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Judith Ortiz e Call me Maria: a diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLÍSTICOS

Judith Ortiz Cofer e Call me María:

a diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos

Ana Sofia Antunes de Carvalho

MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS

ÁREA DE ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS NORTE-AMERICANOS

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ANGLÍSTICOS

Judith Ortiz Cofer e Call me María:

a diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos

Ana Sofia Antunes de Carvalho

MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS

ÁREA DE ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS NORTE-AMERICANOS

Dissertação orientada por Prof. Doutora Teresa Cid

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Resumo

O contexto colonial de Porto Rico com respeito aos Estados Unidos enforma a relação que se estabelece entre eles. A atribuição de cidadania americana aos porto-riquenhos, aliada a factores económicos, fomentou o fenómeno diaspórico maciço do final dos anos quarenta e cinquenta do século XX e resultou na migração de quase metade da população de Porto Rico para a metrópole, com a consequente formação de grandes comunidades porto-riquenhas sobretudo em Nova Iorque e outras zonas urbanas dos Estados Unidos. Não obstante a separação jurídica entre porto-riquenhos e grupos imigrantes, as comunidades porto-riquenhas nos Estados Unidos vivem em situação de discriminação e desigualdade social e económica que transformam estas comunidades em enclaves linguísticos e culturais no seio das cidades americanas. O revivalismo cultural e social dos anos sessenta e setenta do século passado contribuiu para o desenvolvimento de uma corrente cultural e literária porto-riquenha nos Estados Unidos que discute a experiência diaspórica nos Estados Unidas tal como a vive e pensa. Verifica-se o surgimento de vozes femininas na literatura da diáspora porto-riquenha e, entre elas, a de Judith Ortiz Cofer, uma das mais significativas autoras porto-riquenhas nos Estados Unidos. A sua escrita reflecte o conflito inerente ao bilinguismo e à biculturalidade e medita sobre a conquista de uma identidade, cultura e espaço próprios. A obra literária de Judith Ortiz Cofer inclui poesia, ficção, ensaística e autobiografia para o público-leitor adulto e jovem adulto. Call me María pode ser incluído na categoria literatura juvenil e jovem adulta e descreve a experiência de María num barrio nos Estados Unidos. A sua capacidade de sobrevivência num ambiente estranho e hostil é determinante para a sua construção identitária e cultural. A obra discute temas como a condição porto--riquenha nos Estados Unidos, a ilha versus a cidade, o preconceito, a família, a amizade e o poder das palavras e da arte de escrever.

Palavras-chave: Judith Ortiz Cofer; puertorriqueñidad; Estados Unidos; literatura juvenil étnica; Call me María.

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Abstract

The colonial context of Puerto Rico in relation to the United States dictates the relationship that is established between them. The conceding of American citizenship to Puerto Ricans, together with economic factors, fomented the massive Diaspora phenomenon, which occurred in the late forties and fifties. This resulted in the migration of almost half of the population of Puerto Rico to the metropolis and the formation of large Puerto Rican communities, especially in New York and other urban areas in the United States. Notwithstanding the legal separation between Puerto Ricans and immigrant groups, the Puerto Rican communities in the United States experience a social and economic discrimination and inequality that turn these communities into linguistic and cultural islands in the heart of the American cities. The revival of social movements in the sixties and seventies has contributed to the development of a Puerto Rican cultural and literary movement in the United States that discusses the Puerto Rican experience in the United States in its own terms. The awakening of feminine voices in the Puerto Rican Diaspora literature occurs and, among them, Judith Ortiz Cofer constitutes one of the most significant Puerto Rican female authors in the United States. Her writing reflects the conflict behind bilingualism and biculturalism and meditates on the acquisition of an identity, culture and space of her own. Judith Ortiz Cofer’s literary work includes poetry, fiction, essays, and autobiography for adult and young adult readers. Call me María may be included in the young adult literature category and describes María’s experience in a barrio in the United States. Her ability to survive in an alien and hostile environment is fundamental to the construction of her identity and cultural self. The work discusses topics such as the Puerto Rican condition in the United States, island vs. city, prejudice, family, friendship, and the power of words and writing.

Keywords: Judith Ortiz Cofer; puertorriqueñidad; United States; young adult ethnic literature; Call me María.

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Índice

Agradecimentos ... 5

Introdução ... 7

1. Porto Rico e os Estados Unidos: para além da relação colónia/metrópole — contextualização histórico-política, socioeconómica, cultural e literária ... 12

1.1. Contextualização histórico-política de Porto Rico e migração para os EUA ...12

1.2. Identidade e cultura: o fenómeno identitário e cultural porto--riquenho em Porto Rico e nos Estados Unidos ... 22

1.3. Literatura porto-riquenha nos Estados Unidos: vozes porto--riquenhas na paisagem literária americana ... 34

2. Judith Ortiz Cofer e a arte de escrever entre dois mundos: memória, imaginação e sobrevivência ... 41

2.1. Judith Ortiz Cofer: vida e obra entre dois mundos ... 41

2.2. The Habit of Movement: a alternância entre espaços narrativos na obra literária de Judith Ortiz Cofer ... 48

2.3. Dos languages/ Two culturas: ¡Spanish, Inglés y Spanglish! ... 54

2.4. Puerto Rican Moments of Being — o ritual de escrever memórias e reinterpretar identidades ... 61

3. Outros públicos: Call me María, Judith Ortiz Cofer e a literatura juvenil (multi)étnica ... 66

3.1. Literatura infantil e juvenil (multi)étnica no pluralismo cultural dos Estados Unidos ... 67

3.2. Rita, Sandra, Luis, Kenny, Constancia, Teresa, Anita, Rick, Consuelo, Doris, Arturo, Yolanda — quinceañeros na obra literária juvenil de Judith Ortiz Cofer ...73

3.3. Ritos de passagem e reconciliação em Call me María ... 80

Conclusão ... 115

Bibliografia primária ... 118

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5

Agradecimentos

Ao longo da realização desta dissertação fui descobrindo a dedicação e generosidade de várias pessoas que tornaram possível a concretização deste projecto. Sem a sua inestimável contribuição não teria conseguido ultrapassar o cansaço e as dificuldades que necessariamente surgem na elaboração de um trabalho de maior envergadura. A sua amizade e apoio incondicionais permitiram--me estar aqui hoje a escrever estas brevíssimas palavras de profunda gratidão.

À Profª. Teresa Cid por ter aceite orientar esta dissertação, por generosamente partilhar e transmitir o seu infinito conhecimento e paixão por estas matérias, pelo cuidado, competência, sentido crítico e disponibilidade no seu trabalho, pelo conforto das palavras e dos gestos nas horas mais difíceis.

Às bravas resistentes Ana Miraldo e Odília Gaspar, colegas de mestrado e amigas.

Aos meus pais, José e Elzita Carvalho, e à minha irmã, Raquel Carvalho, pela presença, força e coragem, à minha família e aos meus amigos, todos e cada um, que me são tão queridos, por serem quem são e por saber, do fundo do coração, que posso sempre contar com eles. De entre estes, um agradecimento muito especial «às mulheres da minha vida» que neste intento ilustraram a importância e poder decisivo das mulheres na vida dos seus: à minha mãe, à minha irmã, à minha prima Teresa, à minha amiga Maria João e à minha amiga Paula que, pelo seu alento e ânimo incansáveis e preciosa ajuda são absolutamente responsáveis por eu ter sobrevivido e conseguido.

Ao meu Sydneyzinho cuja companhia silenciosa e vigilante ao longo de muitas e muitas horas de trabalho e passeio ao fim do dia tornaram esta exigente rotina muito mais doce e tolerável.

