…»…, p. 223).

Figura 4: Brasão de Armas dos Sousas. (Livro do Armeiro-Mor, fl. 52)

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Portugal21, e de D. Leonor Teles (1325-1386), esposa de D. Fernando I, o último Rei da primeira dinastia portuguesa.

Recuando ainda mais na genealogia da casa dos Sousa, doze gerações contando a partir de D. Diogo de Sousa, encontramos outro casamento que une a Casa de Sousa à Casa Real. D. Gonçalo Mendes de Sousa, o Bom (c. 1120 - 1179) casou com D. Urraca Sanches de Celanova (c. 1120), que era filha de D. Sancha Henriques (c. 1097 - 1163), Senhora de Celanova e de Bragança e, por isso, sobrinha de D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal.

Num momento cronológico mais próximo do arcebispo surge a figura de D. Lopo Dias de Sousa (1373- 1435). Por ser pai de D. Violante de Sousa, de quem o antístite herdou o nome, certamente seria tema de conversas e de histórias que povoavam o imaginário familiar. Herdeiro da casa de Sousa e Senhor de Mafra e Ericeira, o bisavô do ilustre em estudo no presente trabalho foi eleito VII e último Mestre religioso, canónico da Ordem de Cristo, durante o reinado de D. Fernando, quando tinha apenas catorze anos de idade e irá ocupar este mestrado durante quarenta anos22. Quando se dá a Crise de Sucessão, o Mestre da Ordem de Cristo terá, numa fase inicial, apoiado a sua tia D. Leonor Teles, provavelmente motivado pela ligação familiar com a rainha, no entanto, numa fase posterior, irá tomar o partido de D. João I. Nesta altura, também os Sousas se vão dividir em dois troncos, ainda que de uma forma diferente do que aconteceu com os Silva. Por ter tomado o partido de D. João I, certamente, D. Lopo Dias de Sousa vai continuar a ocupar o mestrado da Ordem de Cristo que, na época, a par da Ordem de Santiago,

detinha o maior poderio militar23. Ele mesmo será ainda nomeado mordomo-mor da Rainha D.

Filipa de Lencastre, esposa de D. João I24.

A escolha do apelido de Sousa por parte do arcebispo bracarense poderá ter tido como base o ponto de vista afetivo, podendo o antístite ter tido uma maior ligação com este ramo da sua família. No entanto, é importante considerarmos o peso que o nome e respetivo brasão tinham

21 D. João Afonso Teles (ou Telo) de Meneses foi o VI Conde de Barcelos e Almirante de Portugal entre 1330 e 1385. Falecido na Batalha de

Aljubarrota, onde lutou a partido de Castela, teve como seu sucessor no título de Conde de Barcelos D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável.

22 Convento de Cristo, «D. Lopo Dias de Sousa (1359 – 1417)», http://www.conventocristo.gov.pt/pt/index.php?s=white&pid=224 .

23 Nesta altura, os mestrados das Ordens Militares encontravam-se vacantes, para além da Ordem de Cristo, sendo por isso outra forma de ascensão

social que gerou disputas por parte das famílias nobres em torno de D. João I.

24 António Caetano de Sousa, Historia genealogica da Casa Real Portugueza : desde a sua origem até o presente, com as Familias ilustres que

procedem dos Reys, e dos Serenissimos Duques de Bragança : justificada com instrumentos, e escritores de inviolavel fé : e offerecida a El Rey D. João V…, Tomo XII, Officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, Lisboa: 1735-1749, p. 282. (Disponível em: http://purl.pt/776 .)

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no contexto da sociedade da época, sobretudo no seio da própria nobreza. Por isso, não devemos colocar de parte toda a história dos Sousas e a influência que sempre tiveram no contexto social português, mostrando mesmo nos momentos mais difíceis uma profunda lealdade para com a Casa Real, que serviram sempre desde o início da nacionalidade. Seria certamente prestigioso para D. Diogo de Sousa poder usar um apelido com tanta história e com tanta aceitação social, que além disso lhe permitia ainda usufruir de um brasão onde constam elementos iconográficos em comum com a própria família real.

Educação, Percurso e Influências

Nascido na cidade de Évora, como já foi mencionado, no seio de uma família que certamente teria recursos económicos, efetuou os estudos elementares na sua cidade natal e em Lisboa. Estes estudos elementares incluíam, tal como menciona o D. Rodrigo da Cunha, na sua História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga25, a Gramática e Retórica, mas também o Latim.

Estes estudos elementares corresponderiam à aprendizagem da leitura, da escrita e também do cálculo.

Tal como era comum no seio das famílias mais abastadas, prosseguiu os estudos fora do país. Ingressou na Universidade de Salamanca, onde estudou Cânones, com cerca de catorze anos, idade apontada por Nair de Nazaré Castro Soares por ser a idade com que se terminavam os estudos elementares26. Aqui os estudantes prosseguiam os estudos da Gramática latina, da

estilística, da métrica, assumindo no entanto particular relevância os estudos da Lógica e da Dialética, que permitiam o ingresso no bacharelato em artes, ou seja, o primeiro grau universitário. Nesta altura, o jovem D. Diogo de Sousa, foi possivelmente aluno de Élio António de Nebrija27, o

introdutor do humanismo gramatical e filológico na Universidade de Salamanca, onde adquiriu as bases para ingressar o curso de Teologia28.

25 D. Rodrigo da Cunha, História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, Reprodução Fac-similada com nota de apresentação de José Marques, vol.

II, Oficinas Gráficas de Barbosa & Xavier, Limitada, (Braga: 1989), p..

26 D. Rodrigo da Cunha, História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, Reprodução Fac-similada com nota de apresentação de José Marques, vol.

II, Oficinas Gráficas de Barbosa & Xavier, Limitada, (Braga: 1989), p..

