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Rita, Sandra, Luis, Kenny, Constancia, Teresa, Anita, Rick, Consuelo,

3. Outros públicos: Call me María, Judith Ortiz Cofer e a literatura juvenil

3.2. Rita, Sandra, Luis, Kenny, Constancia, Teresa, Anita, Rick, Consuelo,

Ortiz Cofer

A comunidade diaspórica porto-riquenha nos Estados Unidos não constitui oficialmente uma comunidade imigrante, (como antes referido), mas as condições socioeconómicas que esta comunidade experimenta denunciam a discriminação, a intolerância e o preconceito por parte da sociedade americana dominante e os barrios constituem verdadeiros enclaves linguísticos e culturais no seio das cidades americanas.

Não obstante, a comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos reclama o seu espaço identitário e cultural dentro do território americano; disso é sinal a literatura porto-riquenha nos Estados Unidos que resulta da negociação entre espaços, identidades e culturas e é simultaneamente uma forma de continuidade, de resistência e de reconciliação, de expressão da comunidade diaspórica no contexto americano. Katharine Capshaw Smith (2002) defende que a literatura infanto-juvenil e jovem adulta étnica representa uma parte fundamental da literatura de minorias nos Estados Unidos; as características desta literatura tornam-na num elemento essencial no contacto e na interacção entre o grupo dominante e os grupos minoritários e na mediação entre o «Eu» e o «Outro». Importa relembrar algumas dessas características, nomeadamente: o tipo de público que inclui crianças, jovens e adultos mediadores; o efeito multidireccional e didáctico dos textos, vistos como «[...] advancing revivified versions of history and identity, [...]» (Smith, 2002: 4); a variedade de autores (por exemplo, Langston Hughes, Sandra Cisneros, Nicholasa Mohr, Judith Ortiz Cofer) que escrevem para os dois públicos; o substrato que informa a literatura étnica para o público adulto e a literatura infanto-juvenil e jovem adulta étnica; a construção da

74 identidade; a combinação de géneros literários numa mesma obra. Em conformidade com o que foi afirmado na secção anterior, a literatura infanto- -juvenil e jovem adulta étnica pode concorrer eficazmente para a revisão de estereótipos, favorecer o contacto de identidades e culturas e construir uma sociedade verdadeiramente pluralista e abrangente.: «[t]elling stories to a young audience becomes the conduit for social and political revolution» (Smith, 2002: 3).

Judith Ortiz Cofer inclui-se no conjunto de autores porto-riquenhos nos Estados Unidos que também escreve para o leitor infanto-juvenil e jovem adulto e, nos últimos anos, tem-se-lhe dedicado grandemente, combinando vários géneros literários nos seus textos.

Nas suas obras, a autora recorre com frequência a narradores ou personagens adolescentes femininas que têm ou celebram quinze anos de idade no decorrer da acção na obra; a adolescente de quinze anos, designada de quinceañera, celebra o aniversário que assinala a sua passagem da adolescência à idade adulta, uma data de extraordinário significado nas culturas sul-americanas. Este aniversário, carregado de simbolismo, representa um ritual de passagem:

[...] a girl’s fifteenth year, the Quinceañera, when everything changes for her. She no longer plays with children; she dresses like a woman and joins the women at coffee in the afternoon; she is no longer required to attend school if there is more pressing need for her at home, or if she is engaged (Ortiz Cofer, 1989: 222).

No primeiro romance da autora, The Line of the Sun, a narradora e personagem, Marisol, completa quinze anos na altura do regresso de Guzmán a Porto Rico; a partida do tio coincide simbolicamente com a passagem à idade adulta da própria Marisol que implicitamente a assinala: «[...] and saying goodbye early that morning when Guzmán took the bus to the airport [...] not to see each other for the next fifteen years — my lifetime [sublinhado meu]» (Ortiz Cofer, 1989: 281). Em Silent Dancing: A Partial Remembrance of a Puerto Rican Childhood, a narradora e personagem é a própria autora que recupera a sua figura infantil e adolescente; o antepenúltimo ensaio autobiográfico intitula-se «Quinceañera», reforçando o simbolismo do aniversário, o seu carácter ritualista e o papel da mulher: «[...] when I think of my summer as a quinceañera and the many directions a woman’s life can take [...]» (Ortiz Cofer, 1991: 147-148).