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6 I know who I am and who I may be if I choose. Miguel de Cervantes, D. Quixote de la Mancha (Citado por Judith Ortiz Cofer, Call me María)

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7

Introdução

A presente dissertação debruça-se sobre Judith Ortiz Cofer, autora porto--riquenha nos Estados Unidos, e a sua obra literária como ponto de partida para uma reflexão sobre a relação que se estabelece entre Porto Rico e os Estados Unidos da América, sobre a comunidade diaspórica porto-riquenha e, finalmente, sobre a literatura porto-riquenha nos Estados Unidos, em particular sobre o lugar da literatura porto-riquenha no feminino no panorama literário americano. Especificamente, pretende-se analisar e reflectir sobre a obra literária juvenil Call me María e o seu papel na construção de uma identidade bilingue e bicultural e na sua actuação reconciliadora na negociação de um espaço próprio entre línguas e culturas díspares.

Para compreender a relação que se estabelece entre Porto Rico e os Estados Unidos importa considerar o percurso histórico-político porto-riquenho: o arquipélago de Porto Rico pertence ao grupo designado de Grandes Antilhas entre o mar das Caraíbas e o Oceano Atlântico e foi originalmente habitado pelos índios Taíno. A descoberta de Porto Rico por Cristovão Colombo em 1493 transformou a ilha em colónia espanhola durante quatrocentos anos até a Guerra Hispano--Americana em 1898 declarar Porto Rico possessão americana. No decurso dos últimos cem anos, a relação colonial entre Porto Rico e os Estados Unidos tem sofrido alterações; actualmente Porto Rico detém o estatuto de Commonwealth (Estado Libre Asosiado) e o Jones Act de 1917 atribuiu cidadania americana aos porto-riquenhos em Porto Rico e nos Estados Unidos. A intervenção americana na ilha introduziu transformações importantes na sociedade, economia e cultura porto-riquenhas: as pretensões mais objectivas da americanização de Porto Rico incluiam a substituição da língua espanhola pela língua inglesa e a passagem da economia porto-riquenha de essencialmente rural para industrial. A alteração da língua não teve sucesso, mas a industrialização da ilha contribuiu para o exôdo maciço de porto-riquenhos das zonas rurais para as cidades e finalmente para os Estados Unidos. A surpreendente dimensão do fenómeno, sobretudo no pós--Segunda Guerra Mundial, equivale a que, actualmente, quase metade da população porto-riquenha resida na metrópole, sobretudo Nova Iorque e outras zonas urbanas. Nos Estados Unidos, os migrantes porto-riquenhos constituiram

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8 comunidades diaspóricas cujas circunstâncias socioeconómicas e políticas de desigualdade e discriminação por estes experimentadas na metrópole as transformaram em enclaves linguísticos e culturais no seio das cidades americanas.

A relação entre Porto Rico e os Estados Unidos pauta-se por inúmeras contradições e antagonismos; a condição colonial da ilha desafia os pressupostos pós-coloniais no início deste século e resulta na discussão de questões identitárias e culturais fundamentais que se colocam simultaneamente na perspectiva de Porto Rico e da sua comunidade diaspórica nos Estados Unidos. A independência ou anexação da ilha interferem necessariamente com a noção de nação e os contornos identitários, linguísticos e culturais em que decorre a discussão porto-riquenha em Porto Rico; concomitantemente coloca-se a questão da comunidade diaspórica porto-riquenha nos Estados Unidos cuja puertorriqueñidad é questionada com base na dispersão territorial e geográfica e nas diferenças linguísticas e culturais pelos porto-riquenhos na ilha. O conceito de «transnacionalismo» pode contribuir para a resolução deste conflito; todavia, a questão diaspórica porto-riquenha nos Estados Unidos com respeito a Porto Rico, mas sobretudo no contexto americano, permanece de extrema pertinência e objecto fundamental da discussão que se propõe na presente dissertação.

No contexto do pluralismo étnico, racial, linguístico e cultural americano, a autora Judith Ortiz Cofer e a sua obra literária (poética, em prosa, de ficção, ensaística e autobiográfica) contribuem incontornavelmente para a recorrente discussão sobre as condições da experiência americana dos grupos minoritários e, no caso particular, da comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos. É minha convicção que a obra de Judith Ortiz Cofer contribui de forma significativa para a construção de uma identidade e cultura porto-riquenhas de continuidade e ruptura nos Estados Unidos, para a revisão de estereótipos e preconceitos associados a este grupo étnico e para a revisão da condição e estatuto da mulher em sociedades patriarcais como é o caso das sociedades porto-riquenha e americana. A arte de escrever proporciona à autora um meio eficaz de comunicação das suas experiências enquanto mulher porto-riquenha nos Estados Unidos e de reconciliação com a sua dimensão bilingue e bicultural.

A opção pela análise da obra juvenil Call me María pretende simultaneamente sublinhar a importância do género frequentemente negligenciado

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9 que a literatura juvenil e jovem adulta étnica constitui e determinar a pertinência que esta e outras obras dentro da mesma temática têm na construção da identidade e da cultura dos jovens de origem étnica nos Estados Unidos. Deseja ainda sublinhar o modo como contribui para a mediação entre as duas línguas e as duas culturas e finalmente como abordam a condição migrante porto-riquenha nos Estados Unidos, a alteridade entre espaços físicos, línguas e culturas paradoxais, a percepção do «Outro», o bilinguismo, a condição feminina e os estereótipos a ela associados.

A presente dissertação divide-se em três capítulos que se compõem de várias secções, as quais visam explicitar a evolução e a coerência do trabalho a partir da análise da relação específica entre Porto Rico e os Estados Unidos até à análise da obra de Judith Ortiz Cofer e, em particular, da obra Call me María.

O primeiro capítulo inclui três secções; a primeira secção estabelece os contornos históricos e políticos que transformaram Porto Rico numa colónia americana e as circunstâncias que esta relação pressupõe; a segunda secção foca a discussão identitária e cultural que diferencia porto-riquenhos em Porto Rico e nos Estados Unidos, resultante da relação colonial que se verifica entre os dois e sobretudo, a migração de um significativo número de porto-riquenhos para a metrópole; a terceira secção analisa brevemente a evolução e a contribuição da literatura da autoria de escritores porto-riquenhos na diáspora no contexto literário americano.

O segundo capítulo compõe-se de quatro secções; a primeira secção traça o percurso biográfico e bibliográfico da autora; a segunda secção aborda a importância da transição e complementaridade dos dois espaços físicos e narrativos recorrentes na obra literária da autora; a terceira secção discute a dispersão linguística que se coloca aos porto-riquenhos nos Estados Unidos e a posição e prática literária da autora com respeito aos três códigos linguísticos que se identificam; e a quarta secção centra-se na arte de escrever de Judith Ortiz Cofer como um processo de auto-descoberta e reconciliação entre duas culturas.

Finalmente, o terceiro capítulo subdivide-se em três secções; a primeira secção traça a evolução da literatura infanto-juvenil e jovem adulta canónica e étnica nos Estados Unidos e o seu papel na contrução da identidade e cultura dos jovens porto-riquenhos; a segunda secção discute brevemente as obras de Judith Ortiz Cofer para o público juvenil e jovem adulto; por fim, a terceira secção

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10 analisa a obra juvenil Call me María na perspectiva de uma obra literária que contribui para mediar o conflito resultante da construção identitária e cultural entre duas línguas e duas culturas.