27 Élio António de Nebrija (1441-1522) foi um importante letrado espanhol, autor da primeira gramática da língua castelhana (1492) bem como o

primeiro dicionário espanhol (1495). Lecionou gramática na Universidade de Salamanca e retórica na Universidade de Alcalá.

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Assim, após estudar em Salamanca, D. Diogo de Sousa parte para Paris, onde cursou Teologia29. Na época, a Universidade de Paris era considerada como a principal escola de Teologia

onde as novas ideias humanistas começavam a entrar, opondo-se aos ideais sorbónicos que até então vigoravam na instituição. Nesta Universidade, D. Diogo de Sousa terá possivelmente convivido com letrados tais como Guillaume Fichet30, Guillaume Tardif ou Robert Gaugin,

responsáveis pela introdução do humanismo nesta instituição universitária.

Regressou a Portugal, onde foi feito cónego na sua cidade natal, Évora e, mais tarde, no reinado de D. João II (1455-1495), foi nomeado Deão da Capela Real.

A sua mudança para a corte foi certamente fundamental para marcar o seu nome e influência no meio social português. Num período em que Portugal se expandia, com sucesso, além mar, à corte chegavam riquezas e novidades extraordinárias para a época. Estas, por sua vez, convidavam à visita de figuras cultas e influentes, incluindo estrangeiros que consigo traziam as novas ideias humanistas e que escreviam «em latim os grandes feitos dos Descobrimentos Portugueses.»31. É disto exemplo Angelo Poliziano, que entrou em contacto com D. João II em

1489, escrevendo-lhe elogios que o dignificavam heroicamente como um bravo descobridor de novos mundos

Assim, se a nossa Universidade se mantinha atrasada à luz dos novos ideais humanistas que se espalhavam pela Europa, a corte era o abrigo de ilustres nomes associados a essas mesmas ideias, como por exemplo Cataldo Parísio Sículo32 que, recomendado ao rei pelo Bispo de

Lamego, foi contratado para lecionar o seu filho bastardo, D. Jorge.

Vivendo na Corte, D. Diogo de Sousa teve a oportunidade de privar com este poeta e humanista, natural da pátria desta corrente, a Itália, o que lhe permitiu aperfeiçoar os seus conhecimentos no campo da Retórica, mostrando ainda o seu interesse intelectual. Este mestre, cujos pensamentos certamente terão sido marcantes para o prelado português, vai procurar o patronato de D. Diogo de Sousa que terá também sido o mediador dos seus protetores. A

29 Esta possibilidade de estudar nas mais prestigiadas Universidades é também um indicativo de que a família de D. Diogo de Sousa possuiria bons

recursos económicos que o permitiram seguir uma educação acessível apenas a uma escassa elite.

30 Foi reitor da Universidade de Paris e o responsável pela instalação da primeira imprensa em França, nesta mesma instituição, em 1470. 31 Sylvie Deswarte, Ideias e Imagens em Portugal na Época dos Descobrimentos, Difusão Editora, (Lisboa: 1992), p. 24.

32 Natural da Sicília, considera-se ter sido Cataldo Parísio o grande introdutor do humanismo renascentista em Portugal. Autor de várias obras em

latim, como poemas, provérbios, cartas e análises literárias, foi, como referido, tutor de D. Jorge, filho bastardo de D. João II e do príncipe D. Afonso, além de outras ilustres figuras da nobreza portuguesa, tal como D. Leonor de Noronha, um dos primeiros nomes femininos a publicar uma obra em Portugal.

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admiração de Cataldo Sículo pelo antístite foi manifesta nas quatro cartas e vinte e nove epigramas dirigidas pelo humanista ao clérigo, onde lhe fez confidências e se fez valer dos seus préstimos33.

Certamente motivado pelas suas competências e habilitações, desde o ramo jurídico ao teológico, D. Manuel I integrou D. Diogo de Sousa na sua embaixada de homenagem e obediência ao papa Alexandre VI (também conhecido e amplamente denominado como Papa Borgia), junto a figuras como D. Fernando de Almeida, bispo eleito de Ceuta, o Bispo de Lamego e Álvaro da Cunha. A escolha de D. Diogo de Sousa como membro da embaixada representativa do Rei de Portugal à Cúria romana fez com que este se viesse a transformar numa das mais proeminentes e ilustres figuras do reino.

Nesta viagem a Roma, D. Diogo de Sousa teve o seu primeiro contacto com o berço do ideário renascentista que tanto admirava. Aqui terá privado com figuras distintas e marcantes do humanismo português, que o marcaram e influenciaram, tais como Henrique Caiado, André de Resende34 ou Pedro Margalho35. O antístite terá permanecido em Itália por mais dois anos, período

durante o qual visitou várias cidades, permanecendo mais tempo em Roma e em Florença. Na capital da Toscana, o prelado português assistiu, possivelmente, às pregações de Girolamo Savonarola36, o dominicano a que Maquiavel chamou de profeta desarmado. Savonarola

era sem dúvida uma personagem carismática cuja mensagem o fez entrar em conflito com figuras com imenso relevo do seu tempo, tais como Lourenço de Médici, o Magnífico, e o Papa Alexandre VI. Este dominicano terá seduzido, com o seu pensamento e espiritualidade, proeminentes figuras como Giovanni Picco della Mirandola, Boticelli, Miguel Ângelo ou mesmo o já referido Henrique Caiado.

