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Ritos de passagem e reconciliação em Call me María

3. Outros públicos: Call me María, Judith Ortiz Cofer e a literatura juvenil

3.3. Ritos de passagem e reconciliação em Call me María

Judith Ortiz Cofer refere frequentemente o seu sentimento de invisibilidade na infância e adolescência, resultante da mediação entre dois códigos linguísticos e culturais concorrentes na concepção identitária e cultural de uma criança ou adolescente: «[h]aving an identity means having an awareness of who we are, where we belong, and also a sense that our lives have purpose and meaning» (Ortiz Cofer, 2011b: 72). As obras literárias de Ortiz Cofer funcionam do mesmo modo que crianças e adolescentes num contexto de (i)migração, como go-between entre o grupo minoritário e o grupo dominante; permitem, em particular ao público juvenil e jovem adulto, a identificação e a mediação de experiências e contribuem para a construção identitária e cultural desse tipo de leitores.

Call me María (2004) é um texto que se apresenta como romance, ainda que na sua construção abarque textos que poderiam situar-se noutros campos genológicos, pode ser enquadrado no género Bildungsroman sendo dirigido precisamente a este público. A narradora e protagonista adolescente, María, vê-se confrontada com a escolha entre Porto Rico e os Estados Unidos, entre a mãe e o pai. É de assinalar desde já que a utilização recorrente da primeira pessoa nas obras de Cofer propicia a identificação do leitor com a personagem, servindo simultaneamente um propósito de auto-descoberta por parte da autora: «[m]y writing is my journey toward self-discovery. I often use the first person in order to make myself stop and ask — what do I think about this? How do I feel about that?» (Ortiz Cofer, 2011b: 73). Call me María combina, como acima indicado, vários géneros literários, poesia, ficção em prosa e epistolagrafia, numa tentativa de representação polifónica da realidade que compreende: «I want my books to be inhabited by a chorus of voices representing a variety of perspectives. I think that this plurality may be best expressed in a melding of genres present in much of my

81 work» (Ortiz Cofer, 2011b: 74); este facto obriga a uma significativa disponibilidade do leitor para ler e interpretar o texto. Smith, no seu estudo de 2002, argumenta que é comum a utilização simultânea de vários géneros literários por autores de literatura infanto-juvenil e jovem adulta étnica por uma questão de construção de um ambiente de autenticidade e de exposição dos leitores a uma diversidade de influências culturais na sua construção identitária, ecoando a prática de storytelling; em última análise, esta estratégia narrativa obriga o leitor a reconhecer os vários códigos culturais com que se defronta no quotidiano.

Em geral, as obras de Judith Ortiz Cofer incluem uma dedicatória, invariavelmente à família (nos Estados Unidos e em Porto Rico) e em particular ao seu marido e filha, John e Tanya Cofer, e uma epígrafe, que pode variar radicalmente entre citações de Virginia Woolf, Emily Dickinson, Denise Levertov e Shakespeare, Cervantes ou Bob Dylan. Call me María é «For Mr. C.» (Ortiz Cofer, 2004: v)34, presumivelmente John Cofer, e a epígrafe é um pequeno trecho de um poema de Pablo Neruda sobre a poesia, em espanhol e em inglês. A referência a Pablo Neruda, em particular a citação de um trecho sobre poesia não é inocente; a referência ao poeta e à obra Odes Elementares repete-se perto do final do romance e representa um momento de revelação clarividente em que a narradora assume a sua própria vocação poética.

Em Call me María, a narradora é obrigada a decidir entre ficar com a mãe em Porto Rico, onde nasceu e viveu até ao momento do início da diegese, e partir com o pai para os Estados Unidos. Decidindo partir, María e o pai mudam-se para um apartamento no barrio, aqui uma comunidade diaspórica porto-riquenha em Nova Iorque. O romance acompanha o desenvolvimento físico e psicológico de María no espaço social e cultural do barrio, entre a comunidade migrante e a sociedade americana, ou seja, o processo de reconciliação e reconfiguração da sua identidade e cultura. Call me María representa um ritual de passagem da adolescência para a idade adulta, em que a discussão em torno da identidade e da cultura da protagonista, sobretudo no contexto da diáspora porto-riquenha, assume um papel central; a obra problematiza aspectos culturais porto-riquenhos e aspectos culturais da comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos.