*

The first time I hear Judith Ortiz Cofer read aloud, she walks quietly to the platform, slight and modest. She gently pulls the podium microphone down to her height. Then, in a quiet, unassuming voice, she begins. Within moments, we are flown to another place. Cofer sets us down in her childhood (and, of course, in our own), around the hemisphere, and in our deepest imagination. We stroll the aisles of a neighborhood bodega, envision the covers of her mother’s romance novels, and feel our tongues betray us as we try to speak someone else’s language. Like her, we feel alone and alien; we are becoming Others.

When she finishes, the room is hushed. But there’s plenty of noise inside her listeners. We’re moved and changed. [...] The audience can’t let her go. (Daniels apud Ortiz Cofer 2011b: 87).

A passagem retrata uma situação que me é totalmente familiar. Há já mais de uma década, tive a oportunidade de assistir a uma leitura pela autora, Judith Ortiz Cofer, integrada num ciclo latino-americano que incluía leituras por autores de origem sul-americana nos Estados Unidos, em Tübigen, na Alemanha. Não consigo já identificar a leitura que a autora fez, mas a sensação no final corresponde à que Harvey “Smokey” Daniels descreve na passagem. Por circunstâncias pessoais, no final desse ano, acabei no seio de uma família americana de origem porto-riquenha e experimentei em primeira mão o conflito entre «the American way» e a «puertorriqueñidad» e como se coloca entre gerações. Por cada bocadinho do duplo choque cultural que experimentei, estou grata. Permitiu-me ter uma perspectiva muito particular dos Estados Unidos da América e do pluralismo que o constitui.

A obra literária de Judith Ortiz Cofer desempenha uma função muitíssimo importante no contexto da diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos e na visibilidade da literatura por mulheres e da literatura para um público juvenil e jovem adulto étnico. A afirmação de uma literatura porto-riquenha nos Estados Unidos contribui para a afirmação desta minoria étnica que constitui um caso particular da pluralidade cultural nos Estados Unidos e para a consolidação de

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11 uma identidade e cultura que se admite, necessariamente, de inegociável continuidade e ruptura da puertorriqueñidad nos Estados Unidos da América.

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1. Porto Rico e os Estados Unidos: para além da relação

colónia/metrópole

contextualização

histórico-política,

socioeconómica, cultural e literária

1.1. Contextualização histórico-política de Porto Rico e migração para os EUA

A memória histórico-política de Porto Rico encontra-se indelevelmente relacionada com a sua condição de território colonizado, primeiro pelo colonizador espanhol e depois pelo americano. Entre a sua descoberta por Cristóvão Colombo — em finais do século XV, que resultou, inevitavelmente, no domínio e na sujeição, por quatro séculos, do arquipélago de Porto Rico e seus habitantes à potência imperialista espanhola — e a sua posterior expropriação dos espanhóis para apropriação pelos americanos — como despojo de guerra há já mais de cem anos — passaram-se quase cinco séculos, durante os quais Porto Rico não pôde reclamar um estatuto de território independente. No início da segunda década de um novo século, o status quo continua a imperar e Porto Rico permanece, para o bem e para o mal, território dependente dos Estados Unidos. Porto Rico é uma colónia dos Estados Unidos da América e, sem recorrer ou sucumbir a subterfúgios semânticos, o seu estatuto de Commonwealth (nome oficial completo, Commonwealth of Porto Rico) ou de Estado Libre Asociado, em espanhol, confere-lhe singularidade, características muito particulares, mas não independência. Admissivelmente, a subordinação ao estado americano poderá significar determinados benefícios, apoios ou vantagens, mas significará também, por oposição, sujeição, dependência, fragilidade, transformando Porto Rico num território permeável às estratégias e interesses americanos. A discussão e os argumentos pró e contra esta e outras formas de organização (e sujeição) política são, eventualmente, inesgotáveis. Se o percurso político de Porto Rico enquanto colónia, commonwealth ou estado livre associado funcionaram no passado ou funcionam no presente em seu proveito, ou contra si, a história e o tempo futuros terão a oportunidade de determinar.

No que respeita ao presente, e sem margem para equívocos, Porto Rico constitui possessão territorial dos Estados Unidos da América. Note-se, contudo,

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13 que o facto de ser território americano não equivale a que seja parte integrante do mesmo: «U.S. courts have ruled that Puerto Rico is a territory of the United States but not part of the United States» (Pierce Flores, 2010: xiii1). Esta distinção é reveladora da relação que se estabelece entre as duas nações2. O estatuto de Porto Rico como unincorporated, organized territory of the US no contexto executivo, legislativo e judicial americano contrasta com a definição deste território em termos internacionais, que entende Porto Rico como uma colónia americana. Inevitavelmente, e ainda que dentro das limitações temáticas a que a presente dissertação obriga, tentará discutir-se, sem necessariamente aprofundar, esta questão do estatuto político de Porto Rico, na medida em que influencia irremediavelmente questões e políticas de identidade e de cultura que respeitam aos porto-riquenhos residentes na ilha e fora dela. Também em breve discussão estará a questão de se, nos quatrocentos anos de dominação espanhola e sobretudo nestes últimos cem anos de domínio americano, a condição de Porto Rico como colónia terá funcionado em seu proveito ou em seu detrimento, ditando progresso ou retrocesso, resultando em proveitos ou perdas através de um percurso histórico que se tem pautado determinantemente pela perspectiva de território colonizado. Não obstante, Porto Rico e a comunidade porto-riquenha na ilha e no continente americano souberam afirmar e continuam a afirmar uma identidade e uma cultura para lá dos limites impostos pelo seu esquivo estatuto político e para além dos limites que o conceito de fronteira física poderia preconizar. A intricada e complexa relação que se estabelece entre porto-riquenhos residentes na ilha e porto-riquenhos residentes nos Estados Unidos, assim como o espaço intercultural que resulta do contexto porto-riquenho, cabe igualmente na discussão sobre identidade e cultura que segue no encadeamento do percurso histórico.

Geograficamente, Porto Rico situa-se na parte mais oriental das Caraíbas, entre o mar das Caraíbas e o Oceano Atlântico, encontrando-se a oeste da República Dominicana e a leste das ilhas Virgens Americanas. Em conjunto com Hispaniola (que inclui a República Dominicana e o Haiti), Jamaica e Cuba, constitui o agrupamento de ilhas denominado Grandes Antilhas. Em termos de

1

A informação e dados factuais relativos a Porto Rico e o seu contexto histórico-político resultam da consulta de CIA – The World Factbook (2011), Sowell (1981), Morris (1992), Pierce Flores, 2010), Encyclopaedia Britannica (2011), Bea e Garrett (2008) e 2000 CE8SUS (2010).

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Importa notar que os termos «nação» e «estado» não são sinónimos e não devem, portanto, ser utilizados indiscriminadamente. Para a definição destes dois termos ver, por ex., Benedict Anderson em Imagined Communities: Reflections on the origin and spread of nationalism, 2006.

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14 área terrestre e dimensão populacional, Porto Rico é a menor de entre as quatro. Porto Rico, genericamente designado no singular, é, na realidade, um arquipélago, constituído pela ilha principal, cuja designação actual é, de facto, Porto Rico, e uma série de outras pequenas ilhas e ilhotas gravitacionais, das quais se destacam Vieques, Culebra e Mona. A área total do arquipélago de Porto Rico é de 13.790 km², que inclui território terrestre e marítimo. A distância física que separa Porto Rico da América do Sul é menor do que aquela que separa Porto Rico dos Estados Unidos da América. Entre as principais cidades da ilha de Porto Rico destacam-se a capital, San Juan, Mayagüez e Ponce.

