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43º Encontro Anual da Anpocs. ST15 Imagens e Ciências Sociais: experiências de ensino e pesquisa

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Academic year: 2022

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43º Encontro Anual da Anpocs

ST15 Imagens e Ciências Sociais: experiências de ensino e pesquisa

As festas populares e o seu papel na sociabilidade na Favela da Maré

Autor: Nome: Fábio Gama Soares Evangelista

(FEBF/UERJ)

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2 Introdução

O tema do projeto são as festas populares no Conjunto de favelas da Maré e suas relações com sociabilidade dos moradores da Maré na atualidade. Estamos estudando as seguintes festas: (1) a festa junina promovida pela Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Parque União, e (2) o bloco de carnaval Se Benze que Dá.

O objetivo desta pesquisa é analisar se o Se Benze que Dá e a festa junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz contribuem para a construção e manutenção da sociabilidade entre os realizadores e os frequentadores destas festas.

. Este trabalho parte da seguinte pergunta: Estas festas colaboram para sociabilidade entre os moradores da Maré? Com isso esperamos colaborar para uma visão mais plural sobre a favela da Maré e seus moradores.

Muitos autores estudam a questão das festas, um deles é o pesquisador Carlos Rodrigues Brandão. No livro Prece e Folia, Festa e Romaria ele faz um precioso estudo sobre folia de reis. Neste livro Brandão questiona: “Para que servem as festas ? Para o que serve pensar a que elas servem ou em nome de que razões “funcionam” ? (BRANDÃO, ANO, pág 24). Podemos responder estas questões de diversas maneiras.

O autor prossegue questionando:

“as pessoas fazem a festa porque ela responde a alguma necessidade individual ou coletiva, ou cumpre alguma função social que a torna, por outros caminhos necessária ? Ou as pessoas vivem a festa porque ela é um entre outros meios simbólicos através dos quais os significados da vida social são ditos, com dança e canto, mito e memória, entre seus praticantes? “ (BRANDÃO, ANO, pág 24)

Brandão fala que antropólogos norte – americanos ao estudar festejos em comunidades aymaras do lago Titicaca chegaram à conclusão de que este tipo de evento não é algo fechado, mas sim aberto, contribuindo para manter elementos da cultura indígena e incorporar novos elementos.

Para Brandão em algumas festas existem elementos de conflito, de discórdia. Em algumas festas os conflitos entre categorias de sujeitos sociais são expostos por meio de ritos, através dos quais se chega a resoluções. E na sociedade brasileira como são as festas ?

A principal festa brasileira é o carnaval. Brandão afirma que o carnaval sequer desafia a “ordem da vida social”. (BRANDÃO, 2010, p. 26) O que temos durante o

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3 carnaval é uma ilusão de quebra da rotina, das regras cotidianas. O autor afirma que nossa sociedade é baseada nas desigualdades e hierarquias. “O que o carnaval permite é que se viva as regras da vida de forma diferente do modo rotineiro de vivê-las.”

(BRANDÃO, 2010, p. 26)

Ainda no universo do carnaval Brandão se referindo ao texto de Da Matta questiona se a festa é o lugar da metáfora. Estamos aqui, mas sendo outro. Como se ao estar mascarados, fantasiados podemos dizer aos outros quem realmente nós somos e porquê.

As festas têm uma grande importância no Brasil. Segundo Paulo Miguez, isso é legitimado pelo legado das folias indígenas, pelo repertório trazido da Europa, pela cultura trazida pelos escravos. “O que resulta daí, da mistura destas folias, é um mosaico de festas e celebrações que se constitui como a mais viva e brilhante expressão da nossa diversidade cultural, uma espécie de “prova dos nove” do modo de vida brasileiro“

(MIGUEZ, 2013. p.6) O autor aponta para o fato de que além do clima de celebração existem várias tensões nas festas. Muitas transformações aconteceram e agregaram novas disputas ao universo de festas e celebrações. Referimo-nos, aqui, ao deslocamento das festas do âmbito da comunidade, lugar privilegiado de sua organização, para o campo da cultura de massa por conta da apropriação das práticas festivas pela indústria do entretenimento e pela indústria do turismo, sua espetacularização, sua transformação em fenômeno midiático, sua captura pela lógica de mercado (MIGUEZ, 2013, p. 6).

Segundo Rita Amaral, desde o período colonial a festa constitui relações e dependendo do contexto pode “diluir, cristalizar, celebrar, ironizar, ritualizar ou sacralizar a experiência social particular dos grupos sociais que a realizam.” Ainda de acordo com a autora é o modo de se solucionar algumas das contradições sociais que marcam as vidas dos brasileiros. Uma forma de ver as festas brasileiras é como um processo de aprendizagem da cidadania, diferentemente do caráter alienante que costumam ser associados às festas.

Segundo Bruno Cesar Cavalcanti, as festas são marcadas pelo simbolismo que ajudam a fortalecer os laços identitários dos participantes. Ainda segundo o autor especialmente nos formatos de eventos de grande afluência, elas se aproximam de experiências do sagrado no sentido dado por sociólogos como Émile Durkheim e Roger Caillois, ou seja, se apresentam como comportamentos coletivos especiais em que os participantes podem sentir profunda e diferentemente a condição de membros de uma coletividade, alterando-se a percepção individualizada e sóbria que têm do social.

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4 (Cavalcanti, 2013. p.12)

As festas seguem os modelos de ritos aonde após uma sequência de acontecimentos chegamos ao ápice e a finitude.