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A partir deste ponto todas as referências a Call me María serão seguidas apenas do número de página entre parênteses.

82 O título da obra, Call me María, corresponde ao título do poema que dá início à obra e remete para a obra Moby Dick (1851) de Herman Melville cuja frase de abertura enunciada pelo narrador e protagonista, Ishmael, é «CALL me Ishmael.». A viagem a bordo do navio Pequod, sob o comando do Capitão Ahab, cujo único objectivo é capturar a baleia branca, Moby Dick, representa para o jovem Ishmael um rito de passagem; no final da obra, Ishmael é o único membro da tripulação que se salva, o único sobrevivente do naufrágio depois do confronto final com Moby Dick. Assim, o título escolhido por Ortiz Cofer para este romance sinaliza desde logo que a adaptação ao espaço americano, nas circunstâncias do barrio, é um rito de passagem para María equivalente às aventuras e desventuras de Ishmael, sujeito à fúria da natureza e à dureza das ambições humanas; tal como Ishmael, María é uma sobrevivente cuja perseverança lhe conquista um espaço próprio e o direito à sua identidade. «María» é igualmente o nome porto-riquenho popularizado pelo musical West Side Story que simbolicamente representa a figura feminina porto-riquenha, conforme explicitamente reconhecido por Ortiz Cofer em The Myth of the Latin Woman: I Just Met a Girl Named María em The Latin Deli (1993).

A proposta de leitura de Call Me María que se apresenta de seguida visa sublinhar a presença de referências autobiográficas, como forma de organização da discussão das dinâmicas existentes entre indivíduo e comunidade neste texto de Cofer, razão pela qual se optou pela análise sequencial de cada poema, texto ou carta que compõem o romance; a escolha justifica-se, ainda, pela relevância de características que individualmente se vão revelando em cada um destes momentos, constituindo no seu todo uma linha argumentativa pertinentes para a compreensão global da obra.

O texto inicia-se com o poema «Call me María» que introduz a narradora e a dualidade de espaços estruturadora do romance: María identifica e opõe dois espaços físicos, ilha e barrio (cidade), dois espaços psicológicos, «María Alegre» — «bird», «paloma» — e «María Triste» — «ratoncita», «mouse» — e dois tempos, o passado e o presente. A negatividade da narradora em relação ao espaço físico do barrio está patente na forma como desumaniza o espaço da cidade e cria o antagonismo entre a cidade e a ilha: «It is a warm day, and even in this barrio/ the autumn sun feels like a kiss, un besito, [...] on the top step of the cement stairwell/ leading into our basement apartment/ in a city just waking/ from a deep

83 and dark winter sleep./ The sun has warmed the concrete […] [sublinhado meu]» (1). Ao utilizar no poema duas vezes o advérbio «even» («even in this barrio») e sublinhar o campo semântico urbano — «cement», «basement» e «concrete» —, María reafirma a sua oposição a este espaço físico; a narradora reforça a inospitalidade do local a que só o Sol confere algum calor. A separação entre Porto Rico (passado) e o barrio (presente) é ainda sublinhada pela oposição entre as duas personas, «María Alegre» e «María Triste», a que se acrescenta a possibilidade de uma identidade terceira:

«It is a beautiful day/ even in this barrio, and today/ I am almost not unhappy. I am a different María,/ no longer the María Alegre/ who was born on a tropical island,/ and who lived with two parents/ in a house near the sea/ until a few months ago,/ nor like the María Triste, the lonely/ barrio girl of my new American life./ I am fifteen years old./ Call me María [sublinhado meu]» (1-2).

Porto Rico representa o espaço da sua infância, da natureza e da liberdade, antes da separação da família e da mudança para o espaço inóspito e solitário que a cidade figura. Não obstante, o poema assinala um importante momento de afirmação e reconciliação; María abdica das suas duas personas, «María Alegre» e «María Triste» e, como a iguana, assume uma nova identidade entre as duas anteriores, uma transformação que coincide com a quinceañera e a passagem da adolescência à idade adulta, a um tempo em que se vislumbra um eu que se afirma perante os leitores: «I am fifteen years old./ Call me María […] [sublinhado meu]» (2). A comparação com o rato e o pássaro, animais associados às facetas opostas que antes a caracterizam, funciona metaforicamente de forma pertinente: o espaço subterrâneo do apartamento na cave corresponde à figura do roedor; o espaço exterior e a capacidade de enfrentar o mundo exterior corresponde à imagem do pássaro. A declaração final reforça a ideia de ruptura e recomeço: «[...] Today I am neither./ You can just call me María.» (2).

