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Fernando Seiji Sagawa Victor Assis Brasil e suas gravações de canções brasileiras: relações de sentido entre interpretação instrumental e os regimes de integração entre melodia e letra.

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Academic year: 2021

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Instituto de Artes

Fernando Seiji Sagawa

Victor Assis Brasil e suas gravações de canções brasileiras:

relações de sentido entre interpretação instrumental e os

regimes de integração entre melodia e letra.

Campinas

(2)

Fernando Seiji Sagawa

Victor Assis Brasil e suas gravações de canções brasileiras:

relações de sentido entre interpretação instrumental e os

regimes de integração entre melodia e letra.

Dissertação de mestrado apresentada ao

programa de Pós-Graduação em Música do

Instituto de Artes da Universidade Estadual

de Campinas como requisito parcial para

obtenção de título de Mestre em Música, na

área de concentração: Música: Teoria,

Criação e Prática.

Orientadora Profª Drª Regina Machado

Este exemplar corresponde à versão final de

Dissertação defendida pelo aluno Fernando

Seiji Sagawa, e orientada pela Profª Drª

Regina Machado

Campinas

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À Regina Machado pela orientação atenta, coesa e ao mesmo tempo sensível e por me fazer (re)descobrir o lado cantor do saxofone.

Agradeço especialmente a toda minha família pelo suporte e incentivo sempre presentes e incondicionais. Agradeço em particular: ao meu pai, Jorge, por me ensinar a importância dos detalhes que extrapolam a funcionalidade; à minha mãe, Ana Rita, pelo exemplo de harmonia entre força e sensibilidade; e à minha irmã, Juliana, pela parceria e pelos estudos de piano que me iniciaram no universo musical.

À Laura Françozo pelo companheirismo e afeto e pelas trocas tão produtivas de ideias.

Aos amigos e grandes músicos Gustavo de Medeiros, Dhieego Andrade, Kiko Woiski e Henrique Cantalogo que construíram comigo o recital e tornaram esta pesquisa mais musical e interessante.

Ao professor de saxofone e amigo Celso Veagnoli que me apresentou as gravações de Victor Assis Brasil e mostrou os primeiros caminhos para a descoberta de minha própria voz no saxofone.

Aos companheiros de som do Grupo Obra-Aberta, Lucas, Marcelo, Fabio, Henrique e Theo, que tanto me ensinaram sobre musica neste período.

Aos professores Marco Tulio e José Roberto Zan pelas direções apontadas no exame de qualificação.

Aos professores Sergio Molina e José Augusto Mannis pela leitura atenta do trabalho e pelo diálogo construtivo durante o recital e a banca de defesa.

À FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa que financiou este trabalho através de bolsa de estudos concedida entre julho de 2013 e julho de 2015.

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RESUMO

Nesta pesquisa propomos estudar, por meio de abordagens teórica e prática, cinco gravações do saxofonista Victor Assis Brasil nas quais ele interpreta canções brasileiras. No plano teórico, a partir de paralelos com o modelo de análise do gesto vocal desenvolvido por Regina Machado, buscamos relacionar os recursos expressivos, formas de variação da melodia, estratégias de improvisação e escolhas de arranjo com os significados gerados pela relação entre melodia e letra das canções interpretadas. Após esse levantamento do projeto interpretativo de cada gravação, buscamos detectar as recorrências e particularidades na abordagem desse saxofonista interpretando canções brasileiras. No plano da prática, apoiando-nos nessa compreensão teórica das gravações, propusemos três maneiras de assimilação e interação com a performance de Victor Assis Brasil: 1) reinterpretação das gravações; 2) proposta de projeto interpretativo inédito que utilize características e procedimentos recorrentes levantados pelas análises; 3) proposta de projeto interpretativo livremente influenciado pela memória adquirida com a reprodução das transcrições e incorporando recursos interpretativos detectados nas análises.

Palavras-chave: Victor Assis Brasil; saxofone; práticas interpretativas; Semiótica da Canção;

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ABSTRACT

In this research, we intend to study through theoretical and practical approaches, five recordings of saxophonist Victor Assis Brasil in which he plays Brazilian songs. From the theoretical side our approach will be based on the vocal gesture analysis proposed by Regina Machado. Using this model implies relating the expressive resources, ways to change the melody and improvisation and arrangement strategies choices to the meanings generated by the relation between melody and lyrics of the songs. After this survey of the interpretive design of each recording, we seek to detect recurrences and peculiarities in this saxophonist’s approach to Brazilian songs. On the level of practice, supported by this theoretical understanding of the recordings, we proposed three ways of appropriation and interaction with the performance of Victor Assis Brasil: 1) reinterpretation of the recordings; 2) proposal of unprecedented interpretative project using recurring features and procedures raised by analysis; 3) proposed interpretive project freely influenced by acquired memory with playback the transcripts and incorporating interpretative resources detected in the analyzes.

Keywords: Victor Assis Brazil; saxophone; interpretative practices; Semiotics Song;

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Introdução ... 1

1 Contextualização ... 4

1.1 Breve biografia e revisão da discografia ... 4

1.2 Proposta de periodização da discografia ... 11

1.3 Samba-jazz ... 12

1.3.1 Samba, jazz e Bossa Nova: atrito e conciliação ... 12

2 Considerações sobre a prática ... 18

2.1 Justificativa para a metodologia ... 18

2.2 Apresentação dos resultados práticos ... 24

2.2.1 Reinterpretação ... 24

2.2.2 Projeto interpretativo inédito ... 27

2.2.3 Projeto interpretativo livre ... 29

3 Referências para as análises ... 30

3.1 Semiótica da Canção e Gesto Vocal... 30

3.2 Do gesto vocal para o instrumental ... 38

3.2.1 Nível Físico e as características do saxofone ... 39

3.2.2 Nível Técnico e os recursos idiomáticos... 40

3.2.2.1 Recursos de alteração do timbre ... 40

3.2.2.2 Articulação ... 41

3.2.2.3 Apojaturas ... 42

3.2.3 Nível Interpretativo ... 43

3.2.3.1 Timbre manipulado ... 43

3.2.3.2 Articulação rítmica... 45

3.3 Estrutura geral das análises ... 46

4 Análises ... 48

4.1 “Minha Saudade” ... 48

4.2 "Feitiço da Vila" ... 68

4.3 “Dindi” ... 84

4.4 “Só tinha de ser com você” ... 102

4.5 “O Cantador” ... 112

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Referências Bibliográficas ... 136 Anexos... 141

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Introdução

Neste trabalho de pesquisa, temos como principal interesse estudar parte da produção musical de Victor Assis Brasil. Através da aplicação de procedimentos práticos e teóricos, visamos contribuir na compreensão de sua performance como saxofonista e, a partir disso, propor maneiras de incorporar sua influência em nossa própria realização instrumental.

Nascido no Rio de Janeiro em 1945, Victor Assis Brasil atuou como saxofonista e compositor dentro da música popular e da música de concerto. Um dos primeiros brasileiros a estudar jazz na Berklee School of Music (Boston, EUA), demonstrou influência desse repertório na maior parte de sua produção musical. Apesar de sua morte prematura, aos trinta e cinco anos de idade em 1981, deixou uma obra extensa contendo uma infinidade de composições para grupos de câmara e orquestra, além de oito discos em que participa como saxofonista, arranjador e compositor e que incluem standards de jazz, versões instrumentais de canções brasileiras e músicas autorais que colocam em atrito essas e outras referências.

Levando em consideração a impossibilidade de englobar toda a variedade de sua produção, focamos a atenção deste trabalho nas gravações em que ele interpreta canções brasileiras adaptadas para o contexto instrumental, sem a presença de um cantor. Dentro desse recorte, temos como objetivo encontrar características que particularizem Victor Assis Brasil em relação à sua atuação como saxofonista e propor maneiras de incorporá-las à nossa performance instrumental. Além disso, a análise das gravações busca esclarecer como sua interpretação materializa o diálogo entre a performance instrumental – influenciada pelo jazz e pelo samba-jazz – e o universo da canção brasileira. Com isso temos a intenção de contribuir para a compreensão do atrito entre os diversos referenciais musicais presentes no contexto da música popular brasileira de sua época.

Tendo em vista esses objetivos, propusemo-nos abordar a performance de Victor Assis Brasil de duas maneiras diferentes, que foram desenvolvidas simultaneamente e de forma complementar. Dentro do plano teórico nos ocupamos de contextualizar a produção desse saxofonista e desenvolver uma metodologia de análise para suas interpretações de canções. O plano prático, ao mesmo tempo em que contribuiu no desenvolvimento das análises, utilizou-se dos resultados teóricos para sintetizar o que podemos chamar de uma compreensão prática do objeto, através da apropriação e resignificação de suas características em nossa performance musical.