É importante salientar que o estudo da vida lúdica e festiva das favelas cariocas se confunde com a própria fundação da favela como um campo de pesquisa, conforme se vê nos trabalhos seminais de Machado da Silva ([1967] 2011), embora nem sempre esta dimensão seja privilegiada, visto que as favelas se consolidaram no imaginário urbano enquanto um problema social. Nesses termos, estamos realizando um tipo de pesquisa que dá ênfase à ação criativa e a produção da realidade social dentro deste eixo que toma a festa como lugar de investigação. Na tese “Festa à Brasileira - Significados do Festejar no país que não é sério”, Rita de Cássia de Mello Peixoto Amaral (USP, 1998) propõe um resumo das teorias sociológicas e antropológicas utilizadas para analisar o significado e o sentido das festas. Segundo a autora, “devemos entender de que tipo de festa se está falando, como é produzida e com que finalidades e, mais ainda, qual o significado dela para os que a produzem”(AMARAL, 1998, p.7).

Acreditamos que discorrer sobre festas nas favelas ganhe ainda mais importância nesses tempos em que a cidade do Rio de Janeiro passa por muitas transformações centradas em uma disputa cada vez mais acirrada pelo espaço público e pelo direito a cidade.

Estamos estudando as seguintes festas: Bloco de Carnaval Se Benze que Dá e Festa Junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz no Parque União. A escolha destas festas se dá em função de eu conhecer integrantes de ambas as festas. Eu tenho uma forte ligação com a favela da Maré, pois estudei fotografia na Escola de Fotógrafos Populares, projeto da ONG Observatório de Favelas e depois fui professor desta escola.

Ter aulas com João Roberto Ripper e Dante Gastaldoni foram fundamentais para a minha formação de vida. A Maré também me lembra do viver comunitário que tive na vila onde cresci, em Vila Valqueire. O carnaval e a festa junina são festas que dialogam muito comigo. Eu nasci numa segunda – feira de carnaval. Fico profundamente encantado com a energia gerada nos dias de carnaval, acho mágico o que acontece nestes dias de folia.

Uma pessoa comum pode ser um rei, pode se inventar na hora uma fantasia, uma vassoura pode ser um estandarte, múltiplas possibilidades.

Durante minha infância e adolescência eu cresci numa vila ao lado da Igreja de São Roque em Vila Valqueire. No mês de junho acontece a festa junina da Igreja São

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5 Roque, eu costumava ir para esta festa. Conversar com idosas que participam da festa no Parque União me faz recordar da minha avó.

Esta proposta de projeto foi motivada pela experiência de documentação da Favela da Maré, em especial das festas populares locais, que fotografo desde 2006. Em 2018 e 2019, fotografei a festa junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz.

Documento há vários anos o bloco de carnaval Se Benze que Dá.

Desde 2013, nós do Coletivo Multimídia Favela em Foco estamos realizando o projeto Folia de Imagens, projeto que tem por objetivo documentar festas populares no Rio de Janeiro e em outros estados. Um dos objetivos desta documentação é produzir um livro e banco de imagens que possam servir de referência nas pesquisas, divulgação destas festas.

Acreditamos que falar sobre estas festas é falar sobre os encantamentos do mundo. É ver e o fazer o mundo como terreiro, conceito elaborado por Simas e Rufino.

Isso é muito importante, pois estamos vivendo um momento de profundo desencantamento no Brasil em virtude das políticas adotadas e da grave crise social.

Falar sobre as festas é falar sobre quem somos como vivemos, como dançamos, o que comemos.

Além do trabalho escrito esperado, em sua forma de dissertação, estamos realizando também uma ampla documentação fotográfica durante a pesquisa. A combinação de produção visual e a reflexão sobre as práticas sociais está norteando o processo e o resultado da pesquisa a ser trilhada durante os dois anos de mestrado.

Objeto de estudo

Partimos da hipótese de que as festas são mantenedoras das tradições de uma comunidade e, ao mesmo tempo, produzem e ajudam a manter sociabilidade entre os membros do grupo. Nesse sentido, as festas têm um significado especial para os brasileiros, uma vez que elas expressam sua identidade. Muitos autores comprovam esta hipótese, entre eles Emile Durkheim, em sua obra clássica As Formas Elementares da Vida Religiosa, livro em que ele analisa os rituais das religiões e as descreve como representações festivas.

Estamos estabelecendo um diálogo entre as duas festas: (1) a festa junina promovida pela Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Parque União e (2) o bloco de carnaval Se Benze que

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6 Dá, para isso estamos trabalhando com o conceito de “terreiro” que Simas e Rufino discutem no livro Fogo do Mato. Segundo eles,

Na perspectiva da epistemologia das macumbas a noção de terreiro configura-se como tempo/espaço onde o saber é praticado. Assim, todo espaço em que se risca o ritual é terreiro firmado. Nesse sentido, esta noção alarga-se, não se fixando somente nos referenciais centrados no que se compreende como contextos religiosos. A ideia aqui defendida aponta para uma multiplicidade de práticas, saberes e relações tempo/espaciais. (SIMAS e RUFINO, 2018, p. 42).

É muito interessante este conceito, pois amplia nossa percepção de mundo. Uma esquina pode ser local funcional de passagem, mas se os saberes forem praticados como rito ali, a esquina vira terreiro. Para Simas e Rufino praticamos terreiros em várias situações de invenção na vida cotidiana. Como exemplo os autores traçam um paralelo entre o conceito de terreiro e o mercado. Quando passamos a ver o mercado como terreiro, ampliamos as possibilidades de leitura deste espaço. Os autores ampliam o conceito de terreiro para além da religiosidade. Assim qualquer local pode ser transformado em terreiro. Segundo eles as configurações de terreiro podem falar sobre a busca de ressignificação da vida que faça referência ao modo de viver na África, mas também “aponta para as disputas, negociações, conflitos, hibridações e alianças que se travam na recodificação de novas práticas, territórios, sociabilidades e laços associativos.” (SIMAS e RUFUNO, 2018, p. 42). Simas e Rufino dizem que “praticar terreiros” é operar numa lógica de saberes encantados. Isso é muito importante no tempo em que vivemos, pois estamos numa luta constante contra o desencantamento da vida, dos saberes, dos fazeres.

“O que a noção de terreiro abrange é a possibilidade de se inventar terreiros na ausência de um espaço físico permanente. Assim, abrimos possibilidades para pensar essa noção a partir do rito. As práticas passam a ser a referência elementar. A perspectiva mirada a partir do rito expõe as possibilidades, circunstâncias e imprevisibilidades postas nas dinâmicas de se firmar terreiros.” (SIMAS e RUFINO, 2018, p.43).

Dicotomias

Muitos autores falam sobre as dicotomias existentes nas festas: sacro x profano.

Acreditamos que é preciso questionar esses pensamentos baseados na lógica moderna

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7 ocidental. Acreditamos que é preciso unir os elementos, criar novas categorias, novas epistemologias que dialoguem mais com nossa realidade. Gloria Anzaldua no texto A Consciencia Mestiça fala sobre isso. Porque parece que estamos sempre reagindo aos poderes dominantes e isso causa grandes desgastes físicos, emocionais, psíquicos. Ela ressalta a importância de a partir de certo momento de nossas trajetórias estarmos nas duas margens do rio ao mesmo tempo, sermos águia e serpente ao mesmo tempo.

Podemos tecer um paralelo também com o conceito de hibridismo elaborado por Stuart Hall onde ele diz que este é um conceito onde todos os elementos estão relacionados por meio de uma cadeia de conceitos um fazendo referência aos outros. Para Hall hibridismo é um outro nome para a tradução cultural processo que não é fácil pois traz em si as marcas da violência pelas quais as pessoas passaram nos processos de escravidão.

De maneira geral na maioria das escolas fomos formados com base nestes

binarismos que seguem a lógica cartesiana cujo pensamento mais famoso é “penso, logo existo.” A separação do homem e a natureza. A partir da época moderna o homem passou a não se ver mais como parte da natureza. É preciso lutar contra essas dicotomias.

A noção de terreiro vai ao encontro deste questionamento das dicotomias entre sagrado e profano. Essa dicotomia produz uma hierarquização entre o tempo/espaço do sagrado e o tempo/espaço do profano. Segundo os autores as práticas culturais da diáspora africana funcionam num outro tipo de lógica, em outros saberes, transgredindo assim qualquer esquema binário. Neste sentido o terreiro pode ser o tempo/espaço dedicado ao sagrado como o tempo/espaço onde “se carnavaliza essa experiência.” (SIMAS e RUFINO, 2018, p. 43).

Outro autor fundamental para este trabalho é George Simmel, pois ele trabalha o conceito de sociabilidade. Ele fala que numa sociedade estamos em permanente interação uns com os outros, o que fazemos tem influência nas outras pessoas e vice – versa. Simmel argumenta que o conteúdo da sociação é “tudo o que está presente nele de modo a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os outros, ou a receber esses efeitos dos outros.” (SIMMEL, 2006 p. 60). Simmel define a sociabilidade como a forma da sociação que ganha vida própria. Neste processo segundo o autor

Essas formas adquirem então, puramente por si mesmas e por esse estimulo que delas irradia a partir dessa liberação, uma vida própria, um exercício livre de todos os conteúdos materiais; esse é justamente o fenômeno da sociabilidade. (SIMMEL, 2006, p. 64).

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8 Simmel fala que temos a necessidade de estar em grupo para satisfazer alguma determinada necessidade, a fome por exemplo, mas para além disso existe o prazer em estar junto. Isso é a sociabilidade.

Outra importante referência para nós é o livro As Formas Elementares da Vida Religiosa, de Emile Durkheim. Nesta obra o autor explica que todas as festas têm certas características de cerimônia religiosa. Ainda segundo ele as festas aproximam os indivíduos. Nos momentos de diversão em grupo

apesar ou por causa das transgressões, são reafirmadas as crenças grupais e as regras que tornam possível a vida em sociedade.

Ou seja, o grupo revigora "periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade. Ao mesmo tempo, os indivíduos são reafirmados na sua natureza de seres sociais. (AMARAL apud DURKHEIM, 1968).

Ver as favelas pelo viés da cultura é uma profunda mudança na forma como elas são percebidas no conjunto da sociedade. É reivindicar que as favelas são territórios de afirmação, afeto, solidariedade, invenção. Isso vai de encontro aos direitos humanos, ajuda na luta por uma sociedade mais democrática, fraterna e plural. Podemos traçar um paralelo com o texto Favela como patrimônio da cidade? Reflexões e polêmicas acerca de dois museus escrito por Bianca Freire-Medeiros. Neste texto a autora diz que a construção do Museu da Maré e do Museu a céu aberto da Providencia fazem parte da

“requalificação recente: da favela, que busca ser vista como parte historicamente relevante da cidade, assumindo uma visibilidade distinta daquela que a associa à violência.” (MEDEIROS, 2006, p.52).

Bloco de carnaval Se Benze que Dá (SBQD)

Cansados de terem, que se deslocar para brincar o carnaval, um grupo de moradores da Maré resolveu criar o SBQD em 2005. O bloco surge para as pessoas brincarem o carnaval, mas ao tempo é um instrumento de luta política, cultural e educacional. O bloco desfila em dois sábados, um antes e um após o carnaval. Um dos objetivos do bloco é atravessar as “fronteiras” existentes na Maré. O Se Benze desfila por várias favelas da Maré convidando os moradores a virem para rua. Isso é muito importante num momento em que está em disputa o direito a cidade, o direito de ir e vir.

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9 Na Maré existem facções do crime organizado. Esse é um dos motivos que dificulta o ir e vir dos moradores, pois algumas destas facções são rivais. Outro complicador é a política pública de segurança que tende a ver a favela somente como local de criminosos. Isso faz com que polícia atue de uma maneira na Maré e de modo totalmente diferente nas áreas privilegiadas da cidade. Tal cenário ficou mais difícil a partir de 2014 em virtude da militarização da Maré. Atualmente estamos vivendo um momento muito difícil no RJ em virtude das políticas adotadas pelo atual governador que se pudesse exterminaria todas as favelas. Tal governador foi denunciado a OEA pela atual deputada Renata Souza, que é uma das integrantes do SBQD.

Todos os anos os integrantes do bloco decidem coletivamente qual será o percurso do bloco. O Se Benze desfila por várias favelas da Maré convidando os moradores a virem para rua. O bloco realiza dois desfiles por ano, um no sábado antes do carnaval e o segundo no sábado após o carnaval. Em 2019 no primeiro desfile o bloco saiu da Nova Holanda, passou pela Baixa do Sapateiro e chegou ao Morro do Timbau. O segundo desfile fez o seguinte percurso: Vila do Pinheiro, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau. Este ano o bloco pela primeira vez passou pela McLaren, talvez a mais pobre das favelas da Maré, onde a maioria das casas é de madeira. Foi emocionante o momento em que os integrantes do SBQD tocaram embaixo da Linha Amarela. Os integrantes do bloco também ficaram muito emocionados, foi um momento de catarse coletiva.

É muito interessante este transitar do SBQD. Podemos estabelecer diálogo com o conceito de território que Zibechi desenvolve no texto ao falar do trabalho de Carlos Porto Gonçalves. Zibechi afirma que para os indígenas, os sem – terra o território é uma questão chave das lutas. Os territórios são marcados pelas pessoas que o ocupam, que o vivem. Isso vai de encontro ao conceito de território vivido desenvolvido por Milton Santos. Para os integrantes do SBQD a Maré não é apenas um território com valor de troca, mas sim um território onde está a história dos integrantes, local de afetos, vivências, memórias. O SBQD ao atravessar fronteiras está mudando provisoriamente espaços na Maré. O que era um limite é transformado em ponte. A transformação também acontece em outras esferas: uma rua que pode ser um simples local de passagem com a presença do bloco se transforma num terreiro (conceito de Simas e Rufino), numa passarela onde a folia é vivida intensamente.

O abre alas do desfile do SBQD é o estandarte onde está escrito o nome do bloco junto com o símbolo que é um galho de arruda. Tal simbolismo vai de encontro ao

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10 modelo processional, descrito por Rita Amaral.

O clima do Se Benze que Dá é de muita amizade. O bloco tem forte caráter comunitário onde os integrantes ajudam uns aos outros. Um exemplo foi o macarrão oferecido a todos que estavam presentes na concentração no primeiro desfile. Foi um momento de grande confraternização. As pessoas foram chegando, começaram a escrever nos cartazes, fizeram stencil em camisas: “ Se Benze que Dá pra passar “. Cartazes em homenagem a Marielle Franco, que era uma das fundadoras do bloco e costumava sempre sair no bloco. Um aspecto me chamou a atenção: a quantidade fotógrafos presentes. Tinham vários fotógrafos presentes, fotógrafos populares e fotógrafos da imprensa. Em certo momento o fotógrafo Naldinho Lourenço, morador da Maré, chamou os fotógrafos presentes e fez algumas orientações. Falou para tomarmos cuidado para não fotografarmos quando passássemos por bocas de fumo, não fotografar pessoas armadas, pois depois quem sofre as consequências são os fotógrafos moradores da Maré.

As relações entre os integrantes vão além do carnaval, por exemplo Mariluci Nascimento e Geandra Nobre trabalham juntas na companhia de teatro Cia Marginal.

As ações do bloco são decididas coletivamente. Um exemplo é a construção do samba enredo. Os sambas do Se Benze abordam vários assuntos: sobre o ser mareense, a questão da violência por parte do Estado, a questão dos megaeventos, dentre outros. No samba deste ano fala sobre alguns heróis: Marielle, Dandara. O campo da fala também é disputa e aqui o samba marca posição ao lembrar estes heróis que muitas vezes a história oficial faz questão de esquecer.

Como dissemos o Se Benze além de ser um bloco é uma forma de luta política.

Podemos perceber isso através dos cartazes que os integrantes confeccionaram, bonés, das roupas, esse ano os integrantes falaram e postaram na página do grupo que quem quisesse podia levar camisa laranja para que fossem feitas intervenções nela. Esta referência a cor laranja se deu como forma de protestar contra os “laranjas” na política (dentre eles o famoso Queiroz).

O Se Benze dialoga com muitas áreas do conhecimento uma delas é a educação.

Podemos dizer que os integrantes deste bloco realizam práticas da educação não – formal. Segundo Maria da Glória Gohn no texto Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas, na educação não- formal

Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo. Um modo de

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11 educar surge como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades que dele participa. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. (GOHN, 2006, p. 29 e 30).

Ao acompanhar o bloco neste ano pude perceber alguns momentos e educação não formal: em um dado momento Mariluci Nascimento, um das integrantes do bloco, viu que uma menina estava observando a passagem do bloco. Mariluci se aproximou da menina e a ensinou a tocar tamborim. A menina ficou encantada e passou a acompanhar o bloco.

É muito interessante as relações dos moradores da Maré com o bloco, por exemplo No segundo desfile do Se Benze ao passar pela Baixa do Sapateiro o bloco cantou parabéns para uma senhora que estava comemorando aniversário, ela ficou muito feliz e ofereceu churrasco para os integrantes do bloco. Alguns moradores interagem com o bloco sambando na porta ou na calçada de casa, acenando para os integrantes do bloco.

Aqui podemos fazer um paralelo com o conceito de pedaço elaborado por José Guilherme Magnani no livro Festa no Pedaço. Se Roberto da Matta disse que a casa e a rua são espaços distintos onde temos comportamentos completamente diferentes, Magnani afirma que existe uma área intermediária que é o pedaço. Um exemplo do que é pedaço é a área da calçada onde ficam as mesas de um bar, neste local não estamos dentro do bar nem na rua.

Festa junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz

No livro Almanaque Brasilidades Luiz Antonio Simas fala que a festas juninas têm origem no hemisfério norte onde cerimônias com fogo marcavam o solstício do verão. A mistura de ritos pagãos com o catolicismo popular deu origem aos festejos de Santo Antônio, São João e São Pedro. Simas diz que segundo a tradição cristã Isabel e Maria estavam grávidas no mesmo período e combinaram que quem tivesse filho primeiro avisaria a outra acendendo uma fogueira. João nasceu primeiro que Jesus.

No Brasil é costume celebrar os santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Acredita-se que as festas juninas vieram trazidas pelos portugueses, mas aqui no

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12 Brasil “o culto aos santos juninos foi redimensionado e vitalizado ao entrar em contato com elementos indígenas e africanos. (SIMAS, 2018, p.42)

A festa junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz no Parque União, uma das 16 favelas que compõem o Conjunto de Favelas da Maré, é muito tradicional.

É realizada há aproximadamente 35 anos, nela participam moradores da Maré assim como amigos de outros bairros. É muito interessante este deslocamento de pessoas de vários locais para esta festa.

Muitos moradores do Parque União e da Maré como um todo são migrantes que vieram do nordeste. Segundo Padre Damasceno, ele próprio um migrante pernambucano, no Parque União vivem muitas pessoas que vieram do Ceará e da Paraíba. Este é um fator que colabora para a realização desta festa junina.

Eu cheguei nesta festa através da minha amiga Jéssica Pires que participa há muitos anos desta festa. Ela fez contato com os paroquianos, me apresentou ao Padre Damasceno, a Dona Mironeide (um das criadoras desta festa junina).

A primeira impressão que tive ao chegar à festa foi perceber a grande quantidade de pessoas presentes na festa. Ano passado eu fui em apenas um dia desta festa mas achei este ano mais cheio. Caminhamos um pouco: eu, minha namorada (Neige) que também é fotógrafa e nossa amiga e fotógrafa Elisangela Leite. Passado algum tempo eu e a Elisângela fomos fotografar o pessoal que estava trabalhando na cozinha da festa – é o pessoal da Aliança de Casais. Eram em torno de 12 pessoas – homens e mulheres que estavam preparando as seguintes comidas: Sopa da Ervilha, Caldo Verde, Mocotó, Carne Seca, batata frita. O clima é de muita amizade, solidariedade entre os integrantes da Aliança de Casais. Conversei rapidamente com algumas pessoas que estavam trabalhando na cozinha. Algumas pessoas falaram que participam da festa há em torno de 10 anos. Um senhor me falou que participa desde 1997. Uma moça que falou que veio do trabalho foi a missa e foi direto trabalhar na festa.

Existem várias barracas que compõem a festa – Barraca dos doces (quem fica nesta barraca ficam as Legionárias), churrasco (grupo de homens).

Alguns dos momentos mais aguardados são as apresentações das quadrilhas que ensaiam durante um bom tempo para se apresentar nos dias de festa Junina. A primeira a se apresentar é a quadrilha das crianças, depois vem a apresentação do grupo Sorrir é Viver e por último quem se apresenta é a quadrilha dos jovens (Quadrilha da Paz). Algo que preciso aprofundar mais é o estudo sobre danças.

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13 Algo que chamou a minha atenção foi o fato de crianças observarem as apresentações das quadrilhas, com certeza nestes momentos aconteceram práticas pedagógicas.

Minha namorada fez uma ótima observação: dá para fazer um paralelo entre um garoto que assistiu a passagem do Se Benze que Dá e um garoto que estava observando a apresentação da quadrilha das crianças.

Quero destacar a forma como fui recebido por todos os responsáveis pela

realização da festa junina. Fui recebido de maneira muito carinhosa. Achei sensacional a Dona Terezinha convidar eu e a Neige (minha namorada) para o almoço que aconteceu oapós os preparativos para a festa. Foi uma feijoada de feijão branco. Achei muito carinhoso também a Dona Ana, integrante das Legionárias, falar para guardarem um pedaço do empadão para mim. Ela fez o empadão que estava maravilhoso. Achei muito carinhoso um dos integrantes da quadrilha dos jovens falar que sou fotógrafo da Maré.

Os integrantes da quadrilha ficaram pedindo para eu fazer fotos deles, as pessoas estão confiando em mim, isso é uma grande responsabilidade, fazer um trabalho onde eles se sintam representados.

Para a realização desta festa é preciso forte mobilização dos paroquianos, parentes e amigos. Uma comissão da igreja se reúne para definir a realização dos eventos que acontecem ao longo do ano. Um destes eventos é a festa junina.

Cada pastoral da igreja fica responsável por uma atividade na festa junina:

Por exemplo a Aliança de Casais fica responsável pelas comidas que são vendidas na festa, as Legionárias são responsáveis pela barraca dos doces, Os jovens são responsáveis pelas danças das quadrilhas, etc...

Nos dias de festa a preparação começa logo cedo com as pessoas da Aliança de Casais preparando os alimentos que serão vendidos na festa: Carne de sol, mocotó, bata – frita aipim. O clima entre as pessoas ao fazer as comidas é muita alegria. Após os pratos estarem prontos é feito um almoço comunitário para os trabalhadores da comida.

Nesta festa e em outras, a comida tem um papel fundamental. Segundo Amaral nas festas

através desse compartilhar de alimentos especiais, trabalhosos na maioria das vezes, revigoram-se os laços de solidariedade, de ajuda mútua, de pertencimento. A mesa farta e comum promove a comunhão da sociedade consigo mesma, provoca a criação de novas relações, regras inesperadas e hierarquias redistribuídas em relação à mesa e aos alimentos. (AMARAL, 1998, p.102).

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14 A tarde os jovens começam a chegar para ensaiar as quadrilhas. As quadrilhas são alguns dos momentos mais aguardados da festa.

A verba arrecadada na festa é revertida para manutenção dos gastos da própria igreja, o que inclui a realização de projetos sociais, como por exemplo a Pastoral da Criança que realiza importante trabalho no combate a desnutrição infantil.

Criminalização dos moradores favelados e das favelas

Neste trabalho estamos analisando como foi e é construída a representação negativa das favelas e seus moradores. Em virtude disso acrescentamos as reflexões que Janice Perlman desenvolve no livro O Mito da Marginalidade. A autora traz reflexões sobre como com o tempo passou – se a associar marginalidade as favelas. Segundo a autora “o estudo do conceito de marginalidade é de particular relevância porque as ideologias e estereótipos que a ele se associam afetam a vida de milhões de pobres moradores de favelas ou cidades.” (PERLMAN, 1977, p. 123).

Quais são as festas autorizadas e quais são proibidas ? Podemos falar que de maneira geral acontece a criminalização dos moradores favelados e das culturas feitas por eles. Um exemplo é o funk (vide o caso do DJ Rennan da Penha).

Podemos estabelecer um diálogo com os livros O mito da Marginalidade de Janice Perlman e Territórios em resistência: cartografia política das periferias urbanas latino- americanas de Raul Zibechi.

Na primeira obra a autora Janice Perlman traz reflexões sobre como com o tempo passou – se a associar marginalidade as favelas. Segundo a autora “o estudo do conceito de marginalidade é de particular relevância porque as ideologias e estereótipos que a ele se associam afetam a vida de milhões de pobres moradores de favelas ou cidades.”

(PERLMAN, 1977, p. 123). Ainda de acordo com a autora a palavra marginalidade em português e espanhol tem significado negativo.

Perlman fala sobre as diversas abordagens que ajudaram a legitimar as violências e estereótipos contra os moradores favelados: 1) a Psicossociológica, 2) a arquitetônico- ecológica, 3) a etnográfica, 4) a tradicional – modernizante, 5) a da cultura da Pobreza, 6) a da ideologia da participação, elaborada pelo DESAL no Chile, 7) a teoria do radicalismo.

Vamos desenvolver brevemente duas destas abordagens: A Escola Arquitetônico

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15 – Ecológica e a da cultura da Pobreza.

A primeira define como marginal as moradias improvisadas, fora dos padrões, localizadas nos bairros pobres. Segundo a autora “os aglomeramentos marginais eram classificados uniformemente como favelas, perigosos sintomas de doença social”

(PERLMAN, 1977, p. 135). E por extensão são marginais os moradores destas localidades. Dentro desta corrente de pensamento a solução em relação à marginalidade seria a erradicação, remoção das favelas. Para isso seria preciso construir moradias para as classes pobres, mas como realizar esse projeto se a maioria dos governos dá prioridade em investir em benefícios para as classes ricas ?

Podemos também criticar a linha arquitetônico-ecológica no sentido de que estes estudiosos generalizavam as favelas como se fossem todas iguais, sendo que uma das características das favelas é sua heterogeneidade. Além disso, em alguns casos algumas moradias em favelas apresentam soluções criativas de engenharia. E não podemos esquecer as funções que uma moradia pode desempenhar numa favela, podendo ser também um comércio, as lajes são espaços de lazer ou representam a possibilidade de aumento da moradia ao se construir uma nova casa.

Esta linha enfatiza a favela pelos aspectos negativos, pela tal “carência”. É fundamental ouvirmos os moradores favelados no sentido de construir outras narrativas sobre as favelas. Ver e entender a favela como potência, como local rico de histórias e saberes com os quais todos nós podemos aprender. Um exemplo é a fala de Dona Terezinha, uma das organizadoras da festa junina no Parque União, onde ela enfatiza que Maré é um local rico:

A Maré é uma riqueza, é uma riqueza mesmo, há riqueza muito grande. Aqui tem muita coisa boa. A maioria das coisas da comunidade é uma riqueza imensa. Seja de pessoas né, vai aí pela Maré quanta boa que tem por aí a fora. Quantos cursos, quantas pessoas formadas.”

(entrevista realizada por Fábio Gama Soares Evangelista)

A linha da “cultura da pobreza” tem como principal teórico Oscar Lewis.

Segundo os estudiosos que seguem esta forma de pensamento mesmo saindo da situação de pobreza econômica existem traços de personalidade que permanecem nas pessoas criando um “círculo vicioso de pobreza” (PERLMAN, 1977, p 149). Uma das premissas desta corrente é culpabilizar os pobres pela situação de pobreza em que se encontram.

Lewis associa aos pobres valores negativos comparados com os da classe média. Os pensamentos de Lewis foram muito criticados porque segundo ele com seis ou sete de

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16 anos de idade as crianças pobres adquirem valores negativos dos quais não conseguirão se libertar. Para este autor “a disposição mental do indivíduo prevalece sobre as circunstâncias concretas na determinação do comportamento.” (PERLMAN, 1977, p.151). Ou seja, para ele é mais importante a forma de pensar das pessoas do que a situação concreta de pobreza. Com o que obviamente, não concordamos.

Os marginalizados podem ser sujeitos ?

No livro Territórios em resistência: cartografia política das periferias urbanas latino-americanas Raul Zibechi argumenta que na década de 1980 os bairros pobres assumiram protagonismo político – social. Ele também fala da importância dos trabalhos de Larissa Lomnitz (no México) e Matos Mar (no Peru).

O autor faz uma diferenciação entre os movimentos sociais tradicionais e as formas de resistência que acontecem no cotidiano. Um exemplo são as mulheres pobres que realizam importantes transformações sociais mesmo não estando constituídas nas formas que revestem um movimento social, como define Garcia Linera (ZIBECHI. 2015, P.36). Um exemplo é Dona Mironeide, uma das fundadoras da festa junina do Parque União e moradora do Parque União que lutou para que parte desta favela não fosse removida no governo do presidente João Figueiredo.

Para Zibechi as classes são relações humanas que vão se construindo através de disputas, negociações. Os espaços estão presentes nestas lutas sociais. Podemos então chegar numa definição de movimento social diferente da estabelecida pela sociologia:

Todo movimento social se configura a partir daqueles que rompem a inércia e se movem, ou seja, mudam de lugar, reusam o lugar ao qual historicamente estavam inscritos dentro de uma determinada organização social e procuram ampliar os espaços de expressão que, como já nos alertou Michel Foucault, têm fortes implicações de ordem politica. (PORTO GONÇALVES, 2001.p.81).

. O Se Benze além de ser um bloco de carnaval é uma ferramenta de luta politica, cultural e educacional. A festa junina também é fruto da forte mobilização dos paroquianos, parentes e amigos. Ambas as festas (bloco e a festa junina) colaboram para o aumento dos laços de amizade e solidariedade entre os integrantes dos grupos e dos moradores em geral da Maré.

As festas estão relacionadas a vários assuntos dependendo do foco que se queira

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17 estudar, mas no Brasil uma questão que se faz presente é a ligação entre festa e religião.

“é importante compreender um de seus aspectos mais tematizados, que é o das relações entre festa e ritual.” (Amaral, 1998. p.35). Existem duas visões sobre os rituais: Uma corrente afirma que os rituais estão ligados a religião. Já outra expande a ideia de ritual para outros campos da vida. Assim podemos tecer aproximações entre rituais religiosos, políticos, rituais que acontecem em nossas casas. Segundo Brandão

Novas formas de viver o festejo ou a redescoberta de formas antigas para nosso mundo parecem estender o poder e o significado da festa. Cada vez mais ela não quer tanto se opor à rotina, ao trabalho produtivo, mas sim invadi-los. Invadir a política, o lado sério, as relações que entre si os homens trocam. (BRANDÃO, 2010, p.21).

Na tese de Amaral, a autora fala que Duvignaud classifica as festas como sendo de dois tipos: as de participação e as de representação. No primeiro tipo a comunidade participa da festa. Para o autor, as festas de candomblé, o carnaval são exemplos deste tipo de festa. No segundo grupo existem os “atores” e os “espectadores”, um pequeno grupo de pessoas encena para um grande número de espectadores. Podemos falar que isto acontece na festa junina realizada pela Paróquia Nossa Senhora da Paz no momento em que as quadrilhas se apresentam. É interessante observar que os dançarinos das quadrilhas ora são participantes, ora são expectadores das outras quadrilhas. Amaral diz que no Brasil existem situações intermediárias entre participação e representação.

(AMARAL, 1998. P. 42)

A festa é mantenedora ou destruidora da ordem social ? Segundo Amaral Jean Duvignaud fala sobre “a ruptura, a anarquia total e o poder subversivo, negador, da festa.” (AMARAL, 1998.p. 31). Para Duvignaud a festa representa o grande caráter destruidor onde a partir dela o ser humano se encontraria com ele mesmo no universo sem leis, sem formas, ou seja, a natureza em sua forma simples.

Rita Amaral fala de alguns autores que estudaram as transformações que ocorreram nas festas, dentre eles Mello Moraes Filho, Câmara Cascudo e Gilberto Freire.

É interessante a observação da autora sobre a relação entre o capitalismo e as festas populares num movimento de vice – versa um se utilizando do outro. As festas vão se reinventando, transformando, variando, adaptando, de acordo com os diferentes contextos culturais, econômicos, sociais e políticos. Algumas antigas festas populares fragmentaram-se em virtude do capitalismo, da crescente divisão do trabalho, do

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18 crescimento de outras manifestações religiosas.

Outro ponto importante na tese de Amaral é quando autora diz que as festas no Brasil se consolidaram durante o período colonial. Uma das funções da festa neste período foi de estabelecer diálogos entre as diversas culturas que viviam no Brasil. O Estado e a Igreja utilizaram as festas no processo de dominação no Brasil. Ao mesmo tempo as festas passaram a possibilitar ver o mundo de outra maneira, diferentemente do cotidiano marcado pela escravidão, violências e exploração. Com o passar do tempo as festas também passaram a ser momentos nos quais os brasileiros explorados podiam introduzir alguns elementos de suas culturas. Até então eram os poderosos que permitam a participação popular, embora fosse do povo que provinham a maior fonte de receitas para as festas. Enquanto as festas favoreciam os poderosos (Estados e Igreja) elas eram incentivadas, apoiadas, mas a partir do momento em que as classes populares começam a se apropriar das festas, elas passaram ser vistas de outra maneira como diz o trecho abaixo:

“para a igreja católica como também para os monarcas modernos, a paulatina apropriação popular das festas fez com que elas passassem a ser vistas como momentos de desordem e excesso que, mais do que proibir, era necessário integrar e usar para fazer valer os quadros da ortodoxia e da obediência. (AMARAL,1998, p.86) É muito interessante observar a utilização das festas pelo Estado e Igreja no sentido de integrar e usar como forma dominação.

A construção de identidade acontece o tempo todo e está em permanente transformação podemos citar Bakhtin quando no livro Estética da Criação Verbal diz:

Se eu mesmo sou um ser acabado e se o acontecimento é algo acabado, não posso viver nem agir: para viver, devo estar inacabado, aberto para mim mesmo – pelo menos no que constitui o essencial da minha vida –, devo ser para mim mesmo um valor ainda-por-vir, devo não coincidir com a minha própria atualidade (existência presente). (BAKHTIN, 1997, p. 11)

Outro autor fundamental neste assunto é Stuart Hall, para ele um elemento presente nas culturas do Novo mundo é a o processo de tradução cultural que é “ um processo forçado, nunca assentado ou completo, mas sempre em transição, em tradução, marcado em última instância pela indefinição.” (p.50). Segundo Ana Paula e Maria Alice Rezende

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19 Gonçalves no livro Diversidade e Sistema de Ensino Brasileiro a ideia de coerência identitária não faz mais sentido uma vez que somos caracterizados por identidades contraditórias que estão em constante movimento. Assim na atualidade através da globalização temos vários movimentos: alguns grupos querendo voltar a uma ideia de identidade “pura” enquanto outros que entendem que as identidades estão em permanentes transformações. (p 9)

METODOLOGIA

Estamos realizando uma investigação etnográfica que consiste em:

 Estudo de campo

 Entrevistas os responsáveis pela organização das festas, dentre os quais aqueles que organizam os materiais a serem usados nos cerimoniais, os músicos, os cartazes, as vestimentas, a culinária, enfim, as múltiplas dimensões próprias destes acontecimentos.

 Realização de fotografias atuais das festas e estudo de fotografias já realizadas destas festas

No trabalho apresentado no 40º Encontro Anual da Anpocs - ST26 Reflexões e pesquisas recentes em arte e cultura nas sociedades contemporâneas, Ana Paula Ribeiro fala que a fotografia se tornou uma ferramenta muito importante no trabalho de campo, pois: “Ela ordena culturalmente os dados, os fragmentos da realidade, através da observação.” (p. 5).

Os textos do fotógrafo e antropólogo Milton Guran são outra referência. Este autor trabalha com alguns conceitos que são muito pertinentes para este trabalho que estamos desenvolvendo. Um ponto que ele discorre é a respeito da fotografia “para descobrir”, que é o momento em que o pesquisador está começando a estabelecer contato com o tema que está estudando. O pesquisador passa pela fase de impregnação. Trata-se de vivenciar o cotidiano da realidade que está estudando. Nesta fase o pesquisador ainda não tem clareza sobre muitas coisas, não chegando a se transformar em dado, mas contribui para balizar o trabalho de campo.

Numa segunda etapa, Guran apresenta a fotografia “para contar” que é a fase onde o pesquisador realiza uma síntese de articulação entre suas referências teóricas e as informações obtidas na pesquisa sobre o assunto estudado. Neste sentido a fotografia pode dar suporte às

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20 ideias apresentadas.

Em relação as fotografias realizadas nos desfiles do SBQD e na festa junina estamos na fase de criar categorias que nos ajudem a trabalhar com as fotografias. Iremos retornar as fotos para as pessoas fotografadas, realizaremos exposições fotográficas na Maré, outra atividade que pretendemos realizar são oficinas de fotografia gratuitas para moradores da Maré.

É importante destacar que a metodologia a ser utilizada dialoga com o objetivo deste trabalho porque segundo Carmem Mattos (2011) a Etnografia

preocupa-se com uma análise holística ou dialética da cultura, isto é, a cultura não é vista como um mero reflexo de forças estruturais da sociedade, mas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e as ações e interações humanas. (p. 50).

Ainda segundo a autora, na etnografia os atores sociais tem participação ativa na pesquisa.

Conclusão

O trabalho que estamos apresentando está na fase de coleta de dados, portanto por enquanto não possui conclusão. Mas os dados (entrevistas, fotografias) obtidos nas festas estudadas indicam que elas colaboram para o fortalecimento e criação de sociabilidade entre os moradores da Maré, sejam eles os responsáveis pela festa ou os frequentadores das festas.

Referências

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21 ANZALDÚA, Gloria. “La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciencia”.

Revista Estudos Feministas. Florianópolis: UFSC, 13(3): 704-719, setembro-dezembro, 2005.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Prece e folia: festa e romaria. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2010.

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Observatório de Favelas, 2014.

http://observatoriodefavelas.org.br/wpcontent/uploads/2014/07/Censo_Empreendimentos _24_julho.pdf(consultado em 19/07/2018)

Diversidade e Sistema de Ensino Brasileiro / Maria Alice Rezende Gonçalves, Ana Paula Alves Ribeiro (organizadores). – Rio de Janeiro: Outras Letras, 2014.

DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo, Editora Martins Fontes,2000.

DUSSELL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.

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FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Favela como patrimônio da cidade? Reflexões e polêmicas acerca de dois museus. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, no 38, julho- dezembro de 2006, p. 49-66.

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22 GURAN, Milton. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1992.

. Olhar engajado, inclusão visual e cidadania. Revista Studium, n.27,Unicamp, São Paulo,2007.

______________.Considerações sobre a constituição e a utilização de um corpus fotográfico na pesquisa antropológica

http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/viewFile/9215/784 1

MATTOS, CLG. A abordagem etnográfica na investigação científica. In MATTOS, CLG.,and CASTRO, PA., orgs. Etnografia e educação: conceitos e usos [online].

Campina Grande: EDUEPB, 2011.

Revista Observatório Itaú Cultural: OIC. – N. 14 (mai.2013). – São Paulo: Itaú Cultural, 2013)

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SIMAS, Luiz Antonio & RUFINO, Luiz. Fogo no Mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro. Editora Mórula, 2018.

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Referências

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