Este último humanista, conhecido como poeta das Éclogas elogiadas por Erasmo, foi o autor e poeta português com maior fortuna internacional, sendo que os seus versos eram vastamente conhecidos e publicados fora de Portugal, sendo falados e discutido pelos

33 Soares, «O Arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa “Príncipe Umanizzato”…»…, p. 530.

34 André de Resende (c. 1500 – 1573), frade dominicano, além de teólogo e pensador, ficou imortalizado com pai da Arqueologia em Portugal. 35 Pedro Margalho (1474-1556) foi um filósofo, cosmógrafo teólogo e jurista português, lecionou na Universidade de Salamanca e foi vice-reitor da

Universidade de Lisboa.

36 Girolamo Savonarola (1452-1498) foi um importante pregador italiano conhecido pelo seu confronto com governos que considerava tirânicos e

com o clero que denunciava ser corrupto. Os seus principais rivais foram os Médici, que Savonarola derrotou, passando desde 1494 a governar Florença como uma república democrática; o Duque de Milão e o Papa Alexandre VI. O sumo pontífice era para o dominicano o exemplo máximo da corrupção do clero e as querelas que com ele mantinha vieram a desembocar na sua excomunhão, em 1497 e no ano seguinte, foi condenado à forca e à fogueira.

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historiadores do Humanismo37. Caiado terá convivido proximamente com D. Diogo de Sousa, a

quem dedicou diversos epigramas e a Écloga 1. Curioso é verificar que nesta écloga, surge o elogio a Savonarola, algo que seria pouco conveniente para um prelado português que se encontrava em Roma, numa embaixada de obediência a um papa com quem o mencionado frade dominicano tinha atritos que o viriam a condenar ao enforcamento em 1498. Este mesmo elogio torna-se ainda mais “inconveniente” se tivermos em consideração os ideais de renovação da Igreja propostos por Savonarola, uma vez que mais tarde estes constituirão inspiração para Lutero, sendo por isso verdadeiramente revolucionários à época.

É ainda interessante mencionar, no contexto deste “encontro” de D. Diogo de Sousa com Savonarola e a sua forma diferente de perspetivar as instituições da Igreja, que o prelado português encomendou para si uma cópia impressa da obra do pregador italiano intitulada de Triumphus Christi. Esta cópia de 1497, hoje na Academia da Ciências, foi devidamente identificada com as armas de D. Diogo de Sousa, mas, ao contrário de como este havia identificado outros livros, este não possuía as armas na encadernação mas sim na iluminura do primeiro fólio, onde se enquadram perfeitamente com os traços vegetalistas da voluta que adornam o fólio, demonstrando assim que existiu uma escolha específica na base da aquisição deste livro38. Aires Nascimento

supõe que uma das possíveis motivações para a aquisição deste exemplar, cujo conteúdo controverso questiona até onde a razão e a fé cristã são compatíveis, se tenha prendido a razões científico-teológicas ou a uma homenagem à Florença humanista que conhecera com admiração. Este incunábulo é sem dúvida um importante dado para compreendermos a extensão do espírito humanista de D. Diogo de Sousa, bem como da sua intelectualidade, curiosidade e espírito aberto a novas ideias e formas de pensar. Ainda que nos sejam desconhecidas as suas verdadeiras motivações, fossem estas mera curiosidade ou um impulso do seu espírito crítico, bem como a sua opinião acerca desta obra controversa, a sua aquisição, por si só, demonstra que o arcebispo bracarense (então Bispo do Porto) queria efetivamente conhecer a perspetiva de Savonarola, numa atitude de um verdadeiro humanista.

37 Américo da Costa Ramalho, «Um Epigrama de Henrique Caiado», em Para a História do Humanismo em Portugal (III), Temas Portugueses

(Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2000), p. 49. (Artigo originalmente publicado em: Miscelânea de Estudos Linguísticos In Memoriam Celso Cunha, (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995), p. 689-703.)

38 Aires A. Nascimento, «D. Diogo de Sousa (1460-1532), Bispo do Porto, Homem de Letras e Leitor de Savonarola», Humanitas, Vol. V, 1995, p.

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Ainda em Roma, D. Diogo de Sousa terá convivido proximamente com o Cardeal e Arcebispo de Braga D. Jorge da Costa, conhecido como Cardeal Alpedrinha. Esta proximidade terá certamente sido relevante, se, tal como a Doutora Paula Bessa sugere na sua tese de Doutoramento, considerarmos o gosto artístico deste cardeal, cuja escultura e pintura da capela funerária, Capela de Santa Catarina (na igreja de Santa Maria del Popolo, em Roma) foi da autoria de Andrea Bregno e da oficina de Pintoricchio39, dois dos artistas mais requisitados pela elite

romana. O Cardeal Alpedrinha e o seu conhecimento e gosto artístico próprios do Renascimento, terá então, muito possivelmente, inspirado D. Diogo de Sousa em algumas das suas opções artísticas futuras.

Ainda em Roma, a 23 de outubro de 1495, D. Diogo de Sousa foi nomeado Bispo do Porto, lugar que ocupou até 1505. Regressado a Portugal o prelado terá feito e encomendado várias obras para a sua diocese tais como: a Custódia da Sé do Porto, que doou quando era já arcebispo de Braga (1517) e que hoje se encontra no Tesouro Museu da Sé do Porto; uma cruz de prata e uma mitra que ainda seria usada no século XVIII. Terá também encomendado um novo retábulo para a capela-mor. Este retábulo terá permanecido na Sé portuense até ao fabrico de um novo, no bispado de D. Gonçalo de Morais (1602-1617)40 . Do ponto de vista legislativo, o então

Bispo do Porto, tomou entre outras medidas, a de colocar fim ao privilégio da cidade do Porto que impedia que nobres aí pudessem residir. D. Diogo de Sousa considerava que os nobres, enquanto classe com maiores posses económicas e, genericamente mais cultas, eram aqueles que conferiam um maior prestígio à cidade41. Além disso, trasladou ossos de S. Pantaleão, o padroeiro

da cidade, promovendo ainda a sua festa litúrgica42.