«Like the Fist Flower» compara o apartamento na cave a uma caverna, «cavelike atmosphere» (3), comparação esta que claramente remete para o pensamento de Platão; só há referência a uma única janela situada ao nível da rua, no espaço da sala de estar onde se encontra a secretária da narradora, janela essa de onde se vêem apenas as pernas (até aos joelhos) e os sapatos das pessoas que passam no exterior. As linhas seguintes — «[...] Since my mother hasn’t joined us yet,/ I am the decision maker when it comes to our home,/ the furniture, the meals

84 we eat, even the household budget [...] [sublinhado meu]» (3) —, reforçam a ausência da mãe e a responsabilidade que recai sobre María, nomeadamente a gestão do orçamento doméstico: María assume a posição que seria a de um adulto, a da mãe, caso ela estivesse presente; nesta fase do romance, é apenas possível inferir que a mãe não partiu temporariamente com o resto da família para Nova Iorque. Importa notar que, à semelhança do que se passa com María, na sua adolescência, também cabia a Judith Ortiz Cofer, na ausência do pai, a responsabilidade da relação com o exterior, funcionando como go-between entre a mãe, que se recusava a aprender inglês, e tudo o que implicava a esfera pública fora de casa e do barrio: «[...] my young mother and I had developed a strong symbiotic relationship, with me playing the part of interpreter and buffer to the world for her» (Ortiz Cofer, 1991: 102); ao regressar, o pai assumia esse papel: «[f]ather came home [...] I felt the almost physical release of the burden of responsibility for my family […]» (Ortiz Cofer, 1991: 106). A narradora procura refúgio da solidão e estranheza da cidade no apartamento-caverna, onde a janela- -fresta lhe permite ver apenas parte das pessoas que passam e imaginar as suas histórias, como se verifica adiante no romance: «[...] I like its cavelike atmosphere. I feel safe/ from the crazy street. From my underground/ home I will watch the world go by until/ I am ready to surface, una flor en la primavera [sublinhado meu]» (3). Como antes sugerido, é possível estabelecer uma analogia entre o espaço do apartamento na cave e a caverna da Alegoria da Caverna, de Platão, uma metáfora sobre a condição humana e a educação como forma de alcançar o conhecimento: o apartamento na cave simboliza a caverna e a janela a fresta por onde entra a luz do exterior; as pessoas que passam na rua, das quais María vê apenas parte, correspondem às sombras na caverna e são representações do que María entende como realidade, quando o que percepciona não passa de simples aparência. María tem de subir ao nível da rua para ganhar o conhecimento de si e dos que a rodeiam, ou seja, tem de ultrapassar as barreiras do preconceito, sinónimo de ignorância e da intolerância. María tem de deixar o apartamento na cave (caverna) e sair para o exterior para percepcionar as pessoas que passam na rua tal como são, completas; por sua vez, o cimento simboliza a cidade e a parede que aprisiona os homens na alegoria platónica e o sol guia-a, como uma luz, para a verdade.: «[...] When it does/ I will break through the concrete and reach for the

85 sun/ like the first flower of spring [sublinhado meu]» (3) (Platão, 1987, 514a — 516c).

