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Sexualidade, erotismo e proibição em Maíra

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Academic year: 2021

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Risoleta Pacola

Cecílio Henrique Costa

Sexualidade, erotismo e

proibição em Maíra

Estudantes de graduação no curso de Sociologia e Política, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Introdução

Ao ler a obra Maíra, de Darcy Ribeiro

(1984), três pontos são marcantes do início ao fim da leitura: sexualidade, erotismo e proibição. Isso se dá através da apresentação dos fatos narrados e vivenciados pelas personagens Isaías, Alma e povos indígenas.

É partir da leitura e da percepção dos três elementos mencionados acima que o presente artigo se constrói.

A interpretação será feita a partir de um recorte das ações e vivências da personagem protagonista Isaías, como aquele que conhece os costumes e hábitos dos povos Mairum e dos homens brancos. Isaías também teve experiência como ex-seminarista, que estudou e viveu em Roma e retorna para sua tribo de origem, da qual fora tirado ainda menino.

Agora, não mais ingênuo, ou menino, mas um homem com o desafio de resistir, às tentações carnais e aos desejos sexuais pessoais, oprimidos pelo catolicismo e pela religião. Teve que resistir também às mulheres da sua tribo, e principalmente, à Alma, personagem oposicionista, do sexo feminino, que passa a acompanhá-lo como enfermeira dos povos indígenas, e como aquela que dividirá inclusive o mesmo espaço físico que Isaías.

Sexualidade

Para dar início ao presente artigo, tomam-se como batomam-se os conceitos apretomam-sentados pelos dicionários de Psicanálise e de Ciência Sociais acerca da definição da palavra Sexualidade; já que esta é a palavra que abre as primeiras reflexões

sobre a obra Maíra.

Para o Dicionário de Psicanálise (Laplanche

e Pontalis, 1999), “sexualidade”, na experiência

psicanalítica, não designa apenas as atividades e o prazer que depende do funcionamento do aparelho genital,

mas toda uma série de excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam um prazer e irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc.) e que se encontra a título de componentes na chamada forma normal do amor sexual. (Laplanche e Pontalis, 1999.)

Para o Dicionário de Ciências Sociais (FGV,1986, p.1113) sexualidade designa “o complexo de impulsos, atitudes, hábitos, ações de um organismo, em torno do coito”. As disciplinas das Ciências Sociais divergem quanto aos elementos que incluem nesse complexo e quanto ao destaque que dão aos vários elementos incluídos.

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Considerando ambas as definições apresentadas - tanto pelo dicionário de psicanálise, quanto pelo de Ciências Sociais - e o

contexto em que a obra Maíra foi escrita, a mesma

pode ser analisada como parte do universo da literatura brasileira, com uma visão da Ciência Antropológica ou ainda como parte das Ciências

Sociais. Partindo destes princípios, Maíra permite

interpretações diversas.

Na obra Maíra, a personagem Alma,

enquanto representante do sexo feminino, anuncia-se como oposicionista aos sonhos, ações, hábitos e costumes da personagem Isaías, sendo este representante dos povos indígenas, tanto feminino como masculino. Quando Isaías questiona a adaptação de Alma junto ao povo Mairum, Alma demonstra-se superior ao personagem Isaías, pois esta acredita estar mais adaptada à cultura do povo Mairum, mesmo sendo uma mulher branca entre os povos indígenas. Em contrapartida a Isaías, descendente direto do povo Mairum, esta questiona e mostra que ele encontra-se em conflito social e cultural, e julga, frente às suas dúvidas, a perda de identidade, seja branca ou indígena, e predestina que este jamais se encontrará como chefe de seu povo ou como professor no Rio de Janeiro nem mesmo como padre em Pindamonhangaba. Isso pode ser observado na passagem a seguir, extraída do capítulo “O Cuspe e a Pecúnia”:

Você está contente aqui, não é, Alma? - Nunca estive melhor, confesso. Acho que sou mesmo é mairum. Sabe o que eu sinto hoje, o que me incomoda? É essa minha pele branca, é essa quantidade de cabelo e de pêlo louro que tenho por todo o corpo. A vontade mesmo que eu tinha era de ter uma cara mairum de verdade. E você, Isaías? Isso que para mim é bom, pra você é difícil, não é? Vejo que você não acha jeito, né? Não responda não. Deixe eu falar, para você

ver como é que eu sinto essas coisas. Olhe pra mim, rapaz: você está ruim, aqui, tá na cara. Mas você não estaria ruim de qualquer jeito, em qualquer lugar? Eu não imagino você bem em lugar nenhum. Nem como pajé-sacaca dos quatis, se isto fosse possível, você estaria melhor. Também não vejo você bem como professor no Rio ou como padre em Pindamonhangaba. Assim é, Isaías. Meu conselho é

que você relaxe e se acomode. Deixe essa mania tão sua de parafusar e desparafusar o bestunto. Você vai viver aqui a vida inteira, rapaz. Fique calmo, fique tranquilo, senão você se atola. Não leve as coisas tão a peito.

- Alma, vou me casar.

- Casar, você? Você esta doido? Comigo não!

- Com Inimá.

- A menina, aquela? Ah, já sei. São essas confusões de vocês, os clãs, não é? Você é obrigado a casar com ela, não é? - Quem é que sabe? (RIBEIRO,1984, p. 278)

Na análise feita no recorte do capítulo “A Miraxorã e o Seriguê.”, pode-se observar que Isaías, enquanto personagem protagonista e condutor de Alma entre os Mairum, vai mostrar que os costumes e hábitos daquele povo presente em alguns detalhes da cultura são vistos somente por seus integrantes, sejam detalhes sexuais ou ações de gênero masculino ou feminino. Por exemplo, o ato sexual de Alma com Teró, até então imperceptível para uma mulher branca, que não é conhecedora desses detalhes tão singelos, presentes na cultura Mairum, pode denunciar que esta praticou o ato sexual com o chefe da tribo de forma detalhada para aqueles que já estão adaptados àquela cultura. Isso demonstra que Alma não está de fato adaptada aos costumes e hábitos do povo Mairum como ela mencionara anteriormente. Os conflitos de identidade estão

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presentes tanto em Isaías, como mediador dos povos indígenas frente ao homem branco, quanto em Alma, mulher branca entre os povos indígenas e seus costumes.

Há na figura masculina de Isaías um olhar capaz de mostrar que a mulher branca naquele contexto jamais poderá inserir-se totalmente como integrante da tribo Mairum, não sendo permitida para Alma a procriação. Mas, por outro lado, como Mirixorã, Alma poderia considerar-se superior até às demais mulheres comuns, pois como Mirixorã, a personagem tem o papel social diferente frente ao clã e às mulheres Mairum, que durante o resguardo abrem mão dos seus maridos, para que estes possam satisfazer-se sexualmente com as mulheres que são escolhidas para esta função. Diferente da visão de Alma, que como uma mulher branca encara esse papel social como prostituição, que deforma e denigre o papel da mulher na sociedade, demonstrando assim sua visão etnocêntrica ao recusar a sexualidade como papel social.

A personagem Isaías, como representante do povo Mairum e como aquele que tem conhecimento dos costumes e hábitos da tribo, tanto dos homens quanto das mulheres, chama a atenção da Personagem Alma para seus atos e seu papel naquele espaço, partindo da visão masculina e em relação ao comportamento de Alma, mulher branca que habitava a tribo Mairum, mostrando a esta, como deveria ser seu comportamento sexual e social enquanto representante do sexo feminino junto às demais mulheres que lá viviam e que as mulheres da tribo ocupavam papeis diferentes frente aos povos indígenas. Isto fica claro no trecho a seguir essa distinção de papeis representados para sociedade branca e os povos indígenas:

- Não, Alma as coisas aqui são mais

simples e mais complicadas.