Destaca-se ainda no seu período enquanto cabeça do bispado do Porto a convocação, em 1496, do sínodo episcopal do qual saíram as Constituições Sinodais em 1497. Constituídas por sessenta diretivas que regulamentavam a vida religiosa de clérigos, abades, reitores, priores e fiéis da diocese, foram as primeiras Constituições impressas em Portugal, sendo também um dos primeiros livros impressos em português. Composta por trinta e dois fólios e com sessenta e duas páginas impressas, esta obra, da qual chegaram até hoje dois exemplares, estava ainda acompanhada do anexo de um catecismo. Este incunábulo, ao contrário de outras obras da época,

39 Pintoricchio foi um dos primeiros a descobrir os frescos da Domus Aurea e era um dos pintores favoritos do próprio papa Alexandre VI. 40 Cunha, História Eclesiástica…, vol. II, p. 290.

41 Cunha, História Eclesiástica…, vol. II, p. 290. 42 Cunha, História Eclesiástica…, vol. II, p. 289.

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constitui um bom exemplo da situação em que se encontrava a língua portuguesa no final do século XV no que respeita à morfossintaxe, o que valoriza ainda mais esta obra43.

Em 1502, D. Diogo de Sousa foi nomeado capelão-mor da rainha D. Maria (1482-1517), esposa de D. Manuel I de Portugal (1469-1521) e em 1505, este mesmo monarca irá incluí-lo na sua embaixada de homenagem ao papa Júlio II.

Devido a problemas logísticos no decorrer desta viagem, a entrada em Roma da embaixada portuguesa foi feita através da Via Giulia, um dos primeiros e mais significativos projetos urbanísticos do Renascimento da referida cidade italiana. De traçado longo, retilíneo e mais largo do que os traçados de ruas mais comuns na altura, a Via Giulia era um exemplo daquilo que era o gosto urbanístico da época44. Posto isto, certamente que a passagem por esta via, terá

constituído uma das bases de inspiração para que D. Diogo de Sousa, mais tarde, abrisse a Rua do Souto e a Rua Nova de Sousa, em Braga, formando uma via semelhante, longa e larga45.

Será nesta embaixada marcada pela primeira manifestação pública da viagem de Vasco da Gama à Cristandade, que o clérigo vai viver a «terceira e última fase da sua vida de estrangeirado (…)»46.

Ainda durante esta sua estadia em Roma, ficou decidida a demissão de D. Jorge da Costa do cargo de arcebispo de Braga, em favor de D. Diogo de Sousa, que deixará a diocese do Porto47

e exercerá o cargo de chefe do arcebispado minhoto até à data da sua morte, em 1532, a par de outros cargos, tais como o de capelão-mor da rainha D. Catarina de Áustria (1507-1578), esposa de D. João III de Portugal (1502-1557)48 .

D. Diogo de Sousa, Arcebispo de Braga

D. Diogo foi designado arcebispo de Braga através da bula de Júlio II Quam si onusta, a 11 de julho de 1505, tinha então o português quarenta e quatro anos. Conta-nos a Historia

43 José Barbosa Machado, Constituições de D. Diogo de Sousa (Edições Vertical: 2012), p. 9.

44 Paula Bessa, «Pintura Mural no fim da Idade Média e do início da Idade Moderna no norte de Portugal» (tese de doutoramento, Braga, Instituto

de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007), p. 78.

45 Bessa, «Pintura Mural…», p. 78.

46 Bandeira, «D. Diogo de Sousa, o “urbanista”…»…, p. 22.

47 D. Diogo de Sousa foi sucedido na Diocese do Porto por D. Diogo da Costa, sobrinho de D. Jorge da Costa. 48 Bessa, «Pintura Mural…», p. 78.

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genealogica da Casa Real Portugueza, que este título eclesiástico ter-lhe-á sido dado pelas mãos do próprio papa49. Nesse mesmo ano, Lisboa é assolada por uma peste que fará com que a corte

se mude para Almeirim, por onde o agora arcebispo passa para contar da sua embaixada, antes de se deslocar para a sede do seu arcebispado.

Vivia-se nas cortes europeias e nas cidades italianas um período particularmente brilhante, em que as embaixadas a Roma constituíam manifestações da pompa e da glória dos reinos católicos que as enviavam. Assim, inspirado por estas cerimónias que conhecera na primeira pessoa, D. Diogo de Sousa fez uma entrada solene na cidade de Braga, a 22 de Novembro de 1505. O aparato e solenidade deste momento constituía uma simbologia da afirmação do poder espiritual da Igreja Católica, bem como a perfeita oportunidade do novo arcebispo se mostrar aos seus fiéis, vincando assim a dimensão do seu poder enquanto Senhor e Arcebispo de Braga.

Assim, o antístite foi recebido com grande alegria pelos populares que viam pela primeira vez o arcebispo na Sé, vacante desde há muitos anos. Isto significa que apesar de usarem o título de arcebispo primaz, os antecessores de D. Diogo não residiam na sede da sua arquidiocese. Esta ausência de poder fazia-se notar na cidade no despontar da década de quinhentos através do profundo atraso, que mantinha Braga uma cidade suspensa no tempo.

O primeiro núcleo populacional bracarense, teve fundação romana, núcleo esse que cresceu e se transformou em concordância com as diversas ocupações, invasões, vontades dos seus prelados ou opções arquitetónicas. É assim que se forma a Cidade Medieval, que se organizava em torno da Sé Catedral e era quase assim que, no início do século XVI, D. Diogo de Sousa vai encontrar a capital minhota: uma cidade atrasada, refém do passado medieval, pequena em dimensões físicas e demográficas.