«Letter to Mami» é o primeiro texto da obra de natureza epistolar; o primeiro parágrafo desta carta regista simultaneamente um tom implicitamente acusatório e suplicante, que reclama a atenção da mãe, professora, e alerta para a solidão da narradora que se refugia na leitura e na aprendizagem da língua dominante: «I read all the time. My English is getting better every day» (4). A referência velada à solidão e explícita à leitura remete para uma dimensão autobiográfica; também a autora tem essa experiência em Paterson: «[i]t was a solitary life we led in Paterson, New Jersey, and both my brother and I became avid readers» (Ortiz Cofer, 1991: 106). Outro aspecto autobiográfico pode ser identificado na imagem deprimente da escola apresentada — «[m]y new school looks like a prison. It has a wall around it and bars on the windows» (4) —, muito semelhante à referência que Ortiz Cofer faz à sua própria escola em Silent Dancing: «[t]he school building was not a welcoming sight […] It could have been a prison, an asylum, or just what it was: an urban school for the children of immigrants […]» (Ortiz Cofer, 1991: 62). A comparação que é feita entre a escola e a prisão contribui para a representação da cidade como um espaço físico perigoso e inóspito — todavia, a alusão aos professores e aos amigos que, não obstante, são limitados pelos determinantes «some» e «few» suaviza a imagem da cidade; Porto Rico e o barrio são espaços antagónicos, a ilha representa a beleza e o passado feliz e e a cidade representa a fealdade e o presente de solidão: «There is very little beauty in this barrio. I feel like I am doing penance. [...] you have to pay now for a reward later» (4). A penitência é a experiência no barrio, a recompensa é a oportunidade de estudar numa universidade americana e o facto de o pai depender dela naquele espaço: «[...] he needs me more than you do [...]» (4); isto tem especial relevância dado María ter medo de ser esquecida (e também de esquecer).

O texto seguinte, «Scenes from My Island Past [sublinhado meu]» narra, em retrospectiva e tripartidamente — «Part One: The Beginning of María Alegre/ María Triste», «Part Two: A Memory of María Alegre» e «Part Three: Flowering» — as circunstâncias que precipitaram a partida do pai e de María para os Estados Unidos. A acção dos três textos decorre em Porto Rico e o título enfatiza o «passado» desta parte do romance.

86 «Part One: The Beginning of María Alegre/ María Triste», em conjunto com a declaração inicial, «I am usually María Alegre [sublinhado meu]» (6), prenunciam uma transformação no decurso dos acontecimentos no romance; o epíteto de «María Triste» surge na sequência de acontecimentos que transformam a narradora de «María Alegre» em «María Triste». A família habita uma «cabaña», uma espécie de pequena casa para alugar, junto à praia, «[...] one of many [...]» (6), porque o pai é responsável pela manutenção e limpeza da praia e restantes «cabañas»; a mãe é professora de inglês no colégio católico que María frequenta e, como escreve, «[...] a storyteller. She can tell stories in both languages» (6). A tradição de storytelling, a passagem oral de histórias entre mulheres, de geração em geração, com uma intenção educativa e moralizadora, é um aspecto fundamental da cultura porto-riquenha e que a autora sublinha nas suas obras; em grande medida, as histórias contadas pela matriarca da sua família, a avó materna, em Porto Rico, inspiram e informam as histórias que Ortiz Cofer constrói: «[...] and they told cuentos, morality and cautionary tales told by the women in our family for generations: stories that became part of my subconscious [...] and which would later surface in my dreams and in my poetry» (Ortiz Cofer, 1991: 15). A habilidade de contar histórias em duas línguas verifica-se igualmente na autora que é bilingue; poder-se-ia, assim, apontar um determinado paralelismo entre mãe e filha no romance e mãe e filha na realidade da autora e da sua própria filha.

Nesta secção do romance, a narradora estabelece claramente a cronologia dos acontecimentos ao incluir a informação «I am six years old» (6); uma vez que, no início da obra, já nos Estados Unidos, María tem quinze anos, os seis anos de idade reforçam a ideia de passado e proporcionam ao leitor uma cronologia dos acontecimentos que culminam na sua partida para o barrio. A narradora apresenta a relação de proximidade e cumplicidade, com jogos, brincadeiras, música e dança, entre mãe e filha: «I am wearing my mambo costume, I have painted my face like a clown’s, lots of red lipstick and thick blue eye shadow.[...] “Can we dance today, Mami?” Music makes Mami alegre» (6-7). A linhagem matriarcal é indiciada na designação pela avó de María como «alegre» e o epíteto é adoptado pela mãe que a designa «María Alegre». María sente uma determinada responsabilidade pela felicidade dos pais e essa responsabilidade obriga-a a adoptar a postura de «María Alegre»: «I like to make Mami smile and laugh. I

87 want her and Papi to be happy. So I have to be María Alegre [sublinhado meu]» (7); o facto de o pai estar ausente desta cena familiar e a menção da visita médica funcionam como indicadores de ruptura.

