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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

 

 

CELSO LUIZ TRACCO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CEBs: uma experiência brasileira.

A utopia de ser Igreja libertadora e transformadora das estruturas

sociais

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

 

 

CELSO LUIZ TRACCO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CEBs: uma experiência brasileira.

A utopia de ser Igreja libertadora e transformadora das estruturas

sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia Sistemática sob a orientação do Prof. Dr. Pe. Ney de Souza.

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BANCA EXAMINADORA

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“Quando eu dou de comer aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista”.

“Se a política é fazer que os direitos humanos fundamentais sejam reconhecidos por todos, esta política não é somente um direito, mas um dever para a Igreja”.

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DEDICATÓRIA

In memoriam

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que me cumulou de bênçãos, me dando forças e permitindo que eu chegasse até aqui.

Agradeço aos leigos e clérigos que acreditam em uma nova forma de ser Igreja. Eles que dispuseram de seu tempo para darem seus depoimentos e muito contribuíram com seus conhecimentos para este trabalho.

Agradeço aos professores da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, por suas aulas e ensinamentos, que contribuem para o crescimento da cultura, da fé e da solidariedade cristã.

Agradeço a todos os funcionários, de todas as áreas, da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, que sempre foram gentis e solícitos em minhas inúmeras demandas.

Agradeço de modo especial ao meu orientador, Prof. Dr. Pe. Ney de Souza, que ultrapassa os limites do protocolar ensinamento.

Agradeço à Adveniat que contribui com recursos financeiros que possibilitam uma bolsa de

estudos.

Agradeço aos meus amigos e parentes que, durante estes anos, me estimularam, se interessaram e rezaram pelo meu desenvolvimento acadêmico.

Agradeço aos meus filhos Mauro Luiz e Paulo Roberto, pelo incentivo, pelas leituras e pelos palpites no decorrer do trabalho.

Finalmente, e de modo muito especial, agradeço à minha esposa, Ana Paula, amiga, teóloga e companheira de todas as horas, pelos seus conselhos, orientações, revisões e principalmente pela sua dedicação a este trabalho.

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é estudar um modelo de evangelização nos centros urbanos a partir da experiência originária das Comunidades Eclesiais de Base.

O processo de ocupação territorial, levado a efeito pela conquista europeia do continente americano, e mais especificamente do Brasil, foi uma imposição violenta e oficial de costumes, cultura, religião e sistema político por parte das metrópoles às suas colônias. Na evangelização da fé católica o processo foi o mesmo, imposto obrigatoriamente; como não havia possibilidade de questionamentos, também não houve preocupações maiores com um aprofundamento dos conhecimentos da fé. Nascia-se católico, por um decreto imperial, primeiro nos tempos da colônia e depois durante o império brasileiro.

Partimos da premissa que a religião deve ser vista dentro de um contexto social, político e econômico, portanto, faz parte desta pesquisa a formação sócio-econômica e política da sociedade brasileira. O modelo de evangelização proposto pelas Comunidades de Base, um fenômeno de origem brasileira sem a importação de modelos europeus tão característicos de nossa cultura, partindo da base, do povo humilde e excluído, só foram possíveis graças às transformações sociais e à abertura da Igreja-instituição para essas mudanças, que ocorreram em nosso país durante meados do século XX.

Uma nova forma de evangelização, apoiada em métodos que quebravam paradigmas, só foi possível pela iniciativa do clero preocupado com as reais condições sociais de seu povo. Este estudo procura entender o alcance daquele modelo evangelizador e sua possível extensão na atualidade. Esta evangelização levou à reflexão da realidade existencial e ao questionamento político, até então dominado pelas elites brasileiras. A possível extrapolação da política dentro dos canais tradicionais da Igreja, foi duramente questionada pelos setores tradicionalistas e a experiência evangelizadora colocada sob julgamento das instâncias eclesiásticas. Este estudo procura analisar se as Comunidades Eclesiais de Base, uma nova forma de ser Igreja, uma Igreja popular, tem lugar na evangelização nos dias de hoje.

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ABSTRACT

The main goal of this research is to study the evangelization model of urban performed by the Basic Ecclesial Communities.

During the European occupation of the American continent, especially in Brazil, the metropolis carried out a violent imposition of habits, culture, religion and political system on their colonies. The process of evangelization was very much alike, compulsory and with no room for discussions, even though there was absolutely no concern in creating a deep general knowledge of faith. In Brazil, during the colonial and imperial periods, all persons were born catholic by imperial decree.

This study assumes that religion must be seen as a part of a social, political and economic context, hence, the research includes the socioeconomic and political building of the Brazilian society. The evangelization model proposed by the Basic Ecclesial Communities is a Brazilian phenomenon, typical of the country’s culture and with its origins in the lower and excluded classes. This model would not be possible without the social changes and the opening of the church as an institution to those changes, which took place in Brazil during the mid-20th century.

A new, groundbreaking, form of evangelization was only possible thanks to the initiative of a clergy concerned with the poor social conditions of its people. This study intends to understand the scope of this evangelizing method and its possible extent nowadays. The evangelization led to a reflection of the existential reality and also to a political questioning, until then dominated by the Brazilian elites. This political extrapolation from the traditional channels of the church was strongly criticized by traditionalist sectors of power. Also, the new evangelizing experience was put under judgment by the ecclesiastical authorities. This study intends to investigate if the Basic Ecclesial Communities model - a new model of church, a people’s church – has a place in the evangelization of today’s society.

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SIGLAS AA – Apostolicam Actuositatem

AC – Ação Católica

ACB – Ação Católica Brasileira AP - Ação Popular

AT – Antigo Testamento

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CELAM – Conferência Episcopal Latino Americana e do Caribe CERIS – Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DSI – Doutrina Social da Igreja

EN – Evangelii Nuntiandi GS – Gaudium et Spes

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística JAC – Juventude Agrária Católica

JEC – Juventude Estudantil Católica JIC – Juventude Independente Católica JOC – Juventude Operária Católica JUC – Juventude Universitária Católica LC – Libertatis Conscientia

LEC – Liga Eleitoral Católica LG – Lumem Gentium LN – Libertatis Nuntius

MEB – Movimento Educacional de Base MMM – Movimento por um Mundo Melhor NATO – North Atlantic Treaty Organization NT – Novo Testamento

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SUMÁRIO

Introdução

Capítulo I

Formação econômica, política e religiosa da sociedade brasileira 1. Formação econômica

2. Formação política e social

3. Formação religiosa – a evangelização no Brasil 4. Conclusões

Capítulo II

Novas condicionantes para uma transformação social no Brasil 1. Situação europeia pré Concílio Vaticano II

. 2. Concílio Vaticano II – uma breve análise e sua recepção no Brasil 3. II Conferência Episcopal Latino Americana – Medellín, Colômbia

4. Situação política e econômica após o golpe militar e as relações com a Igreja 5. Teologia da Libertação e CEBs, o novo modo de ser Igreja

5.1 Contribuição espiritual 5.2 Transformação social 6. Conclusões

Capítulo III

CEBs – a ação evangelizadora que transforma a realidade social 1. As sementes das Comunidades Eclesiais de Base (1956-1965)

1.1 A experiência de Barra do Piraí 1.2 O movimento de Natal

2. Crescimento e desenvolvimento das CEBs (1965-1985) 2.1 Retrato de uma Comunidade Eclesial de Base 2.2 Considerações sobre o 2º período

3. ncontros intereclesiais das CEBs 4. Terceiro período das CEBs (1985- )

4.1 Considerações sobre o 3º período

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Considerações finais

Anexos

1 – Questionário 2 – Termo de aceitação 3 – Depoimentos

4 – Resumo dos encontros intereclesiais de base

Bibliografia

149

155 156 157 163

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, como se depreende de seu título, pretende estudar como, a partir do método e do agir das Comunidades Eclesiais de Base, a evangelização pode se tornar um elemento libertador e transformador das realidades sociais, tão necessárias e urgentes em nosso país. Portanto, o foco central é analisar a hipótese de que, através da evangelização de uma determinada população, esta pode decidir ir ao encontro de transformações sociais que gerem vida e melhorem suas condições existenciais. Um modelo de evangelização, assim como qualquer projeto de cunho social, não deve estar desvinculado das condicionantes econômicas, políticas, religiosas, que formam o tecido cultural da população receptora desse processo.