Braga estava evidentemente muito distante do prestígio que, à priori, uma cidade dona de uma Sé Primacial deveria ter, na verdade, existia uma verdadeira discrepância entre o título que possuía e a realidade da cidade.

Segundo Rui Maurício50, o território urbano a cidade não iria além dos três hectares dentro

das muralhas, contando-se três freguesias dentro da cerca (Sé, Santiago da Cividade e São João do Souto) e duas fora da cerca (S. Vítor e S. Pedro de Maximinos). Quando a vias de circulação existiriam vinte-e-uma, excluindo o do Rossio da Sé, do Terreiro do Castelo e do Largo de Santiago.

49 Sousa, Historia genealogica da Casa Real Portugueza…, Tomo XII, p. 426.

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Fora das muralhas contar-se-iam oito arruamento aos quais se juntavam os campos de São João do Souto, de Santa Ana, de Santiago das Hortas e de S. Sebastião.

No plano arquitetónico e tipológico da cidade, o mesmo autor aponta que em Braga predominavam as estruturas militares, das quais se destacavam as torres do Castelo e a muralha; e as estruturas civis, tais como o Paço Episcopal, a Casa do Concelho e os fontanários de abastecimento coletivo e os centros de culto, dos quais, naturalmente, se destacava a Sé Primacial. A cidade possuía ainda algumas infraestruturas assistenciais, tais como albergues, hospitais ou gafarias.

Também do ponto de vista demográfico a arquidiocese de Braga era bastante pequena, mesmo quando comparada a níveis regionais. No entanto, quando D. Diogo de Sousa assumiu o arcebispado, a população estava num período de recuperação demográfica. Rui Maurício aponta para um número de sensivelmente 1500 habitantes em 349 fogos51 no ano de 1477, já em 1506,

um ano depois do prelado chegar a Braga, a cidade contará com 740 fogos e por isso um número de habitantes que rondaria as 3000 pessoas, o que significa que em menos de trinta anos, a população terá duplicado.

Além de, por um lado, o crescimento demográfico da cidade ser um incentivo, este mesmo crescimento tornava expansão, modernização e reforma da cidade verdadeiras necessidades que o arcebispo certamente terá assumido como um desafio ao qual se dedicará de forma ímpar e incansável.

Assim, moldando a cidade à luz do seu perfil de homem moderno, a par de uma «consciência de adequação ao antigo»52, D. Diogo de Sousa vai reedificar Braga não só no seu

panorama físico e institucional, mas também humano e consequentemente económico e cultural.

A Reforma Urbana

Um pouco por toda a Europa desenhavam-se as linhas daquilo que era o Renascimento urbano, uma expressão das elites, onde se refletia a mentalidade da época e os desígnios de quem as governava. Nestas cidades renascentistas, das quais se destacavam Roma e Florença, o novo

51 O autor apresenta estes números com base na estimativa de que cada fogo abrigaria 4 a 5 pessoas. 52 Maurício, O Mecenato de D. Diogo de Sousa…, p. 23.

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impunha-se sobre o velho, sem apagar o passado da urbe, assim, «a cidade ocidental do renascimento é ainda contudo a cidade medieval»53. Mencionando Lewis Mumford, Miguel

Bandeira explica que a cidade do Renascimento corresponde a uma transição da urbe medieval e do centralismo nas entidades divinas de Deus e da sua Igreja, para aquilo a que designa por uniformidade barroca, onde se verifica o centralismo absoluto daquilo que se designará de estado nacional.

Considerando isto, a cidade de Braga apresenta-se hoje exatamente com estas características acima referidas, onde a par daquilo que foi a urbe quinhentista, coexistem elementos daquilo que foi o surto urbano dos séculos XI e XII bem como elementos da expansão e reforma barroca.

D. Diogo de Sousa vive e convive com os príncipes do Renascimento que, à luz das ideias de Maquiavel, prosperam. Ainda que o arcebispo primaz não sugira qualquer ligação ao maquiavelismo enquanto ideal, as suas ações enquadram-se com as destes príncipes nos mais variados ramos de reforma do arcebispo, cuja obra foi para Braga como que o rasgar de «uma janela num quarto lúgubre e obscurecido»54.

As novas formas que o arcebispo primaz pretende dar à cidade de Braga, começaram a desenhar-se logo a 15 de dezembro de 1505, quando, menos de um mês depois da sua chegada à cidade, D. Diogo de Sousa reúne o Sínodo, onde vai tomar uma série de decisões que serão mais à frente abordadas e que revelaram o seu parecer humanista, bem como a sua preocupação com a regeneração da Igreja que agora liderava.

Logo nesta altura, o arcebispo revelou a sua grande sensibilidade na forma como planeou reformar a Sé Catedral, não apenas enquanto espaço físico que representa toda a arquidiocese primacial, mas também enquanto espaço monumentalizado. É por isso que a sua reedificação assume uma importância tão grande na sua obra enquanto arcebispo de Braga.

Esta reedificação de Braga fez-se através de duas grandes frentes: in-ecclesia, dentro da Igreja, e extra-ecclesia, fora do templo. Assim, da mesma forma que o interior de um templo era composto por vários espaços devidamente equipados, com variados papéis e hierarquias, também o espaço que envolvia esse mesmo templo deveria estar organizado e equipado segundo as suas diversas funções. O espaço extra-ecclesia teria como dignitas civitates a Sé Catedral, no entanto,

53 Bandeira, «D. Diogo de Sousa, o “urbanista”…»…, p. 23. 54 Bandeira, «D. Diogo de Sousa, o “urbanista”…»…, p. 25.

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os edifícios envolventes deveriam também fazer parte do discurso arquitetónico preparado para a urbe pelo arcebispo55. Em suma, a reforma e restauração da dignidade, imposta pelo seu título de

Sé Primacial, não se podia circunscrever a uma reformulação feita apenas para dentro, resumida ao espaço sagrado. Esta restituição do prestígio da Catedral implicava que a reforma fosse também feita além das paredes da Sé, estendendo-se à cidade e à sua renovação urbanística.