75 An Island Like You, Stories of the Barrio (1995) constitui a primeira obra de Ortiz Cofer admitidamente dedicada ao público juvenil; alguns anos depois, edita Riding Low on the Streets of Gold: Latino Literature for Young Adults (2003) e publica The Meaning of Consuelo (2003b), Call me María (2004), e If I Could Fly (2011); aguardam publicação ¡A bailar! Let’s Dance (2011) e The Poet Upstairs (2011). As obras de Judith Ortiz Cofer são, como já mencionado, essencialmente em língua inglesa, embora a autora recorra com frequência a palavras ou expressões em língua espanhola; as personagens, femininas e masculinas, são essencialmente adolescentes de origem porto-riquenha ou latina, sendo descritos o seu quotidiano e a interacção no contexto do barrio e da comunidade diaspórica. A representação deste grupo étnico permite a identificação do público-alvo e facilita a construção identitária e cultural deste; simultaneamente pretende-se que a obra contribua para a revisão e desconstrução de estereótipos.

Estas obras têm sido distinguidas com vários prémios e menções na esfera da literatura infanto-juvenil e jovem adulta étnica: An Island Like You, Stories of the Barrio foi distinguido com o Pura Belpré Award e nomeado ALA Best Book for Young Adults, School Library Journal Best Book of the Year e ALA Quick Pick for Reluctant Young Adult Readers.

Rita, Sandra, Luis, Kenny, Constancia, Teresa, Anita, Rick, Doris, Arturo e Yolanda representam algumas das personagens adolescentes de An Island Like You, Stories of the Barrio. Os short-stories são unidades independentes, contudo o espaço físico e psicológico do barrio estabelece a ligação entre elas. As situações que se colocam nos textos têm simultaneamente uma dimensão universalizante a nível temático e uma dimensão específica pelo facto de serem textos de e/ou para adolescentes no contexto da comunidade diaspórica porto--riquenha nos Estados Unidos. O espaço físico dominante é o do barrio, embora os espaços em concreto variem em função do texto; as personagens femininas são prevalecentes, mas as personagens masculinas desempenham uma função importante na desconstrução de estereótipos.

Em «Bad Influence», a narradora, Rita, é enviada para casa dos avós, em Porto Rico, depois de ser surpreendida pelos pais com um rapaz — «[d]ating is not a concept that adults in our barrio “get”» (Ortiz Cofer, 1995: 10). A sensação de estranheza e deslocamento inicial — «[i]t was really going to be The Twilight Zone around here» (Ortiz Cofer, 1995: 6) — é substituída por um sentimento de

76 identificação e familiaridade — «I’d had one of the best summers of my life with Angela, and I was even really getting to know my grandparents — the Ghostbusting magnificent duo» (Ortiz Cofer, 1995: 37). O texto aborda aspectos da cultura porto-riquenha, nomeadamente, o espiritismo do avô — «[h]e had special gifts, facultades, [...]» (Ortiz Cofer, 1995: 14) — e a festa de quinceañera da personagem.

Arturo, Luis, Kenny e Rick, as principais personagens masculinas em An Island Like You, representam comportamentos díspares. Arturo desafia o estereótipo de «macho» ou «papi-lindo» porto-riquenho; a aparência rebelde — «[...] purple spiked hair, black leather jacket [...]» — é aliada ao gosto e talento para a poesia: «I have to admit, I’m good at this poetry biz. Not a talent that’ll get you very far in the barrio» (Ortiz Cofer, 1995: 44). Luis, líder do gang Tiburones, corresponde ao estereótipo do jovem desordeiro, revelando-se a violência como uma forma de lidar com a perda da mãe: «[h]e remembered his mother before the illness changed her [...] He missed her. He missed her so much. Suddenly a flood of tears […] started pouring from his eyes» (Ortiz Cofer, 1995: 92-93). Kenny, membro dos Tiburones, representa o jovem perdido, aquele cujas circunstâncias familiares e económicas o precipitam para a delinquência. Rick é um antigo morador do barrio, homossexual, que iludiu o ciclo de pobreza e se tornou bem- -sucedido; regressa para ajudar os jovens do barrio, mas a comunidade do barrio não aceita a sua orientação sexual, manifestando intolerância: «[t]he barrio doesn’t forget and the barrio doesn’t always forgive”» (Ortiz Cofer, 1995: 221). Doris, Arturo e Yolanda formam um trio aparentemente dissonante: Arturo gosta de poesia; Doris é a filha solitária de um casal de salseros, pais ausentes; Yolanda é uma jovem rebelde e revoltada com a morte do pai num assalto. Não obstante, a amizade entre Doris, Arturo e Yolanda constitui uma importante rede de apoio para estes jovens.