Dentro do estudo do modelo de evangelização consagrado pelas Comunidades Eclesiais de Base, acredito ser importante destacar seu ineditismo. As Comunidades de Base foram uma experiência que nasceu espontaneamente no Brasil. Não tiveram seu modelo baseado em experiências internacionais, não foram impostas por pensamentos ou teologias estrangeiras. No processo empreendido, foram levados em consideração os aspectos sociais, políticos, econômicos e religiosos sob os quais aquela população, alvo da evangelização, estava vivendo. De acordo com as considerações sobre aquelas condicionantes, a pessoa a quem se destina a evangelização, é considerada participante ativa do processo, não é apenas um ouvinte que não interage, mas, ao contrário atua no desenvolvimento desse processo. A pessoa não é tratada como objeto, mas como sujeito do processo transformador. Aqui já se apresenta uma novidade, pois a enorme parcela pobre, sem instrução e sem voz, da sociedade brasileira, sempre foi conduzida como ovelhas e jamais, em questão alguma, foi protagonista de seu próprio destino, permanecendo sempre à margem das decisões que influenciavam sua vida. Esta prática, que gerou um modo de pensar tendo por base um pré-determinismo alienante, trouxe também a ausência de um pensamento crítico em nossa sociedade em geral, pouco lhe importando a sua participação nas decisões políticas, econômicas e religiosas.

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entendimento da geração dos fatos centrais deste estudo. A enorme e sempre presente separação social e cultural, entre a elite dominante e o povo, foi um traço marcante nestes cinco séculos de vida do Brasil, desde o início da conquista europeia. Como país, forjou-se um Estado dependente e submisso aos interesses internacionais. Esta dependência traduzia-se tanto em questões políticas e econômicas como culturais. O Brasil era, e ainda é, caudatário de alguma potência ou interesse externo, muda apenas, de tempos em tempos, a sua guia como consequência de conjunturas internacionais, das quais o país nunca foi, e ainda não é, protagonista. A elitização da sociedade ocorreu em todos os aspectos, incluindo o religioso. Durante séculos a eclesiologia assumida pela Instituição, foi a de trabalhar junto aos mais bem aquinhoados. O povo humilde, simplesmente não contava para a sociedade como um todo e tampouco para a Igreja. De um modo geral, nunca houve uma preocupação do clero com a formação religiosa do fiel católico, e muito menos com os pobres, onde além dos diversos problemas sociais, grassava alto grau de analfabetismo. Como consequência de sua natural alienação e sua exclusão social, esta grande parte da população, praticamente não participava das decisões que influenciavam diretamente na sua vida. A ela cabia apenas aceitar, conformar-se, iludir-se, submeter-se, obediente e passivamente.

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Igreja, agora denominada de Povo de Deus. De igual importância, procuramos evidenciar como as décadas de 60 e 70 do século passado foram de intensa atividade pastoral, entre os mais necessitados, na Igreja no Brasil. De fato a Igreja teve uma atuação de grande protagonismo frente aos enormes problemas de evangelização, das demandas sociais do povo carente, assim como de questionamentos políticos que eram recorrentes na sociedade e que afloraram de modo inquestionável, naquela época. A Igreja no Brasil, de certo modo, libertou-se, ou tentou libertar-se de suas amarras europeias, chegando a desenvolver teologias locais. A Teologia da Libertação, de origem latino americana, fruto desses novos ares que emanaram do Concílio Vaticano II e, na sequência daquele, da II Conferência Episcopal Latino Americana de Medellín, trouxe uma profunda reflexão evangélica a respeito das causas da pobreza em nosso continente e em particular em nosso país. Uma das originalidades desta teologia consiste na sua relação da teoria com a prática. A Teologia da Libertação propõe uma libertação, a partir do Evangelho, dos pobres e dos excluídos, portanto tem um envolvimento prático com a causa dos afastados da sociedade. Ao defrontar-se com a realidade social, a Teologia da Libertação não deixa de analisar e questionar as causas geradoras da pobreza e assim refletir sobre as ações transformadoras da realidade social.

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ateu. Dentro deste caldeirão social efervescente, de meados do século passado, surgem as primeiras experiências com as chamadas Comunidades de Base.

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das CEBs como força evangelizadora. O centralismo clerical, contra a eclesiologia proposta pelo Vaticano II, passa a ganhar poder, e os leigos deixaram de ter seu protagonismo reconhecido como fator preponderante nas decisões da Igreja. As CEBs tornam-se um elemento domesticado, dentro de uma estrutura paroquial ultrapassada e desatualizada, distante das realidades sociais e culturais.

Esta pesquisa propõe ainda uma reflexão sobre o atual momento da Igreja no meio urbano, em termos pastorais, tendo em vista um projeto de evangelização. As condicionantes sociais, políticas, econômicas e religiosas hoje, evidentemente, são muito diferentes do que eram há 40 anos atrás. Os desafios da Igreja parecem que vêm se avolumando de várias maneiras. A Igreja, a partir do papa recém-eleito, dá sinais de querer retomar uma eclesiologia do Vaticano II: uma Igreja mais descentralizada, “onde o pastor deve sentir o cheiro de suas ovelhas”, uma Igreja dentro do mundo e voltada para o mundo, onde o leigo não seja, realmente, um cristão de segunda classe, mas um autêntico discípulo missionário. Uma Igreja que considere a evangelização a partir dos mais fracos, dos ainda excluídos da sociedade, uma Igreja pobre e para os pobres. Caso seja desejo de Deus, e efetivamente aconteça, a experiência das Comunidades Eclesiais de Base, repaginada e atualizada, afastando-se as partes claramente negativas, pode ajudar a realizar a utopia de uma Igreja popular, uma comunidade de comunidades, uma Igreja que a partir da evangelização seja transformadora das realidades sociais injustas e indignas, uma Igreja que seja representativa do verdadeiro Povo de Deus.

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CAPÍTULO I

FORMAÇÃO ECONÔMICA, POLÍTICA E RELIGIOSA DA SOCIEDADE BRASILEIRA.

O primeiro capítulo deste estudo analisará as características sociais: econômica, política e religiosa do Brasil, desde o período colonial até a década de 1960. Por mais ampla que possa parecer esta análise, é importante destacar os principais aspectos daquelas características, nos períodos iniciais de nossa história e aprofundá-las nas primeiras décadas do século XX. A razão fundamental desta análise é sentir como estava o espírito da sociedade brasileira às vésperas dos importantes acontecimentos internacionais e nacionais que tiveram lugar na década de 60 e o quanto esse contexto foi receptivo para as urgentes mudanças sociais e conjunturais que, afinal, aconteceram. É ainda interesse do estudo, sempre que possível, focar a análise na região metropolitana de São Paulo.

1 – FORMAÇÃO ECONÔMICA

A conquista das terras, que no futuro vão se chamar Brasil, foi fruto da expansão mercantilista europeia iniciada durante o século XIV. O Reino de Portugal foi um dos protagonistas desta empreitada, cujo ápice foi o descobrimento do caminho marítimo, via Oceano Atlântico, para as Índias, região produtora e fornecedora de mercadorias muito valorizadas na Europa de então.