Todo mundo sabe. Não precisa ninguém contar

- Que é isto? Como é que todos sabem? Se sabem é porque ele contou

- Não, Alma as coisas aqui são mais simples e mais complicadas.

Todo mundo sabe. Não precisa ninguém contar

- Que é isto? Como é que todos sabem? Se sabem é porque ele contou! Então eu dou uma trepada no escuro do pátio e todo mundo já sabe que eu andei fodendo?

- Que expressão chula, Alma. Vamos lá, procure entender. Você está com esse colar de caramujo. Esse colar, todos sabem, todos vêem que é dele. Nesse mundo nosso, as coisas feitas por cada pessoa são reconhecíveis como as caligrafias de vocês. Se eu pegar uma flecha, ou um cesto, ou um colar, qualquer coisa, e mostrar a qualquer um, ele pode dizer ali na hora quem fez cada coisa. Esse seu colar é da feitura de Teró. Está na cara. O mais também se sabe ou adivinha: Ele te deu o colar à noite, ontem. Eu posso até te dizer como. - E como é que foi?

- Vocês se encontraram à noite, no pátio. Ele bateu a mão no seu ombro...

- É. Bateu, e eu disse, boa noite, Teró, como é que vai?

- Você não precisa dizer nada não. Você só tinha que se agachar.

Agachar e fornicar.

- Que fornicar, que merda nenhuma, Isaías: trepar, foder. Que mania é essa de pecado, de fornicação. Eu fornico com ninguém não! Eu trepo, fodo. E que é isso? Você acha que ele não tinha que dar cantada nenhuma, não?

Basta bater a mãozinha e eu a vou me agachando! As mulheres daqui são assim? Eta mundo bom! Tenho uns amigos lá no Rio que nunca papam mulher, vivem na secura, porque não têm bico nem peito para cantada. Aqui, basta dar uma palmadinha no ombro e ela vai

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se abaixando, agachando, arreganhando? - Alma, tenha decoro. Deixa que eu explico. Você está aqui, vivendo conosco, no nosso mundo, segundo nossos costumes. Você de certo modo é uma Mirixorã.

- E que diabo é Mirixô... rana?

- Mirixorã é uma categoria de mulheres que não se casam, nem têm filhos. Estão aí disponíveis, por assim dizer.

- Então, é isso que eu sou? Mirixorã, quer dizer: Puta, puta de índio!

A isso me reduzi. Isaías! Puta de índio? Não tem nada de puta, Alma. Uma Merixorã é uma pessoa muito apreciada. E até consagrada no cerimonial. Você não é uma verdadeira Mirixorã. Elas são escolhidas e preparadas para esta função que de certo modo é até superior a da mulher comum. Tanto que as Mairunas nunca têm ciúmes das Mirixorãs, que podem fornicar à vontade com seus maridos. O que ocorre é que, sendo as Mirixorãs mulheres autônomas, livres, sem um clã a que se devam, sem marido que tenha que cuidar, são parecidas com você. Daí a confusão. É muito provável que minha irmã Pinuarana, a mulher de Teró, tenha dito a ele: vá ver canindejub; ela dará alegria a você. Assim deve ter sido porque Pinu está amamentando há poucos meses e não pode fornicar com Teró.

- Isaías, isto piora tudo para mim. A isso cheguei: puta de índio.