É evidente que D. Diogo de Sousa, sendo um homem que, na linha do pensamento dos príncipes renascentistas, se empenhou nesta modernização e reforma da capital da sua arquidiocese com base em intuitos políticos. O arcebispo estava perfeitamente consciente de que a afirmação e modernização de Braga enquanto arquidiocese primaz na Península Ibérica era fundamental, num panorama político em que Castela assumia alguma hegemonia no panorama Ibérico com o reinado dos Reis Católicos.

A reforma urbanística da cidade de Braga planeada por D. Diogo de Sousa segue uma sensibilidade pré-vitruviana, uma vez que, apesar de seguir muitos dos modelos de Vitrúvio no seu Tratado da Arquitetura (século I a. C.)56, na altura em que os projetos da urbe bracarense

quinhentista são desenvolvidos, os tratados do arquiteto romano ainda não tinham sido divulgados. Podemos, no entanto encontrar na obra urbana de D. Diogo de Sousa na arquidiocese primaz de Braga, as três características que tornavam a arquitetura proporcional ao Homem e à Natureza e que eram fundamentais para a edificação da Cidade Ideal, são elas utilitas (utilidade), venustas (beleza) e firmitas (solidez)57.

Considerando estas características, o prelado bracarense irá no plano urbanístico abrir e retificar as infraestruturas viárias da cidade, criar novos equipamentos coletivos e criar mais espaços verdes, próprios de uma verdadeira cidade do Renascimento.

55 Maurício, O Mecenato de D. Diogo de Sousa…, p. 30.

56 Os estudos de Vitrúvio (c. 80/70 a.C. – 15 a. C.) foram descobertos em 1412, no entanto, foram divulgados apenas em 1521, ou seja, quase

vinte anos depois de D. Diogo de Sousa iniciar a sua reforma urbanística.

57 David Emanuel Vieira Aguiar, «D. Diogo de Sousa e as ofertas de bens móveis à Sé de Braga» (dissertação de mestrado, Braga, Instituto de

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Os Novos Arruamentos e o Anel de Campos

O trabalho que D. Diogo de Sousa fez no que respeita às alterações e criação de infraestruturas viárias na urbe bracarense é, talvez, o maior espelho do caráter e dedicação do arcebispo no melhoramento urbanístico da cidade. Estes espaços são, ainda hoje, fundamentais no desenho e organização do centro histórico da cidade e tiveram uma dimensão que se mostrou como uma clara expressão daqueles que seriam os objetivos de qualquer príncipe renascentista.

Atentando ao interior da muralha, destaca-se a abertura da Rua de Sousa, «da fonte da Sam Geraldo ata a porta de Sousa»58, no lugar onde se encontravam quintais que o prelado

comprou. Esta rua corresponde a uma rua retilínea que prolongava o alinhamento da Rua do Souto que já existia até à Porta Nova, que se abriu em 1512 e que corresponde ao local do atual Arco da Porta Nova. A criação desta rua insere-se dentro de um dos principais preceitos urbanistas renascentistas: a existência de uma rua principal de traçado reto. A existência deste tipo de traçado viário explica-se pelo progresso económico, que consequentemente levou ao melhoramento dos sistemas de rolagem dos carros, a par do crescimento demográfico que se seguiu a um período de pestes, uma tendência que também se verificou na cidade de Braga. A combinação destes dois fatores tornava intolerável e pouco viável a continuidade das ruas tortuosas próprias do traçado medieval da cidade.

Apesar de estas ruas retas não constituírem algo de completamente novo em Portugal59,

na cidade de Braga estas eram elementos de todo um projeto urbanístico que pretendia estruturar e articular um conjunto de novos espaços.

Neste sentido, dentro da cidade, D. Diogo criou três novas praças na zona sul para as quais foram necessários trabalhos de terraplanagem e pavimentação. No contexto destas obras, é notável a preocupação do arcebispo em pavimentar todas as suas praças e rossios com o mesmo tipo de pedraria, o que de novo reflete a sua sensibilidade para a criação da uniformidade ideal da cidade renascentista. A Nordeste da Sé, «antre a capella de Sam Geraldo e de Dom Gonçallo e a

58 Cónego Luís Tristão, Memorial das Obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer, [1532 a 1565 (?)] fl.329 (transcrito em: Rui Maurício – O

Mecenato de D. Diogo de Sousa (1505-1532))

59 Miguel Melo Bandeira aponta a existência de ruas com traçados retilíneos desde o reinado de D. Dinis (1261-1325), que mandou fazer a Rua

Nova dos Mercadores em Lisboa. Também D. Manuel I mandou abrir a atual Rua das Flores em Lisboa e, em Coimbra, a Rua Sofia obedeceria também a este traçado.

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ditta rua»60 (Rua de Sousa), abriu uma praceta que calcetou e onde colocou degraus de pedra. Na

vertente oeste desta praça, criou uma outra que atualmente desapareceu, da qual os únicos vestígios estão na configuração geométrica do embutido de casas do complexo edificado da Sé, moldada pela planta da Misericórdia. Esta praça seria onde se localizavam os açougues, que, segundo o Memorial das Obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer, terão sido dotados de alpendres com colunas e de duas casas que se destinavam a albergar os encarregados de limpar o espaço. Junto à Porta Nova, e portanto no outro extremo da Rua de Sousa, criou a Praça do Mercado do Peixe, atualmente designada de Praça Velha.