A topografia da ilha inclui regiões montanhosas, mas de baixa altitude, a norte e a oeste, pequenos rios, navegáveis em alguns dos casos, e extensos areais ao longo da costa. O clima da ilha é tropical temperado, com um elevado grau de humidade e vegetação abundante. A oscilação da temperatura média ao longo do ano é pouco significativa, mas verificam-se pontualmente períodos de fraca precipitação e seca e existe uma aparente predisposição para a ocorrência de furacões.

Em termos populacionais, a estimativa mais recente, fornecida pelo CIA — — The World Factbook em Julho de 2010, indicava uma população total de 3.977.663 — 66% da qual em idade adolescente e adulta, entre os 15 e os 64 anos de idade. Etnicamente, a população de Porto Rico divide-se sobretudo entre descendentes dos espanhóis e que compõem mais de três quartos do total da população — identificados como brancos — e os considerados negros, que correspondem a cerca de 7% da população. A percentagem da população que não se inclui nestes dois grupos mais representativos divide-se entre índios, asiáticos, mestiços e etnias várias. A religião cristã é preponderante, sendo professada por cerca de 85% da população total; os restantes 15% dividem-se entre o protestantismo e outras práticas religiosas de origem indígena ou africana, como o espiritismo ou santeria. O castelhano, herança dos quatrocentos anos de presença espanhola na ilha, é a língua de expressão verbal oral e escrita da quase totalidade da população, a língua dominante entre as várias classes da população. Contudo, oficialmente, as línguas de Porto Rico são simultaneamente o espanhol e o inglês.

Em termos económicos, Porto Rico passou de uma economia essencialmente agrícola, sobretudo durante o período em que esteve sob domínio espanhol, para uma economia de manufactura e industrial, sob a influência americana. A moeda

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15 oficialmente em uso em Porto Rico é o dólar americano. O espectro político porto-riquenho está íntima e inevitavelmente ligado à condição da ilha enquanto território não-independente e as diferentes forças políticas existentes consubstanciam essas diferentes facções. Desta forma, e no que respeita ao cenário político em Porto Rico, existem três partidos políticos principais, o Partido Popular Democrático (PPD), que reitera o estatuto de Commonwealth para a ilha, o Partido 8uevo Progresista (PNP), que defende o conceito de statehood, ou seja, a integração de Porto Rico como estado americano, e finalmente o Partido Independentista Puertorriqueño (PIP), que advoga a independência da ilha. Actualmente, a ilha possui governo próprio, encabeçado pelo governador, Luis Fortuño, membro do PNP, e cuja eleição resultou da votação maioritária pelos residentes e nacionais porto-riquenhos. Por inerência do estatuto de commonwealth que define politicamente a ilha, o chefe de estado de Porto Rico é o Presidente dos Estados Unidos da América. Não obstante, o direito de voto nas eleições presidenciais não assiste aos habitantes de Porto Rico. Se considerarmos a muitíssimo particular forma de governo e o estatuto político de Porto Rico, como commonwealth ou Estado Livre Asociado, e o modo como se correlaciona com os Estados Unidos da América, tropeçaremos quase inevitavelmente numa série de incongruências e ambiguidades. Assim, convém começar por se considerar o percurso histórico desta nação para conscientemente podermos então discutir o que, de outro modo, poderia facilmente afigurar-se uma estranha forma de ser.

Para além destas pequenas ilhas, existem ainda pequenas ilhotas, como Monito ou La Isleta de San Juan que subsistem na dependência da ilha principal. Porto Rico é também frequente e popularmente apelidado de La Isla del Encanto, numa provável alusão ao seu clima tropical, às suas temperaturas amenas, à flora verdejante e ao mar azul. Outra designação comum para Porto Rico é a de Borinquen, epíteto que evoca o passado mais distante da ilha. Borinquen deriva do termo Boríken, o nome original da ilha, atribuído pela população indígena que, durante vários séculos, a habitou. É igualmente frequente a referência aos termos borinqueño ou boricua, derivados respectivamente dos topónimos Borinquen e Boríken, como formas alternativas de identificar os habitantes da ilha, aqueles que habitam Borinquen ou Porto Rico.

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16 Vários séculos antes da descoberta do Novo Mundo por portugueses e espanhóis, as regiões das Antilhas e da América do Sul eram povoadas por diferentes populações indígenas, entre outros o povo Arawak e o povo Carib, que co-existiam, de forma nem sempre pacífica, naqueles territórios, obrigando a uma atitude defensiva sobretudo por parte do povo Arawak. Antes da chegada dos colonizadores espanhóis, os índios Taíno, um numeroso subgrupo dos Arawak, concentravam-se no grupo de ilhas que constituem as Grandes Antilhas, inclusive em Porto Rico, e também nas ilhas Virgens. A presença e cultura dos índios Taíno no arquipélago de Porto Rico precederam em vários séculos a chegada de Cristóvão Colombo e dos espanhóis na última década do século XV.

Cristóvão Colombo descobriu a ilha de Porto Rico em 1493, por ocasião da sua segunda viagem à América. A ilha era então habitada por uma população indígena constituída por índios Taíno em número significativo. Colombo declarou Porto Rico possessão espanhola nesse mesmo ano, e Borinquen, nome indígena da ilha, passou a ser designada como San Juan Bautista, em honra de São João Baptista. Vários anos depois, com o passar do tempo e o desenvolvimento do comércio, a ilha passou a ser conhecida entre mercadores e viajantes como Puerto Rico, e San Juan acabou por designar o porto mais importante da ilha. A seu tempo, San Juan tornar-se-ia na capital da ilha de Porto Rico.

Em 1508, Juan Ponce de León tornou-se, sob a égide de Espanha, o fundador e primeiro governador da primeira colónia espanhola da ilha de Porto Rico. A colonização da ilha de Porto Rico pelos espanhóis ditou o fim da anterior forma de vida e cultura dos índios Taíno. A população indígena foi conquistada, subjugada e utilizada como mão-de-obra escrava para realizar as tarefas mais pesadas. As duras condições do trabalho escravo, aliadas à exposição a doenças trazidas, pelos espanhóis, de outras regiões, nomeadamente do velho continente, e contra as quais a população indígena não possuía quaisquer defesas, tornaram-se as principais causas de morte de um número significativo de índios Taíno.

Em 1510/1511, parte da população indígena, escravizada, encenou uma rebelião que ficou conhecida como a Taíno-Carib Uprising e que pretendia pôr termo ao jugo dos espanhóis. Os índios Taíno sofreram baixas significativas. Quando em 1543 um decreto real anunciou a emancipação da restante população escrava de índios Taíno, esta era então em número tão reduzido, que a medida teve um impacto pouco visível. A maior consequência da dizimação de grande

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17 parte da população nativa da ilha terá sido o conduzir à procura por parte dos espanhóis de mão-de-obra escrava de origem diversa: «[a]frican slaves were then imported to replace them [...]» (Sowell, 1981: 229).

A perspectiva de descoberta de ouro e ricas prospecções deste minério em Porto Rico tinham constituído as principais ambições dos colonizadores espanhóis no que se referia à ilha; quando o ouro se exauriu, os interesses espanhóis em Porto Rico ganharam novos contornos — as plantações de cana do açúcar multiplicaram-se e a ilha tornou-se um importante ponto estratégico militar: «[...] it became a major producer of sugar and a fortified outpost guarding other Spanish possessions in the region.» (Sowell, 1981: 229).

O estatuto colonial de Porto Rico isolava significativamente a ilha em termos políticos e económicos — o governo, com poder absoluto, era nomeado por Espanha e quaisquer transacções comerciais estavam limitadas a Espanha, que pretendia tirar o máximo proveito deste entreposto. As ameaças à hegemonia espanhola na ilha porto-riquenha partiam de potências estrangeiras — ingleses e holandeses — mas Porto Rico também começava a reclamar mais autonomia e a fazer exigências. Em 1812, Porto Rico é declarado uma província de Espanha.

