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A efetividade das Políticas Educacionais para o Ensino Superior dos Estados Sociais Brasileiro e Finlandês: aproximações ou distanciamentos?

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A efetividade das Políticas Educacio- nais para o Ensino Superior dos Es- tados Sociais Brasileiro e Finlandês:

aproximações ou distanciamentos?

Marcio Yabe1 Edna Cristina do Prado2

Resumo: Este artigo é resultado de um estudo qualitativo, de caráter explo- ratório, com pesquisa documental e bibliográfica. O objetivo foi analisar a efetividade e os principais aspectos das políticas educacionais, especialmente para o Ensino Superior, de dois Estados sociais: Brasil e Finlândia, buscando as aproximações e os distanciamentos entre as suas políticas da educação, instituintes e regulatórias, com recorte temporal de 1970 a 2020. Trata-se de um estudo comparado, nas perspectivas dos educadores comparativistas Lourenço Filho (2004); Nóvoa (2017); Olmos e Torres (2012); Rezende et al (2013). Para compreensão das reformas finlandesas, obras de reformadores educacionais da Finlândia, tais como a de Sahlberg (2018) e Aho et al (2006), deram suporte às análises realizadas. A fundamentação teórica é o da administração escolar, ou de sistemas educacionais, em Paro (2012). Os resultados evidenciam a maneira como políticas públicas podem ser conduzidas e classificadas dentro da esfera pública: para além do exercício político de um determinado partido (políticas de Estado) ou para vigorar apenas durante mandatos governamentais de interesse de elites econômicas (políticas de governo).

Palavras-chave: política educacional; efetividade; educação comparada.

1 Instituto Federal de Alagoas – IFAL. Curriculo Lattes: http://lattes.cnpq.

br/1355521336350163. Site: https://www2.ifal.edu.br/o-ifal/ensino.

E-mail: marcio.yabe@ifal.edu.br

2 Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Brasil. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001- 8226-2466. E-mail: wiledna@uol.com.br

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The effectiveness of Educational Policies for Education Superior of Brazilian and Finnish social states:

approaches or distancing?

Abstract: This article is the result of a qualitative and exploratory study, with documentary and bibliographic research. The objective was to analyze the effectiveness and the main aspects of educational policies, especially for Higher Education, of two social states: Brazil and Finland, looking for the approximations and distances between their educational, instituting and regulatory policies, with a time cut 1970 to 2020. This is a comparative study, from the perspective of comparative educators Lourenço Filho (2004);

Nóvoa (2017); Olmos and Torres (2012); Rezende et al (2013). To understand Finnish reforms, works by educational reformers from Finland, such as that by Sahlberg (2018) and Aho et al (2006), supported the analyzes carried out.

The theoretical foundation is that of school administration, or educational systems, in Paro (2012). The results show the way in which public policies can be conducted and classified within the public sphere: beyond the political exercise of a given party (State policies) or to apply only during government mandates of interest to economic elites (government policies).

Keywords: educational policy; effectiveness; comparative education.

1 Introdução

Brasil e Finlândia são Estados sociais que visam à garantia de direitos fundamentais tais como a educação. Tanto na constituição brasileira quanto na finlandesa é oficializado o direito de todos à educação pública e gratuita, mas ao comparar a efetividade dessa política educacional, especialmente para o ensino superior, cons- tata-se um distanciamento muito expressivo entre os dois países.

Por exemplo, enquanto o Brasil tem 14% da sua população, na faixa etária entre 20 e 29 anos (IBGE, 2020), matriculada em cursos de graduação de instituições públicas e privadas (INEP, 2020), a Finlândia garante uma educação pública e gratuita para 30% da

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sua população na mesma faixa etária (FINLÂNDIA, 2020). E se for considerado apenas as matrículas em instituições públicas, a taxa brasileira cai para 3,89% (INEP, 2020).

Evidentemente, são realidade econômicas, sociais e culturais distintas, porém, na perspectiva da administração dos sistemas nacionais de educação (PARO, 2012), a organização e a implemen- tação do processo educativo são regidos por políticas públicas na busca de propósitos específicos, relacionados às demandas sociais da população dos países, e esse é o foco da nossa análise, o que gerou as seguintes questões norteadoras de pesquisa: as políticas educacionais, especialmente para o ensino superior, do Brasil e da Finlândia, são efetivas? Em que se aproximam ou se distanciam?

A resposta a esse questionamento se deu através de um estudo de Educação Comparada, entre esses dois países, nas perspectivas dos educadores comparativistas Lourenço Filho (2004); Nóvoa (2017);

Olmos e Torres (2012); Rezende et al (2013).

A utilização da Educação Comparada, estudo das semelhanças e das diferenças, é justificada para este artigo por diversos fatores, mas o principal está nas palavras de um pesquisador brasileiro sobre essa metodologia: “[...] comparar é um recurso fundamental nas atividades de conhecer. Por isso mesmo, os educadores o empregam sempre que desejem esclarecer questões teóricas e práticas relativas do seu mister” (LOURENÇO FILHO, 2004: 17). Quando Lourenço Filho lançou esse livro, em 1961, era a fase em que os estudos com- parados buscavam a prescrição de soluções, para identificar “[...] o que tem de ser feito, o que funciona, as melhores práticas, o caminho dos países mais bem classificados” nas avaliações internacionais que despontavam na época (NÓDOA, 2017: n.p).

O objetivo deste trabalho ultrapassou esses aspectos teórico-me- todológicos da mera descrição para uma compreensão aprofundada, ou seja, para análises comparativas mais específicas sobre a efetivida- de das políticas educacionais, nas sociedades brasileira e finlandesa, a partir do conhecimento “[...] de que os sistemas e as práticas edu- cacionais são patrocinados, comandados, organizados e certificados pelo Estado, o que impossibilita analisá-los separando-os do papel, do propósito e do funcionamento do governo” (OLMOS; TORRES, 2012: 102), o que ficou evidenciado, neste trabalho, na maneira como políticas da educação podem ser conduzidas e classificadas na esfera

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pública: para além do exercício político de um determinado partido (políticas de Estado) ou para vigorar apenas durante mandatos go- vernamentais de interesse de elites econômicas (políticas de governo).

O texto foi organizado, para além da introdução e das consi- derações finais, em três seções. A primeira traz uma reflexão sobre o contexto histórico educacional dos Estados sociais brasileiro e finlandês. Em seguida, na seção dois, apresenta-se a aproximação constitucional e a garantia dos direitos fundamentais à educação nas políticas instituintes dos dois países. A efetividade das políticas edu- cacionais, especialmente para o ensino superior, é foco da seção três.

2 O contexto histórico educacional dos Estados Sociais brasileiro e finlandês

A Finlândia, país do norte-europeu, conhecido pelo seu inverno frio, escuro e nevado, sofreu graves consequências econômicas com a Segunda Guerra Mundial, pois, “[...] exceto por um curto período de cessar-fogo, a Finlândia esteve em guerra de dezembro de 1939 até a primavera de 1945. O custo da guerra para aquela democracia jovem e independente com uma população de pouco menos de 4 milhões foi enorme” (SAHLBERG, 2018: 8223). O resultado final:

milhares de mortes provocadas pelos nazistas e a perda de 12% do seu território para os soviéticos, gerando condições socioeconômicas precárias, com pouca estrutura social e urbana.

A transição de uma nação nórdica pobre, agrária, destruída pela guerra e modestamente educada para uma sociedade industrializada teve início a partir de 1945, mas a passos lentos. Para se ter uma ideia, a Finlândia inaugurou seus primeiros 14 km de rodovia somente em 1963 e as principais transformações aconteceram nos anos 1970, quando o governo finlandês lançou as bases da construção de um Estado Social, Keynesiano4, que priorizou o bem-estar social dos seus habitantes. Mas vale ressaltar que, segundo Sahlberg (2018), os reformadores finlandeses perceberam que o crescimento econômico só aconteceria com o desenvolvimento dos seus cidadãos e, para isso,

3 Tipo de paginação diferente por se tratar de um ebook Kindle.

4 Ou Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State, que garante funções sociais para todos: educação, saúde, seguridade social.

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o seu sistema educacional elitista, ineficaz, com resultados escolares medíocres, teria que ser drasticamente reformulado.

A grande reforma no Sistema Educacional Finlandês aconteceu em 1972, quando instituíram a escolarização básica com nove anos de duração (antes eram apenas seis anos), a chamada Peruskoulu5, de forma que todos os estudantes, sem exceção, passaram a ingressar nas mesmas escolas de nove anos, administradas por autoridades educacionais locais, independentemente de sua residência e da sua condição socioeconômica. Foi o início da universalização da educação finlandesa. Para Sahlberg (idem), um dos idealizadores dessas reformas na educação, esta escolarização para todas as crian- ças foi o início da realização do “Sonho Finlandês”, pois garantir uma educação completa, pública e gratuita, da educação infantil à superior, era um ideal da sociedade finlandesa. Com essas reformas e respectivas políticas educacionais, “[...] a educação logo se tornou o principal veículo de transformação social e econômica na era pós- -guerra” (SAHLBERG, 2018: 852), quando iniciaram a estruturação de um sistema de ensino igualitário, com formação pedagógica de alto nível para os professores, reestruturação dos espaços escolares, entre outras mudanças.

É interessante observar que, dentro desse mesmo recorte tem- poral histórico, o Brasil também teve uma reforma educacional nos anos 1970 que deu origem à Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei nº 5.692/71. Uma mudança importante no Sistema Edu- cacional Brasileiro, que impactou de forma significativa o Ensino Médio e a Educação Profissional. Com essa mudança, o antigo 2º grau passou a preparar o estudante para o posterior ensino su- perior, ao mesmo tempo em que o habilitava para uma profissão técnica. Mas, para Giovanni e Nogueira (2018), o documento dessa reforma foi formulado por um pequeno grupo de educadores, sem discussão na sociedade. Nesse período, o governo militar instala- do no Brasil desde 1964 concretizou o seu regime ditatorial, com políticas de educação centralizadoras, clientelistas, com o uso dos recursos da educação para alianças entre políticos e empresários.

Os resultados não foram satisfatórios. O Brasil chegou à “déca- da de 1980 com indicadores ruins de seletividade educacional,

5 “Escola primária” em finlandês, equivalente ao Ensino Fundamental do Brasil.

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altas taxas de reprovação e evasão escolar e sem a universalização da escolaridade fundamental obrigatória” (GIOVANNI & NO- GUEIRA, 2018: 783).

As políticas educacionais finlandesas estabeleceram a educação como estratégia de apoio à transformação social, parte de um projeto de nação, e não apenas de reprodução ou qualificação de mão de obra. Para Freire (1994: 84), “a transformação da educação não pode antecipar-se à transformação da sociedade, mas esta transformação necessita da educação”. O que se constata é que o Sistema Educacio- nal finlandês é um caso bem-sucedido de valorização e utilização da educação como meio para o desenvolvimento e transformação da sociedade, que pode servir de referência e estudo para pesquisadores do campo das políticas públicas, do Brasil e de outros países, mas, especialmente para o caso brasileiro, pois, oficialmente falando, são dois Estados Sociais.

3 A aproximação constitucional e a garantia dos direitos fundamentais à educação nas políticas instituintes dos dois países

Para Sgarbossa (2018: 150), a principal característica do Es- tado Social é “[...] intervir no mercado de trabalho, para colocar limites à liberdade contratual e para garantir direitos mínimos aos trabalhadores. [...] Ou seja, nesta fase o Estado passa a exercer forte regulação em campos que antes eram deixados livres de in- terferência do Estado”. Esse modelo de Estado surge para resolver problemas criados pelo próprio liberalismo econômico do Século XIX, mas também como meio de “[...] manutenção do capitalismo, embora com mecanismos de atenuação de seus impactos sociais e econômicos” (ibiden: 153).

O Estado Social é, teoricamente, uma estrutura política e jurí- dica que defende, trata e promove os direitos sociais como direitos fundamentais de todos os participantes de uma sociedade, de forma que esses direitos ficam protegidos do assédio privatista. Tanto o Brasil como a Finlândia são Estados Sociais. Pode-se confirmar isso ao analisar a principal política pública instituinte dos dois países:

a Constituição Federal.

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No Artigo 170, da Seção VII, da Constituição Brasileira (Brasil, 2016), fica oficializado que a Ordem Econômica e Financeira no Brasil “[...] tem por fim assegurar a todos existência digna, confor- me os ditames da justiça social”. E no Artigo 193, do Título VIII, se estabelece que a Ordem Social tem “[...] como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Diferente da brasileira com 228 páginas, a Constituição da Finlândia (1999) está disponibilizada em apenas 36 páginas e fica evidente que se trata de um Estado Social na Seção 19, “The right to social security6”:

- Those who cannot obtain the means necessary for a life of dignity have the right to receive indispensable subsistence and care.

- Everyone shall be guaranteed by an Act the right to basic subsistence in the event of unemployment, illness, and disabil- ity and during old age as well as at the birth of a child or the loss of a provider.

- The public authorities shall guarantee for everyone, as pro- vided in more detail by an Act, adequate social, health and medical services and promote the health of the population.

Moreover, the public authorities shall support families and others responsible for providing for children so that they have the ability to ensure the wellbeing and personal development of the children.

- The public authorities shall promote the right of everyone to housing and the opportunity to arrange their own housing7 (FINLÂNDIA, 1999: 4).

6 Tradução livre: O direito à segurança social

7 Tradução livre: Aqueles que não podem obter os meios necessários para uma vida de dignidade têm o direito de receber cuidados indispensáveis para sua subsistên- cia. Todos devem ter garantido por lei o direito à subsistência básica em caso de desemprego, doença e deficiência e durante a velhice, bem como no nascimento de uma criança ou na perda do provedor. As autoridades públicas devem garantir a todos, conforme previsto na lei, serviços sociais, de saúde e médicos suficientes para promover o bem-estar da população. Além disso, as autoridades públicas devem apoiar as famílias e outros responsáveis para que tenham a capacidade de garantir o bem-estar e o desenvolvimento das crianças. As autoridades públicas devem promover o direito de todos à habitação e à oportunidade de providenciar sua própria moradia.

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Como se pode notar, teórica e oficialmente, Brasil e Finlândia podem ser classificados como Estados Sociais e estabelecem que os direitos fundamentais ao bem-estar e à dignidade humana devem ser respeitados e praticados, o que inclui o direito à educação. No Título VIII, Capítulo III, Artigo 205, da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 2016), está determinado que “a Educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Dois princípios que servem de base para a prática do ensino e que garantem o direito de todos os cidadãos à educação encontram-se no Artigo 206: “(I) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (IV) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.

O direito à educação, pública e gratuita, com igualdade de con- dições para todos, também é garantido na Constituição Finlandesa, na Seção 16 (FINLÂNDIA, 1999: 4), “Educational rights8”:

Everyone has the right to basic education free of charge. Pro- visions on the duty to receive education are laid down by an Act. The public authorities shall, as provided in more detail by an Act, guarantee for everyone equal opportunity to receive other educational services in accordance with their ability and special needs, as well as the opportunity to develop themselves without being prevented by economic hardship9.

Contata-se uma aproximação entre Brasil e Finlândia, pois po- dem ser classificados como Estados Sociais, que instituíram direitos fundamentais para a vida social, tendo a educação como um desses direitos. Mas ao comparar a teoria e a prática, mais especificamente a efetividade das políticas educacionais, o distanciamento aparece.

8 Tradução livre: Direitos à educação.

9 Tradução livre: Todos têm direito à educação básica gratuita. As disposições sobre a obrigação moral de receber educação são estabelecidas por lei. As autoridades públicas, conforme providenciado e mais detalhado em lei, devem garantir a todos oportunidades iguais de receber outros serviços educacionais, de acordo com sua capacidade e necessidades especiais, assim como a oportunidade de estudarem sem serem impedidos por dificuldades econômicas.

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4 A efetividade das políticas educacionais, de Estado e de governo, especialmente para o ensino superior, no Brasil e na Finlândia

As políticas públicas existem para atender demandas sociais da população e precisam ser examinadas para verificação se alcan- çaram ou não os seus propósitos, se o que foi planejado efetivou seus objetivos de forma positiva ou negativa. Segundo Arretche (2001: 31), “[...] por avaliação de efetividade, entende-se o exame da relação dentre a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ou resultados, isto é, seu sucesso ou fracasso em termos de uma efetiva mudança nas condições prévias da vida das populações”. São muitos os fatores a se considerar para avaliação da efetividade de um sistema nacional de educação e suas respectivas políticas públicas, mas é possível constatar indícios dessa efetivida- de, especialmente para o ensino superior, no Brasil e na Finlândia, a partir de uma comparação preliminar entre dois indicadores de resultado e as políticas para a formação docente.

O primeiro indicador de desempenho tem relação com o tempo de estudo dos cidadãos dos dois países e pode ser demonstrado pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (PNUD, 2019: 344), na dimensão que trata da educação, que considera o tempo médio de estudo da população. Finlândia se classifica entre os países que têm desenvolvimento humano muito alto e o tempo médio de estudo dos seus habitantes é 12,4 anos, sendo que a média dos países dentro dessa mesma classificação é 12 anos. Brasil se apresenta em uma classificação abaixo dos países de desenvolvimento humano muito alto, com tempo médio de estudo igual a 7,8 anos. A média dos países que estão na mesma faixa do Brasil é 8,3 anos (PNUD, 2019).

No resultado anterior, verifica-se que o tempo de estudo da po- pulação finlandesa é superior ao da brasileira de forma significativa e o segundo indicador confirma esse resultado, apresentando o acesso da população dos dois países aos cursos de graduação. Enquanto o Brasil tem 14% da sua população, na faixa etária entre 20 e 29 anos (IBGE, 2020), matriculada em cursos de graduação de instituições públicas e privadas (INEP, 2020), a Finlândia garante uma educação superior, também na modalidade de graduação, porém plenamente pública e gratuita, para 30% da sua população na mesma faixa etária

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(FINLÂNDIA, 2020). Se for considerado apenas as matrículas em instituições públicas a taxa brasileira cai para 3,89% (INEP, 2020).

Conforme já comentado, são muitos os fatores a se considerar para avaliação da efetividade das políticas de um determinado sistema educacional, assim como são muitas as possíveis causas para essa efetividade. O que se pode inferir nessa breve reflexão e estudo comparativo entre Brasil e Finlândia é que se trata de dois países com fundamentos jurídicos que apresentam aproximações enquanto Estados que prezam a justiça e o bem-estar social dos seus cidadãos, todavia, o que se pode e se quer destacar, também, está na forma de classificação das políticas educacionais desses dois países:

políticas de governo ou de Estado.

Para Santos (2016), o Brasil é um país onde se encontra, com maior frequência, políticas de governo, em função da instabilidade política, que é uma característica das democracias pouco consolida- das, o que para Collares et al (1999: 202) resulta na “[...] descontinui- dade característica das políticas (educacionais) brasileiras” e o seu

“[...] constante recomeçar”. Mas, ainda para Santos (2016), quanto maior estabilidade política houver em um país, maior é o número de políticas de Estado ou maior o número de ações, planos, programas de longo prazo, como é o caso finlandês, como se pode constatar nos estudos de Sahlberg (2018) e Aho et al (2006).

Um bom exemplo está nas políticas para a formação docente finlandesa que foram planejadas e implementadas na década de 1970 e permanecem em vigor até os dias atuais. O modelo educacional finlandês prioriza “[...] a aprendizagem personalizada e o ensino criativo como componentes importantes da educação” (SAHLBERG, 2018: 2882). O aluno é visto como o centro do processo ensino-apren- dizagem e o professor é o agente desse processo. Mas, para isso, os reformadores da educação finlandesa compreenderam a necessidade de uma formação mais específica para docência. Decidiram, então, que essa formação deveria ser mais rigorosa, acadêmica, em nível universitário, e em meados dos anos 1970 decidiram que apenas o grau de mestre, no mínimo, poderia habilitar o profissional para o ensino em sala de aula (SAHLBERG, 2018).