Ordenou que se abrisse um travessa que ligava a Rua de Sousa à porta principal da Sé, que corresponde à atual Rua do Cabido. Como já foi mencionado, no planeamento urbano feito por D. Diogo de Sousa, este deixa clara a importância que atribuía à Sé Primacial enquanto representação monumental e física do arcebispado. Assim, com esta travessa, o prelado vai, de forma estratégica colocar a Sé, também ela alvo de remodelações, como um local de passagem obrigatório. A Catedral assume desta forma um papel central na renovação urbanística, transformando-se num dos «pólos chave das iniciativas de renovação urbana da cidade de Braga quinhentista»61.

A praça em frente à Sé, onde uma câmara antiga ocuparia grande espaço, foi mandada alargar, resultando na duplicação da sua área. A Rua de Maximinos, de onde vinha esta câmara, segundo o Memorial das Obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer, seria torta e estreita, com edifícios demasiado altos que não permitiam que se avistasse a Sé. Por isso, esta rua foi alargada e endireitada. Esta necessidade de se vislumbrar a Catedral, reforça, mais uma vez, a ideia de centralismo deste edifício, em termos da sua monumentalidade e do seu caráter espiritual e do seu simbolismo enquanto edifício principal da urbe. Miguel Melo Bandeira aponta para a possibilidade de a Rua dos Burgueses, que dava serventia à Rua de Maximinos também ter sido alargada e retificada, notando que, sendo isto factual, a complexidade dos trabalhos terá sido ainda maior.

D. Diogo de Sousa mandou ainda retificar a Rua Nova, que é descrita como ainda mais torta e estreita que a de Maximinos. Esta Rua Nova tornou-se, assim, vital no sistema de circulação

60 Tristão, Memorial das Obras…, fl. 329.

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interna, uma vez que seria o único elo de ligação viária entre o sul da urbe e a zona norte da cidade.

Fora das portas da cidade, esta crescia segundo o alinhamento imposto pelos arruamentos principais, o que nos leva a um dos trabalhos urbanísticos que no parecer de Miguel Bandeira, terá sido um dos mais notáveis projetos do arcebispo, a criação daquilo a que o autor chama de Anel de Campos. Este Anel de Campos ligava um conjunto de novos espaços públicos através de ruas que se interligavam, tal como acontecia noutras cidades europeias, sendo fundamental para o desenho da urbe quinhentista.

Podemos começar a descrever de forma resumida esta ideia pelo Campo/Rossio de Santa Ana ou Sant’Anna, que se situava-se junto à Porta do Souto, na Braga dos dias de hoje, no local da Praça da República e a Avenida Central. Neste Campo, D. Diogo de Sousa mandou, em 1506, que se construísse a Ermida de Sant’Anna. Em torno desta ermida de planta octogonal, o arcebispo mandou colocar uma série de marcos miliários, descobertas arqueológicas da ocupação romana da cidade, que também teriam servido para a edificação das paredes, mantendo as suas inscrições. Além de demonstrar o profundo sentido estético de D. Diogo, as soluções que o antístite encontrou para este espaço refletem as suas inspirações renascentistas, marcadas pela forte admiração pelo passado Romano, que conhecera em Itália.

Seguindo a muralha por sul, D. Diogo de Sousa criou um novo arruamento: a Rua de São Marcos, que ligava este campo ao Rossio da Porta de São Marcos (atual Carlos Amarante) que passava então a cruzar duas vias de circulação, uma que ligava ao Campo de Santa Ana e uma outra e uma outra, a Rua de São João, que ligava às traseiras da Catedral e que depois passava pela porta de São João, terminando na rua da Ponte, que já fazia parte do caminho para Guimarães. Para tal, teve que comprar diversos quintais uma vez que ali não existiria nenhuma rua além de uma travessa pequena.

Continuando a contornar a muralha, surge a Rua do Anjo, que liga o Rossio de São Marcos ao Campo de São Santiago. Esta rua encontra-se inserida no conjunto de intervenções urbanas de D. Diogo de Sousa uma vez que o seu traçado se enquadra nos seus projetos, no entanto, não existem fontes que o possam comprovar.

O Campo de Santiago, encontrava-se conectado, através da Rua do Alcaide, ao Campo de São Sebastião das Carvalheiras. Segundo o que escavações arqueológicas nossas contemporâneas sugerem, a referida Rua do Alcaide poderá ter integrado uma via romana. Por

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seu turno, no Campo das Carvalheiras, mandado alargar por D. Diogo de Sousa, atual Largo Paulo Osório, deverá ter existido um fórum romano.

O Campo das Hortas situava-se no extremo oposto ao Campo de Santa Ana, ligado a este pelas Ruas de Sousa e Rua Nova.

Prosseguindo o contorno da muralha, agora para Norte, encontra-se a chamada ronda dos Biscainhos, cujo nome sugere uma ligação ao prelado, uma vez estar ligado artistas por ele chamados para trabalhar na cidade. No entanto, este arruamento ainda não tinha um traçado regular no século XVII.

Encontramos, por último, o Campo da Vinha que seria na época a maior praça de Braga e que já teria sido projetada por D. Jorge da Costa, tendo sido apenas uma realidade com o sucessor, D. Diogo. O Campo da Vinha quinhentista deveria ser ainda maior do que o que encontramos atualmente, uma vez que os complexos conventuais do Pópulo, do Salvador, assim como o Seminário de São Pedro ainda não existiam. Aqui, o arcebispo terá ainda mandado construir um conjunto de casas que estaria ao nível daquilo a que à luz do conceitos modernos chamamos de urbanização. Terá portanto sido um investimento cujo valor terá sido considerável, assim como seu impacto urbano.