Cada personagem nuclear representa um espaço físico: o pai, o barrio e a cidade de Nova Iorque, a mãe, Porto Rico; María funciona como intermediária entre as duas personagens e os dois espaços físicos. Acresce que a caracterização cultural e socioeconómica díspar das figuras materna e paterna contribui para aumentar a distância entre eles; o pai tem um trabalho manual e não qualificado, enquanto a mãe desempenha uma actividade profissional intelectual e qualificada; o facto de a figura feminina se destacar profissionalmente em relação à figura masculina acrescenta um motivo de tensão entre os dois, sobretudo se considerarmos as características patriarcal e «machista» da sociedade e cultura porto-riquenhas. Verifica-se, igualmente, uma distinção entre eles em termos culturais e de «puertorriqueñidad»; embora sejam os dois porto-riquenhos, o pai é resultado da diáspora porto-riquenha nos Estados Unidos, nasceu e cresceu em Nova Iorque e regressou a Porto Rico na adolescência, quando os seus pais retornaram à ilha, uma experiência que o torna necessariamente diferente da mãe que nasceu e cresceu em Porto Rico: «[h]e has always felt out of step with the island Puerto Ricans, although he has been here so many years and married an island girl, an island girl who wants to stay on the Island [sublinhado meu]» (8). A distinção entre porto-riquenhos da ilha e porto-riquenhos nos Estados Unidos é uma questão recorrente na discussão da construção da identidade e da cultura. Ironicamente, foi a competência em língua inglesa que os aproximou: «[t]hey fell in love because she spoke English very well; [sublinhado meu]» (8). Note-se novamente a ironia de ser a mãe que fala inglês correctamente, enquanto o pai fala Spanglish, como se irá perceber. A depressão do pai, «la tristeza» (13), resulta da sua vontade de voltar para o barrio, em Nova Iorque, mas a mãe está determinada a manter o seu emprego e a ficar em Porto Rico, o que contraria a lógica de submissão ao marido comum na cultura porto-riquenha e constitui uma afirmação da figura feminina.

O texto incorpora ainda outras referências autobiográficas (sujeitas todavia a adaptação e alteração), tais como a educação numa universidade americana, ou o uso da língua inglesa pela mãe ao falar com María — «[w]e will talk in English in the morning and Spanish in the afternoon» (6) — e ao corrigir-lhe a pronúncia:

88 «Mami corrects María’s pronunciation of hard English words that have sounds you do not hear in Spanish, like the th. “Thousand, not dousan, María. [...]» (11). Na vida real da autora, era Ortiz Lugo que fazia isso com os filhos: «[o]ur father spoke to us in English as much as possible, and he corrected my pronunciation constantly – not “jes”, but “y-es”» (Ortiz Cofer, 1991: 53). Também a descrição sobretudo física da mãe corresponde ao estereótipo feminino porto-riquenho que a autora recria com base na sua própria mãe e que repete ao longo das suas obras; uma mulher baixa, mas sedutora, boa dançarina, de cabelo negro, comprido e encaracolado.

É de notar que, em «Part Two: A Memory of María Alegre», a narradora abandona o discurso na primeira pessoa e adopta o discurso na terceira pessoa, o que cria um efeito de distanciamento entre narradora e acontecimentos narrados. Importa questionar a referência que se faz no romance a cantores cubanos e porto- -riquenhos, como Celia Cruz ou Filipe Rodriguez, respectivamente e que constituem referências musicais importantes para o leitor adulto, mas que o leitor juvenil e jovem adulto terá mais dificuldade em reconhecer ou identificar-se, ao contrário do que surge em An Island Like You que inclui referências a Jennifer Lopez ou Ricky Martin. Por esta razão questiona-se a utilização que autora faz destas referências artísticas e culturais numa obra cujo público preferencial pertence a uma faixa etária significativa mais jovem e cujo contacto com os artistas mencionados será sempre em segunda mão.

A menção do epíteto «María Triste» só ocorre, de facto, em «Part Three: