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Curto-circuito. Arte e tecnologia na obra de Nam June Paik

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Academic year: 2020

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CALEIDOSCÓPIO

Ensaios de Estética e Teoria

das Artes

Paulo Viveiros

Professor na ULHT/ECATI

CURTO-CIRCUITO.

ARTE E TECNOLOGIA

NA OBRA DE NAM JUNE PAIK

“A televisão tem-nos atacado toda a vida, agora podemos contra-atacá-la”

Nan June Paik A obra de Paik surge no clima de contesta-ção dos anos 60, quando a juventude americana e europeia acreditou que poderia mudar o siste-ma social. A geração hippie rejeitou as aspira-ções conformistas e os valores de classe média dos seus pais e recusou em participar nas tare-fas monótonas e árduas do capitalismo que con-denou os homens ao trabalho das 9 às 5 e as mulheres a serem donas de casa exemplares. Os movimentos de libertação deste período trouxe-ram o direito civil e o poder das minorias (negros, feministas e homossexuais). A revolução sexual ajudou a moldar os valores sociais das gerações mais velhas e a despertar um novo interesse pelo misticismo oriental que prometia satisfação espiritual e auto-estima. As causas mais visíveis estavam centradas no movimento anti-guerra, mas também nas questões ambientais e no impe-rialismo do Ocidente. A década de 60 foi uma época de protestos e a obra de Paik representou o primeiro desafio à hegemonia dos media, con-trolados por interesses comerciais, políticos e militares. Seguindo a visão de McLuhan sobre a aldeia global, Paik e os seus contemporâneos acreditavam que se poderiam aproveitar dos ins-trumentos dos mass media para despertar uma nova consciência social e política alternativa. A arte vídeo nasceu numa época de grande fé pes-soal e política. Os artistas e os activistas acre-ditavam que as suas acções poderiam criar uma diferença na sociedade. As iniciativas individuais enquadravam-se no reconhecimento que qual-quer um pertencia a comunidades locais e

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glo-bais. Uma identificação colectiva caminhava a par de um sentimento individual de responsabilidade em direcção a um futuro social e ecológico do planeta. No radicalismo das vanguardas, o indivíduo estava mais interessado em revolucionar a arte e a sociedade do que no sucesso pessoal.

1.

“O artista pode corrigir as relações entre os sentidos antes que o golpe da nova tecnologia adormeça os procedimentos conscientes.” (…) “O artista está sempre empenhado em escrever a minuciosa história do futuro, porque ele é a única pessoa consciente da natureza presente!”

Marshall McLuhan Tal como os artistas de vanguarda conseguiram com o cinema, Nam June Paik procurou tornar a televisão num objecto estranho, ao desestabilizar a nossa posição confortável e acrítica para com ela. Paik incarna bem o espírito da afirmação de McLuhan, na sua capacidade de prever a evolução da tecnologia e no seu trabalho sobre a forma do medium e não apenas no uso desse medium. Assim, Paik esventra o medium televisão e faz aquilo a que chamou a “crítica da televisão pura”. Parte convicto que a televisão não é uma etapa da história do complexo industrial-militar, nem um meio de comuni-cação unidireccional, mas, pelo contrário, concebe-a como um meio para os artistas, como um meio de ética democrática para a liberdade de expressão e um meio para transformar o mundo da arte.

O ambiente artístico nos anos 60 também era propício a esse trabalho de “desconstrução” das formas artísticas. O Fluxus desconfiava da palavra “arte”, ou do seu aburguesamento, e celebrava a vida. Procurava fundar uma nova sociedade baseada numa estética comunicativa capaz de dimi-nuir a distância entre arte e público — Joseph Beuys chegou a afirmar que toda a actividade huma-na é uma arte e que cada homem é um artista. Cultivava os valores do instante, do efémero, do acaso, do quotidiano (ao contrário das “artes nobres”). A arte integrava o imprevisto, o banal, o insignificante e os meios de comunicação entravam na dança, levando com eles esse novo meio: a televisão.

Os happenings eram a tentativa de fundir o acontecimento com a participação do público, o que antecipou a concepção actual de interactividade. A ideia de “obra aberta” também se sentiu na introdução de modelos capazes de estabelecer uma estética (hoje chamada híbrida) que permitisse uma ligação entre as diversas linguagens, em oposição à arte institucionalizada, pondo em causa as formas artísticas estabelecidas1.

A performance foi provavelmente o meio perfeito para a comunhão artística porque juntou a arte e a vida nos hapennings. Na tentativa de destituir o objecto de arte como mercadoria, nenhum objec-to existia entre o público e o artista, nem nenhum sobrava depois do acontecimenobjec-to, que pudesse ser avaliado ou analisado pelo museu, pelo crítico ou pelo galerista2.

1 Por exemplo, os artistas Fluxus interrogaram o cinema na sua estrutura interna: Yoko Ono e Pieter Vanderbeck usaram a câmara

lenta para dar uma ambiguidade à imagem, entre movimento e imobilidade, tornando assim perceptível a natureza impura do cine-ma, baseada na ilusão do movimento a partir de fotografias.

2 O Fluxus possuía uma gigantesca panóplia de objectos, gestos, partituras, etc., mas nenhum deles é identificável per se. Isto é,

nenhum deles é visto como um objecto final, mas como instrumentos usados em processos criativos, performances, happenings, todos eles efémeros.