Custei muito a entender, mas não sou burra, entendi. Finalmente custei a entender a sua atitude comigo, quando chegamos e você me levou para sua casa. Pensei que fosse um gesto bom, amigo. (RIBEIRO,1984, p. 278-284)

Por fim, nota-se na sexualidade da personagem Isaías uma dualidade que transita entre o universo feminino e masculino, com acesso a intimidade feminina de uma forma diferente dos demais homens da tribo Mairum. Isso pode ser percebido em várias partes da

obra, inicialmente no momento em que Isaías, ao retornar de Roma, encontra-se com as quatro velhas índias, que representam o povo Mairum sufocado com os costumes católicos representados pelo padre Aquino e padre Cirilo, enquanto estes catequizam os meninos e meninas indígenas. As velhas índias apelam a Isaías para que a identidade dos indígenas não seja destruída pelos costumes católicos, a sexualidade física das mulheres mais velhas e das meninas é entregue a Isaías, mesmo ele sendo um representante da figura masculina, como se observa na cena a seguir do capítulo “O Bucho”:

Padre Aquino, controlado, olhos postos nas emoções do velho missionário, afasta discretamente os escolhos.

Sentados debaixo da latada de maracujá, tomam o chá com biscoitos da irmã Canuta. Vêem entrar na capela os meninos, com padre Cirilo a frente; e as meninas, com sua preceptora, a irmã Ceci, para a reza da tarde. Assim foi até ontem. Hoje mal se sentam, olhando a fileira de meninas que avançam entre os canteiros para a capela, quando vêem surgir quatro velhas índias, maltrapilhas, que vivem na praia da Missão, gritando: - Avá, Avá Uruantãremui

E continuam berrando na sua língua um discurso apoplético. Isaías desce os degraus, querendo abraçá-las, acalmá-las. Uma se acocora, chorando. Mas as outras continuam apostrofando. Agarram os próprios seios, caídos, secos e os balançam. Levantam as saias e manuseiam as próprias coxas, apalpando as pelancas muxibentas, xingando. A fileira de meninas se desfaz, quando as velhas atacam. Mas elas agarram duas delas, que se defendem, alucinadas, enquanto as velhas índias lhes rasgam as roupas, mostrando seus corpos descarnados a Isaías, urrando furiosas, na berraria mais medonha. (RIBEIRO,1984, p. 201)

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também essa dualidade de Isaías quando ele testemunha o ritual de passagem da fase de menina moça recém-menstruadas para mulher da tribo Mairum, um ritual que deveria ser acompanhado somente por mulheres. No capítulo “O Sangue e o Leite”, descreve-se o ritual sagrado da tribo, onde os olhos de Isaías se confundem com os de Alma e do próprio Avá, unindo a sexualidade da personagem Isaías a de Alma oposicionista na trama, impossibilitando a identificação de gênero da personagem. Como se confere no trecho a seguir:

Alma vive ao compasso Mairum a estação dos longos dias azuis. Sente cada vez mais fortemente a beleza de viver, o gozo de existir, que aprende deles. De tudo participa, vendo com seus olhos e ouvindo com os ouvidos de Isaías. Assim assiste buscando entender, a grande festa de reapresentação das meninas-moças, recém-menstruadas. O Avá admira, extasiado, com olhos de Isaías, as flechadas-da-lua, tão bem nuinhas. Alma enche os olhos de jovens corpos encarnados pela mão de Deus. (RIBEIRO,1984, p. 250)

A figura de linguagem, paradoxo, aqui começando pelo bucho, com a parte representando o todo na junção da personagem em suas distintas características na obra sugere uma dualidade de gênero.

O Erotismo

O Dicionário de Filosofia (Abbagnano,

2000, p. 340) define o termo erótico como: “Algumas vezes utilizou-se esse termo para designar uma desejada (mas não realizada) ciência do amor, da felicidade ou da vida emocional em geral”.

Associando os conceitos apresentados no Dicionário de Filosofia acerca do erotismo,

as cenas de erotismo presentes em Maíra

são diversas, mas selecionamos algumas que mostram isso fortemente nas ações e vivências da personagem Alma quando tem que se despir diante do povo Mairum, despertando assim a curiosidade e o desejo que eles tinham de vê-la nua. Como descrito na cena a seguir do capítulo “As Minhas Águas”:

No dia seguinte, pela manhã, todas as atenções se concentram em Alma. Ninguém sai da aldeia, todos querem vê-la. Tentam conversar com ela, dizendo alguma coisa com as poucas palavras que sabem. Os homens e as mulheres a convidam toda hora para tomar banho no rio.

