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A CELEBRIDADE COMO MERCADORIA DA INDÚSTRIA CULTURAL – O CASO RONALDO FENÔMENO

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Academic year: 2020

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A Celebridade como Mercadoria da Indústria Cultural – O Caso Ronaldo Fenômeno

Rosemary Roggero Doutora em Educação: História e Filosofia roseroggero@uol.com.br Universidade Braz Cubas Programa de Mestrado em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação

Mauro Maia Laruccia mauro.laruccia@gmail.com Doutor em Comnicação e Semiótica: Tecnologias da Informação Universidade Braz Cubas Programa de Mestrado em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação

Resumo

Este artigo estuda de caso do atleta Ronaldo Fenômeno, discutindo como a indústria cultural converte o indivíduo em mercadoria, à medida que toma determinadas características que o tornam único, atribuindo-lhe valor de troca para associá-lo a marcas e à venda de outras mercadorias.

A questão central é: de que forma o fenômeno de transformação de atletas em celebridades - como modelos de sucesso almejados pelos cidadãos comuns - afeta a formação do indivíduo, na sociedade contemporânea?

O objetivo é descrever esse processo das estratégias mercadológicas para entender a perversidade que coisifica o indivíduo ao convertê-lo em mercadoria, por um lado, e se utiliza dele como modelo para a formação de indivíduos, no âmbito da cultura.

Palavras-chave: formação, cultura, indústria cultural, celebridade, mercadoria

Abstract

This article examines the case of athlete Ronaldo Phenomena, discussing how the industrial culture converts the individual in goods, as they take certain

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characteristics that make it unique, giving him exchange value to assign it to brands and the sale of other goods. The central question is: how the phenomenona of transformation of athletes into celebrities - as models of success sought by ordinary people - affects the individual formation, society contemporary? The goal is to describe that process from marketing strategies to understand the perversity that the individual is convert it into merchandise “thing in itself”, on the one hand, and it is used as a model for the training of individuals in the field of culture.

Key words: education, culture, culture industry, celebrity, commodity

A formação do Indivíduo no capitalismo tardio

Adorno concebe a formação do indivíduo em suas articulações com a sociedade. Em Capitalismo Tardio ou Sociedade Industrial o autor descreve as atuais formas de pensamento que, em conexão com as necessidades mais íntimas dos indivíduos, são cada vez mais moldadas pelo valor de troca, caracterizando as condições sociais que dificultam o surgimento da consciência que permitiria a superação dessa moldagem que impede a subjetividade.

Ele avalia a urgência de se analisar a formação do indivíduo, argumentando que as condições sociais existentes sob o capitalismo formam um indivíduo inseguro e imaturo:

Se a teoria da miséria crescente não foi demonstrada à la lettre, ela se confirmou, porém, no sentido não menos assustador de que a falta de liberdade, a dependência em relação a um instrumental que escapa a consciência daqueles que dele se utilizam, estende-se universalmente sobre os homens. A tão deplorada falta de maturidade das massas é apensas o reflexo do fato de que os homens continuam não sendo senhores autônomos de sua vida; tal como no mito, sua vida lhes ocorre como destino. (Adorno, 1986, p.67)

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Assim, o indivíduo está cada vez mais tomado pelas idéias presentes nas relações de produção e perde, cada vez mais, sua possibilidade de tornar-se sujeito autônomo e livre, porque o trabalho sob a lógica do capital deforma o homem e impede, até mesmo, o surgimento do pensamento sobre liberdade. “O interesse objetivo e a espontaneidade subjetiva separam-se contudo; esta corre o risco de atrofiar-se sob a desproporcional superioridade das condições dadas”. (Adorno, 1986, p.70) ou: “A dominação sobre seres humanos continua a ser exercida através do processo econômico” (Adorno, 1986, p.67).

Mas há uma dificuldade posta: é que a qualidade da dominação parece ter-se alterado, uma vez que, atualmente, ela atinge a totalidade dos membros da sociedade – a antiga opressão social é tornada, agora, anônima – “nenhum pastor e um rebanho” (Adorno, 1986, p.67). Isto significa que o tipo de formação, a que estamos todos submetidos – a formação burguesa – permeia tanto a formação do trabalhador quanto a do senhor e nela reside, ao mesmo tempo, o mote do aprisionamento e a fagulha libertadora, nesse modelo de sociedade.