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Uma vez removida do artista a sua fonte generativa, a obra de arte convencional era agora acu-sada de travar o livre fluxo das intenções criativas do artista em direcção a um novo público mais receptivo. Os artistas queriam criar um encontro imediato com o público como a convulsão social que estava a acontecer fora das galerias, tão instantâneo como o encontro de Paik com o Papa nas ruas de Nova Iorque. A desmaterialização da obra de arte tinha começado e os artistas procuraram novas formas de expressão que reflectiam a urgência das suas ideias revolucionárias e da nova rela-ção directa que procuravam ter com o público. Foi assim que encontraram a arte vídeo e a perfor-mance. O vídeo foi testemunha das novas ideias na expansão das práticas culturais e reflectiu as mudanças revolucionárias que tiveram lugar na sociedade. No seu papel de monitor da vanguarda, o vídeo ajudou a preencher as brechas deixadas pela lenta perda de importância da pintura e da escultura no pedestal da arte contemporânea.

2.

O imperativo modernista em desmantelar as imagens da produção cultural e revelar as suas com-ponentes — por exemplo, tornar visível o trabalho interno da tecnologia — esteve fortemente pre-sente no trabalho inicial de Paik. Assim, Paik fez um gesto de desconfiança da omnipresença mono-lítica da televisão, num percurso da música electrónica à televisão, passando pela performance, que no início é feita no interior do Fluxus. O Fluxus funcionou como uma comunidade de acolhimento para as suas performances anti-música e para as suas primeiras experiências interactivas com a televisão3.

Vindo do Japão, onde se tinha licenciado em música, para se encontrar com Karlheinz Stockhausen, a grande referência da vanguarda musical europeia devido às suas experiências com a electrónica nos estúdios de Colónia e dos seus cursos em Darmstadt, Paik estabelece contacto com alguns membros do Fluxus e com Beuys.

Entre 11 e 20 de Março de 1963, na cidade alemã de Wuppertal, abre ao público uma exposi-ção determinante para a história da arte vídeo: a “Exposition of Music-Electronic Television”. Na galeria Parnass4, Nam June Paik é um dos artistas participantes, tornando-se num dos fundadores da arte vídeo com as obras que aí apresentou. Entre outras, destacaram-se as suas instalações áudio interactivas (Random Access, Tribute to John Cage e Symphony for 20 Rooms) e treze “tele-visores preparados” (à semelhança do piano preparado de John Cage, uma das suas grandes influências artísticas5) com alteração do sinal através de objectos e da acção dos espectadores. Paik vendeu tudo o que tinha para comprar as treze televisões e apresentar treze versões diferen-tes do mesmo programa que tinha gravado da televisão, ou seja, treze maneiras diferendiferen-tes de dis-tender e deformar a imagem, trabalhando nos circuitos horizontais e verticais que formam e fazem aparecer a imagem no ecrã. Partindo de imagens figurativas gravadas de canais de televisão comerciais, Paik obteve imagens abstractas ao perturbar o trajecto dos electrões no interior do tubo catódico das televisões.

3 Mantendo a analogia entre vídeo e música, Paik chamou às suas primeiras produções para televisão “Óperas Electrónicas”. 4 Que era a casa de Rolf Jährling, transformada em galeria da cave ao sótão, do WC ao jardim.

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De entre essas obras, destacaram-se: Zen for TV em que Paik reduz a imagem da televisão a uma linha de luz horizontal, colocando-a depois em pé, para que a linha ficasse na vertical. A estreita linha electrónica no horizonte demonstrou um processo tecnológico, mas também convidou o espectador a abandonar os prazeres superficiais do consumo televisivo e embarcou num processo de meditação transcendental. A linha sugeriu interpretações profundas do infinito, da divisão entre céu e terra, etc. A simples divisão da superfície da imagem em duas partes iguais, evidenciou a geometria da caixa tri-dimensional que é o aparelho de televisão, um objecto que os espectadores rapidamente esquecem quando estão mergulhados nas imagens ilusionistas da superfície vidrada da televisão, segundo Elwes; em Rembrandt Automatic o ecrã de TV foi colocado voltado para o chão, que por sua vez reflectiu a imagem. Por outro lado, não permitia que o espectador visse directamente a imagem da televisão no televisor; Point of Light é peça interactiva em que o espectador manipulava o volume de um transmissor de rádio em cima da televisão entrando em feedback com a imagem; em Kuba TV a imagem da televisão diminuía ou aumentava consoante se manipulasse o volume de uma cassete áudio ligada a ela; e em Participation TV um microfone ligado à televisão interfere com a imagem no ecrã (feedback), quando manipulado por um visitante, criando uma imagética abstracta.

Paik usou uma série de objectos (ímanes em particular) que criavam distorções na imagem tele-visiva, mas também permitiam uma interacção do espectador com as imagens, que Magnet TV e

Demagnetize feitas dois anos depois são bons exemplos. Paik começou por interferir com o interior

dos aparelhos de televisão. Seguindo a tradição da modificação de instrumentos que Cage fazia, Paik adaptou esses aparelhos de televisão àquilo que chamou de “Televisão Electrónica”, um novo equivalente visual da Música Electrónica. As suas primeiras experiências mostravam a marca do budismo zen e acabaram por provocar em John Cage a procura do acaso e do silêncio. Enquanto Cage levou a audiência a ouvir a sua própria respiração, Paik esvaziou a imagem televisiva a uma abstracção minimalista e meditativa, como em Zen for TV.

Portanto, os artistas fizeram intervenções físicas na tecnologia ao resintonizar e desalinhar o normal funcionamento da televisão e dos seus receptores. Mas Paik, rapidamente, descobriu que podia adaptar a saída de um aparelho de televisão intervindo na entrada do sinal.

No mesmo ano, Vostell mostra trabalhos de descolagem de imagens da televisão, na Galeria Smolin em Nova Iorque (6 TV dé-coll/ages) e no Yam Festival na quinta de George Seagal em Nova Jersey (funeral do televisor). Vostell conhecia o trabalho de Paik, ambos participaram na exposição de Wuppertal, e as televisões preparadas do primeiro influenciaram-no. No entanto, o trabalho de Vostell não se circunscreveu ao vídeo, uma vez que estava mais comprometido com o ambiente das vanguardas veiculado pelo Fluxus.

3.

“Qualquer dia, os artistas vão trabalhar com condensadores, resistências e semi-condutores, como traba-lham actualmente com pincéis, violinos e detritos”.

Nam June Paik As primeiras relações entre os artistas e a televisão foram estabelecidas sob o selo da agressão formal e física que se manifestou numa alteração real das imagens e dos monitores. A televisão é

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apreendida como um ready-made (como objecto e como media), e as suas imagens são distorcidas, para mostrar as fraquezas do sistema. A sua estrutura é completamente vandalizada, quer por Vostell com os seus happenings de funerais e fuzilamentos de aparelhos de televisão, quer por Paik que a usou como ready-made: cadeiras, capoeiras, aquários, etc. Ambos encontraram na manipula-ção da televisão uma forma de chocar o sistema. As suas intervenções ligadas a uma estética da desconstrução dos media, foi mais violenta e crítica em Vostell, e mais lúdica em Paik.

O percurso que vai da agressão física (desmantelamento) e formal (distorção do sinal, desligar da corrente eléctrica) até a uma nova sintonia do sinal em novos programas de vanguarda e multicultu-rais com um novo visual estético mostra a ligação “ontológica” entre a televisão e a arte electrónica.

Tal como uma criança que desmantela os seus brinquedos, Vostell começou a interferir no apa-relho de televisão. Inventou as TV-Decollages nas quais usou os ajustamentos verticais e horizon-tais do sinal de televisão para os distorcer. Neste sentido, interrompeu o fluxo contínuo da produ-ção cultural massificada e unidireccional, ou seja, descolou a televisão do seu próprio espaço natural, da sua utilização habitual e a própria imagem, tornando-a instável. Tal como as “combine paintings” de Rauschenberg, as “descolagens” de Vostell, politicamente empenhadas, põem em crise as imagens do mundo veiculadas pelos media, ao retirá-las violentamente do seu contexto e com-parando-as com outras, para revelar a sua impostura. Ao criar erros artificialmente na recepção da imagem, Vostel revelou a fonte electrónica da ilusão televisiva. A imagem da televisão nunca lhe interessou, ao contrário de Paik que deformou o sinal de televisão para revelar as suas qualidades plásticas e para mostrar que a imagem analógica é uma sucessão de sinais e não de fotografias, afirmou Françoise Parfait6. Paik multiplicou as possibilidades electrónicas, misturou a impertinência e o jogo, a bricolagem e a tecnologia, a provocação e a cumplicidade com o público.

Paik tinha absoluta convicção que a tecnologia era um pormenor importante nos media porque fornecia os meios para a arte existir. Paik acreditava que as novas tecnologias forneceriam aos artistas os meios para criar uma forma de arte baseada nos media. Para isso era fundamental alte-rar o tubo de raios catódicos da televisão para mostalte-rar a imagem electrónica pura, enquanto feixe de electrões, de luz, que mais tarde, nos anos 80 e 90 constitui uma parte significativa do seu tra-balho através da tecnologia de projecção laser. Outro factor a ter em conta, foi a sua imaginação em colocar o aparelho de televisão em qualquer posição e apresentá-lo em conjunto com outros media e materiais.

Paik e Vostell ao levarem a televisão para os territórios da arte, submeteram esse elemento mun-dialmente partilhado a uma manipulação estética não alheia a uma dimensão política e crítica. Paik em Zenith (TV Looking Glass) remove o interior de uma televisão e no seu lugar coloca uma câmara de vídeo com o viewfinder virado para nós. Esta escultura é exposta junto a uma vitrina que dá para a rua ou para um cenário. Quando o visitante se aproxima e espreita pelo viewfinder da câmara, através do vidro do ecrã da televisão, vê o que a câmara regista. Paik quis dizer com isto que a tele-visão tem um ponto de vista e não é uma representação imparcial, ou seja, a teletele-visão não é uma janela aberta para o mundo7.

6 Cf. Françoise Parfait, Video: un art contemporain, Paris, Regard, 2001.

7 No pós-guerra, a televisão não só se tornou num símbolo da classe média, como numa janela aberta para o mundo: as guerras, as

catástrofes, o espectáculo das decisões políticas chegaram a todos os pontos do planeta em segundos, criando o sentido de “estar lá” e de “estar informado”.

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Perez Ornia8diz que os pioneiros viram o vídeo com os olhos da arte e não com os do cinema ou da televisão. Por um lado, o carácter latente e potencial da imagem electrónica do vídeo, deu-lhe um poten-cial pictórico, ou seja, susceptível de ser manipulado como os materiais da pintura. Por outro lado, a separação e a diferenciação em relação ao cinema e à televisão traduziram-se numa substituição dos géneros e formas narrativas para entrar num tipo de linguagem mais próximo da pintura e da escrita.

4.

O primeiro equipamento vídeo portátil foi desenvolvido pelo exército americano, no início dos anos 60, com o objectivo de vigilância no Vietname. E quando os Portapack da Sony começaram a ser comercializados, os artistas viram no vídeo um medium criativo capaz de desafiar os interesses militares, políticos e económicos.

Em 1965, a tecnologia vídeo tornou-se acessível, por via do Portapack da Sony (e outros pro-dutos menos conhecidos da Norelco e da Concord), a pessoas que não estavam ligadas à indústria, principalmente artistas e activistas, o que originou uma autêntica revolução na produção de ima-gens. Mas o gravador só se implantaria definitivamente em 1975, quando surgiram as cassetes com maior duração.

O Sony Portapack de meia polegada, com maior mobilidade do que os equipamentos profissio-nais de 2 polegadas da televisão, era muito mais barato (entre 1,000 e 3,000 dólares nos EUA e na Alemanha) do que as câmaras profissionais (entre $10,000 e $20,000). Era mesmo mais barato do que as Bolex, a câmara portátil de 16mm introduzida nos anos 40 e que tinham permitido uma maior diversidade na criação cinematográfica.

Em 1976, Hermine Freed escreveu: “O Portapack parece que foi inventado especificamente para

os artistas. Quando o formalismo tinha os seus dias contados; quando fazer objectos era embaraçoso, mas não fazer nada também era ridículo; quando os artistas estavam a fazer performances porque não tinham nada para fazer, ou tinham a necessidade de guardar um registo das suas performances; quan-do era estúpiquan-do perguntar constantemente a mesma questão berkeliana (Se constróis uma escultura no deserto onde ninguém a pode ver, será que ela existe?); quando se tornou claro que a televisão dizia mais a um maior número de pessoas do que os murais; quando se tornou perceptível que para definir o espaço era necessário incluir o tempo; quando muitas ideias feitas noutras disciplinas foram ques-tionadas e novos modelos propostos... foi quando o Portapack se tornou disponível”9.

O Portapack da Sony veio democratizou a produção de imagens pelo seu custo acessível em rela-ção às câmaras de 8mm, porque as cassetes eram mais baratas e com maior durarela-ção do que as pequenas bobines de 3 minutos; pela simplicidade da sua utilização que trouxe uma maior liberdade de movimento e permitiu, o desenvolvimento do seu lado documental, através da gravação de per-formances e happenings no que era uma tentativa de trazer a arte para a vida; e pela instantanei-dade do seu resultado que dispensava a mediação de laboratórios para revelar a película.

8 Cf. José Ramón Pérez Ornia, El Arte del Vídeo. Introducción a la historia del vídeo experimental, Madrid, RTVE/Serbal, 1991. 9 Cf. Hermine Freed, “Where do We Come From? Where are We? Where are We Going?” in Ira Schneider e Beryl Korot (eds.), Video

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A democratização da arte é uma consequência da sua reprodutibilidade técnica e assume uma função política, na medida em que se coloca ao alcance de todos e permite uma maior comunicação. O vídeo, liberto de constrangimentos sociais, não tinha convenções (como o cinema e a televi-são) e entregava-se a qualquer tipo de experimentação, o que levava a uma maior autonomia dos seus utilizadores. Este espírito de uma arte aliada à experiência quotidiana conduziu à ideia do vídeo libertar a arte da sua aura.

No dia 4 de Outubro 1965, Paik comprou com uma bolsa da Fundação Rockefeller (que seria sua benemérita nesses anos) um Portapack (que ainda estava no início de comercialização) na Liberty Music Shop em Nova Iorque, e na própria loja fez Button Happening em que abotoava e desabotoa-va o seu casaco repetidamente. Nesse dia teve um encontro com a população que aguarda na 5ª Avenida a passagem do Papa Paulo VI de visita à catedral de S. Patrício, e filmou do interior de um táxi “Pope Video”10.

Nessa mesma noite mostrou-o a um grupo, de amigos, no Cafe à Go-Go, em Greenwich Village, acompanhado de um manifesto, “Electronic Video Recorder”, onde evocava a importância do equi-pamento vídeo para o futuro da arte. Posteriormente, apresentou-o também na Galeria Bonino, em Nova Iorque. Isto desencadeou uma “guerrilha” anti-televisão e experiências que exploravam as capacidades do vídeo e as suas características electrónicas: a reprodução imediata e tempo real — e a intimidade que Rosalind Krauss tão bem definiu como uma estética narcisista11.

Pope Vídeo foi um trabalho de tempo real — com o tempo de registo exactamente igual ao do

seu visionamento. Onde a cobertura televisiva seria fortemente mediada pelas convenções da trans-missão, o vídeo de Paik não foi montado, não tinha dramatização, voz off, comentários de estúdio, flashbacks ou intervalos para publicidade12. Também não havia qualquer tentativa para dissimular o processo tecnológico que criou este vidéo verité. A obra foi determinada apenas pelo olho do artis-ta e pela casualidade de se encontrar no local certo à hora cerartis-ta com o equipamento apropriado.

No contexto da arte, Paik foi capaz de reivindicar o que a sua câmara viu (Pope Vídeo) como agente autónomo e criativo no desafio das forças corporativas do invisível que silenciam o indivi-dual enquanto homogeneizavam a humanidade num conjunto de estereótipos para a televisão.

Nos seus primeiros trabalhos era evidente que Paik usou o vídeo como um meio para fundar uma linguagem expressiva que resistisse à narrativa e às estratégias visuais da televisão. Os vídeos com intriga, com uma história que se desenvolve linearmente nunca lhe interessaram. Pelo contrário, os seus vídeos criticam a televisão e são uma variação dela, sendo a variação aqui o que corresponde à globalidade da estrutura de colagem dos programas. Contudo, a técnica de colagem nos seus vídeos não derivam da televisão, mas deriva estruturalmente das suas colagens sonoras iniciais e da colaboração com Jud Yalkut.

Finalmente, em 1968, o Portapack de ½ polegada é comercializado, a larga escala, no mercado americano (e no ano seguinte na Europa), o que contribuiu para o aparecimento de uma espécie de “jor-nalistas electrónicos” que criaram as “televisões pirata”, a partir do Time Base Conector para por as suas emissões no ar. Nesse mesmo ano, a AMPEX fabrica o primeiro gravador de vídeo a cores, e a

10 Nam June Paik destruiu, posteriormente essa cassete guardando apenas a caixa, chamando-a de “Painting Which Exists Only 2x1

Seconds in an Hour”.

11 Cf. Rosalind Krauss, “Video: The Aesthetics of Narcissism”, October, 1, 1976.

12 Uma prática vulgar hoje em televisão com os seus blocos de informação visual não editados, como na Euronews ou no programa

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partir dessa altura, começa a “invenção” e fabricação dos primeiros sintetizadores de vídeo a cores, que vão revolucionar a pós-produção das imagens criando um vocabulário abstracto (criação de efei-tos) e representativo (aperfeiçoamento da imagem) do vídeo. George Fifield13diz que há momentos na história em que uma inovação artística é também um avanço na engenharia e uma nova etapa na cul-tura popular, sendo o sintetizador vídeo de Paik e Shuya Abe um desses momentos felizes.

Em 1968, Paik e outros artistas foram convidados pela WGBH-TV em Boston para criarem um programa revolucionário que se chamou “The Medium is The Medium”. A ideia era pôr os artistas vídeo a fazer arte num estúdio de televisão. A iniciativa teve ao apoio da Fundação Ford, e o con-tributo de Paik foi “Electronic Opera #1”, um vídeo pioneiro de televisão interactiva em que Paik ia dando instruções sucessivas aos telespectadores para irem fechando progressivamente os olhos até desligarem a televisão.

Depois, apesar da resistência de alguns dos engenheiros da WGBH, com excepção de David Atwood, Paik queria ir mais longe e propôs a fabricação de um sintetizador de vídeo que permitiria colo-rir e modelar as imagens através da manipulação do sinal vídeo. Consegue nova bolsa da Fundação Rockefeller e parte para o Japão para concretizar o seu sonho com o engenheiro Shuya Abe.

A 1 de Agosto de 1970, é exibido Video Commune-The Beatles from Beginning to End para a WGBH, que consistiu numa manipulação das imagens em directo14. As imagens produzidas pelo sin-tetizador tiveram um impacto sem precedentes. De repente, a ideia da arte vídeo fazia sentido. O vídeo tornou-se uma tela que o artista podia literalmente pintar, porque o sintetizador criou uma nova linguagem de feedback e colorização, processamento e ruptura, contribuindo para a beleza for-mal da imagem abstracta do vídeo.

Germano Celant15disse que o sintetizador de vídeo dividiu a história do vídeo e da imagem elec-trónica em duas épocas: antes e depois de 1970. Por permitir gerar formas e figuras que não têm referente na realidade exterior, de maneira a que todas as operações feitas com o vídeo, desde 1970 até hoje, oscilaram entre dois pólos da imagem reflectida e da imagem auto-gerada.

Com o sintetizador vídeo ele quis tornar o vídeo tão maleável quanto a pintura. O ecrã de tele-visão seria a tela dos artistas electrónicos da geração vindoura, daí que procurasse contaminar o sinal de vídeo. Os efeitos de distorção e manipulação do sinal de vídeo que tinha conseguido no iní-cio dos anos 60 com ajudas “externas”, como os ímanes que sugavam as imagens, finalmente ganhavam consistência interna com o sintetizador, o primeiro aparelho de pós-produção da imagem. E a sua preservação no Kunsthalle em Bremen prova a importância da história para as gerações MTV, para que percebam que os videoclips de que tanto gostam, não foram feitos na semana pas-sada, mas antes de terem nascido. Por outro lado, o sintetizador de vídeo apresenta também a visão de um artista que percebeu que para fazer arte com um meio de comunicação é preciso primeiro sub-vertê-lo16.

13 Cf. Georges Fifield, “The Paik/Abe Synthesizer”, in http://207.56.97.90/paikabesythesizer.html

14 Paik serviu-se de um acordo de difusão de todas as canções dos Beatles que a WGBH possuía, criando assim 4 horas de cores

inten-sas e de manipulação do sinal electrónico do vídeo de forma livre, nunca antes vista, com um fundo musical dos Beatles como única estrutura de continuidade. Susan Dowling, descreveu as imagens do programa como paisagens surreais, abstracções fantasmagóri-cas e explosões de cor produzidas em directo. Nunca tinha sido visto nada assim em Boston, concluiu. Cf. Georges Fifield, op. cit.

15 Cf. Germano Celant, Off Media. Nuove Tecniche artistiche: Video, Disco, Libro, Bari, Dedalo, 1977.

16 Depois da transmissão de Vídeo Commune, os engenheiros da WGBH advertiram Paik porque ele tinha estragado o filtro de cor do

transmissor da estação, e que de futuro era preciso ter mais cuidado e sobretudo mais controlo. Quando Paik saiu para a WNET de Nova Iorque, os engenheiros do Canal 44 de Bóston quiseram servir-se do sintetizador, mas depararam-se com uma sala caótica

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Paik é o exemplo do artista-engenheiro, um acasalamento vital na actual cultura digital. Paik decidiu que só seria verdadeiramente competente se compreendesse os aspectos técnicos do medium. Procurou então a unificação do artista e do engenheiro numa única pessoa e afirmou que esperava o dia em que a colaboração entre o artista e o engenheiro progredisse: dada a minha pró-pria experiência, os melhores resultados que se conseguem devem-se ao acidente e ao erro. De futu-ro, se der uma ordem a um engenheiro terei o que pedi, e se eu próprio não fizer a experiência, atra-vés de um processo de tentativa e erro, perderei todos esses erros preciosos bem como as decepções e surpresas. Por experiência própria aprendi que o efeito secundário é mais valioso do que aquele que se procura à partida (…) Assim, a primeira etapa para fazer uma obra é uma expe-riência técnica e intelectual, só depois, numa segunda fase, é que é estética”17.

5.

“Da mesma forma que a colagem substitui a pintura a óleo, também o vídeo substitui a tela”

Nam June Paik O ecrã vídeo seria como uma tela que se pode pintar com luz, e o sintetizador de vídeo, criado em conjunto com Shuya Abe, permitiria dar-lhe forma com a mesma precisão de Leonardo, com a mesma liberdade de Picasso, com as mesmas cores de Renoir, com a mesma profundidade de Mondrian, com a mesma violência de Pollock, com o mesmo lirismo de Jasper Johns18.

A consequência dessa “pintura da luz” foi os efeitos de pós-produção que o sintetizador permitiu, que contribuiu para cimentar as características da imagem electrónica, enquanto superfície híbrida e volátil que permite uma promiscuidade entre as imagens. A principal característica do vídeo seria então o seu potencial de transformação, daí a sua imagem ser uma metamorfose constante. O vídeo é um meio plástico cuja manipulação, segundo Fargier19, é fazer ruído entre imagens e tornar ruido-sa toda a imagem. Com esta “parasitagem” das imagens, o que conta é a impressão de ruido-saturação e dispersão, porque existem vários tipos de imagens para ver simultaneamente20. Esta prática do vídeo tem como “conteúdo” uma encruzilhada de imagens. O vídeo é um lugar de intersecção.

O método básico de Paik nos vídeos é o do compositor. Na sua obra torna visível a estrutura do tempo e as experiências sensoriais não visuais. Cada vídeo é uma nova versão remisturada de um de cabos ligados à máquina que para eles não fazia sentido nem tinha qualquer lógica. Essa história contada por David Atwood demonstra bem a resistência entre engenheiros e artistas e a incapacidade dos primeiros em jogar com o erro e o acaso. Cf. Georges Fifield, op. cit. Segundo Flusser, a arte estava na má utilização do aparelho. Cf. Vilém Flusser, Ensaio sobre a Fotografia. Para uma

Filosofia da Técnica, Lisboa, Relógio d’Água, 1998.

17 Cf. Jonathan Price, Video Visions: A Medium Discovers Itself, New York, New American Library, 1972. 18 Declaração no Manifesto de 1965 “The Versatile Color Synthesizer”.

19 Cf. Jean-Paul Fargier, “Les effets de mes effets sont mes effets”, Communications, 48, 1988, pp. 93-100.

20 Os efeitos visuais electrónicos recuperaram algo que a pintura de Bosch e Brüghel possuíam: uma densidade de situações e

micro-narrativas no plano, que rompia com a clareza visual da pintura renascentista. Não deixa de ser curioso a recuperação deste princí-pio da densidade no actual design da informação, ou em diversas experiências da arte digital, como os filmes de Christian Boustani, ou os exemplos que Lev Manovich nos fala do macro-cinema, ou o próprio conceito de cluster de Yvonne Spielmann. Cf. Lev Manovich, “Macrocinema”, in http://www.manovich.net/macrocinema.doc; Yvonne Spielmann, “Intermédia and the organization of the image: some reflections on film, electronic, and digital media”, Íris, 25, Spring, 1998, ou “Expanding film into digital media”,

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anterior, numa vivacidade orgânica, em que tudo é constantemente submetido a alterações sem mostrar quaisquer rupturas.

Dessa “composição” também fazem parte o ruído como matéria criativa igual ao feedback, as colorizações e os efeitos de sintetizador vídeo que reduziam o grau de iconicidade da imagem, alte-rando os parâmetros convencionais com que se mede a sua fidelidade à realidade, conduzindo-a cada vez mais para a abstracção21, e libertando a imagem da perspectiva e dos códigos de representa-ção institucionalizados.

Para Paik, no vídeo não havia verdade, porque não havia real. Tudo era invenção, porque o vídeo dissolve o espaço pela fragmentação do tempo; é uma encenação espectral da realidade. Daí que o vídeo não tenha surgido para aperfeiçoar as técnicas de representação do cinema e da fotografia, nem as da reprodução da realidade. Em “Random Access Information”22escreveu que em televisão não há relação directa entre a realidade e a imagem, apenas sistemas de códigos. Deste modo, incor-pora, a partir de 1984, o computador na sua obra para digitalizar as imagens, contribuindo para a perda definitiva da mimesis. A imagem obtida da realidade apenas serve de motivo para a decom-posição abstracta da forma.

Paik disse que não era o resultado da imagem que o interessava, mas a sua fabricação, ou melhor, as condições técnicas e materiais da sua fabricação. Mas ao fazê-lo, não fez mais do que evocar as potencialidades plásticas da imagem electrónica.

As suas distorções e manipulações têm o objectivo de despir a imagem dos seus signos de repre-sentação realista, para pôr em evidência a natureza electrónica e artificial da sua origem.

Enquanto processo alegórico, a colagem libertava a imagem e o som da falta de ambiguidade dos sistemas de referência, porque admitindo a ambiguidade, ao não sujeitar o som e a imagem ao previsível e à identificação definida, é que os significados jogam contra os significados e que o fami-liar se torna questionável. E assim, a realidade era compreendida e experimentada na sua constan-te mudança.

Se Cage renovou a ontologia da música, também Paik renovou a imagem (e a colagem), através de uma veia desconstrutiva de jogar com e contra o médium. A influência de Cage (a relação som/silêncio) vê-se na dualidade imagem una/dispersa e fragmentada que dá origem a uma imagem tensional. A influência que Paik sofre ao nível do assemblage, não é só a mistura de materiais, nem do pastiche (utilização constante de imagens já feitas, o que possibilita sempre novas interpretações através da evolução dos processos técnicos) é, sobretudo, a simultaneidade de tempos e pontos de vista. Por isso, Paik tentou constantemente quebrar com o curso linear do tempo através do ritmo descontínuo da montagem.

Paik afirmou que compreendia o tempo melhor que os artistas de vídeo que vieram da pintura e da escultura, porque a música é a manipulação do tempo: “tal como os pintores compreendem o

espaço abstracto, eu compreendo o tempo abstracto” — e o tempo é integral na arte vídeo, que deve

revelar-se numa duração temporal.

O vídeo funciona como um meta-medium que torna o tempo visível à medida que o ritmo das imagens se intensificam, elas próprias desaparecem tornando-se indiscerníveis, só o tempo perma-nece visível.

21 A manipulação de Paik da imagem electrónica atingiu quase sempre um aspecto gráfico.

(11)

Se já nada pode ser visto, então resta o vazio: o excesso de informação conduz à sua anulação — tirania do acontecimento —, até porque é preciso um “atraso” ao nível da recepção para a sua compreensão. Deste modo, na quebra da continuidade, o significado da obra não se retira da conti-nuidade temporal e lógica das suas sequências, mas apenas do papel activo do espectador em juntá-las e dar-lhe um significado individual. Desta forma, quebra o carácter mass-mediático da TV. A comunicação unidireccional da TV torna-se num diálogo artista/obra/espectador.

Em 1973 faz Global Groove, uma versão hedonista da vida contemporânea. É uma crítica à opu-lência televisiva. E mais do que um manifesto, Global Groove é uma síntese de um período e da sua expressão técnica e estilística, e no sentido histórico e estilístico está datada, porque um efeito é, por essência, efémero e testemunha dos objectos de fascínio de uma determinada época.

Global Groove, tem uma estrutura fragmentada, como um zapping, em que Paik trabalha cada

bloco de imagens de forma autónoma, separando o corpo do cenário, e fazendo-o flutuar num espa-ço em movimento, sobrepondo no mesmo enquadramento um grande plano de um pé e um par a dan-çar, multiplicando o mesmo corpo e trabalhando-o como contorno, misturando a figura analógica e o grafismo abstracto, variando as cores. Mas misturando também imagens de dança, performance, ou imagens recicladas de documentários e da publicidade, etc., sujeitando a imagem ao som. Paik pôs em prática um novo estilo de escrita que seria posteriormente desenvolvido a nível da forma como do conteúdo (géneros).

A dissolução formal das fronteiras segue a dissolução do conteúdo porque o programa televisi-vo de Paik refere-se ao futuro da paisagem mediática, como não tendo limites nacionais e fazendo uso de um zapping por todas as cadeias de TV [Cage: 12 aparelhos preparados de rádio]

Em Global Groove, Paik usou incrustações (chroma key), sobreimpressões (inscrição de figuras em fundos mutáveis, simultaneidade de pontos de vista na mesma imagem), feedback, extracção de contornos de uma forma, colorização de superfícies e conexão de efeitos de cor ao som.

Global Groove é, de certa forma, iniciador da mudança na forma de representar a dança, onde um par de bailarinos dança suspenso no ar. O espaço electrónico escapa também às leis da gravidade, e os corpos flutuam nos decors. Paik alterou a escala dos corpos e dos decors, segundo Peres Ornia.

Fargier23disse que Global Groove foi o acto de nascimento da arte vídeo, porque continha em embrião o que mais tarde se veio a desenvolver e a aperfeiçoar.

6.

“A luz é a forma mais eficiente de transmissão de informação”

Nam June Paik Desde os finais da década de 70 que Paik dizia que a arte do futuro seria a instalação: a arte do tempo e do espaço absoluto.

Nas suas instalações vídeo existem as esculturais ou de circuito fechado, que vão mais longe do que uma mera demonstração da adaptação da câmara ao monitor, uma vez que o monitor

tam-23 Cf. Jean-Paul Fargier, “Paik : Et la vidéo fût… : Premiers pas de l’homme dans le vide” in Jean-Paul Fargier (ed.), Où va la vidéo?,

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bém deve ser visto como objecto. Por isso têm aspecto diferente de outros artistas que escondem os monitores, deixando apenas a imagem visível.

Por outro lado, nas instalações multi-ecrã, os monitores são elementos de uma forma mais abrangente com os seus vídeos abstractos de grande escala, por exemplo, a escala e o virtuosismo de Fin de Siècle II constituem um desenvolvimento arrojado do seu conceito de videowall. Conjuga dezenas e centenas de monitores em imagens isoladas, ou em grupos de imagens, ou numa única imagem formada nos vários ecrãs.

Enquanto as instalações de circuito fechado e outros objectos vídeo podem ser vistos como esculturas sem qualquer dificuldade, as grandes instalações multi-ecrã como Tricolor Video, TV

Garden, entre outras, não podem ser colocadas numa categoria tão precisa. Essas instalações criam

espaços de luz através das suas grandes dimensões e são vistas como tendo um aspecto arquitec-tónico. São ambientes, que muitas vezes fazem parte do nome dessas instalações laser.

De facto, o sentido do grandioso e do virtuosismo que vai tomando conta da obra de Paik, como a experiência de televisão global transmitida em vários países, Wrap Around the World, e a gigan-tesca torre com mais de mil monitores The More the Better, encomendas dos Jogos Olímpicos de Seul, realiza em 1988, vão progressivamente dando lugar a um grandioso imaterial, devido ao laser. Assim, as instalações laser exploram o espaço arquitectónico e o futuro da imagem em movi-mento. O interesse pelo laser já vinha dos anos 70, dada a sua energia que se transforma em luz e que pode ser modificada durante a projecção em diferentes suportes e ambientes. Nos anos 80 começa a trabalhar com Horst Bauman na projecção laser, que ao contrário da projecção cinema-tográfica, mantém a qualidade da imagem independentemente do seu suporte de acolhimento.

Uma das suas instalações laser mais fascinantes foi a que apresentou no Pavilhão da Alemanha na Bienal de Veneza de 1993. Sistine Chapel Before Restauration faz o espaço físico mover-se ilu-soriamente, à medida que a projecção laser parece expandir a sensação do espaço. Esta instalação, tal como Baroque Laser, feita três anos mais tarde na Alemanha, procura decorar a arquitectura existente com ciclos de imagens em constante mutação, dissolvendo os limites físicos da arquitec-tura. Assim, o espaço já não é definido pela sua existência material, mas pelo espectador que defi-ne a estrutura espacial em que se encontra a partir do seu ponto de vista24.

Mas, em 2000, numa retrospectiva da sua obra no Museu Guggenheim de Nova Iorque, conce-be instalações laser sem imagens para a espiral interior do museu e para a galeria do último andar. É a celebração da luz e o fim da visibilidade do objecto material — os monitores desaparecem das instalações. A luz e a tecnologia laser atingem o esplendor. John G. Hanhardt, o comissário da expo-sição, afirmou que nas mãos de Paik, o laser não é simplesmente um instrumento para projectar ima-gens feitas por outro medium numa superfície. Pelo contrário, é um medium capaz de criar sozinho, ou em articulação com outros media, espaços e ambientes envolventes através da projecção da luz que gera imagens de cor25. Uma delas, Three Elements (uma esfera, um triângulo e um quadrado de luz), cria um espaço virtual devido à profundidade de campo que parece infinita. Os raios laser movem-se e cruzam-se formando padrões complexos que se tornam num todo dinâmico e abstracto no espaço, e o volume que resulta desse movimento expressa uma nova dimensão da experiência visual. Este novo vocabulário visual gera um espaço cognitivo, segundo Hanhardt.

24 Cf. Florian Matzner (ed.), Nam June Paik Baroque Laser, Ostfildern, Cantz Verlag, 1995. 25 Cf. John G. Hanhardt (ed.), The Worlds of Nam June Paik, New York, Guggenheim Museum, 2000.

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Enquanto medium artístico, a atracção estética e iconográfica do laser está para além da sua capacidade em transmitir informação. Ele é o símbolo da possibilidade de uma transmissão de infor-mação planetária da sincronia espacial e temporal do passado, presente e futuro. Daí a “electronic superhighway”, uma cibercidade que procura ligar diferentes sociedades, uma zona franca de infor-mação, que é hoje uma realidade.

7.

Paik afirmou querer tornar a tecnologia ridícula, e viu no tubo de raios catódicos um instrumen-to criativo. Os defeiinstrumen-tos e erros das máquinas converteram-se em matéria criativa. Paik encontrou na manipulação da TV uma forma para chocar o sistema, através de “feedbacks” e dos televisores como “ready-mades” e mecanismos autoreferenciais capazes de produzir imagens por eles próprios, como em The Moon is the Oldest TV.

Paik foi um dos primeiros artistas do pós-guerra a apropriar-se dos avanços na ciência e na tec-nologia, para jogar com eles e transformá-los. A partir desse momento, a estética de Paik representa uma crença no poder da tecnologia que o ilumina de uma forma bem humorada. A sua esperança era que, de futuro, os artistas usassem as novas tecnologias de uma forma construtiva de modo a dar uma nova configuração à cultura.

A tecnologia funciona, para ele, como uma segunda natureza porque está em contínua mudan-ça, e porque se adapta ao corpo. Segundo Kristine Stiles26, Paik erotizou e humanizou a tecnologia, ao utilizar o corpo de Charlotte Moorman. Esta corporização e humanização da tecnologia, ou seja, a associação do medium com as funções e orgãos reprodutores da mulher estão presente em obras como TV Cello, TV Bra, TV Bed e TV Penis. A tese mcluhaniana da tecnologia como prótese do corpo humano continuou na sua “família de robôs”.

Nam June Paik, ao procurar converter a passividade da televisão numa criação activa, disse que fazia uma crítica da TV pura, e consequentemente inaugurou as três vias em que a arte vídeo se desenvolveria:

— ruptura com a concepção banal da televisão, jogando com aquilo que ela considerava como erros técnicos (granulosidade, nebulosidade, hiper-coloração, deformação da relação espacial entre linhas), sujando a imagem e abrindo as portas àqueles que se ocuparam com o aspecto pictórico do vídeo;

— rejeição dos princípios de realismo e de narração típicos dos géneros televisivos, porque era preciso libertar o ecrã dos estereótipos formais utilizados pela televisão comercial e dar opor-tunidade a tipos de “escrita” alternativa, que se sedimentaram em torno da prática do auto-retrato, por exemplo;

— descontextualização dos aparelhos de televisão, substituindo-os das funções para as quais tinham sido concebidos. O primeiro passo foi a agressão física, depois o ready-made, depois as esculturas e finalmente as instalações.

26 Kristine Stiles, “Art and Technology” in Kristine Stiles e Peter Selz (eds.), Theories and Documents of Comtemporary Art. A

(14)

Nam June Paik morreu a 29 de Janeiro de 2006, na sua casa de Miami às sete horas da tarde. Mas em 1994, erigiu um mini-museu de si próprio e da sua teoria artística. The Mongolian Tent pare-ce adoptar uma distância crítica ao seu gigantismo tecnológico27dos últimos anos e funciona como uma espécie de recolhimento zen. Uma pequena tenda de madeira revestida com um tecido imper-meável acolhe sete máscaras mortuárias de Paik e uma estátua de Buda de olhar vazio frente a um monitor de televisão com uma vela a arder no seu interior.

Referências

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