Colonizando e estabelecendo feitorias ao longo das costas africanas, Portugal vai se tornando um vasto império com possessões de terras além-mar. Uma de suas expedições mercantis com destino às Índias chegou às costas de uma terra do outro lado do Atlântico, da qual tomam posse, iniciando sua aventura colonial americana.

Nada encontrando de valor imediato, não se estabeleceram. As terras “brasileiras”, no início do domínio português, não passavam de um entreposto ou uma parada dos navios para sua viagem ao extremo oriente. Os habitantes da terra eram indígenas que estavam em um estágio de civilização muito primitivo (do ponto de vista europeu) e cuja atividade produtiva era de subsistência, “a economia era basicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio. Cada aldeia produzia para satisfazer suas necessidades” 1. Também não

possuíam ouro, prata, ou pedras preciosas, seus bens de luxo eram penas de aves para

       1 FAUSTO, Boris.

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ornamentos e pedras afiadas para suas armas, nada que fosse de interesse comercial para os conquistadores portugueses. “Uma terra parcamente habitada por ralas populações indígenas ainda na idade da pedra, que nada ou quase nada ofereciam de aproveitável para fins visados pelos traficantes europeus” 2.  

      Não encontrando nada para explorar, a terra “brasileira” foi esquecida pela Coroa portuguesa por várias décadas. Apenas como comparação, os espanhóis empregados na mesma empresa mercantilista de seus vizinhos ibéricos, decidem pela rota marítima do Oeste para atingir as Índias. Em suas navegações, se deparam com o continente americano (Caribe e América Central) no caminho. A princípio, esta descoberta foi considerada um obstáculo para se chegar as Índias, porém, as civilizações nativas caribenhas estavam em um estágio mais adiantado que as “brasileiras” e, a descoberta imediata do ouro e da prata, fez com que a Espanha começasse imediatamente a exploração comercial e o povoamento das novas terras conquistadas, deixando de lado o projeto inicial.

A mentalidade da empresa mercantilista portuguesa nunca foi de colonizar, propriamente dito, mas sim de explorar, visando o enriquecimento do Estado português, o que significava o enriquecimento do Rei e de sua corte. O regime monárquico português era absolutista, e ele, o Rei, era o grande mandatário daquela empresa de exploração econômica. Os ganhos de sua aventura marítima não vão beneficiar o povo português, mas sim o enriquecimento do Rei, de sua família e da corte que lhe é submissa. Sob esta ótica encarava o Brasil e as demais colônias. Sua política, economia e sociedade, deviam servir aos objetivos da Coroa. O Brasil era apenas mais um lugar a ser explorado, pilhado, roubado, exaurido. Nada seria construído para o bem estar da população da colônia, a menos que servisse aos objetivos financeiros da metrópole. O Brasil, assim como as demais colônias, devia abastecer a metrópole com algo de valor mercantil imediato. Desde os primeiros dias da conquista, a nova colônia teve o seu olhar, apenas e tão somente, para fora, para Portugal, para a potência dominante. Mais tarde este olhar será desviado para novos conquistadores e continuará sendo para além do Atlântico.

O Brasil figuraria como um território, em seguida uma coletividade humana em vias de integração e afinal um país e propriamente uma nação, de natureza marginal e periférica, destinada a servir de campo para o exercício e os objetivos daquela atividade mercantil característica, do mundo moderno, dos

       2 PRADO JUNIOR, Caio.

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povos europeus ou de origem europeia. Nisso consiste o fundo, e podemos dizer a substância da formação e evolução brasileiras 3.

Dentro desta perspectiva, a economia brasileira viveu de ciclos de exploração. Primeiro o pau-brasil, que nos forneceu a identidade. A atividade econômica extrativa não visou estabelecer ninguém na terra, apenas a sua efetiva exploração. “Nos anos iniciais, entre 1500 e 1535, a principal atividade econômica foi a extração do pau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os índios, que forneciam a madeira em troca de quinquilharias” 4.

Quando as árvores do pau-brasil escassearam, terminou o ciclo econômico baseado no escambo e a terra foi abandonada. Cobiçado por outras potências europeias, tais como a França, o Brasil começa a receber em meados do século XVI uma ocupação perene por parte de Portugal. Muito contribuiu em termos econômicos nessa ocupação, a adaptação da cultura da cana de açúcar. O açúcar era um bem econômico importante para a Europa e, com a plantação da cana, a manufatura do açúcar e a sua exportação sistemática, o Brasil iniciou um novo ciclo, este muito mais longevo e significante em ternos sociais e culturais.

A cana de açúcar encontrou condições muito favoráveis de plantio e crescimento na chamada zona da mata nordestina. O engenho de açúcar, tão bem retratado por vários historiadores e sociólogos 5, foi a mais perfeita síntese da nossa sociedade colonial, cujas raízes perduram, de certo modo, até nossos dias. A Casa Grande foi o verdadeiro centro do poder colonial. Ali tudo era decidido, implementado e instituído. Na exploração da plantação mercantilista da cana de açúcar, sintetizaram-se os três elementos que predominaram na economia do Brasil colonial: a monocultura voltada para o exterior, a grande propriedade e a mão de obra escrava.

Quanto ao trabalho necessário para a atividade econômica, por mais que tentassem os brancos conquistadores, inclusive através de “casamentos” e consequentes relações familiares, não conseguiram domesticar os “bugres”, os indígenas. Definitivamente os indígenas brasileiros não se adaptavam ao trabalho rotineiro. Decidiram então lançar mão do trabalho dos negros da África, dando inicio à mais rendosa atividade econômica da colônia. Não se sabe ao certo quando começou o tráfico de escravos: alguns historiadores

       3 PRADO JUNIOR, Caio.

História e Desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 34.

4 FAUSTO, Boris.

Historia do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 42.  5 FREIRE, Gilberto. 

Casa Grande e Senzala. Livro publicado em 1933. Relata principalmente as relações

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afirmam que foi em 1532, outros sustentam que foi a partir de 1550. O certo é que, no final do século XVI, os negros já eram bem numerosos na colônia, notadamente no Nordeste 6. Estima-se que, nas capitanias da Bahia e Pernambuco, o número de escravos africanos seria de 13.000 em 1585 e 36.000 em 1590. Portugal já utilizava mão de obra escrava desde o século anterior, tanto no seu território continental, como em suas ilhas oceânicas (Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé). “A história da ocupação das ilhas do Atlântico é bem diferente do que aconteceu na África. Nelas os portugueses realizaram experiências significativas de plantio em larga escala, empregando trabalho escravo” 7.

Há de se ressaltar que os escravos eram caros, pelo custo de transporte e alta taxa de mortalidade na travessia, assim, apenas as regiões ricas podiam utilizá-los, como Bahia e Pernambuco. Bem mais tarde foram introduzidos no Rio de Janeiro e por último em São Paulo, em função da lavoura cafeeira. A mão de obra escrava foi a base de toda a economia colonial e também de todo império.

De acordo com estimativas mais recentes, em todo o período de tráfico negreiro para o Brasil, desde meados do século XVI até os anos 1850, chegaram ao país mais de 4,8 milhões de africanos escravizados; no primeiro quartel do século XIX (1801-25), entraram 1.012.762 africanos; no segundo quartel (1826-50), 1.041.964, e outros 6.800 vieram após a nova lei de proibição do tráfico de 1850. A aritmética dos dados revela que mais de 42% das importações de africanos para o Brasil em três séculos de tráfico negreiro aconteceram apenas na primeira metade do século XIX. Releva observar que a maioria esmagadora das entradas de escravizados no último período, 1826-50, mais o número residual da década de 1850 destinaram-se à região sudeste e ocorreu quando tratados internacionais e legislação nacional haviam tornado ilegal o tráfico negreiro 8.

Essa matriz econômica começa a declinar apenas a partir de 1850 quando, após longas batalhas diplomáticas entre o Império do Brasil e o Reino Unido, a potência dominante de então e que combatia o tráfico de escravos, mais por interesses econômicos do que humanitários. Durante a primeira metade do século XIX, vários acordos foram celebrados visando interromper o comércio de escravos, porém não foram cumpridos pelas autoridades brasileiras. Finalmente a partir daquela data, o Brasil aboliu o tráfico negreiro, mas o comércio interprovincial de escravos permaneceu até a abolição em 1888.

       6 COUTO, Jorge.

A construção do Brasil. Lisboa: Editora Forense Universitária, 1995, p. 276.

7 FAUSTO, Boris.

História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 29.

8 CHALHOUB, Sidney.

A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Cia

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Não cabia na ideia de nenhum português que para cá viesse, trabalhar, principalmente na lavoura ou em trabalhos pesados. Dentro da mentalidade de conquistador, trabalho era para os seres inferiores, como os escravos. Quem vivia na Casa Grande era afortunado, tinha riqueza, poder, dignidade. Os demais eram apenas os demais que, com o seu trabalho, sustentavam a Casa Grande. Escravos ou os poucos trabalhadores livres eram igualmente dependentes da Casa Grande. Não se desenvolveu, que pudesse se destacar por sua importância, nenhum comércio ou outra atividade econômica independente para essa população. Como os habitantes da Casa Grande se abasteciam do que precisavam com os bens comprados da metrópole, os demais sobreviviam com o que se produzia na própria propriedade, tanto em termos de alimentos como de vestimenta ou utensílios. A atividade produtora e comercial para as necessidades internas da população eram desprezíveis, economicamente falando. Como unidade econômica, o engenho de açúcar foi auto suficiente. Isto não favoreceu a criação e o desenvolvimento de um mercado interno, acentuando ainda mais a polarização das camadas sociais em ricos e pobres.

Apesar de ter havido alguns contatos comerciais, irregulares, com outros países europeus entre eles, Holanda e Reino Unido, e o contrabando nunca ter deixado de existir, a metrópole tentava controlar todo o comércio e manufatura da colônia, não havendo a possibilidade legal de alguma liberdade ou iniciativa independente dos desejos soberanos da corte portuguesa.

Tratava-se de impedir ao máximo que navios estrangeiros transportassem mercadorias da colônia, sobretudo para vender diretamente em outros países da Europa. Inversamente, procurava-se também impedir que mercadorias, em especial as não produzidas na metrópole, chegassem à colônia em navios desses países. Em termos simplificados, buscava-se deprimir, até onde fosse possível, os preços pagos na colônia por seus produtos, para vendê-los com maior lucro na metrópole. Buscava-se também obter maiores lucros da venda, na colônia, sem concorrência, dos bens por ela importados 9.

Não é difícil imaginar que esta forma de exploração econômica, ainda que de modo inconsistente, durando cerca de 300 anos, aliada à concessão de privilégios aos aliados e colaboradores da Corte portuguesa, levou à estratificação da sociedade brasileira. Esta situação não mudará substancialmente no futuro.

       9 FAUSTO, Boris.

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Ainda no período colonial, surgiram novos ciclos econômicos, como o do algodão, do tabaco, do ouro, das pedras preciosas, onde a forma de exploração seguiu o modelo da cana de açúcar, matérias primas destinadas a suprir a necessidade mercantil da metrópole.

Fora deste modelo de exploração, cabe destacar o desenvolvimento da pecuária, como atividade alternativa não destinada à exportação. A pecuária foi uma das poucas atividades econômicas da época colonial que era conduzida por homens livres e que eram proprietários. O gado bovino trazido pelos portugueses tornou-se bravio, criando-se livremente nas imensas terras brasileiras. No nordeste a atividade se desenvolveu no sertão em áreas não adequadas à agricultura. A atividade era desprezível em termos econômicos, sendo apenas subsidiária das necessidades alimentares dos habitantes dos engenhos. No sul onde a atividade surgiu nos fins do século XVIII, muito por conta da incorporação daquelas terras à coroa portuguesa, a pecuária encontrou clima e pasto para se desenvolver. Já no começo de 1800, desenvolveu-se a indústria do charque, a exportação da carne seca e salgada para outras regiões do Brasil. Esta atividade, mesmo sendo independente, subsistiu principalmente para abastecer a Casa Grande ou as atividades extrativas. Ainda que não fosse diretamente para a exportação da colônia, continuava caudatária desta 10.

Fato marcante na história do Brasil foi a chegada da família real portuguesa em 1808. Tal episódio não será aqui aprofundado, apenas é digno de destaque que, efetivamente a permanência e as ações levadas a cabo pelo então príncipe regente d. João transformaram a colônia em metrópole.

Ainda que não se possa afirmar ao certo, cerca de 10.000 portugueses vieram com a corte para os trópicos, a bordo de uma esquadra de navios ingleses. Todo o “alto escalão das hierarquias civil, militar e religiosa, membros da alta sociedade, da classe de profissionais e de homens de negócios” 11 escaparam das tropas napoleônicas e se estabeleceram na colônia. O ato da abertura dos portos às nações amigas, primeira medida administrativa tomada por d. João em terras brasileiras, foi gerado pela necessidade, além de fazer parte de um acordo prévio com os ingleses: os impostos da alfândega eram a principal fonte de recursos para o Erário Público.

       10 PRADO JUNIOR, Caio.

História Econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, pp. 94-100.  11 VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira.

Administração Joanina no Brasil (1808-1821). Disponível em:

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Era um gesto inevitável e que, de qualquer modo, já fora estipulado no acordo secreto assinado por ele com a Grã-Bretanha, em outubro do ano anterior. Com essa proclamação, em certo sentido, d. João também abriu o próprio Brasil, um país que fora enclausurado por seus inspetores coloniais e zelosamente guardado contra os rivais europeus de Portugal 12.

Com um único decreto foi quebrado o monopólio de comércio colonial que pertencia ao Rei. Junto com essa medida, foram decretadas outras que tinham o objetivo de melhorar a economia da agora metrópole. Retirou-se a proibição da instalação de indústrias e de se produzir manufaturas, além disso, foram implantadas várias escolas de nível superior, até então inexistentes no Brasil, tais como: a Escola Médico-Cirúrgica da Bahia, a Academia dos Guardas-Marinha, a Escola Anatômica Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, a Academia de Artilharia e Fortificações, a Real Academia Militar, um curso de agricultura na Bahia e um laboratório químico no Rio de Janeiro, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, entre outras medidas que incentivavam a cultura, a economia e o conhecimento na colônia 13. Missões culturais e científicas passaram a frequentar o Brasil. Bibliotecas, imprensa, academias de letras foram instaladas. No campo eclesiástico, a Mesa de Consciência e Ordens, órgão que dirigia as atividades da Igreja, instalou-se no Rio de Janeiro. Com todas essas medidas muita coisa mudou no acanhado cenário colonial. Como curiosidade, fato único na história, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se a capital de um Império europeu fora da Europa.

Porém, a essência do quadro econômico e social não mudou significativamente. A indústria incipiente não prosperou, era impossível competir com os produtos ingleses, o comércio e as finanças estavam nas mãos dos capitalistas anglicanos e o sistema de governo continuava absolutista, sem admitir adversários, privilegiando as amizades que em troca de cargos e favores usavam e abusavam de negócios prejudiciais ao país.

Mesmo levando-se em consideração todos os benefícios conhecidos pelo Brasil entre 1808 e 1821, Oliveira Lima considera que a “época de d. João VI estava contudo destinada a ser na história brasileira, pelo que diz respeito a administração, uma era de muita corrupção e peculato, e, quanto aos costumes

       12 WILCKEN, Patrick.

Império à deriva: a corte portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Tradução: Vera

Ribeiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 102.  13 VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira.

Administração Joanina no Brasil (1800-1821). Disponível em:

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privados, uma era de muita depravação e frouxidão, alimentadas pela escravidão e pela ociosidade” 14.

Tampouco a independência política de 1822 modificou substancialmente as estruturas econômicas do Brasil. Pelo contrário, elas se cristalizaram, agora em uma nação independente. A independência política do Brasil, não passou de um grande acordo familiar. A administração colonial em nada se alterou, na maioria das vezes mantendo as mesmas pessoas. Com a independência inaugurou-se para o Brasil a era dos empréstimos externos que por séculos irão sufocar sua economia e influenciar as decisões econômicas, tornando o Brasil dependente do mercado de crédito internacional.

Com o surgimento da revolução industrial, Portugal, decadente tornou-se simples elo intermediário e parasitário, entre de um lado, o grande sistema internacional do capitalismo mercantil que se instalara no mundo sob a égide das grandes potências europeias, e da Grã-Bretanha em especial; e de outro lado, este seu elemento e parte que adquirira relevo apreciável e que vinha a ser o Brasil. A separação de Portugal e a independência brasileira significarão assim a integração do Brasil naquela nova ordem internacional sem ser por mediação do Reino. Não se modificará contudo, substancialmente, com isso a posição da ex-colônia promovida a nação independente, pois continuará como dantes, elemento marginal e periférico do sistema econômico internacional, para cujo comercio contribui como fornecedor de produtos primários tropicais 15.

Além disso, tendo que honrar compromissos assumidos, por D. Pedro I com seu pai o agora Rei de Portugal, D. João VI, o jovem Brasil independente toma a seu cargo certas dívidas contraídas por Portugal com a Inglaterra 16, como acordos para aquele reconhecer a independência da ex-colônia.

Os compromissos públicos ainda se agravarão com os juros de uma dívida contraída com a Inglaterra em 1825, no valor de 3.000.000 de libras. Outros empréstimos se seguirão, quase sempre com o Banco Rothschild. Os banqueiros ingleses em conluio com os desonestos altos dignitários do Império lançavam-se lançavam-sem piedade sobre esta presa inerme, que era a nação brasileira 17.

A economia do império brasileiro continuou a viver de ciclos de exportação, cujo ciclo principal foi o do café que desbancou o ciclo do açúcar, quando este já não consegue

       14 LIMA, Manoel de Oliveira.

D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 84, apud VINHOSA,

Francisco Luiz Teixeira. Administração Joanina no Brasi(1800-1821). Disponível em: www.fafich.ufmg.br

acessado em 14.11.2012, 16h45, p. 5.  15 PRADO JUNIOR, Caio.

História e Desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 38.

16 PRADO JUNIOR, Caio.

História Econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, p.138.

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ser produzido a preços competitivos para o mercado externo. O café deslocou o centro da economia brasileira do nordeste para o sudeste. Porém, a estrutura da Casa Grande e da Senzala, mesmo mais rarefeita, continuou sendo o padrão de produção econômica. Não é inútil dizer que o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão. A solidificação da elite brasileira, durante o segundo período do império, se deu com os chamados barões do café. A chamada riqueza do café ficou, igualmente aos tempos da colônia, restrita a poucos.

A propriedade da terra se achava altamente concentrada, o café exigiu capital e influência para comprar escravos, atrair a estrada de ferro, obter crédito e validar os direitos sobre a terra. Os que não possuíam tais recursos perdiam suas terras em favor dos que possuíam...18.  

 

Os fazendeiros de café logo passaram a controlar a máquina governamental e usam-na em favor de seus interesses. Os fazendeiros não podiam adquirir grandes porções de terra sem a influência política que vai lhes assegurar os direitos sobre a mesma 19. Igualmente utilizaram sua influência sobre os parlamentos provinciais e imperiais para obterem subsídios para a imigração, para a abolição da escravatura e para atuar na política econômica do café 20.

Em meados do século XIX, novamente por causas externas, o Brasil passou por novas transformações econômicas e sociais. Por força da nova potência dominante, a Inglaterra, interessada em expandir o mercado consumidor para seus produtos manufaturados, o tráfico internacional de escravos foi fortemente combatido. Escravos têm um consumo muito limitado pelas suas próprias restrições de vida e pelos desejos de seus senhores. Esta prática não se ajusta ao novo sistema econômico surgido ao final do século XVIII, o capitalismo, que alimentou e financiou a revolução industrial. Este sistema é baseado na sempre crescente produção de bens e consumo. Assim, restringir o consumo significa ir contra os interesses capitalistas, ou seja, contra os interesses da maior potência financeira, industrial e militar de então, a Inglaterra. A pressão inglesa pelo término da escravidão rendeu muitos embates com o governo imperial brasileiro. Após vários acordos

       18 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

da Universidade de São Paulo, 1971, p.12.

19 Em 18 de setembro de 1850 foi promulgada a Lei n. 601, denominada Lei de Terras. O objetivo era dar

uma segurança jurídica à posse da terra, com títulos de propriedade das mesmas. A lei estabelecia o que eram terras devolutas e como se daria a posse por parte dos atuais posseiros. Carece explicação de que o mais forte se assegurou do que lhe interessava em detrimento dos mais fracos. O texto da Lei de Terras está disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm , acessado em 15/11/2012, 10h15.

20 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

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firmados com o Reino Unido, transformados em leis que eram imediatamente desrespeitadas finalmente, o governo imperial do Brasil, aboliu o tráfico negreiro em 1850 e concede a libertação total de seus escravos em 1888 21.

A interrupção do tráfico negreiro levou o Brasil a adotar uma política de estímulo à imigração europeia a partir da segunda metade do século XIX. A imigração europeia de outras nações que não a portuguesa, começou, oficialmente, em 1824, com a chegada de colonos alemães ao Rio Grande do Sul 22. Porém o maior fluxo imigratório ocorreu a partir de 1860 e se intensificou depois de 1880. Constituída principalmente de italianos, mas também de outros países como: Alemanha, Espanha e Portugal, seu principal destino era São Paulo e suas lavouras de café.

Os imigrantes europeus trouxeram consigo, além de muita esperança na nova terra, alguns conhecimentos técnicos e capacidade para empreender. A incipiente industrialização dar-se-á de modo lento e basicamente em São Paulo, devido ao acúmulo de dinheiro do café e a massa imigratória, que finalmente passa a formar um emergente mercado consumidor. De modo secundário, e principalmente por ser a capital do país, o Rio de Janeiro foi também um destino destes novos imigrantes.

A maioria dos emigrantes que chegou a São Paulo até os primeiros anos do século XX era formada por trabalhadores do campo ou pequenos proprietários rurais do norte da Itália, sobretudo das regiões do Vêneto e da Lombardia. Após a associação entre a cultura do café e imigrante italiano, a economia paulista, a partir do último quartel do século XIX, passou a conhecer crescimento, desenvolvimento e riqueza, abastecendo e enriquecendo uma pequena elite em formação 23.

Com as dificuldades de importação, motivadas pelas guerras europeias ou por políticas restritivas, o país começou a substituir alguns produtos manufaturados importados. Essa substituição aconteceu de modo rudimentar, mas ensejou a criação de uma nova classe social, o operariado urbano. Tal atividade econômica não trouxe, mais uma vez, grandes mudanças nas estruturas sociais do país. A grande mudança foi que, agora o centro do poder irá sair da fazenda que substituiu o antigo engenho, e instalar-se nas cidades, notadamente São Paulo, sede do poderio econômico emergente e Rio de Janeiro, sede do poder político, este, preso a velhos hábitos elitistas e conservadores. “A partir de um início modesto, a economia regional de São Paulo foi-se tornando cada vez maior. Por

       21 PRADO JUNIOR, Caio.

História Econômica do Brasil. 14.ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, pp. 142-154. 

22 FAUSTO, Boris.

História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 241.

23 SOUZA, Ney de (Org.).

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volta de 1920, substituía a área do Rio de Janeiro e da capital federal como o centro industrial mais importante do país” 24.

Os emergentes industriais logo perceberam que era necessário estar ao lado da classe política, herança maldita dos hábitos coloniais e imperiais, que davam e/ou trocavam privilégios com as elites dominantes. A mudança para novos meios de produção, não significou necessariamente mudança na classe dominante, mas sim um ajuste às novas condições econômicas e políticas. A industrialização logo vai se alicerçar em monopólios ou oligopólios nacionais e outorgas ou concessões a grupos internacionais. “Os industriais brasileiros viverão em família; família pacífica em que fraternalmente se repartem as oportunidades. Ao primeiro sinal de dificuldades se solidarizam em agrupamentos destinados a controlar, limitar e repartir a produção” 25.

Parte da elite agrícola passou a ser industrial, os que não conseguiram, ou não tinham capacidade, tornaram-se os novos políticos. Os imigrantes que se tornaram industriais, assim que podem, compram terras e se tornam fazendeiros pois, desde as Capitanias Hereditárias, está no cerne dos conquistadores estrangeiros, a posse da terra. Quanto mais, melhor, produtiva ou não, mas que a terra seja “minha e de minha família”. A estratificação da sociedade brasileira manteve-se com a embrionária industrialização. Os novos industriais ou vieram da elite rural ou da nova onda imigratória.“A quase totalidade dos empresários brasileiros veio da elite rural. Por volta de 1930 não havia um único fabricante, nascido no Brasil, originário da classe inferior ou da classe média, e muito poucos surgiram depois” 26.

Como exemplo de imigrante bem sucedido, portanto fora da elite rural, o principal industrial brasileiro da primeira metade do século XX, era um italiano chamado Francesco Matarazzo. Em 1935, era dono de mais de 360 fábricas de vários ramos da indústria. Seu conglomerado possuía um faturamento apenas inferior ao orçamento federal do Brasil e do Estado de São Paulo. A concentração de renda estabelecida desde os tempos coloniais, não se modificou com o avanço da economia ou com as novas estruturas sociais. Apesar de não haver dados estatísticos confiáveis, estima-se que a população 10% mais rica do país possuía 75% da riqueza em 1940 27.

       24 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

da Universidade de São Paulo, 1971, p. 20.

25 PRADO JUNIOR, Caio.

História Econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, p. 262.

26 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

da Universidade de São Paulo, 1971, p. 54.

27 Os dados não são precisos, no entanto há um consenso entre os estudos sobre essa matéria, no que

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A segunda grande onda de industrialização no Brasil, embora bem mais sofisticada que a primeira, porém igualmente executada sem nenhum planejamento, deu-se nos anos 40 do século XX. Ainda que tenha se iniciado durante a década de 20, a economia brasileira vai sentir mais fortemente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, um novo fenômeno internacional: o imperialismo americano. Os Estados Unidos emergiram depois do conflito como a superpotência global, desbancando a Inglaterra, seu imperialismo e seu poder imperial. Não havia competidores à sua altura. A nova forma de exploração dos países periféricos foi o emprego do capital em indústrias de todo tipo, desde infraestrutura até de refrigerantes. O imperialismo americano transformou o Brasil e quase todo o mundo em uma colônia cultural, onde o padrão de consumo da sociedade estadunidense passou a ser o novo paradigma. Com enorme quantidade de capital, Estados Unidos e em menor escala outras nações desenvolvidas e industrializadas, aportaram capitais em forma de fábricas e se instalaram por todos os lugares, onde pudessem obter retorno financeiro. Os lucros obtidos em suas operações transnacionais, obviamente, eram remetidos às suas matrizes como forma de dividendos.

A intervenção totalitária do imperialismo na economia brasileira desvirtua seu funcionamento, subordinando-a a fatores estranhos e impedindo sua estruturação normal na base das verdadeiras e profundas necessidades da população do país. O exemplo máximo disto se observa no papel que o imperialismo tem representado no sentido de manter a economia brasileira na função primária, que vem do seu passado colonial, de fornecedora de gêneros tropicais ao comercio internacional 28.

Como consequência dessas questões macro econômicas, a sociedade brasileira passou por uma transformação importante. O Brasil tinha agora, ainda que sucateadas, fruto do descarte americano, indústrias de base, como petroquímica e siderúrgica, que eram de suma importância para o fornecimento de matérias primas para a indústria de bens de consumo. Na década de 50, os estabelecimentos industriais de São Paulo estavam, tecnicamente, mais de uma geração atrasados em relação à Europa e aos Estados Unidos 29. Apesar desta defasagem, esta onda de industrialização que teve como principal alavanca a indústria automobilística, gerou uma nova classe média urbana, ávida pelo consumo. Os operários das indústrias ganharam força com o passar do tempo e passaram a ser mais

       28 PRADO JUNIOR, Caio.

Historia Econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, p. 280.

29 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

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cuidadosamente observados pelos governantes. A conjunção de forças sociais não se alterou significativamente, mas indiscutivelmente já havia uma certa força política na mão de obra, ainda que esteja desarticulada e possa ser facilmente manipulada.

A partir da segunda metade do século XX o Brasil conheceu alguns surtos muito positivos de crescimento econômico e passou a ser uma economia emergente no cenário mundial, porém seus ganhos continuavam na elite, agora industrial, agrária e financeira. A distribuição de renda era uma das piores do mundo 30. O aumento da riqueza nacional não se refletiu em melhorias sociais, que a população brasileira tanto precisava, como escolas, saúde, transportes, saneamento público, moradias. A nova elite econômica seguindo os modelos do passado tratava de assenhorar-se do poder político, traduzindo seus privilégios em leis. A lacuna entre as camadas mais ricas e as mais pobres da sociedade brasileira não diminuiu, os mais ricos seguiam sendo ricos e os mais pobres cada vez mais pobres.

A economia brasileira chegava ao final dos anos 50, com as seguintes características: um mercado interno crescente e com grande potencial; uma indústria que buscava ocupar espaços, mas era muito inferior, competitivamente, aos países do chamado primeiro mundo; o país era carente de capitais nacionais e de mão de obra qualificada; o capital estrangeiro era predominante em vários setores industriais; a distribuição de renda era extremamente concentrada, fator inibidor de crescimento e de melhor qualidade de vida para a grande maioria da população; uma taxa crescente de urbanização, sem nenhum planejamento racional de ocupação do solo; um sistema político baseado na prática do clientelismo e que distribuía privilégios, sem se preocupar com os reais interesses da população; um crescimento da máquina estatal trazendo em seu bojo um crescente aumento da carga tributária, penalizando os mais pobres, tirando de quem tem menos, para dar a quem tem mais.

Na essência, a situação econômica da população brasileira em geral, pouco se transformou em 450 anos, os escravos tornaram-se trabalhadores livres com baixa remuneração ou em subempregos. Mais tarde serão operários com poucos direitos trabalhistas; os agricultores, ou por perderem suas terras, ou pela contínua mecanização da

      

30 Não há dados sistemáticos para uma análise mais profunda no período anterior a 1970. O que se pode

afirmar é que o Brasil possui uma das maiores desigualdades sociais do mundo. O índice GINI, adotado pela ONU para medir a desigualdade, apontava o número (aprox.) de 0,62 para 1976 e 0,54 para 2010. Quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade. A indicação de que 10% da população mais rica detém cerca de 50% da renda nacional, é uma cifra que se mantém resistente a mudanças, apesar das políticas sociais oficiais. Em 1974 o economista Edmar Bacha, cunhou a expressão Belindia para descrever a desigualdade

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lavoura, abandonaram o campo e passaram a viver nas periferias das cidades, em condições sub-humanas, sem trabalho fixo, vivendo precariamente; as grandes propriedades agrícolas permaneceram durante todo o tempo em mãos de poucos proprietários; a indústria se aglutinou em monopólios ou oligopólios; a elite se apossou dos bens públicos em proveito próprio ou de seus cúmplices; os ricos se tornaram mais ricos e poderosos, os pobres continuaram pobres, analfabetos ou com baixa instrução, sem acesso aos bens públicos básicos como saúde e educação, e usados como mão de obra barata. Estes vivem como sempre viveram, como aqueles que não têm voz e nem vez em uma sociedade dividida, preconceituosa, individualista e cada vez mais consumista. Aceitavam, agradecidos, as migalhas que lhes eram destinadas pela classe dominante, principalmente com objetivos eleitoreiros e demagógicos. Crescendo de modo desmesurado nos centros urbanos, os excluídos do sistema econômico acabam por aumentar as favelas, muitas vezes ao lado das imponentes residências de nobres moradores, com isso cercando e assustando, a própria elite que os criou.