Ao longo das obras, Judith Ortiz Cofer faz referência a figuras porto- -riquenhas que o público juvenil e jovem adulto reconhece com facilidade: a namorada de Luis chama-se Jennifer López; o gang designa-se Tiburones, que significa Sharks em espanhol, em referência ao musical West Side Story; o parceiro de Rick Sanchez é Joe Martini e o casal é repetidamente referido como «Rick and Martini». Este tipo de reconhecimento cultural e a autenticidade das

77 personagens, do espaço e das circunstâncias permitem cativar o público a que estes textos privilegiadamente se destinam.

The Meaning of Consuelo (2003b) foi distinguido com o Book Américas Award pelo Consortium of Latin American Studies Programs. The Meaning of Consuelo retrata uma família porto-riquenha no final dos anos cinquenta em Porto Rico. A narradora, Consuelo, é a irmã mais velha de María Milagros, Mili; as duas crianças, com quatro anos de diferença, distinguem-se em nome e personalidade, sendo Consuelo a irmã mais velha e séria, Mili a irmã mais nova e alegre:

[...] we were both to grow into what was predicted for us: the dark sister and the light sister. I was expected to live up to my name, Consuelo, from the word meaning comfort and consolation; Mili, from the word milagros, a miracle, was supposed to bring the light into our lives (Ortiz Cofer, 2003b: 13).

O espaço americanizado da capital porto-riquenha, San Juan, para onde a família se muda, funciona como uma personagem adversária da família e em oposição ao pueblo de onde é originária; por sua vez, Nova Iorque é referida frequentemente como um espaço imperfeito de fuga. Os espaços estão simbolicamente associados às personagens: as figuras masculinas, o pai, o tio, o primo, estão associados à cidade de San Juan, fortemente americanizada, e a Nova Iorque; as figuras femininas, a avó, a mãe e as tias estão associadas ao pueblo e à casa matriarcal, reduto dos valores porto-riquenhos — existe, assim, uma alternância entre o moderno e estrangeiro americano e o tradicional e endémico porto-riquenho ligados por uma autopista que atravessa a ilha de uma ponta à outra.

A casa moderna que a família aluga nos arredores de San Juan é um espaço alienígena e inóspito — «[...] the little square of yard in front of our new, modern cement house that sat on a street planned according to the geometric designs of North American developers» (Ortiz Cofer, 2003b: 5) — que contraria os costumes e hábitos porto-riquenhos: «[...] in this American-style neighborhood of strangers — thrown together by circumstance rather than by fate or birth — so unlike her pueblo where families and friends lived next to one another» (Ortiz Cofer, 2003b: 5). A mãe representa Porto Rico e os valores da ilha, o pai acredita na americanização de Porto Rico e nas vantagens deste processo: «[m]y father continued to convert Mami to the American way of life by introducing us to the

78 latest technical and electronic wonders from the mainland. [...] “Unbreakable Pyrex, a space-age material» (Ortiz Cofer, 2003b: 58-59).

As figuras paterna e materna representam dois mundos antagónicos; os dois representam os seus papéis tradicionais na sociedade patriarcal e machista porto- -riquenha — o pai é apresentado como mulherengo e a mãe sujeita-se à situação: «[t]enía mujeres, he had women [...] but she stayed with him anyway, as was her duty» (Ortiz Cofer, 2003b: 60). A rede familiar de mulheres e a tradição oral do story-telling constituem o seu refúgio e fonte de sabedoria: «[f]or support and ammunition in her good fight, Mami went to Abuela’s house often. [...] All she needed to know [...] could be found in her own mother’s and sisters’ collected experiences and family cuentos» (Ortiz Cofer, 2003b: 84). Verifica-se a referência a aspectos culturais porto-riquenhos: os tradicionais papéis femininos e masculinos — «[h]e’s a machito, hija. With men it’s different» (Ortiz Cofer, 2003b: 104); o ritual de passagem à idade adulta da quinceañera — «And your quinceañera? I bet it was the social event of the season in San Juan» (Ortiz Cofer, 2003b: 126); a presença da língua inglesa, «English had been our language of privacy, and by the time he left, I was very good at it: good enough to read all the books in his collection» (Ortiz Cofer, 2003b: 64).