No início da segunda metade do século XIX, a crescente irrequietude e desejo de independência das últimas duas colónias espanholas na região das Grandes Antilhas e América do Sul, Cuba e Porto Rico, agudizaram-se e, no mesmo ano, ambas as ilhas encetaram movimentos rebeldes e de independência contra a metrópole espanhola: «[t]he island’s [Puerto Rico] first pro-independence uprising known as the Grito de Lares, took place in 1868, nearly half a century after most Latin American countries had won independence.» (Morris, 1995: 22). Praticamente três décadas depois do movimento Grito de Lares, Espanha cede às reivindicações de Porto Rico e concede-lhe uma certa autonomia: «[i]n 1897, Spain granted the island the right to voting representation in the Spanish parliament and considerable self-government through a newly created Puerto Rican parliament.» (Morris, 1995: 23), um passo fundamental no trajecto para o fim do seu estatuto enquanto colónia e para a independência. Não obstante, o início da Guerra Hispano-Americana, entre Espanha e os Estados Unidos da América, impediu a concretização dos planos de autonomia de Porto Rico: «[o]n 25 July 1898 [...] U.S. troops fighting the Spanish-American war invaded Puerto Rico» (Morris, 1995: 23).

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18 A brevíssima Guerra Hispano-Americana deixava adivinhar o crescente interesse económico e político-estratégico dos Estados Unidos no Golfo do México e nas ilhas caribenhas (Williams apud Das, 2005). Em consequência da derrota espanhola, e de acordo com o estabelecido no Tratado de Paris, que pôs fim à Guerra Hispano-Americana, Espanha foi forçada a abdicar das suas colónias em favor dos Estados Unidos. O fim do império espanhol na América coincidiu com o início das pretensões coloniais americanas: a Doutrina Monroe, o Tratado de Paris ou a Emenda Platt constituem inegáveis indícios das intenções políticas e territoriais dos Estados Unidos, sobretudo no que se refere às ilhas caribenhas (Williams apud Das, 2005). Porto Rico deixa de ser uma colónia espanhola para passar a ser uma colónia americana: «[i]t is hard to deny that the Caribbean nations passed from one colonial hand to another. Puerto Rico still remains in parts a “colony”, however the name of the political status might be different.» (Das, 2005: 4).

A ocupação militar de Porto Rico pelos Estados Unidos durou entre Outubro de 1898 e Maio de 1900 e a administração do território foi feita através de um governo militar. O projecto de recuperação e modernização da ilha incluía o desenvolvimento ou criação de infra-estruturas básicas como estradas, caminhos--de-ferro, hospitais, escolas ou redes sanitárias.

Em 1900 verifica-se a transição do modelo militar para o modelo civil através da aprovação pelo Congresso americano da primeira Lei Orgânica de Porto Rico, designada como Foraker Act3. Em 1917, o Congresso aprova o Jones Act, que introduz alterações em termos da condição política de Porto Rico no contexto da soberania americana. Entre estas, contam-se a eleição das duas câmaras do seu órgão legislativo, a atribuição de cidadania americana a todos os nacionais porto--riquenhos e a eleição de um representante de Porto Rico, sob a designação de Resident Commissioner, com poder para se dirigir ao Congresso americano, apesar de o direito de voto lhe estar vedado:

[…] Congress passed the Jones Act of 1917, which extended U.S. citizenship to residents of Puerto Rico, established a bill of rights for the territory, provided for a popularly elected Senate, and authorized the election of a Resident Commissioner from Puerto Rico to the United States Congress. (Bea e Garrett, 2008: CRS-6).

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O Foraker Act previa o estabelecimento de um governo civil, sob a autoridade de um governador e representantes americanos nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos (Bea e Garrett, 2008).

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19 Luís Muñoz Rivera foi o primeiro representante porto-riquenho no Congresso americano. Em 1948, o filho, Luiz Muñoz Marín torna-se o primeiro governador de Porto Rico eleito pelo próprio povo de Porto Rico, após ter-lhe sido concedido esse direito pelo Congresso americano em 1947. Depois da aprovação pelo Congresso americano, o Governador de Porto Rico declara a Constituição de Porto Rico oficialmente em vigor em 25 de Julho de 1952; o estatuto de Porto Rico em relação aos Estados Unidos passa a ser o de Commonwealth ou estado livre associado.

A soberania americana relativamente a Porto Rico e a posição divergente e pouco pacífica sobre o seu estatuto político mereceu três plebiscitos — em 1967, 1993 e 1998 — e um referendo em 1991. Os resultados dos primeiros dois plebiscitos foram favoráveis à opção de manter o estatuto de Commonwealth; a opção none of the above incluída no terceiro plebiscito ganhou por uma curta margem. A inconclusividade dos resultados mantém a polémica em aberto.

O impacto da presença dos Estados Unidos em Porto Rico estende-se muito para além da indefinição do estatuto político da ilha. Desde o final do século XIX, os Estados Unidos têm vindo a intervir política, económica, social e culturalmente em Porto Rico. O plano de hegemonia, desenvolvimento e modernização que os Estados Unidos haviam concebido para Porto Rico passava por uma tentativa de homogeneização, por americanizar Porto Rico: «[t]hey had a clear agenda of “Americanization” of the island [...it] had its antecedents in the “melting pot”» (Morris, 1995: 24). Isto implicava intervenções ao nível do sistema político, legislativo e jurídico, bem como reformas de infra-estruturas a vários níveis, registo indelével da intervenção americana em Porto Rico e da sua passagem de uma economia essencialmente rural e agrícola para uma economia industrial.

Para além da Operation Bootstrap4, o plano de americanização da ilha estendia-se a outros sectores da vida quotidiana dos residentes porto-riquenhos, nomeadamente ao sistema educativo. Através de hábitos e rituais diários básicos, os valores americanos foram sendo inculcados na população: «[s]chools were seen

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A Operation Bootstrap tinha como objectivo a rápida industrialização e desenvolvimento económico de Porto Rico: «A government campaign to attract investment and special tax breaks designed to encourage commercial development propelled rapid industrialization. «Operation Bootstrap», as the development came to be known, sparked the conversion of Puerto Rico’s economic base from agriculture to industry; textile, clothing, and other manufacturing plants were established, contributing to economic growth and rising standard of living» (R. Anderson e Wells

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20 as tools of Americanization. American flags were assigned to each school and children began each school day by saluting the flag, […]» (Pierce Flores, 2010: 84). A aprendizagem da língua inglesa e subsequente substituição do espanhol pelo inglês através da imposição do inglês como língua de instrução nas escolas básicas e preparatórias de Porto Rico constituía um dos principais objectivos da intervenção americana na ilha: «Faulkner’s policy dictated the use of English as the language of instruction in all school classes, including non--language subjects such as arithmetics and history, […]» (Negrón de Montilla apud Morris, 1995: 30). Podendo ser vista como uma das medidas mais impopulares e menos bem--sucedidas, esta imposição linguística em termos de política educativa vigorou entre 1905 e 1916, embora, popularmente, a língua de comunicação tenha permanecido o espanhol. Actualmente, contudo, o espanhol e o inglês coexistem como as línguas oficiais de Porto Rico.