2 – FORMAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

A formação da sociedade brasileira foi marcadamente influenciada, nem poderia ser diferente, pelo quadro econômico descrito acima. Transportada que foi de uma Europa já situada no período moderno, mas que ainda guardava muito de uma sociedade medieval, a monarquia absolutista portuguesa tinha bem definida suas classes sociais: a nobreza, o clero e os demais. No Brasil, além dos mencionados, tivemos mais alguns elementos que foram determinantes para a formação de sua sociedade: a escravidão e a ausência de uma pequena burguesia, trabalhadores livres e independentes. Desde seus primórdios a sociedade brasileira foi elitizada. Seja como donatários, como funcionários da Corte, ou como agraciados com grandes porções de terra, a elite brasileira foi formada com o objetivo primeiro de exploração da terra e do trabalho servil. Era exploradora dos mais fracos e buscava sempre privilégios e favores do Estado, devotando-lhe total comunhão e submissão. Nunca se formou verdadeiramente um povo, mas sim castas. Para crescer na vida era preciso ser “amigo do rei”. Aos “amigos do rei” o acesso a tudo e a todos era ilimitado, aos demais, tudo deveria ser negado ou dificultado.

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Portugal seria o suserano, como na Europa Feudal. Em compensação os donatários arcariam com as despesas de povoamento. Entre 1580 e 1640, por questões sucessórias Portugal foi submetido pela Espanha. Portugal saiu desse período totalmente arruinado. Perdera muitas possessões na Ásia para outros países europeus e principalmente o comércio com as Índias. Apenas lhe restou o Brasil e algumas colônias na África. Isso fez com que sua administração colonial sofresse profundas alterações. Tornou-se centralizadora em beneficio do poder régio. A concessão de privilégios de produção, comerciais e de ocupação, cumprirá o objetivo da Coroa para a sua colônia americana, tornar-se apenas um fornecedor de matérias primas tropicais, mas o opressor regime administrativo e de restrições econômicas inibiu as possibilidades de crescimento do país 31.

Não havia outra alternativa, ou se nascia nobre ou se nascia pobre. Na prática a elite da sociedade brasileira, durante o período colonial, comportava-se como representante da Coroa portuguesa, e nem poderia ser diferente, dentro do absolutismo determinante do Rei. A Coroa portuguesa toma todo o cuidado no sentido de impedir qualquer pensamento diferente do seu, restringindo o acesso a livros, escolas e mesmo viagens dos habitantes da colônia. Mesmo alguns tipos de comércio estão limitados por lei aos portugueses legítimos, os chamados reinóis 32.

A nobreza ou a elite não trabalha; o trabalho não é visto como algo positivo. A escravidão é o sustentáculo da economia e da nobreza, tanto que, nas poucas insurreições populares havidas no Brasil, limitadas e circunstanciais, a escravidão não foi abolida nem pelos efêmeros e pontuais governos revolucionários. Não havendo possibilidade de ascensão social, só resta a submissão aos senhores da terra, ou a delinquência e a prostituição.

Tocamos aqui um ponto que é o mais alarmante sintoma da geral indisciplina de costumes que reina na sociedade colonial: a larga disseminação da prostituição. Não há recanto da colônia em que não houvesse penetrado, e em larga escala. Não falemos naturalmente das grandes e médias aglomerações, onde o fato é mais natural, e sempre se encontrou em toda parte. Observemos os pequenos, os mais insignificantes arraiais: quase toda população fixa é constituída, além de vadios, de prostitutas. Circunstância aliás que explica o destino da parte feminina deste numeroso contingente da população, cuja masculina já vimos em outro capítulo: os desocupados e vadios, vivendo de expedientes, com um pé na ociosidade e outro no crime 33.

       31 PRADO JUNIOR, Caio.

História Econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971, pp. 31-55.

32 PRADO JUNIOR, Caio.

História e Desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, pp.74-75.

33 PRADO JUNIOR, Caio.

Formação do Brasil Contemporâneo. 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 1997, p.

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Após a independência o quadro pouco se alterou pois, como já vimos, o sistema de administração permaneceu o mesmo, inclusive com as mesmas pessoas. A sociedade brasileira no Brasil imperial continuou com os mesmos hábitos coloniais. Agora de maneira oficial e formal, pois os títulos de nobreza, as concessões de terra, as outorgas de comércio, passaram a ser uma poderosa moeda de troca entre o poder central, o imperador, e seus correligionários e apadrinhados. A meritocracia, a valorização do desempenho da atividade, o progresso através do trabalho não faziam parte do ideário da sociedade do Brasil imperial. Fica muito claro entender as causas do atraso social, científico e tecnológico do Brasil em relação a outras nações que já haviam avançado em uma estrutura social e política mais transparente, democrática e com maiores oportunidades à maioria da população.

O fim da escravidão traz a reboque o fim do período imperial. A República foi outro movimento das elites. Os que se sentiam prejudicados mudaram o governo, deram um golpe de estado, sem nenhuma participação popular. Fato marcante politicamente foi que, com a proclamação da República, a elite econômica dominante traz para a cena brasileira um novo personagem, o poder militar. Este, será um protagonista muito importante da vida política brasileira durante os próximos 90 anos.

Durante as primeiras décadas da República, podemos destacar alguns movimentos populares de caráter sócio-messiânico, como o de Canudos e a Guerra do Contestado 34, que se insurgiram contra o poder central. Foram efetivamente levantes da população mais pobre do interior do Brasil, Canudos na Bahia, e Contestado entre Santa Catarina e Paraná, onde não houve uma liderança das elites. A condução dos rebeldes foi da base popular. Em

      

34Canudos - pequeno vilarejo no interior da Bahia. Revolta de 1896 a 1897. As suas causas eram sociais:

desemprego, fome, falta de recursos para a população excluída da sociedade. Os pobres seguiram um chefe carismático, Antonio Conselheiro, que se auto proclamava santo, estimulava o não pagamento de impostos, o fim do casamento civil e a volta da monarquia. Seus seguidores foram estimados em 25.000 pessoas. O crescimento do arrabalde motivou a sociedade constituída de latifundiários, clero e governo a combatê-los. Quatro expedições estaduais fracassaram e sofreram pesadas baixas. O governo central então enviou tropas do exército e artilharia pesada. Após mais algumas tentativas frustradas, finalmente conseguiram invadir o vilarejo e mataram todos os seus habitantes, homens, mulheres e crianças, a maioria degolados. Estima-se que 20.000 sertanejos e 5.000 soldados morreram nas diversas campanhas de Canudos. Antonio Conselheiro que havia morto antes do ataque final, teve seu corpo exumado e sua cabeça decepada.