- Isaías, o que é que vou fazer? Esse mundo de gente me azucrinando, querendo tomar banho comigo? Isso é safadeza, né?

- É. Mas e melhor ir logo. Você não vai ficar a vida inteira sem tomar banho. - Mas, Isaías, eu não trouxe maio e acho que seria indecente usar maio no meio dessa gente pelada, nua.

- Eles não estão nus, não, Alma. Você já sabe, as mulheres usam o uluri; os homens o bá.

- Já vi, mas pra mim dá no mesmo. É tão sumario.

- Mas, Lá pelo meio-dia, ela decide: - Tenho que enfrentar isso. Lá vou eu! A aldeia em peso vai ao banho, atrás de Alma. Homens, jovens e velhos, mulheres de todas as idades e também crianças. Ela tira a roupa calmamente. Mas quando vê todos os olhos postos nela, de fato postos no seu púbis peludo, ela se cobre com as mãos e sai correndo, tão desenvolta quanto pode, para mergulhar na água. Minutos depois o Iparanã regurgita gente. Alma, sempre rodeada, vai sendo ganha pela alegria das águas, pelas risadas sonoras de todos, pelas crianças que nadam para ela. Acaba ficando à vontade. A certa altura, aproxima-se da praia e, permanecendo na água da cintura para baixo, chega

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perto de Isaías para gritar:

- Vem Isaías, a água esta uma delícia. - não posso, estou nu.

- Nu? Como?

- Estou nu debaixo da calça: sem o bá. - Besteira, rapaz, Você pensa que eu estou com uluri? (RIBEIRO,1984, p. 237).

Outra cena erótica presente em Maíra

pode ser apreciada no capítulo “O Sangue e o Leite”, no qual mostra a passagem das meninas moças, recém-menstruadas, para mulher e na escolha de seus parceiros no ritual para o seu primeiro ato sexual. O leitor é envolvido pelo erótico ritual de passagem visto na cena a seguir:

Elas estiveram em reclusão durante meses em cabanas armadas dentro das casas, sem ver nem falar com ninguém, e sem andar nem tomar sol. Saem agora, clarinhas, matinais, resplandescentes. Toda a aldeia tem os olhos postos nas suas graças. Trazem no peito, realçando os brotos dos seios, o colar solar de plumas douradas que cada uma ela mesma compôs, com rigor, sozinha para mostrar seu virtuosismo de cuñantã. Na cara, o sorriso mais claro. Em todo o corpo as alegrias raiadas de urucum e jenipapo. Na cabeça, esvoaçante, a enorme cabeleira negro-azulona, provocante. A franja cobrindo a boca. As pernas enfaixadas com embiras, abombadas, barrocas. Nas mãos leva com orgulho a cabaça e as cuias de chibé de polvilho de carimã:

- Bem, Você quer do meu leite, bem? Durante toda a tarde a aldeia, sentada no círculo do sol se por, olha as meninas-moças que servem seu leite-chibé aos homens com que hão de foder... As garotas andam, falam, riem, requebram amamentando sem parar seus futuros homens. Futuros? Quem garante? Vão às casas buscar mais chibé e voltam para servir e se deixarem ver, exibidas. Sorriem, andam, rebolam, param e

tornam a amamentar o mais querido. (RIBEIRO,1984, p. 250).