Em The Meaning of Consuelo problematiza-se a identidade, a linguagem, os papéis sociais, a homossexualidade, a doença mental, a disfuncionalidade familiar. O romance acompanha o crescimento das duas irmãs e as relações que estabelecem com as restantes personagens; Consuelo adopta uma espécie de esquizofrenia identitária entre a postura séria e grave na esfera privada e de rebeldia e contestação na esfera pública: «[l]eading a double life of the good daughter at home and the “untouchable” among my “respectable” friends at school had worn me» (Ortiz Cofer, 2003b: 136); Patricio, o primo homossexual, confidente de Consuelo, parte para os Estados Unidos; Mili é diagnosticada com esquizofrenia e tem um fim trágico ao afogar-se no mar — este momento assinala o desmembramento da família e o fim de um ciclo: a mãe refugia-se na casa da mãe desta no pueblo, o pai vagueia dia e noite pela praia na esperança de recuperar Mili e Consuelo parte para Nova Iorque.

Em The Meaning of Consuelo, Judith Ortiz Cofer centra a história numa ilha em processo de mudança e de americanização, à semelhança do que acontece com as personagens; os elementos habituais da negociação da identidade, da tradição

79 oral de storytelling, e da passagem da adolescência à idade adulta também aqui se verificam. A obra confronta o leitor juvenil e jovem adulto com questões sérias e difíceis para lá das inseríveis no âmbito da etnicidade.

If I Could Fly (2011) recupera algumas das personagens de An Island Like You: Stories of the Barrio. A metáfora de voar, — «“‘Fly for your life’» (Ortiz Cofer, 2003b: 71), «Maybe I’ll fly away, too» (Ortiz Cofer, 2011: 9), «“¡Si yo tuviera alas!” “If I had wings” [...]» (Ortiz Cofer, 2011: 11) — é frequentemente utilizada por Ortiz Cofer nas suas obras para representar a ideia de fuga, liberdade e livre arbítrio. Em If I Could Fly, a narradora, Doris, tem de lidar com o abandono e a doença da mãe. Doris é uma quinceañera solitária, cujas circunstâncias obrigam à auto-suficiência e independência. Contudo, a partida inesperada da mãe para Porto Rico isola-a ainda mais. Doris refugia-se no telhado do El Building e na companhia dos pombos; a rotina de voo e regresso a casa dos pássaros, depois do dia de voo em liberdade, acentuam a sua percepção de condicionalismo do barrio e o seu desejo de fuga. Arturo, Yolanda e Kenny, as outras personagens adolescentes da obra, experimentam os seus próprios dramas de violência psicológica e física: Arturo é agredido por membros do gang Tiburones, Kenny entrega-se à delinquência e Yolanda está grávida. Doris passa um período em Porto Rico durante o qual recupera a relação com a mãe e a avó materna, mas decide regressar a Paterson e ao barrio. De alguma forma, Doris, Arturo, Yolanda e Kenny sobrevivem aos dramas nas suas vidas — as circunstâncias dessa sobrevivência variam de personagem para personagem. Finalmente, a narradora, Doris, compreende que está na hora de voar por ela própria e reclamar o seu espaço: «[b]ut I am beginning to get her message. I think she is telling me: ¡A volar, Doris¡ Don’t be afraid. It is your turn to look for the treasures you can only see from above. ¡A volar!» (Ortiz Cofer, 2011: 195).

Em If I Could Fly, Judith Ortiz Cofer recupera as personagens quinceañeras de An Island Like You: Stories of the Barrio e sublinha o contexto socioeconómico da comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos, a violência e a intolerância aí experimentada, os espaços físicos e psicológicos do barrio e de Porto Rico, aspectos culturais porto-riquenhos como a prática do espiritismo, o quinceañera como ritual de passagem ou a importância da música na cultura porto-riquenha, a interrogação dos tradicionais papéis feminino e masculino e a questão da identidade e reconciliação entre duas línguas e duas culturas. As

80 dimensões universal e particular do romance repetem-se e incluem o público- -leitor juvenil e jovem adulto étnico e dominante, através da problematização das vivências das personagens, no cômputo final da obra.