Na sequência da Operation Bootstrap e da tentativa americana de industrializar a ilha, o sucessivo declínio da economia essencialmente agrícola de Porto Rico provocou um êxodo dos trabalhadores rurais para as cidades, sobretudo San Juan. O crescente desemprego na capital e a saturação populacional desencadearam o processo de migração para os Estados Unidos. A cidadania americana, atribuída a todos os porto-riquenhos em 1917, funcionava como um livre-trânsito para estes migrantes5 que procuravam melhores empregos na metrópole: «[t]his period also marked the beginning of the mass emigration of job-seeking Puerto Ricans to the U.S. mainland, particularly to New York and other East Coast cities.» (Morris, 1995: 41). Este movimento migratório interessava ao governo americano porque supria as necessidades prementes de mão-de-obra barata que existiam nos grandes centros urbanos americanos.

A migração para os Estados Unidos aconteceu de forma faseada; entre 1910 e 1930, a ligação entre a ilha e o continente era feita por transporte marítimo e era significativamente dispendiosa. A grande migração de Porto Rico para os Estados Unidos ocorreu sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial; a travessia passou a ser aérea e a redução no preço das viagens possibilitou a migração de vários

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A situação política de Porto Rico em relação aos Estados Unidos dificulta a classificação dos porto-riquenhos que deixam a ilha pelos Estados Unidos, contudo, dada a impossibilidade de os designar como «imigrantes» pela situação política dependente e atribuição de cidadania americana em 1917, opta-se pela designação de «migrantes» quando a referência é a porto-riquenhos no território continental dos Estados Unidos.

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21 milhares de porto-riquenhos para o continente americano. A origem rural de uma classe com fracos recursos, a baixa escolaridade e a formação não especializada dos migrantes porto-riquenhos condicionaram substancialmente o tipo de tarefas e empregos ao seu alcance, ou seja, trabalhos pouco qualificados e mal remunerados: «[t]he Puerto Rican rags-to-riches dream turned into a nightmare, as a large portion of New York’s Puerto Rican population was either unemployed or assumed the lowest-paying jobs.» (Luis, 1997: 17). O número maciço de indivíduos que deixaram a ilha para trabalhar e residir nos Estados Unidos fixou--se sobretudo em Nova Iorque, onde criou nichos ou comunidades próprias, dificultando a assimilação:

There were a million Puerto Ricans in New York in 1970 [...]. The east side of Harlem – “Spanish Harlem” or el barrio – was the first Puerto Rican community, but by 1970, there were more than twice as many Puerto Ricans in the Bronx or in Brooklyn as in Manhattan.24 (Sowell, 1981: 232).

Não obstante a relação histórico-política entre Porto Rico e os Estados Unidos que poderia tornar este num caso de migração singular, a comunidade porto-riquenha continua a existir à margem da sociedade e cultura dominantes: «[t]heir culture, their value systems are not considered mainstream. They are marginalized like many other minority cultures of the U.S.» (Das, 2005: 4).

A forte presença da comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos é incontornável. Os relatórios que acompanham o Census 2000 calcularam 35.2 milhões de hispânicos ou latinos (designação que inclui diferentes grupos étnicos6) a viver nos Estados Unidos, o que perfaz 12,5% do total da população e traduz um aumento superior a 60% em relação ao Census de 1990. Considerando apenas os dados relativos à população porto-riquenha, e apenas como amostragem, os dados indicam que esta constitui o terceiro maior grupo, com 3,4 milhões de habitantes ou 9,7% do total da população hispânica nos Estados Unidos. Em termos de idade média, a faixa etária entre os 18 e os 64 anos é preponderante, 60,9%, com 33,6% da população abaixo dos 18 anos. Considerando que, desde 1917, todos os porto--riquenhos nascidos em Porto Rico se tornam cidadãos americanos, os dados indicam que 98,6% dos porto-riquenhos que residem nos Estados Unidos são americanos. Em termos linguísticos, quase

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Os termos étnico e etnicidade surgem como traços definidores e Werner (1996) acrescenta: «[…] in ‘ethnicity’, the double sense of general peoplehood (shared by all Americans) and of otherness (different from the ‘mainstream’ culture) lives on» (xi).

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22 50% da população porto-riquenha utiliza espanhol em casa, mas é fluente em inglês. A restante população divide-se equitativamente entre aqueles que falam só inglês em casa e os que não dominam a língua inglesa. A nível da escolaridade, 63,3% da população completaram o ensino secundário, mas só 12,5% prosseguiram os estudos no ensino superior. Finalmente, em termos de rendimento familiar anual médio, comparando com os 50.000 dólares auferidos em média pela população americana, a população porto--riquenha recebe cerca de 32.791 dólares, e constitui o segundo grupo com o rendimento anual médio mais baixo entre a população hispânica.

Na viragem de mais uma década de um novo século e contando mais de cem anos de soberania americana, a população porto-riquenha nos Estados Unidos permanece económica e socialmente à margem da sociedade mainstream americana. A questão em torno do estatuto político de Porto Rico interfere com a questão de identidade nacional. As discussões em torno de conceitos como identidade e cultura, ou de resistência à assimilação pela cultura mainstream anglo-saxónica, por oposição à valorização da pluralidade étnica e cultural, permanecem pertinentes sobretudo no contexto actual em que a teoria do melting pot americano se encontra descartada.

1.2. Identidade e cultura: o fenómeno identitário e cultural porto--riquenho em Porto Rico e nos Estados Unidos

A definição de conceitos como «cultura» e «identidade»7 é complexa e a qualidade dinâmica dos conceitos dificulta a sua circunscrição, estando muitas vezes em articulação com o argumento em que se insere. As limitações desta dissertação não permitem que me debruce exaustivamente sobre os dois conceitos; considerando isto, poder-se-ia sustentar que, num sentido lato, «cultura» compreende um conjunto de práticas, costumes e normas que um grupo de indivíduos partilha e que regula a sua interacção de geração em geração: «[...] the

7

Para uma definição dos termos «cultura» e «identidade» ver, por ex., Homi Bhabha em The

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23 totality of socially transmitted behaviors, beliefs, and institutions that constitute a “system” or “way of living” for a particular people» (Bass e Young, Eds., 2003: 98). A função agregadora deste sistema contribui para a formação do indivíduo e da comunidade enquanto entidades sociais. Poder-se-ia, de forma igualmente lata, considerar identidade como um conjunto de características que nos define e distingue, que nos torna naquilo que somos: «[i]dentity is a narrative of the self; it’s the story we tell about the self in order to know who we are» (Hall, 2003: 236). A identidade, talvez mais até do que a cultura, ao contrário do que antes se defendia — «[...] i.e., we’ve assumed that there is something which we call our identity which, in a rapidly shifting world, has the great advantage of staying still» (Hall, 2003: 228) — obrigando à sua concepção em termos de construção dinâmica, como processo: «[w]e have now to reconceptualize identity as a process of identification, [...]. It is something that happens over time, that is never absolutely stable, that is subject to the play of history and the play of difference» (Hall, 2003: 234). Para além da transformação e evolução que estão subjacentes ao processo de construção da identidade, este passa a fazer-se complementarmente por um processo de alteridade, de diferenciação e contraposição ao «Outro»: «[identity] is partly the relationship between you and the Other. Only when there is an Other can you know who you are» (Hall, 2003: 235) O «Eu» opõe-se ao «Outro»; se se considerar que o «Eu» representa a norma e o «Outro» representa o desvio à norma (Das, 2005), este torna-se um aspecto fundamental nas discussões em torno de questões de identidade e cultura. Conforme Morris refere, termos compostos como «[...] cultural identity, political identity, ethnic identity, and national identity» (Morris, 1995: 8) são formas de representar uma identidade colectiva, que se distingue de outras identidades colectivas que representam, respectivamente, o «Eu» e o «Outro»: «[a] key part of defining collective identity involves establishing the distinction between group members and outsiders, “us” and “them”» (Morris, 1995: 8).