Neste jogo de desejo e erotismo presentes nas cenas descritas acima, tanto na nudez da personagem Alma e a curiosidade dos indígenas em relação a seu corpo, quanto no ritual de escolha dos parceiros sexuais das meninas Mairum, percebe-se como aquilo que Bataille (1987) chama de erotismo, aspecto “imediato” da experiência interior, opondo-se a sexualidade animal. Mostrando como o erotismo é um dos aspectos da vida interior do homem. E que nisso nos enganamos porque ele procura constantemente fora um objeto de desejo. Mas este objeto responde a interioridade do desejo. A escolha de um objeto depende sempre dos gostos pessoais do individuo: mesmo se ela recai sobre a mulher que a maioria teria escolhido, o que entra em jogo é frequentemente um aspecto indizível, não uma qualidade objetiva dessa mulher, que talvez não tivesse, se ela não nos tocasse o ser interior, nada que nos forçasse a escolhe-la. Em resumo mesmo estando de acordo coma maioria, a escolha humana difere da do animal: ela apela para essa mobilidade interior, infinitamente complexa, que é típica do homem. O próprio animal tem uma vida subjetiva, mas essa vida, parece, lhe é dada, como acontece com os objetos sem vida, de uma vez por todas. O erotismo do homem difere da sexualidade animal justamente no ponto em que ele põe a vida interior em questão. O erotismo é na consciência do homem aquilo que põe nele o ser em questão.

Foi com base no nosso olhar sobre

o erotismo em Maíra mais a junção da teoria

discutida que se firmou este pensamento.

A proibição

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obra foram selecionadas duas cenas que sugerem a proibição do desejo sexual, a primeira pela religião católica, na forma como a personagem Isaías retinha seus desejos sexuais, sem se masturbar, apelando para o sagrado, presente no capítulo “Retorno” da obra de Darcy Ribeiro (1984), nesse trecho percebemos o conflito de Isaías ao tentar conter seus desejos sexuais, se valendo da virgem santíssima como a única capaz de conter seu desejo, visto por ele como proibido sendo considerado pecado pela religião católica, ao se recordar das mulheres indígenas e nas suas tentações sexuais. Como visto no trecho a seguir:

Basta lembrar minhas longas noites de angustia no catre do convento com o pau duro de doer e a consciência ardendo de sentimento de culpa. As rezas à Virgem Santíssima para que me ajudasse, para que me socorresse, me amolecesse. Estou de pau duro aqui agora, nesta cama de pensão, querendo minha mirixorã. Por que não saio, por ai, atrás de alguma carioca? Não, não quero outra vez esporrar na mão ou no lençol. Não, não quero nenhuma mulher estranha. Eu me guardo para minha gaviã mairuna. (RIBEIRO,1984, p. 92)

A segunda situação de proibição se faz presente quando a personagem Alma busca reprimir seu passado sexual e promíscuo, reencontrando na missão católica e buscando a possibilidade do perdão e o encontro consigo mesma em outra dimensão fora do pecado presente na cidade, nas favelas e nos morros do Rio de Janeiro. Recorrendo a madre Petrina a inclusão na missão do Iparanã, já que fora encaminhara até ali por um padre que era seu confessor e sabia de seus atos promíscuos vistos como pecaminosos pela própria Alma. Isto pode ser observado no capítulo “Alma” na seguinte passagem:

Agora quero me recuperar. Quero cumprir por atos, no serviço de Deus, todos os conselhos dele que não escutei. Ele morreu, a senhora sabe. (Deus o guarde!) Morreu, confiando em que eu me reencontraria, que voltaria a fé. Na verdade, eu nunca a perdi de todo, irmã Petrina. Estive foi muito confusa, num redemoinho. Agora me encontrei. Não aspiro muito, irmã Petrina. Só quero dar nas missões o testemunho do meu amor a Deus. (Tanta gente aqui...) Eu sei. Sei o que a senhora está pensando. Mas considere, irmã Petrina. Não posso com as favelas. Deus não cabe no meio de tanta fome, sexo e maconha. Faz pouco que a fé reacendeu em mim. E meu refúgio, minha esperança. Mas não quero apenas fruir o estado de graça. Não quero só reabilitar-me aos olhos de meu pai morto. (De Deus, minha filha.) Sim, é claro, aos olhos de Deus. Quero uma militância ao serviço do Senhor. (Virgem!) Quero e preciso dar a minha vida um sentido de missão, que me redima. Depois de anos de confusão e vergonha compreendi com a análise. (Psico-análisis) Sim, irmã Petrina, psicanálise. A senhora não acredita, eu sei. Repele. Mas eu digo com humildade a senhora: aprendi muito, muito. O que eu quero é o serviço de Deus, cada um tem seu caminho. Este é o meu, agora. Preciso de sua ajuda, compreensão, caridade. (RIBEIRO,1984, p. 38)

