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UMA RELEITURA DO ROMANCE MACUNAÍMA

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Academic year: 2020

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UMA RELEITURA DO ROMANCE MACUNAÍMA

David da Conceição1

Wagner Marques Pereira2

Resumo: O presente artigo procura discutir o romance Macunaíma a partir de um diálogo entre as Ciências Sociais (em especial a Antropologia) e a Literatura, objetivando uma compreensão mais acurada acerca desse objeto e do próprio conceito de cultura. Para tanto, o artigo analisa suscintamente o Modernismo, assim como a sua relação com a modernidade, por meio de uma discussão fundamentada em obras de autores da Filosofia (a exemplo de Cornelius Castoriadis) e do pensamento sociológico (como Gilberto Velho, entre outros). O objetivo principal é enfatizar a construção de uma identidade cultural brasileira por meio das contribuições de Macunaíma.

Palavras-Chave: Macunaíma – Ciências Sociais – Literatura brasileira – Cultura – Identidade.

1 Professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro. Graduado em História e Letras pela UERJ. 2 Professor da Rede Municipal do Rio de Janeiro. Mestre em Educação pela UERJ. Graduado em

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I. Introdução

A historiografia contemporânea propõe a interdisciplinaridade entre as diversas áreas do conhecimento humano como uma nova maneira de pensá-las, apontando à redefinição do que seja objetividade. Tal conceito não pode mais ser entendido como a extinção do eu, para que o cientista social (enquanto agente) não interferisse em suas próprias pesquisas e descobertas. Assim sendo, o trabalho historiográfico nas Ciências Sociais seria uma simples catalogação dos fatos estudados. Hoje, contudo, sabe-se que desde o momento de utilização das fontes ocorre uma interferência do sujeito sobre o objeto, mostrando que aquele modelo de apreendermos o todo sob um discurso unitário constitui-se em um ideal do passado.

A impossibilidade de recorrer a experimentação no sentido próprio do termo não impediu que essa área do conhecimento elaborasse critérios de cientificidade fundamentados sobre a noção de prova. A dualidade não se baseia na contraposição entre verdadeiro ou inventado, mas na integração entre

realidades e possibilidades (GINZBURG, 1989). A margem de incerteza com que

convive o cientista social o leva a um aprofundamento da investigação, articulando o caso específico ao contexto, entendido como o campo de possibilidades socialmente determinado.

Eis o ponto de aproximação entre as Ciências Sociais e a Literatura, pois, embora sabendo que o ideal do cientista social não é o mesmo do artista, ambos possuem como meta final o conhecimento e o entendimento dos homens. Então, percebemos a relevância da discussão sobre a objetividade abordada no decorrer

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Na historiografia tradicional, a ação era volatizada pela rigidez da construção do processo do método científico social, no âmbito da qual a relação causa-efeito estava supradimensionada em detrimento da ação humana, não oferecendo possibilidade para que o novo e o diferente aparecessem como inerentes aos homens na construção e organização da vida social. O cientista social passou a ser prisioneiro do processo construído por si próprio.

A arte e a história são os mais poderosos instrumentos de que dispomos para investigar a natureza humana (...). Nas grandes obras da história e da arte começamos a ver, atrás do homem tradicional, os traços do homem real, o individual. Para encontrá-lo precisamos recorrer aos grandes historiadores e aos grandes poetas (...) A poesia não é uma simples imitação da natureza, a história não é uma narrativa de fatos e acontecimentos mortos. A história como a poesia é um órgão do nosso auto-conhecimento, um instrumento indispensável à construção do nosso universo –

humano (CASSIRER, 1977, p.151).

“Natureza humana” – conceito fundamental para qualquer discussão que busca um questionamento do social. Nesse sentido, o pensamento de Ernest Cassirer, conforme expresso na citação acima, torna-se também análoga à Antropologia enquanto área de investigação do conhecimento humano.

Assim, justifica-se a relevância do tema proposto que apresenta o seguinte objetivo: uma (re)leitura de Macunaíma, romance de Mário de Andrade, explorando a questão cultural por meio de uma análise sucinta, mas que não tem a finalidade de esgotar o assunto. Subjacente ao tema, o artigo toca em questões que perpassam o possível imbricamento entre Literatura e Antropologia.

II – Um Olhar sobre Macunaíma

O mito científico do século XIX não mais oferecia respostas que atendessem às exigências da nova sociedade emergente. Nesse sentido, o

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conceito de ciência como sinônimo de “verdade absoluta” passa a ser observado sob um outro prisma. O mundo contemporâneo passava a não admitir o pensamento dogmático. Essa mudança irá refletir-se também nas diversas áreas do conhecimento, passando a ter como um dos objetivos a definição da interdisciplinaridade e como instrumentalizá-la em prol do avanço do conhecimento humano. A nova visão do mundo possibilitou o surgimento de novas correntes de pensamento. Na Literatura, por exemplo, elas iriam manifestar-se sob a égide de uma escola literária denominada Moderna.

No Brasil, como sabemos, Mário de Andrade tornou-se o próprio elemento síntese da primeira geração modernista e, porque não dizer, um dos grandes pensadores da cultura e da literatura brasileira.

Você chega aos cem anos vivinho da silva. Se tivesse morrido em torno dos cinqüenta ou sessenta como muitos modernistas (aos 52 anos de idade, digamos em 1945), teria sido uma tragédia para a cultura brasileira (...). Sua atuação no modernismo sempre foi euforicamente equilibrada (SANT’ANNA, 1993, p.)

Não cabe, nessa análise, elaborar um discurso apologético à figura de Mário de Andrade, mas – a nosso ver, e do ponto de vista desse artigo – torna-se impraticável elucidar qualquer questão a respeito do modernismo brasileiro sem mencioná-lo. Por tal razão, não podemos negar que, sob a liderança desse intelectual, a primeira geração modernista preocupava-se basicamente com os problemas humanos e sociais de seu tempo. Nesse sentido, ao preocuparem-se com as questões humanas e sociais, os primeiros modernistas privilegiaram o aspecto cultural articulado à questão da identidade/brasilidade, tendo em vista o entendimento daquilo que se convencionou chamar de arte moderna: “Não quis

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também tentar primitivismo vesgo e insincero. Somos na realidade os primitivos duma era nova”. (BOSI, 1982, p. 394).

Como compreender a ideia de “primitivismo vesgo e insincero”? – questão básica para entendermos a primeira geração do modernismo brasileiro. Porque seus representantes agiram diferentemente da primeira geração romântica, na qual “ o índio, fonte da nobreza nacional, seria, em princípio, o análogo do ‘bárbaro’, que se impulsiona no Medievo e construíra o mundo feudal” (BOSI, 1982, p. 349). Desse modo, é nessa perspectiva de “negação do primitivismo” que podemos encontrar o ponto chave para a análise antropológica em Macunaíma. Pois, ao eleger o antropofagismo cultural – como característica central da literatura, até então, em ebulição –, o grupo de 1922, nossos primeiros modernistas, abriram novos caminhos para uma investigação cultural. Esta é a razão pela qual a nossa proposta de leitura de Macunaíma privilegia a interdisciplinaridade entre Literatura e Antropologia. Porém, é preciso observar que:

A fragmentação e a heterogeneidade das sociedades

contemporâneas fazem com que suas práticas não possam mais ser legitimadas por metanarrativas abrangentes e pretendendo totalizar o conjunto da natureza humana (VAITSMAN, 1994, p. 21).

Por isso, a análise que ora pretendemos apresentar não toma como objetivo central o aspecto globalizador em Macunaíma, destinando-se apenas a mostrar alguns “olhares”.

Ponto pacífico de discussão nos meios acadêmicos, e, em especial e/ou essencial, entre os antropólogos, encontra-se na obtenção de uma única e precisa definição do termo cultura. Assim sendo, embora reconhecendo que o seu sentido é múltiplo, a Antropologia costuma defini-la como tudo aquilo que uma

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sociedade faz ou pensa, logo, como “um conjunto complexo de códigos que asseguram a ação coletiva de um grupo” (VELHO; CASTRO, 1978, p. 1). Este fragmento elucida, concomitantemente, o aspecto singular e múltiplo do conceito de cultura, uma vez que, reconhecendo sua explícita vinculação à sociedade e aos códigos utilizados pela mesma, cria várias possibilidades para a elaboração do constructo social.

Outro ponto explicativo para o mencionado debate é que sendo a cultura tecida nas e pelas sociedades, ela se vincula diretamente ao fazer-se humano, decorrendo, daí sua complexidade. Haja vista que as sociedades não se constituem de forma homogênea, portanto, não apresentam e nem elaboram um código único.

A instituição do social-histórico é a instituição de um magma de significações do imaginário social. O ‘suporte’ destas representações são as palavras, imagens, figuras e também o ‘percebido natural’, designado ou designável pela sociedade: O imaginário social é tanto a criação das significações quanto a criação das imagens e figuras que lhe servem de suporte. As relações entre estes suportes e as instituições são instituídas e caracterizam o simbólico (VALLE, 1999, p. 139).

Assim, defrontamo-nos com dois níveis de relações culturais entre os homens que, via de fato, se entrecruzam e interagem entre si: relação dos homens entre si e a relação dos homens com o mundo que os cerca. Em suma: “Os sujeitos não podem existir fora de um mundo nem em qualquer mundo concebível” (CASTORIADIS, 1992, p. 263). Tal fato caracteriza-se como um elemento primordial à cultura, pois, se o mundo não fosse organizável e não houvesse “criação”, não haveria “sociedade instituída”, e, em decorrência, não haveria sentido falar de cultura.

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A linguagem assume importância significativa na relação entre os homens, porque ela deve ser compreendida como um sistema de símbolos – verbais e não verbais –, responsáveis pela transmissão e aquisição cultural dos homens na sociedade. Não se torna impreciso afirmar, então, que o ponto central para qualquer análise antropológica reside no saber decodificar o código expresso por determinado símbolo. Sendo assim, reside, em última instância, no saber

compreender a linguagem de determinado grupo social.

É importante distinguir os possíveis diferentes sistemas simbólicos que existem em uma sociedade complexa, procurar perceber suas fronteiras e suas ambiguidades (VELHO; CASTRO, 1978, p. 5).

A narrativa de Macunaíma tem, por fio condutor, a busca da muriaquitã. A partir daí, então, o personagem passeia por todo o território brasileiro, procurando explicar e demarcar a grande diversidade cultural existente.

Isto é, uma soma de temas tirados do povo (do selvagem do extremo norte, ao paulista e ao carioca), mas transporto – e isto Mário de Andrade faz sempre questão de repisar por um autor culto (ANDRADE, 1986, prefácio).

Assim, o objetivo de Macunaíma é buscar na diversidade cultural, isto é, nas várias nuances resultantes do confronto entre os diversos atores sociais, os elementos que podem fornecer indícios e pistas para a igualdade, caracterizando, dessa forma, a chamada identidade.

Portanto, o que aparentemente constitui-se como um paradoxo (diferença/ igualdade), é, de fato, o local sobre o qual deverá recair o flâneur do antropólogo, afastando-o, por conseguinte, do “olhar” do literário. Assim sendo, apreende-se a ideia da modernidade, na qual “o observador, diz Baudelaire, é um príncipe que consegue estar incógnito por toda parte” (BENJAMIN, 1985, p. 72).

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É o olhar do observador que nos permite elocubrar que, ao conceder à Macunaíma a trilogia – negro, índio e branco, ou seja, características étnico-raciais – criamos a primeira tentativa para explicar a origem do povo brasileiro (ou a “brasilidade”), buscando, assim, uma releitura do que constituiria a identidade cultural. Identidade que subjaz na existência de vários brasis que, ao invés de se excluírem, se imbricam e se encontram. Por isso, Macunaíma ora é caracterizado como preto retinto, mesmo sendo filho de uma índia e que sofre sua metamorfose final, transformando-se então em louro. No entanto, não é apenas a identidade étnico-racial que constitui um dado cultural em nossa análise a partir de Macunaíma. Basta lançarmos um olhar sobre o romance como um todo, a fim de percebermos o antropofagismo cultural e a preocupação em entender as várias identidades, então amalgamadas à ideia da diversidade.

A modernidade já não pode emprestar seus padrões de orientação de modelos de outras épocas. Ela encontra-se completamente abandonada a si mesma, tem de extrair de si mesma sua normatividade (HABERMAS, 1987, p. 103).

No que tange à identidade sociocultural, isto é, a relação dos homens com o mundo que o cerca, podemos entrever no confronto de Macunaíma com a Metrópole – no caso, a cidade de São Paulo -, um certo estranhamento do “herói” ao que era “novo”, e, portanto, diferente do seu meio cultural.

E foste um difícil começo afasto o que eu não conheço E quem vem de outro sonho feliz de cidade (VELOSO, 1978)

O confronto com o “novo”, com o “diferente”, somando-se à necessidade de sobrevivência fora de seu habitat, desperta a atenção do nosso herói para a dicotomia, quase sempre existente, entre espaço urbano e espaço rural.

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Nas terras do igarapé Tietê dando o bourbon vogava a moeda tradicional não era mais cacau, em vez, chamava arame contos contecos mil réis. (...) assim, a donde até liga pra meia ninguém comprava nem por vinte mil cacaus. Macunaíma ficou muito contrariado. Ter de trabucar, ele, herói.(ANDRADE, 1986, p. 30).