More profound reforms involving the content of teacher training grew out of the 1974-1975 general university de- gree reform. Based on the recommendations of a governmen-

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tappointed commission, the Master of Science degree be- came the basic teaching degree. It encompassed a number of educational programs and training for class teachers, sub- ject teachers, and education experts10 (AHO, PITKANEN, SAHLBERG, 2006: 51).

A decisão em exigir que o professor só entre em sala de aula se tiver o grau de mestre, até para o ensino infantil, permanece até hoje. Atualmente, o processo seletivo para os cursos de mestrado na Finlândia é um dos mais disputados e composto de exame minucioso, entrevistas e até testes com atividades práticas para se certificarem que selecionarão apenas candidatos motivados, com

“[...] personalidades positivas, excelentes habilidades interpessoais e comprometimento com o trabalho, como professor na escola”

(SAHLBERG, 2018: 2494).

No Brasil foi diferente. Até a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação Nacional – LDBEN Lei 9394/1996 (BRASIL, 2005), a formação de professores também acontecia no nível médio de ensino, técnico profissionalizante. Somente depois dessa política educacional regu- latória que a formação de professores passou a ocorrer somente em nível superior, nos cursos de pedagogia e licenciatura, mas não é exi- gido o grau de mestre para a profissão docente, como na Finlândia.

Considerações finais

Para Rezende et al (2013: 230), “[...] a comparação, enquanto ele- mento da atividade cognitiva, é inerente ao processo de construção do conhecimento. A partir do raciocínio comparativo é possível iden- tificar continuidades e descontinuidades, estabelecer similaridades e diferenças entre realidades observáveis”. O objetivo deste artigo não foi simplesmente contrastar para que o sistema finlandês sirva de “modelo” para o brasileiro ou outros, visão há muito superada

10 Tradução livre: Reformas mais profundas, envolvendo o conteúdo da formação de professores, surgiram da reforma geral universitária de 1974-1975. Com base nas recomendações de uma comissão apontada pelo governo, o grau de Mestre em Ciências tornou-se o grau obrigatório para o ensino básico. Abrange vários programas educacionais e formação para professores de turma, professores de disciplinas e especialistas em educação.

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nos estudos comparativos em Educação. Sua centralidade ultrapas- sou os aspectos teórico-metodológicos da mera descrição para uma compreensão mais aprofundada, uma reflexão ou análise interpre- tativa sobre a efetividade das políticas educacionais, especialmente do ensino superior, no Brasil e na Finlândia, para apontar em que se aproximam e se distanciam.

O que se pode considerar, em princípio, é que o Brasil apresenta políticas públicas instituintes com aproximações com as da Finlân- dia. São países que visam à justiça social. É o que consta nas suas Cartas Magnas. Mas, apesar dessa aproximação no aspecto legal, o que se constata são realidades e resultados distintos. Alguns desses resultados indicam uma suposta efetividade das políticas educacio- nais finlandesas em uma comparação preliminar com as políticas brasileiras. E aqui vale ressaltar o caráter exploratório desse artigo, pois com as informações levantadas se percebe a necessidade de um trabalho mais extenso para a compreensão da efetividade dos sistemas educacionais do Brasil e da Finlândia. Foram apontados indícios de que as políticas educacionais finlandesas fazem parte de um projeto de nação, são políticas públicas de longo prazo, algumas das suas principais políticas foram planejadas há mais de 50 anos e vigoram há vários mandatos governamentais, o que não é possível afirmar para o caso brasileiro.

Os resultados deste trabalho levam à conclusão que esse país do norte-europeu concretizou um sistema educacional a partir de políticas públicas de Estado, que merece ser estudado, analisado, comparado com sistemas de educação de países tão desiguais, social e economicamente, como o Brasil, pois a partir do raciocínio comparativo é possível, além de identificar continuidades e des- continuidades, ampliar e inovar perspectivas, novos olhares para a efetivação de novas realidades. Na categoria do possível, a Finlândia é referência de sociedade que busca a emancipação política dos seus sujeitos, dentro de uma fase intermediária na busca da emancipação humana. O que seria uma forma de, segundo Tonet (2016: 44), se

“fazer o caminho caminhando”.

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Referências

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