Como apresentado acima nos recortes que sugerem na proibição ou na tentativa de morte do desejo sexual por meio da religião, presente nas personagens analisadas desde o início deste artigo, vão ao encontro com o pensamento desenvolvido por Bataille (1987), na

obra O Erotismo, quando referencia duas formas

de atração que nos leva a Deus: a sexual, que vem da natureza, e a mística, de Cristo que tem o sentindo do elemento fulgurante que eleva acima da preocupação de preservar ou de aumentar o tempo e a riqueza possuída na fé de cada uma

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das personagens mencionadas acima e nos seus conflitos com o sagrado, para Bataille

não há uma tentação se não um objeto de ordem sexual; o elemento místico que os freiam, o religioso tentado, não tem mais em se “força atual”, agindo na medida em que o religioso, fiel a se mesmo prefere a salvaguarda do equilíbrio conquistado na vida mística ao delírio em que a tentação os faz cair. (Bataille, 1987, p. 20)

Conclusão

Conclui-se que a obra Maíra de Darcy

Ribeiro (1984) pode ser pensada a partir de diversos olhares e campos distintos do conhecimento, tanto das ciências literárias, antropológicas ou ainda pelo campo das ciências sociais.

Partindo do pressuposto que a obra apresenta marcas literárias, tendo em vista que é uma obra de ficção, mas que, por outro lado, não descarta a grande presença do antropólogo Darcy Ribeiro, ao fazer uso de seu conhecimento como

tal, no processo de construção de Maíra como

uma obra que representa um patrimônio histórico indígena nos seus hábitos, costumes, tradições e mitos frente ao homem branco avassalador e na mescla destas duas raças tão distintas e tão próximas, como se observou ao longo da presente leitura.

O que este artigo buscou mostrar foi que, a partir da sexualidade, do erotismo e da proibição em Maíra, existe uma amostra da identidade do

povo brasileiro e das transformações sociais e culturais vivenciadas durante o processo de formação da sociedade como um todo diante da diversidade cultural presente na polifonia do romance e nas diversas vozes e povos que

compõem obra Maíra como um patrimônio social

e cultural de nossa nação. Assim como o próprio Darcy Ribeiro (1984) menciona na introdução da obra:

Comecei este texto dizendo que o romance é interpretável, como os poemas e os sonhos, porque verte espontâneo do autor. Nessa altura, confesso que ponho em dúvida esse juízo. Não posso pensar Rosa golfando seus jagunços cheios de espiritualidade e de saber. Sou mesmo é escritor, cobaia a ser escrutinado. O que posso dar são testemunhos como este. Duvidosos. (RIBEIRO, 1984, p. 6)

Referências Bibliográficas:

ABBAGNAN, Nicola. Dicionário de filosofia. 4.

ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 1014 p. ISBN 85-336-1322-9.

BATAILLE, Georges. O Erotismo. Tradução de

Antonio Carlos Viana. Porto Alegre L&PM, 1987.

DICIONÁRIO de ciências sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1986. 1422 p.

LAPALANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Baptiste. Vocabulário da psicanálise. 3. ed.

Lisboa: Moraes Editores, 1976. 707 p.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Baptiste.

Vocabulário da psicanálise. 3. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1999. 707 p. ISBN 85-336-0965-5

PIÉRON, Henri. Dicionário de psicologia. Porto

Alegre: Globo, 1969. 533 p.

RIBEIRO, Darcy. Maíra. Rio de Janeiro:

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