Ainda que sendo uma obra de menor escala do que as até aqui referidas, convém-nos ainda mencionar o levantamento de vários cruzeiros, que foram colocados nos cruzamentos das principais vias, sobretudo no exterior da cidade. Os cruzeiros mais importantes encontravam-se sobre um pedestal, que se ordenava em degraus. Eram eles o do Campo de Santa Ana; o do terreiro de São Lázaro, em frente à gafaria; o da porta de São Marcos; o da porta de Maximinos; o da porta de Sousa e o da porta de São Francisco. Além de valorizarem o espaço urbano, constituíam verdadeiros elementos de propaganda, com emblemas do rei, como a esfera armilar, ou com a heráldica do senhor da cidade62, como era o caso dos cruzeiros que o arcebispo primaz

mandou erguer na sua cidade.

62 Ana Cristina Leite, «Os Centros Simbólicos – As Grandes Edificações (1450 – 1530)», História da Arte Portuguesa, Vol. 2, Do «Modo» Gótico ao

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Os Novos Equipamentos Coletivos

No contexto dos equipamentos coletivos, a ação de D. Diogo de Sousa quanto ao abastecimento de água assume-se como um aspeto importante.

Na época das intervenções do arcebispo, o abastecimento de água da cidade era feito recorrendo a fontanários públicos e privados, bem como recorrendo a outros pontos de água, tais como poços ou nascentes. Posto o facto de Braga possuir uma rede hidrográfica densa, D. Diogo vai criar na cidade uma nova rede de fontanários, que além de servirem para cobrir uma necessidade evidente numa urbe em crescimento espacial e demográfico, vão assumir também

um papel monumental e simbólico, decorando estas novas fontes com peitoris e ameias63 bem

como arranjando os espaços que as envolviam. À semelhança de outras obras patrocinadas pelo antístite, os fontanários foram também decorados com as suas armas. A presença destes elementos heráldicos tinham evidentemente intenções de caráter político e religioso, bem como uma procura pela imortalização dos suas beneficências. Esta foi, portanto, uma clara ação de um príncipe renascentista, aliando a necessidade à monumentalidade, afirmação de poder e procura pela perenidade do seu nome.

Duas destas fontes estavam estrategicamente colocadas nos dois extremos da Rua de Sousa, a primeira, a fonte de São Geraldo foi mandada reparar e, junto à Porta Nova, a fonte de Sousa foi construída de novo, não existindo nenhuma no seu local.

No contexto das obras que o arcebispo realizou no Paço Episcopal e que serão explicadas adiante, D. Diogo mandou substituir o chafariz do Largo do Paço.

Ordenou ainda a regularização da circulação da água nas áreas envolventes à muralha, ou seja, nos Campos já referidos. Mandou então edificar um chafariz de Senhora-a-Branca e o chafariz de São Marcos e regularizou os encanamentos da fonte da Cárcova, nas imediações do Castelo, e da fonte da Cónega, que foi abastecida por água pela primeira vez em 1531.

Para o desenvolvimento económico e mercantil da cidade, o prelado mandou que se fizessem alpendres cobertos, em colunata, inspirados nas loggias italianas, onde os mercadores podiam pousar as suas mercadorias e animais antes de passarem pelo alfandegário, que estaria junto à muralha e que lhes cobraria as taxas estipuladas. Dois destes alpendres encontravam-se

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em cada um dos limites da nova via principal, na Porta do Souto e na Porta Nova respetivamente e estavam devidamente calcetados e possuíam estrebarias e manjedouras para os animais.

Dotou ainda a cidade de novos mercados, o mercado do peixe, dos açougues e do pão, devidamente construídos e equipados e que evidenciaram já alguma preocupação quanto a alguns cuidados de saúde pública destacando-se as preocupações relativamente à limpeza do próprio espaço.

D. Diogo de Sousa manifestou-se também profundamente dedicado a obras de caráter educativo e cultural. O arcebispo criou Estudos Públicos, que instalou na antiga capela de São Paulo e no edifício anexo, em frente à posteriormente edificada igreja com o mesmo patrono. O Largo de São Paulo tornar-se-ia assim no primeiro pátio académico de Braga, assim permanecendo cerca de dois séculos. Apesar do primeiros avanços desta instituição serem sem dúvida obra do arcebispo primaz, na fase final da sua prelatura, a afirmação dos Estudos Públicos consolidar-se-á apenas com os seus sucessores.

D. Diogo mandou também fazer uma livraria, além do claustro da Sé, com vidraças, janelas, bancos e sítios para pousar os livros, que constituiu não só um apoio ao ensino, mas também um incentivo às atividades intelectuais, bem como procurava afirmar Braga enquanto um polo atrativo para a fixação de Letrados. O prelado estava portanto muito consciente do valor da educação na construção de uma cidade que se procura melhorar constantemente.

Passando, por último, ao plano assistencial, o mecenas bracarense irá assumir o comando das obras do Hospital de S. João Marcos em 1508. Devemos atentar que à luz da época em foco neste projeto, um hospital não era mais do que uma albergaria para peregrinos e um local onde era dada misericórdia aos doentes64, trabalho iniciado por Diogo Gonçalves e que o arcebispo irá

concluir e dotar de sustento para o futuro, atribuindo posteriormente a sua administração à Câmara.

A gafaria de Dume foi transferida para a Rua dos Granginhos e foi dotada de um alpendre em pátio, quatro câmaras e duas chaminés.

Imagem

Figura  1:  Brasão  de  Armas  da  Família  Vasconcelos  (Livro do Armeiro-Mor, fl. 53)
Figura  2:  Brasão  de  Armas  da  Família  Silva.  (Livro  do  Armeiro-Mor, fl. 54)
Figura 3: Brasão de Armas dos Teles/Telo de Meneses.
Figura  4:  Brasão  de  Armas  dos Sousas. (Livro  do  Armeiro- Armeiro-Mor, fl. 52)
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Referências

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