Essa formação oferece, sobretudo, conteúdos que se referem ao Capitalismo Tardio porque todos os homens - trabalhadores, gerentes e proprietários – convertem-se em apêndices da lógica do capital. Até mesmo suas necessidades mais íntimas perdem a espontaneidade, em função das normas e regras da produção e distribuição de mercadorias:

Os homens seguem sendo o que, segundo a análise de Marx, eles eram por volta da metade do século XIX: apêndices da maquinaria, e não literalmente os trabalhadores, que têm de se conformar às características das máquinas a que servem, mas, além deles, muito mais metaforicamente: obrigados até mesmo em suas mais íntimas emoções a se submeterem ao mecanismo social como portadores de papéis, tendo de

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se modelar sem reservas de acordo com ele.(...) Para além de tudo o que à época de Marx era previsível, as necessidades, que já o eram potencialmente, acabaram se transformando completamente em funções do aparelho de produção, e não vice-versa. (Adorno, 1986, p.68)

Essas necessidades, apesar de produzidas pelas leis do lucro, parecem encontrar cada vez maiores possibilidades de realização. O progresso tecnológico, fruto do desenvolvimento e do avanço das forças produtivas, possibilita essa conquista. Mas este, ao mesmo tempo, encontra-se enredado nas relações de produção e perde de vista seu objetivo primeiro, que era o de possibilitar a sobrevivência e a preservação do homem. Ao contrário, sua qualidade técnica é avaliada em função de sua utilização como meio de controle, de dominação social, de destruição da possibilidade de constituição do sujeito.

Lógica que invade todos os setores, tanto da produção material quanto da esfera de distribuição e também da cultura. As necessidades foram ampliadas, bem como as formas de sua satisfação, dado que são atendidas apenas indiretamente através do valor de troca. No entanto, o sistema exerce um fascínio cada vez maior sobre os homens, oferecendo possibilidades de consumo também cada vez maiores, como uma espécie de cooptação, fazendo avançar o fenômeno da integração, da adaptação à cultura capitalista, que torna imperativo o valor de troca entre os próprios homens, que se convertem em mercadorias, em prol da satisfação de necessidades desenvolvidas para a manutenção da própria lógica do capital:

Ao tender à aparência, a necessidade contamina os bens com o seu caráter de aparência. Necessidades objetivamente corretas ou falsas poderiam muito bem ser distinguidas, por menos que se tivesse o direito de derivar disso uma regulamentação burocrática, onde quer que seja. Para o bem e para mal, nas necessidades sempre está presente a sociedade como um todo; elas podem ser, para as pesquisas de mercado, a coisa mais próxima,

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mas no mundo administrado, elas não são em si o primeiro. (Adorno, 1986, p. 71)

Para que a lógica da aparência seja dominante na cultura, ela invade todas as esferas da vida. A liberdade não pode ser uma escolha na sociedade administrada pela lógica do capital, senão a liberdade relativa ao consumir para suprir necessidades artificialmente criadas pelo mercado. Daí a consciência da sociedade torna-se aparência. Todos homens acabam sendo formados segundo padrões de comportamento que impedem o pensamento e a consciência da contradição:

Essa aparência é socialmente necessária porque de fato, momentos do processo social anteriormente separados, inclusive os seres humanos vivos, são levados a uma espécie de denominador comum. (...) A totalidade dos processos de mediação, na verdade, do processo de troca, produz uma segunda e enganadora imediatez. Ela permite, talvez, esquecer ou suprimir a consciência, contra a própria evidência, o que é antagônico e separador. (Adorno, 1986, p.74)

Com esse raciocínio, Adorno oferece recursos para problematizar a afirmação de Marx de que a consciência é fruto das condições materiais de existência (ainda que em última instância). Para ele, cada vez mais, nas sociedades do capitalismo avançado: “A existência social não gera, de modo imediato, consciência social.” (Adorno, 1986, p.66) A existência social, na sociedade administrada, impede a percepção das contradições que são geradas no processo de produção da vida material e espiritual pela constante força de integração à visão de mundo burguesa, que se atualiza permanentemente.

Isso mostra que as barreiras para que se dê a emancipação da consciência humana, têm sido fortemente construídas e mantidas pela lógica imanente ao capital, açambarcando a cultura e acirrando o mal-estar na civilização, enquanto impede a emancipação humana.

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A cultura administrada na formação do indivíduo

A vida contemporânea emerge repleta de exigências de ampliações do universo de conhecimentos de que cada um dispõe em todas as áreas do relacionamento humano. Como vivemos numa sociedade de consumo, o conhecimento tornou-se ele próprio mercadoria e sujeito a normas paradoxais em relação à sua natureza. Adorno (2004), no texto Cultura e Administração, observando o “quase tudo” que pode ser significado com o uso da palavra cultura, afirma que:

Quem fala de cultura, fala também de administração, queira ou não. A síntese de nomes tão díspares como filosofia e religião, ciência e arte, formas de vida e costumes, finalmente o espírito objetivo de uma época debaixo de uma única palavra, cultura, denuncia de antemão o olhar administrativo que reúne, classifica, pesa, organiza tudo isso desde cima. (Adorno, 2004, p. 114)

Entretanto, o autor também aponta que cultura e administração estão em contraposição, pois enquanto a cultura almejaria ser a manifestação da essência pura do ser humano, sem relação com contextos funcionais da sociedade, ela não existe senão como cultura administrada. A cultura se desenvolve a partir de um paradoxo: se deixada ao seu livre arbítrio, ela não existe: se administrada, torna-se nociva. Mas o que a mantém como tal, como cultura? O que a faz o que é?

Podemos pensar que o “espírito objetivo de uma época” contenha em si algo de valor. Valor é uma palavra que tem sua origem no grego axiós: o que tem sentido, direção, o que é significante, relevante. No âmbito da axiologia, “os valores são fruto das diferentes projeções do espírito humano sobre a natureza, desenvolvendo-se e manifestando-se ao longo da história.” (García, apud Diskin, 2000, p. 60) Já na economia política, valor é um conceito vinculado a uma práxis na qual o fator simbólico-cultural tem uma relação intimamente imbricada com a vida material, como abordado anteriormente. Assim, voltamos ao fato de que, em nossa sociedade, a

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produção da vida material tem sido pautada pelo consumo característico da nova etapa do capital globalizado.

Marcuse (1997) no ensaio Sobre o caráter afirmativo da cultura, publicado em 1937, reconstruiu o percurso histórico que resultou na separação contemporânea entre cultura e civilização e fez com que ambas persistissem como âmbitos aparentemente opostos. Para ele, cultura afirmativa é:

aquela cultura pertencente à época burguesa que no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritual anímico, nos termos de uma esfera de valores autônomos, em relação à civilização. Seu traço decisivo é a afirmação de um mundo mais valioso, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo do fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si ‘a partir do interior’, sem transformar aquela realidade de fato. (Marcuse, 1997, p. 95-6)

Entretanto, o autor observa que, no processo histórico em que se afirma a cultura burguesa, o mundo espiritual é expulso do plano material, elevando a cultura a uma falsa universalidade.

Mas ainda é preciso retomar o fato de que a hegemonia de uma visão de mundo é resultado de uma engrenagem de relações desiguais. Se é verdade que o consumo subordina o espírito objetivo desta época, o atual movimento do capital impele a um processo de homogeneização da cultura.

Harvey (2004) possibilita atualizar as observações de Adorno quanto ao movimento do capital e, de Marcuse quanto ao caráter da cultura que o afirma, chamando a atenção para o fato de que há cerca de 20 anos, a palavra globalização se tornou chave na organização dos nossos pensamentos, revelando conseqüências e contradições relativas às mudanças na sua dinâmica, todas interligadas e descrevendo um panorama complexo de relações em âmbito mundial: (1) as corporações

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internacionais estão cada vez mais poderosas; (2) tem ocorrido uma feminização do mercado de trabalho vinculado a uma dispersão geográfica e cultural que dificulta a organização dos trabalhadores, tornando claro que o controle do trabalho é questão vital para a globalização; (3) tem havido um aumento nos fluxos migratórios; (4) a urbanização tornou-se hiperurbanização, afetando a organização espacial da população mundial; (5) as operações do Estado têm sido disciplinadas pelo capital monetário e financeiro, de forma jamais vista e, contraditoriamente, têm apelado ao nacionalismo populista como forma de contra-ataque à globalização; (6) há um novo conjunto de problemas ambientais globais e, finalmente, (7). há o problema da manutenção da diversidade cultural.

Para além da idéia de que a globalização impele a um processo de homogeneização da cultura, nota-se que “há abundantes sinais da existência de todo gênero de contramovimentos que variam da propaganda da diversidade cultural como mercadoria a intensas reações culturais à influência homogeneizadora dos mercados globais e estridentes afirmações da vontade de ser diferente ou especial.” (Harvey, 2004, p. 97)

Contudo, entre outros fatores, é inegável a manipulação da mídia, impingindo uma cultura moldada, assim como é evidente a manipulação de poder e superioridade de algumas especificidades culturais em relação a outras. A indústria cultural (livro, imprensa, disco, rádio, televisão, cinema, novos produtos e suportes audiovisuais, fotografia, reprodução de obra de arte, publicidade), transforma o ato cultural em mercadoria e, assim, dissolve os traços de autenticidade, de acordo com o pensamento de Adorno e Horkheimer (1997), já que a cultura tradicional é forçada a moldar-se aos padrões mínimos de exposição à mídia.

Adorno & Horkheimer (1997) cunharam o termo Indústria Cultural, que acabou substituindo a expressão cultura de massa, até pela ampliação do significado e dos elementos que a compõem, considerando que a racionalidade técnica teria se tornado a racionalidade da própria dominação, como caráter compulsivo da sociedade

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alienada de si mesma. Para os autores, a indústria cultural se caracterizaria por harmonização, esquematismo, desempenho, preocupação com o detalhe técnico, repetição, distração e alienação das massas:

a diferenciação técnica e social e a extrema especialização... conferem a tudo um ar de semelhança (...) Até mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmo louvor do ritmo de aço. (...) Os edifícios monumentais e luminosos que se levantam por toda parte são os sinais exteriores do engenhosos planejamento das corporações internacionais... (Horkheimer & Adorno, 1997, p. 112)

Ou, em outro ponto: “A vida no capitalismo tardio é um contínuo rito de iniciação. Todos têm que demonstrar que se identificam integralmente com o poder de quem não cessam de receber pancadas.” (Horkheimer & Adorno, 1997, p. 114)

Pode-se supor que grande parte dos indivíduos – nas mais diversas circunstâncias – viva essa contradição no mundo contemporâneo: a consciência se apresenta impedida de emergir, enquanto a alienação se espraia pelas perspectivas de uma vida simulada pela práxis que predomina na cultura que se desenvolve e se afirma sob a lógica do capital. E, ainda que os elementos que permitem a auto-reflexão estejam presentes nessa mesma totalidade, não parecem suficientemente fortes para produzir a superação da práxis alienada e alienante.

Como indicado antes, Adorno defende que é preciso observar a formação burguesa. Para ele, “a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva. Porém a cultura tem um duplo caráter: remete à sociedade e intermedia esta e a pseudoformação”. (Horkheimer & Adorno, 1971, p. 175) Assim, pensar a formação exige que isso seja feito no âmbito da cultura e da sociedade situadas no tempo e no espaço. Algo disso é apresentado aqui, com o objetivo de demonstrar como a sociedade do capitalismo tardio forma (ou pseudoforma) os indivíduos, impedindo sua emancipação. Horkheimer e Adorno afirmam que:

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Na sociedade humana (...), na qual tanto a vida intelectual quanto a vida afetiva se diferenciam com a formação do indivíduo, o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção; ele tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorá-la e a inibi-la. Aprendendo a distinguir, compelido por motivos econômicos, entre pensamentos e sentimentos próprios e alheios, surge a distinção do exterior e do interior, a possibilidade de distanciamento e identificação, a consciência de si e a consciência moral. (Horkheimer & Adorno, 1971, p. 174)

Mas esse movimento encontra muitos entraves para se realizar. A própria formação é marcada por contradições que impulsionam o indivíduo muito mais em direção à adaptação ao existente que ao aprendizado da distinção entre o que lhe é próprio ou alheio.

Na sociedade contemporânea, uma sociedade do conhecimento, da informação, dos serviços, no mundo da tecnologia, tudo se converte em entretenimento: as artes, a formação, os esportes, minando seu conteúdo e suas possibilidades críticas.

Assim, no mundo da cultura afirmativa, os esportes se apresentam como aparência, mostram-se na publicidade e sugerem um modelo de homem. Porém, nisso mesmo se encontra seu miolo crítico: o esporte do povo que se caracteriza como cerne da sua cultura pela aparência e pelo entretenimento revela a crítica ao superficialismo, ao descartável a que a vida vem se convertendo, porque empanturra, cansa.

Por outro lado, junto daqueles que foram transformados em categoria profissional no mundo administrado – os atletas – aqueles que pouco sabem sobre o que é esporte são alçados à mesma categoria e recebem investimentos que lhes fariam desfrutar do mesmo status dos demais (talvez não o dos raros e verdadeiros atletas).

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Mas sua passagem é efêmera. Aquilo que não possuem não pode sustentá-los por muito tempo. Não fazem esporte, apenas entretêm e vendem imagens e marcas.

O caso Ronaldo Fenômeno

Nunca um atleta brasileiro esteve no epicentro de somas tão estratosféricas como Ronaldo Luiz Nazário de Lima, o Ronaldo Fenômeno, como foi “batizado” pela imprensa e pela mídia esportiva.

Revistas e jornais de grande circulação mantê-no sempre no noticiário. Recentemente, dão conta de que a Siemens vai lançar, segundo Lima (2008), uma linha mundial de celulares com a marca do jogador depois que uma pesquisa da empresa mostrou que a venda dos aparelhos cresceu 27% no Brasil, apenas porque Ronaldo vestia a camisa do Real Madrid, time patrocinado pela empresa.

A Ambev contratou Ronaldo para a inauguração de uma fábrica na Guatemala há pouco mais de um ano. Três meses depois, a companhia de quase 2 bilhões de dólares, já detinha 40% do mercado local. A Nike, com quem o atleta já tem contrato há mais tempo, prevê o lançamento de uma linha de roupas esportivas com sua assinatura.

Hoje, Ronaldo é um dos atletas mais ricos do mundo. Com patrimônio avaliado em 360 milhões, deu origem ao grupo R9. Possui quatro empresas no ramo de imóveis, uma de participações e licenciamentos, uma clínica de fisioterapia e duas empresas para gerenciar seus contratos de publicidade, conforme informações levantadas por Lima (2008).

O jogador conta com o serviço de um escritório que administra as empresas, as aplicações financeiras e até a vida pessoal. Mesmo estando em campo três ou quatro dias na semana, reúne-se semanalmente com seus assessores, quando recebe relatórios

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e avalia propostas, desde os contratos com grandes corporações transnacionais à reforma de sua casa.

São administradores desse escritório que redigem seus contratos pré-nupciais. Além desses assessores, Ronaldo está cercado de outros profissionais, como no que se refere ao licenciamento de produtos tanto quanto para assuntos de imagem, para o que conta com dois especialistas.

Quando está machucado conta com assessoria de imprensa da CBF (confederação Brasileira de Futebol) para ajudar a ocupar espaços na mídia como, por exemplo, em seu trabalho na ONU, mantendo-o presente na mente seus fãs.

Além da Nike, da Siemens e da Ambev, Ronaldo cede sua imagem a mais três empresas: Audi, TIM e Carrefour. Nesses contratos publicitários a preferência é para os de maior duração: Nike e a Ambev, com mais de dez anos. Ronaldo recebeu um proposta da Vivo para tornar-se garoto-propaganda, mas preferiu permanecer com a TIM e apostar num trabalho de longo prazo.

Por trás dessa máquina empresarial está a fama do jogador. Ronaldo é uma celebridade mundial. De acordo com Lima (2008), pesquisa de mercado recente apontou que o jogador é o atleta mais conhecido de toda a Ásia, considerado a terceira personalidade mais conhecida do planeta, percebido pelos consumidores como um atleta excepcional, uma pessoa humilde e um pai dedicado. De acordo com esse tipo de pesquisa, Ronaldo é lembrado como o garoto que saiu do subúrbio, que só tinha a televisão como eletrodoméstico da casa, para tornar-se um vencedor. Tais dados são fundamentais para as empresas com as quais tem contrato.

Os especialistas em mercado afirmam que não existe uma explicação simples para o fascínio que Ronaldo exerce nas pessoas. Uma das hipóteses é que Ronaldo não viveria da fama fácil, mas da construção de sua imagem a cada dia nos gramados. Estima-se que Ronaldo tenha 850 milhões de fãs em todo o mundo. Num mundo em

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que o esporte tornou-se um fator econômico, a indústria do futebol, movimenta em torno de 216 bilhões de dólares no mundo e profissionais de marketing, empresários e pesquisadores do esporte acreditam que Ronaldo tem um papel estratégico nesse processo.

Já tendo sido eleito o melhor jogador do mundo, o atleta está entre os mais bem-sucedidos profissionais da atualidade. Entretanto, no que se refere à sua vida pessoal, está sempre envolvido em situações embaraçosas. Em maio de 2008, viu-se em meio a um escândalo que incluiu três travestis cariocas, conforme França (2008). As versões sobre o episódio foram contraditórias, mas sugeriam ser negativas para Ronaldo e para todo o mercado que se beneficia da sua imagem.

A imprensa noticiava que o suposto ocorrido poderia causar sérios e irreparáveis danos à sua imagem e à carreira – já que, no caso de Ronaldo, os dois âmbitos estão fortemente imbricados, assim como acontece com outras celebridades esportivas de nível mundial.

Figura 1: Linha do tempo da trajetória profissional de Ronaldo Fonte: Adaptado de França (2008)

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Nesse contexto, contraditoriamente, parece que cultivar uma boa imagem pode ser mais vital do que estar em forma para o próximo jogo, uma vez que parte substancial de seus rendimentos vem dos contratos de publicidade.

Ronaldo tornou-se um ídolo e como tal, em nosso modelo de sociedade, é percebido com veneração e como modelo de sucesso a ser cultuado e seguido. O trabalho de sustentar a imagem fica maior quando envolve milhões em contratos. Mas há um batalhão de profissionais e empresas interessados nisso.

A pergunta que fica, então, a partir da celebridade mantida pela mídia, é: quem é Ronaldo, de fato?

A celebridade como mercadoria da indústria cultural

Ronaldo, o Fenômeno, é uma celebridade criada a partir da valorização, talvez supervalorização, de uma habilidade apresentada e desenvolvida no campo dos esportes, ainda que não seja o único caso.

Buscando compreender o significado das celebridades e como são produzidas em nossa sociedade, Pena (2002) afirma que a mídia se apropria do biográfico como pauta predominante, observando que o conceito de celebridade domina os palcos em que o espetáculo é a vida.

Cada vez mais o espectador quer ver um espelho da própria vida, ainda que a mídia o engane em relação a isso: os participantes dos reality shows, por exemplo, cumprem a pauta definida pelas produções dos programas, quanto às características que devem ser evidenciadas para dar suporte à uma trama e à manutenção da audiência, interpretando papéis previamente determinados. Eles não são o que são, mas são personagens: “o conhecimento ou a cultura, assim como o dinheiro, podem ser usados para subjugar o próximo. E não há dúvidas de que no espetáculo da vida a maioria dos atores está no papel de subjugado.” (Pena, 2002, p.2)

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Para Glaber, citado por Pena (2002), no mundo da pós-realidade, encena-se o real e a vida é o veículo que gera novos episódios diariamente, o que possibilita à mídia criar novas aplicações para esses episódios não-imaginados na dinâmica do palco. Assim, a mídia cria celebridades e se alimenta de seu biográfico num movimento cíclico e ininterrupto, em que não importa quem é o protagonista, mas o que ele possibilita.

Pena (2002, p. 4) reflete que a espetacularização da vida tem substituído as principais formas de entretenimento, superdimensionando aspectos da biografia de um indivíduo, como se fosse um capítulo de novela ou um filme. Entretanto, essa supervalorização do biográfico é “diretamente proporcional à capacidade do indivíduo de roubar a cena”, o que relava seu potencial para celebridade, como “pólo de identificação do consumidor-ator-espectador do espetáculo contemporâneo”, porque catalisam o imaginário coletivo, embora sejam incapazes de preenchê-lo por muito tempo. Por isso, constroem-se celebridades instantâneas e efêmeras. Para estabelecer uma comparação esclarecedora sobre o que a caracteriza, pode-se observar que, ao contrário do herói, a celebridade não precisa da honra ou de outras características extraordinárias para apresentar suas habilidades e atitudes, porque uma celebridade não é senhora dos seus atos, não tem uma missão social a cumprir.

De acordo com Featherstone (citado por Pena 2002, p.8), a contemporaneidade favorece o anti-herói ao valorizar o prosaico e o ordinário como pseudo-vida heróica, em que as celebridades interpretam heróis, mas não o são. Celebridades são capazes de manter um fascínio sobre si com efeitos dramáticos que sustentam um certo mistério. Ainda assim, e contraditoriamente, uma de suas estratégias é a exposição da intimidade, que as aproxima do espectador, ainda que não verdadeiramente, mas como que num espelho, por meio do qual a mídia cria um sentido de auto-semelhança, em que os espectadores – como quem olha pelo buraco da fechadura – experimenta um tipo de identificação com a vida que não pode viver, mas que pode imaginar pelo espelho da celebridade.

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Nesse sentido, voltando ao Ronaldo, não importa às pessoas quem ele é efetivamente. Não importa a sua subjetividade, mas o papel que ele representa e como alimenta toda uma indústria cultural que se nutre de habilidades muito específicas dele.

Neste artigo, trabalha-se com artigos de duas revistas de grande circulação – Veja e Exame – que publicaram matérias sobre Ronaldo, durante o escândalo recente em que o atleta esteve envolvido. Pode-se observar que toda a abordagem recaiu sobre os valores de mercado, que envolvem bilhões de dólares em consumo de produtos e marcas, a que sua imagem – e de alguma forma mais perversa – sua vida está associada. Sua biografia não é apresentada por feitos heróicos no esporte, mas por marcos mercadológicos.

Nesse sentido, não é o que Ronaldo poderia representar como um herói dos esportes que importa, mas seu potencial ainda não esgotado para manter-se como celebridade reconhecida internacionalmente. Ronaldo não é sujeito nessa sociedade, mas apenas a imagem que se criou para ser consumida sobre esse conceito.

Considerações Finais

Uma celebridade, como portadora de papéis cujas emoções são submetidas ao mecanismo social e se modelam de acordo com ele, por maior sucesso econômico ou midiático que alcance, não pode ser livre para emancipar-se como sujeito (sequer como indivíduo), porque a própria lógica daquilo em que se converteu impede até mesmo o pensamento sobre liberdade, enquanto a espontaneidade subjetiva desaparece.

A perspectiva burguesa que criou esse modelo desmonta sua própria criação no passado, como intimidade, como interioridade, lançando tudo num mesmo fosso que obriga a integração e a adaptação constante a modelos efêmeros que servem

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apenas à manutenção e expansão do lucro, cuja vida é espetacularizada e comercializada de formas cada vez mais diversas e sofisticadas, criando uma falsa aparência de realidade.

Como visto antes, esse movimento é administrado por um olhar “que reúne, classifica, pesa e organiza tudo de cima”, como afirma Adorno (2004, p.114), anunciando “um mundo mais valioso, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo do fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si ‘a partir do interior’ sem transformar aquela realidade de fato”, como analisa Marcuse (1997, p. 96).

Assim, aquele que é convertido em celebridade – a mercadoria mais almejada como padrão de sucesso da vida contemporânea – é impedido de ser e revela a todos os demais – por meio da repetição, da distração, da alienação de suas habilidades para manter-se no palco – a impotência do espírito frente à homogeneização promovida pela indústria cultural.

Referências Bibliográficas

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Imagem

Figura 1: Linha do tempo da trajetória profissional de Ronaldo   Fonte: Adaptado de França (2008)

Referências

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