Caracteriza-se, portanto, o que costumamos denominar de encontro de diferentes culturas no espaço urbano, e que provocam reações múltiplas, em um primeiro momento, para, logo depois, amalgamarem-se em uma estrutura social única, em que o indivíduo passa a ser o todo, o coletivo.

A metrópole extrai do homem, enquanto criatura que procede a discriminações, uma quantidade de consciência diferente da que a vida rural extrai. Nesta, o ritmo da vida e do conjunto sensorial de imagens mentais flui mais lentamente, de modo mais habitual e mais uniforme. É precisamente nesta conexão que o caráter sofisticado da vida psíquica metropolitana se torna compreensível – enquanto oposição à vida de pequena cidade, que descansa

mais sobre relacionamentos profundamente sentidos e

emocionais (SIMMEL, 1976, p. 12).

É nesse contexto que devemos entender o verso de Caetano Veloso – “E quem vem de outro sonho feliz de cidade” –, assim como o estranhamento de Macunaíma – “Macunaíma ficou contrariado”. Como sonho e contrariedade aqui se entrecruzam, um outro aspecto característico do embate com o “novo”, leva o nosso herói a recorrer ao processo de associação, isto é, ele relaciona à sua cultura os elementos que não encontram significação no desconhecido: “As cunhãs rindo tinham ensinado para ele que o sagüi-açu não era sagüim não, chamava elevador e era uma máquina” (ANDRADE, 1986, p. 30). Tal aspecto leva-nos a concordar com Gilberto Velho, quando afirma que

a cultura ergue-se como a instância propriamente humanizadora, que dá estabilidade às reações comportamentais, e funciona como o mecanismo adaptativo básico da espécie” (VELHO, 1976, p. 2).

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Compreendendo o termo cultura, conforme já dito anteriormente – ou seja, tudo aquilo que uma sociedade elabora, pensa de si e do Outro e faz como uma criação essencial do fazer-se humano, sendo, portanto, resultante das relações entre os homens -, pode-se concluir que a espécie humana atua como agente e paciente cultural, isto é, não só produzimos, como também somos influenciados culturalmente.

Assim, é nessa perspectiva que o nosso “olhar” recai na assimilação sofrida por Macunaíma ao vestir-se de francesa: “A francesa sentou-se numa rede e fazendo gestos graciosos principiou mastigando (...). Será que o gigante imagina que sou francesa mesmo!” (ANDRADE, 1986, p. 40). A questão relevante nessa abordagem não se encontra no ato de travestir-se, mas, sim, na observação de que, para travestir-se em francesa, o nosso herói, antes de qualquer coisa, teve de assimilar o modus vivendi da urbs, como, por exemplo, a língua, os tipos de comportamento, dentre outros elementos. Tal observação leva-nos a justificar o motivo pelo qual o narrador reafirmou várias vezes: “E a francesa era Macunaíma, o herói”. (ANDRADE, 1986, p. 40).

O uso do termo assimilação aqui utilizado, para substituir o termo

aculturação, deu-se no sentido de que acreditamos ser o segundo portador de um

caráter impreciso, que subentende “tomar para si uma outra cultura”. Por sua vez, o termo assimilação, mais propício, significa “sofrer a influência de”. Portanto, é através da assimilação e não da aculturação que podemos compreender a observação crítica elaborada pela personagem em relação a urbe que, no caso em pauta, refere-se à cidade de São Paulo.

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todas as chamadas “neuroses” presentes na vida de uma cidade grande. “Neuroses” essas que resultam dos fatores políticos e econômicos, terminando por afetar o social. Porquanto “o dinheiro, com toda sua ausência de cor e indiferença, torna-se o denominador comum de todos os valores”. (SIMMEL, 1976, p. 16). Embora essa interpretação não seja de nosso herói-personagem, mas de Simmel, podemos afirmar que tal observação também caberia à visão de Macunaíma, tal como enfatizamos agora:

O que nos interessará mais, por sem dúvida, é saberdes que os guerreiros de cá não buscam mavórticas damas para o enlace epitalámico; mas antes as preferem dóceis e facilmente trocáveis por pequeninas e voláteis folhas de papel a que o vulgo chamará – o “curriculum vital” da civilização, a que hoje fazemos ponto de honra em pertencermos ... Sabereis mais que as donas de cá não se derribam a pauladas, nem brincam por brincar, gratuitamente, senão que as chuvas do vil metal, ... Estes e outros multimilionários é que ergueram em torno da urbs as doze mil fábricas de seda ... E o palácio do governo é todo de oiro ... Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra (ANDRADE, 1986, p. 63).