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ambos os casos a revolta surgiu por questões econômicas e pela falta de terra para o plantio ou devido à destinação de terras para a exploração de estrangeiros. As suas principais lideranças eram messiânicas, ou carismáticas, com fortes sentimentos de religiosidade popular. Como em outras ocasiões, uma vez debelada a revolta pelo governo federal, não sem o apoio da alta hierarquia da Igreja, nada mudou na estrutura social brasileira. Essas revoltas foram localizadas e não repercutiram a ponto de motivar uma real mudança nas condições sociais do Brasil. Os donos do poder político continuaram em sua lida de privilégios e benefícios, as eleições continuaram claramente fraudulentas (tecnicamente falando, o Brasil republicano era democrático) e o poder se alternava como em uma ação entre amigos. A separação entre a elite dominante e o povo continuou. A classe trabalhadora no campo era desarticulada e ignorante, nas cidades era incipiente, sem capacidade de mobilização.

No início de do século XX, a classe operária de São Paulo, já contava com dezenas de sindicatos de trabalhadores. Apesar de sua evidente desarticulação, conseguiram realizar movimentos grevistas generalizados em 1906, 1912, 1917 e 1919. As reivindicações incluíam, via de regra, aumentos de salários de acordo com o aumento do custo de vida, dia de oito horas de trabalho, proibição de trabalho aos domingos, proibição de trabalho a menores de 12 anos, entre outros. Não se pensava em férias remuneradas. A reação dos empregadores foi quase sempre brutal, contando com a atuação da Força Pública (Polícia Militar da época), prisões, e as “listas negras” onde os mencionados não conseguiam mais encontrar trabalho em qualquer fábrica. Evidentemente os trabalhadores não contavam com nenhum apoio do governo ou de qualquer outro órgão da sociedade civil. “A lista negra, a princípio para identificar ladrões, mas como se constatou serviu mesmo para limpar a força de trabalho de elementos indesejáveis, que operam dentro dela, em certas ocasiões, como fermento de indisciplina” 35.

A Igreja, através de diversos padres e bispos, em vários pontos do Brasil, teve sua atenção voltada para a causa operária, mesmo de modo esporádico e não sistemático. Equilibrando-se entre não desagradar os patrões, fonte de recursos para as necessidades eclesiásticas, não cair no ativismo político, dando pouco apoio às greves, o clero ou parte dele, procurava melhorar as condições do operariado. Inúmeros círculos operários católicos foram criados, em diversas cidades brasileiras, várias escolas sob a direção de padres

       35 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

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foram instaladas em fábricas, incentivos para a criação de liceus de artes e ofícios e mesmo de escolas agrícolas foram lançados por bispos. Também podemos destacar a ação assistencial de entidades católicas, como por exemplo, os vicentinos. Mas não houve uma preocupação com conscientização crítica por parte do clero para com os trabalhadores. As questões de uma melhoria da desigualdade entre capital e trabalho, em uma efetiva promoção social seria uma longa luta para um futuro ainda distante.

Acentuando uma visão moralista do problema operário, estava ela (Igreja) convencida de que convertendo os patrões a um comportamento cristão em relação a seus empregados e promovendo os trabalhadores a um padrão de vida honesto e decente, todas as outras questões estariam em boa pista de equacionamento. Por isso o papel do clero foi considerado primordial em conduzir os patrões e em conservar os operários nos limites da compreensão de seu estado e condições. A partir daí, poderiam conseguir situações melhores em clima de entrosamento, abençoado pela Igreja, sem grandes traumas e riscos para a ordem social 36.

Outro fato marcante, com profundas consequências sociais, foi que a estrutura estratificada da sociedade brasileira não permitiu a instrução de suas gentes. Durante a colônia a única possibilidade de estudo eram as instituições católicas, seminários e casas de formação, destinadas a formar padres. Os seminários eram poucos e a família do jovem devia contribuir com os gastos durante os estudos. Não havia colégios e a entrada de livros era controlada pela Coroa Portuguesa. A enorme maioria do povo e também uma pequena parte da elite econômica era analfabeta. Os que tinham vontade e possibilidade financeira iam estudar em Portugal, ou em países amigos. Apesar da enorme precariedade dos dados, os censos demográficos do final do século XIX apontam que cerca de 85% da população brasileira era analfabeta. Em 1890 o recenseamento geral apurou que o total da população brasileira era de 14.333.915 dos quais 12.213.356 não sabiam ler nem escrever. No primeiro recenseamento feito em 1872 os dados eram: 9.930.478, total da população e 8.365.997, total de analfabetos. O percentual praticamente não mudou 37.

       36 LUSTOSA, Oscar de Figueiredo.

A Igreja Católica no Brasil República. São Paulo: Paulinas, 1991, pp.

115-116.

37 GONÇALVES, Dalcio Marinho.

Universalização da educação básica no Brasil: utopia para a construção de uma educação integral. Dissertação de mestrado, 2010. Disponível em:

http://www.ence.ibge.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=65e84a98-8041-4a9d-b1c0-446f52463b02&groupId=37690208 acessado em 12/01/2013, 14h15. Fonte: Directoria Geral de Estatística, [187?] / 1930, Recenseamento do Brazil 1872/1920; IBGE, Censo demográfico . Nota: Nos recenseamentos de 1872 e 1890, a população não foi discriminada por idades relativamente ao grau de instrução, p. 56.

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O governo do Estado ignorava as necessidades dos que não possuíam terras com a mesma efetividade com que favorecia os fazendeiros. Não tentou criar uma classe alfabetizada, estável ou especializada de cidadãos, quer nas cidades, quer no interior. Não havia política pública de redistribuição das terras, nem instrução universal, nem direitos políticos ampliados que tivessem podido eliminar a dependência de técnicos importados ou induzisse os imigrantes a encararem o Brasil como sua nova pátria. Os gastos do Estado com a instrução primária não excediam, em média a US$ 0,65 per capita, ao ano, entre 1890 e 1900. Em consequência disso, as classes da sociedade que não possuíam terras se viam privadas de uma das principais vias de mobilidade ascendente. Por outro lado, as oportunidades educacionais dos filhos da elite eram muito extensas. A aprendizagem técnica no exterior era corriqueira e novas escolas superiores de Engenharia Civil, Medicina e Agricultura foram acrescentadas à tradicional escola de Direito. O ingresso nessas escolas era limitado, pois quase todos os colégios secundários pertenciam a particulares 38.

A elite agrária perdeu seus títulos de nobreza, mas se encastelou no poder político, usando e abusando do erário público. Afora as duas insurreições já mencionadas, localizadas e de caráter messiânico, as demais insurreições deste período foram promovidas pelos militares. Este movimento insurreto foi cognominado de tenentismo.

Os assim chamados “tenentes” se tornarão uma presença constante na vida política do país, notadamente nas décadas de 20 e 30. Os tenentes ou a baixa oficialidade do exército não participavam do jogo do poder, sentiam-se excluídos e, além disso, desenvolvia-se entre eles a noção de que era necessário e urgente mudar a arcaica estrutura social do país. Eram nacionalistas e encaravam com extrema desconfiança, justificada pelos acontecimentos passados, a classe política. Querendo participar do poder para implantar seus ideais, mas sem espaço entre as oligarquias dominantes, tomaram as armas como um meio para a manifestação de seus argumentos. Tornam-se revoltosos e, depois de algumas tentativas frustradas, tais como 18 do Forte, no Rio de Janeiro em 1922, a Revolta de 1924 em São Paulo, a Coluna Prestes entre 1924 e 1927, o tenentismo sai como vitorioso no golpe de estado de 1930, terminando a chamada república velha. Sobre o tenentismo, diz Boris Fausto:

No fundo pretendiam dotar o país de um poder centralizado, com o objetivo de educar o povo e seguir uma política vagamente nacionalista. Tratava-se de reconstruir o Estado para construir a nação. O grande mal das oligarquias – pensavam os “tenentes” – consistia na fragmentação do Brasil, na sua

       38 DEAN, Warren.

A industrialização de São Paulo. Tradução: Octavio Mendes Cardoso. São Paulo: Editora

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