Identidade e cultura são constituintes incontornáveis na expressão de um povo. Porto Rico representa um caso particular em questões de identidade e cultura nacionais pela condição colonial em relação aos Estados Unidos. Um conjunto de circunstâncias permeia a discussão em torno da construção da identidade e cultura nacionais em Porto Rico: a herança indígena dos índios Taíno; a cultura da mão-de-obra escrava africana; a colonização espanhola

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24 durante quatro séculos; um século de presença americana; o estatuto de commonwealth da ilha; e, finalmente, a migração substancial de porto-riquenhos para os centros urbanos americanos. Discutir a identidade e a cultura porto--riquenhas equivale a discuti-las nas suas duas dimensões, na ilha e nos Estados Unidos.

De acordo com Edna Acosta-Bélen (1992), a discussão identitária e cultural porto-riquenha tem-se centrado na questão política, na tentativa de americanização de Porto Rico, na assimilação nos Estados Unidos, limitando-se à tentativa de conservação de uma identidade e uma cultura que são endemicamente dinâmicas. Para a autora, é infinitamente mais proveitoso, no contexto da discussão em torno da identidade e da cultura porto-riquenhas, considerar os processos culturais dinâmicos decorrentes da interacção social e económica entre os participantes nesta construção, nomeadamente a comunidade porto-riquenha na diáspora e os «Outros» que intervêm: «[...] study of cultural processes in reference to the economic structures and social classes that engender them, and the conflicts that result from the dynamic interaction of those who share the social and historical scene» (Acosta-Belén, 1992: 979).

Na discussão em torno da identidade e cultura porto-riquenhas, Jorge Duany (2000) analisa o discurso nacionalista em Porto Rico e, à semelhança de Acosta--Belén, sublinha o fenómeno da diáspora porto-riquenha como um aspecto incontornável nesta discussão: «[...] any serious reconceptualization of Puerto Rican identity must include the diaspora in the United States» (Duany, 2000: 5). Para além disto, Duany menciona o fluxo circular, o movimento pendular que se verifica entre Porto Rico e os Estados Unidos, como factor determinante na construção da identidade e cultura porto-riquenhas.

[...] the increasingly bilateral flow of people between the Island and the U.S. mainland — what has come to be known as circular, commuter, or revolving door migration. [...] La nación en vaivén, the nation on the move, might serve as an apt metaphor for the fluid and hybrid identities of Puerto Ricans on both sides of the Atlantic (Duany, 2000: 5).

A particularidade do caso de Porto Rico advém de dois factores: o estatuto político em relação aos Estados Unidos e o fenómeno maciço da diáspora. Jorge Duany (2000) salienta as ambiguidades com respeito ao estatuto político de Porto Rico: o Jones Act em 1917 conferiu cidadania americana aos porto-riquenhos, não

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25 obstante, os porto-riquenhos em Porto Rico ou nos Estados Unidos identificam-se como porto-riquenhos: «[...] the legal definition of their identity does not entirely correspond to their self-perception as “Puerto Ricans first, Americans second”» (Duany, 2000: 6); por outro lado, o plebiscito realizado em 1998 confirmou o vínculo político aos Estados Unidos sob a forma de estado livre associado, estabelecido em 1952. O governo de Porto Rico goza de poder decisório sobre matéria local, «[...] such as taxation, education, health, housing, culture and language» (Duany, 2003: 425), o governo americano pronuncia-se sobre matéria federal, «[...] immigration, citizenship, customs, defense, currency, transportation, communications, and foreign trade» (Duany, 2003: 425).

Na discussão identitária e cultural porto-riquenha importa distinguir entre porto-riquenhos em Porto Rico e na diáspora. A cidadania americana exime a população porto-riquenha de quaisquer formalidades fronteiriças, o que propicia a mobilidade de pessoas entre Porto Rico e os Estados Unidos:

[...] most Puerto Ricans value their US citizenship and the freedom of movement that it offers, especially unrestricted access to the continental United States. The ability to migrate to the mainland and back to the Island has been claimed as a fundamental right by Puerto Ricans on both shores of the Atlantic Ocean (Duany, 2003: 427).

No início do século XXI, a proporção de população porto-riquenha em Porto Rico e nos Estados Unidos é absolutamente surpreendente, ultrapassando os 47% de migrantes: «[t]oday, nearly half of all persons of Puerto Rican origin live in the continental United States» (Duany, 2003: 425-426). Duany (2003) acrescenta que, em número significativamente menos expressivo verifica-se o regresso a Porto Rico de porto-riquenhos e descendentes e a chegada de imigrantes, nomeadamente dominicanos e cubanos.

No tocante a identidade e cultura, verificam-se factores concorrentes em Porto Rico — a presença americana e a tentativa de americanização, «[...] the Island has been exposed to an intense penetration of American capital, commodities, laws, and customs [...]» (Duany, 2003: 425) — e a afirmação de uma identidade e cultura próprias — «[...] the assertion of a separate culture on the Island, as manifested in popular music, sports, and beauty contests, among other areas» (Duany, 2003: 425). Para além disto, conforme Duany (2000) e Acosta-Belén (1992) referem, a deslocalização de quase metade da população

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26 acrescenta ainda outra dimensão a qualquer debate com respeito à identidade e cultura porto-riquenhas, ou seja, qualquer reflexão actual e rigorosa sobre o conceito de identidade e cultura porto-riquenhas tem, necessariamente, de admitir uma construção identitária e cultural que inclua os porto-riquenhos nos Estados Unidos. Duany (2000) sublinha que a questão da existência efectiva de uma identidade e cultura porto-riquenhas tem sido colocada; no caso específico de Porto Rico, a contradição não reside exactamente na legitimidade da sua afirmação enquanto nação, assente em aspectos que tradicionalmente identificam uma nação, nomeadamente aspectos históricos, territoriais, linguísticos ou raciais comuns, mas no facto de não se comprovar uma efectiva vontade popular de independência. Ao longo do século XX, verificaram-se duas tendências divergentes: durante as primeiras décadas, a vontade independentista ganhou dimensão; mas, na segunda metade do século, os movimentos de anexação ou maior autodeterminação sobrepuseram-se-lhe. Para além disto, o que importa salientar é a crescente separação entre o movimento independentista e o desenvolvimento de uma cultura própria. Parece cada vez mais evidente que a independência dos Estados Unidos não constitui requisito prévio para a construção e afirmação da identidade e da cultura porto-riquenhas:

Many observers have noted the growing rift between the push for a sovereign government and the assertion of a separate culture on the Island, [...]. At the beginning of the 21st century, Puerto Rico presents the apparent paradox of a stateless nation that has not assimilated into the American mainstream. After more than 100 years of US colonialism, the Island remains a Spanish-speaking Afro-Hispanic-Caribbean nation (Duany, 2003: 425).

Não obstante, conforme Juan Flores salienta, Porto Rico permanece uma colónia americana: «Porto Rico stands as “exceptional” and unusual in “still” being a colony in the context of postcolonial globality» (2000: 35-36). Na análise do caso porto-riquenho, Flores, citado por Duany, propõe o termo «colónia pós--colonial8» para definir a condição de Porto Rico: «a people with a strong sense of national identity but little desire for a nation-state, living in a territory that legally “belongs to but is not part of the United States”» (Flores apud Duany, 2003: 425).

Antes de mais, importa considerar o estado actual da discussão em torno de identidade e cultura em Porto Rico; de acordo com Carlos Pabón referido por Juan

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Para uma definição do termo «pós-colonial» ver Homi Bhabha em The Location of Culture, 1994.