Eis, o que podemos denominar de processo de interação social, pois se ao chegar na urbs nosso herói foi tomado pelo estranhamento do embate com o “novo”, podemos observar, em sua trajetória, a aquisição de novos valores culturais, sem, contudo, desligar-se completamente de valores pertencentes à cultura de sua tribo.

Exemplo típico, em nosso quotidiano, da realidade supramencionada é a assiduidade com que os nordestinos frequentam a feira de São Cristóvão, existente há vários anos, demonstrando a permanência de uma identidade cultural matizada, que busca respeitar as especificidades regionais.

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III – Conclusão

A corrente literária denominada Modernismo, ao privilegiar a cultura como caráter fundamental para explicar a identidade de um povo, possibilitou, através de suas obras, um grande leque de investigação para o conhecimento do social. Nesse sentido, justifica-se a escolha de Macunaíma como objeto privilegiado no desenrolar desse artigo, que teve por tema uma abordagem sucinta dos “aspectos mais gerais de cultura”.

Destacamos a expressão acima com o objetivo de frisar que não analisamos a obra, no seu contexto abrangente, pois, assim procedendo, deixaríamos de elaborar uma pequena análise e teríamos elaborado uma monografia. Por sua vez, há algo a lamentar, pois o romance de Mário de Andrade constitui-se em um sólido campo de pesquisa antropológica, no qual nem todos os “olhares” puderam ser analisados no escopo de um artigo. Assim sendo, poderíamos ter elucidado a importância da linguagem em Macunaíma, em seus matizes simbólica e verbal, bem como as lendas e tradições nas quais originaram-se a chamada cultura brasileira; e/ou, ainda, analisarmos o pensamento do escritor enquanto homem, portanto, agente cultural face às transformações ocorridas na sociedade de seu tempo.

Enfim, pretendemos demonstrar com esse trabalho, por meio da personagem Macunaíma, que o homem – por excelência – produtor de cultura, também é influenciado por ela. Contudo, esse homem, ao confrontar-se com “novos espaços culturais”, não perde sua identidade, porque os valores oriundos de sua cultura continuam internalizados e podem ser reelaborados como estratégias de defesa e resistência.

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Fica, então, a nossa proposta de releitura de Macunaíma. Para tanto, trabalhamos, em linhas gerais, com o capítulo V, que pode ser entendido como o encontro com o “novo”; o capítulo VI, que denominamos de assimilação ao “novo”, e, finalmente, o capítulo IX como uma crítica ao “novo” e o encontro de valores.

“Tem mais não.”3 .

Referências

ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982.BENJAMIN, Walter. A Paris do Segundo Império em Baudelaire. In: KOTHE, Flávio R. (org.). Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985.

GINZBURG, Carlo. A Micro-História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto – o mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, vol. III.

CASSIRER, Ernest. Antropologia filosófica. São Paulo: Mestre Jon, 1977.

HABERMAS, Jurgen. A nova intransparência. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 18, set. 1987, p. 103-114. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/52/20080623_a_nova_int ransparencia.pdf Acesso em 21/11/2016.

SANT’ANNA, Afonso Romano de. Você chega aos cem anos vivinho da silva. In: LUCAS, Fábio (org.) Cartas a Mário de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

SIMMEL, Georg. Metrópole e vida mental In: VELHO, Otávio G. (org.) O

fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

VAITSMAN, Jeni. Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

VALLE, Lilian do. Cornelius Castoriadis: da paidéia à elucidação da escola pública. In: PERSPECTIVA. Florianópolis, v.17, n. 32, p. 135 -150, jul./dez.1999. Disponível em:

https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10527/10073 Acesso em 18/11/2016.

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VELHO, Gilberto; CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de sociedades complexas – uma perspectiva antropológica. In. Artefato – Jornal de

Cultura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1978

VELOSO, Caetano. Sampa. Rio de Janeiro: Polygram discos, 1978.

A RE-READING OF THE BRAZILIAN NOVEL MACUNAÍMA

Abstract: The present article aims at making a re-reading of the Brazilian novel Macunaíma based on a dialogue between the Social Sciences (in particular Anthropology) and Literature, in order to seek a better understanding of this object and the concept of culture. In an attempt to address such proposal, this article analyses the Modernism as well as its relation with modernity, through a discussion anchored in some works carried out by authors of Philosophy (such as Cornelius Castoriadis) and others studies offered by the sociological thought (Gilberto Velho, among others). Summing up, the objective is to highlight the construction of Brazilian cultural identity, having as a reference the contributions of Macunaíma.

Keywords: Macunaíma – Brazilian Literature – Social Sciences – Culture – Identity.

Recebido em: 10/11/2016. Aprovado em: 10/12/2016.

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