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27 Flores em From Bomba to Hip Hop: Puerto Rican Culture and Latino Identity, verifica-se actualmente a substituição do «nacionalismo político» por um «nacionalismo cultural»9, ou seja, a relevância da independência cultural sobrepõe-se à independência política:

[i]n tune with much current theorizing on the Island, he [Carlos Pabón] speaks [...] of the conversion of political nationalism of earlier years into a watered-down, consensual, and noncontestatory “cultural nationalism” […] (Flores, 2000: 33).

Pabón é crítico desta alteração, mas concorda com Duany que a discussão actual de identidade e cultura porto-riquenhas obriga a reconsiderar os termos em que se concebe o conceito de nação, a transcender o ideário tradicional do conceito, de forma a incluir a diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos. Não obstante possíveis sobreposições dos dois conceitos, Duany (2003) considera que, no nacionalismo cultural, o conceito de nação se baseia na manifestação cultural distinta que se manifesta em termos de herança histórica e cultural com recurso aos símbolos mais identificativos da nação, como, por exemplo, a bandeira, o hino, a língua, a religião ou outros.

No que respeita a discursos de identidade e cultura em Porto Rico, o nacionalismo10 foi dominante durante grande parte do século XX em oposição à americanização. Simbolicamente, a hispanofilia, nomeadamente a língua espanhola e a religião católica, tem representado a identidade e a cultura porto--riquenhas — «[...] Puerto Rican nationalists have embraced the Spanish vernacular as the dominant symbol of their culture, as well as other elements of the Hispanic heritage such as Catholicism» (Duany, 2000: 10) —, tendo-se verificado também, nas últimas décadas, a revitalização da cultura indígena e o reconhecimento da cultura africana na construção da identidade e cultura porto--riquenhas.

Jorge Duany é da opinião de que a ideologia nacionalista porto-riquenha apresenta três questões a ser revistas: o antagonismo entre Estados Unidos e Porto

9

Para uma distinção mais pormenorizada entre «nacionalismo político» e «nacionalismo cultural» ver Jorge Duany, «Nation, Migration, Identity: The Case of Puerto Ricans», 2003. Com base na teoria defendida por Hutchinson, Duany considera que a noção de nacionalismo político é inseparável de uma governação independente, enquanto o nacionalismo cultural privilegia a independência ao nível da expressão histórica e cultural do povo: «Cultural nationalism conceives of a nation as a creative force based on a unique history, culture, and territory, while political nationalism equates the nation with the state.» (Hutchinson apud Duany, 2003: 428)

10

Para uma definição do termo «nacionalismo» ver, por ex., Benedict Anderson em Imagined

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28 Rico, nomeadamente a nível linguístico visto que, com o fenómeno da diáspora, o inglês se tornou o idioma de muitos porto-riquenhos nos Estados Unidos: «[f]or instance, many Puerto Ricans born and raised in the United States now use English as their dominant language; [...]» (Duany, 2000: 10); a oposição entre o passado rural e a figura do jíbaro11 e a industrialização americana; e finalmente a desconsideração do fenómeno diaspórico — «[...] the neglect and mistreatment of diasporic experiences [...]» (Duany, 2000: 11) — que o nacionalismo porto--riquenho exclui por circunscrever o seu conceito de nação a limites geográficos específicos: «[...] most nationalists have not fully acknowledged the implications of spatial dispersion and cultural fragmentation, perhaps because they have typically defined national sovereignty and identity within strictly territorial boundaries» (Duany, 2000: 11). É urgente rever esta posição de forma a incluir as manifestações identitárias e culturais da diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos.

No período da segunda metade do século XX, a discussão em torno do discurso nacionalista porto-riquenho passou sobretudo para o campo da antropologia cultural. Sustenta-se que Porto Rico tem uma cultura nacional forte assente em elementos hispanófilos, como a língua espanhola, a religião católica e outros princípios morais e valores hispânicos (Lauria apud Duany, 2000: 12). Nestes termos, critica-se a sugestão dos nacionalistas de que identidade e cultura porto-riquenhas são homogéneas apoiada na mestiçagem de hispânicos, índios e africanos; a origem hispânica é dominante conduzindo ao «branqueamento» da maioria e a uma certa marginalização da população negra em Porto Rico. Contudo, na sociedade porto-riquenha, a distinção entre classes sobrepõe-se à distinção racial (Duany, 2000).

A discussão intelectual em Porto Rico com respeito a identidade e cultura riquenhas é pautada, em grande parte, pela oposição entre a cultura -riquenha e a cultura americana, excluindo, em grande medida, a diáspora porto--riquenha nos Estados Unidos: «[u]nfortunately, most of this work has centered on the Island and neglected how identities are transformed and reconstructed in the diaspora [...]» (Duany, 2003: 435). O discurso nacionalista revê-se na oposição

11

O termo jíbaro refere-se ao camponês, de origem europeia, em Porto Rico: «[...] the jibaro, or mountain peasant, whose most literal translation in English may be something like “hillbilly.”» (Pierce Flores, 2010: 92).

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29 entre ilha e metrópole e, em resultado disso, a participação da diáspora porto--riquenha nesta discussão tem sido descurada: «[...] Puerto Ricans abroad do not meet most of the traditional criteria of nationalist discourse on who is a Puerto Rican. […] has traditionally shunned the diaspora [...] for geographic, linguistic, and cultural reasons» (Barradas e Díaz Quiñones apud Duany, 2000: 16). Todavia, a migração maciça de Porto Rico para os Estados Unidos no período pós-Segunda Guerra Mundial compromete a base argumentativa dos nacionalistas, isto é, a impossibilidade de conciliar as duas culturas. Os nacionalistas porto-riquenhos advogam que a diáspora enfraquece a coesão identitária e cultural porto-riquenha e a assimilação significa a supressão da cultura porto-riquenha: «[i]sland-based writers [...] tend to view assimilation as the fatal assault on the national culture of a colonially oppressed people […]» (Flores, 1993: 178). Estes argumentos apoiam-se, conforme Duany (2000) salienta, na erosão linguística com a substituição da língua vernacular pela língua inglesa ou a expressão interlingual entre as duas, o Spanglish, como código linguístico da segunda geração migrante, ou na diminuta participação política e económica em Porto Rico. Para além disto, os porto-riquenhos na diáspora comprometem a discussão pró-independência com base em diferenças territoriais, linguísticas e culturais rigorosas entre Porto Rico e os Estados Unidos.

O facto é que o fenómeno da diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos desafia os pressupostos do conceito nacionalista de nação porto-riquenha, ou seja, o território insular, a língua espanhola, etc.: «[t]he diaspora has mobilized standard concepts of the nation, culture, language, and territory.» (Duany, 2003: 430). Não obstante, qualquer destes argumentos é insuficiente e acrescenta-se que o nacionalismo cultural serve o contexto colonial de Porto Rico e o contexto da diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos, permitindo a sua inclusão na construção da identidade e cultura porto-riquenhas: «[...] cultural nationalism is better attuned than political nationalism to the widespread geographic dispersion and continuing colonial status of Puerto Rico» (Duany, 2003: 428). O autor considera oferecer Porto Rico como exemplo de transnacionalismo12 porquanto as

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«Transnacionalismo» surge definido por Jorge Duany em «Nation, Migration, Identity: The Case of Puerto Ricans», 2003, do seguinte modo: «[...] transnationalism, broadly defined as the maintenance of social, economic, and political ties across national borders […]» (Schiller et al. e Basch et al. apud Duany, 2003: 425) ou «[...] Transnationalism is commonly understood as the establishment of multiple social, economic, political, and cultural links between two or more

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