No Capítulo 1 – Contextualização, apresentaremos, na primeira parte, uma biografia de Victor Assis Brasil baseada nos trabalhos de Maurity (2006), Linhares (2007), Pinto (2011) e Rafaelli (1979), teremos como foco a identificação das principais influências

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musicais presentes em sua produção e localizar em que partes da sua discografia se encontram as interpretações instrumentais de canção. A construção desse panorama pretende auxiliar a escolha das gravações que serão analisadas no sentido de possibilitar, ao final do trabalho, uma visão global de como esse saxofonista abordou o repertório de canção durante sua carreira. Na segunda parte desse capítulo, apresentaremos considerações a respeito do samba-jazz, dando especial atenção para sua relação com o jazz e com a Bossa Nova. Como veremos em sua biografia, Victor Assis Brasil dialogou constantemente com esse repertório e, consequentemente, uma melhor compreensão de suas características se mostrou útil durante o desenvolvimento das análises.

No Capítulo 2 – Considerações sobre a prática, buscaremos detalhar os procedimentos práticos adotados, ressaltando seu caráter de complementaridade em relação à parte teórica da pesquisa. Inicialmente, abordaremos como o objetivo prático de incorporar características das interpretações de Victor Assis Brasil na própria performance direcionou escolhas relacionadas à metodologia de análise. Em seguida, apresentaremos os estágios dessa dimensão prática e como cada um deles se apoia nas análises formalizadas para dialogar com o objeto estudado. No final desse capítulo, descreveremos os três modelos de apresentação dos resultados práticos propostos por esta pesquisa.

O Capítulo 3 contém a descrição das ferramentas e referenciais teóricos utilizados nesta pesquisa. A partir da adaptação do modelo de análise do comportamento vocal proposto por Machado, apresentaremos uma proposta de abordagem das gravações dividida em duas partes: 1) a análise da canção independentemente da interpretação, buscando encontrar os sentidos contidos em seu núcleo de identidade melodia-letra conforme a proposta da Semiótica da Canção (TATIT, 2007); e 2) a definição e análise do projeto interpretativo do saxofonista e de como esse dialoga com os sentidos da canção.

Durante o Capítulo 4, desenvolveremos as análises individuais de cinco gravações de Victor Assis Brasil: “Feitiço da Vila”, “Minha Saudade”, “Dindi”, “Só tinha de ser com você” e “O Cantador”. Como descrito no parágrafo acima, buscaremos estabelecer relações de sentido entre os projetos interpretativos e as canções realizadas. Mais especificamente, cada análise pretende identificar escolhas de arranjo, maneiras de usar os recursos idiomáticos e estratégias de variação melódica que apontem para um diálogo da performance do saxofonista com as particularidades de cada núcleo melodia-letra. De uma perspectiva ainda anterior às relações de sentido, as análises buscarão também evidenciar o grau de comprometimento de cada projeto interpretativo com as canções. Em outras palavras, se a gravação demonstra maior preocupação com aspectos ligados ao repertório instrumental como a improvisação e a

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interação entre os músicos, ou se ela tem no material cancional a motivação central da performance.

Com o desenvolvimento das cinco análises e a comparação de seus resultados, pudemos dividir as gravações estudadas em dois grupos diferentes: aquelas que propõem uma relação mais direta com a performance instrumental e as que voltam a atenção para os sentidos das canções interpretadas. Além disso, o emparelhamento das análises possibilitou a identificação das marcas identitárias do saxofonista estudado, presentes no recorte desta pesquisa, ou seja, as suas escolhas interpretativas recorrentes nas cinco gravações e que materializam sua relação com a melodia e com a letra. Por sua vez, as marcas identitárias foram intensamente utilizadas no estágio prático final da pesquisa, que envolve a síntese de uma performance instrumental diretamente influenciada pela compreensão das interpretações instrumentais de canção de Victor Assis Brasil.

A partir desta experiência, expandimos nosso conjunto de ferramentas e estratégias usadas para interpretar a melodia de uma canção/composição, bem como experienciamos maneiras de associá-las também a melodias improvisadas. De um ponto de vista ainda mais geral, ao nos aprofundarmos em projetos interpretativos de um saxofonista consagrado, esperamos ter melhorado nossa percepção em relação aos detalhes que tornam uma performance instrumental única.

De forma resumida, pretendemos com esta pesquisa contribuir para a compreensão de uma parte da realização musical de Victor Assis Brasil e ressaltar sua importância dentro do contexto musical brasileiro. Buscamos também, no campo das Práticas Interpretativas, apontar um modelo de integração entre os estudos prático e teórico levando em consideração particularidades do repertório de música popular como a presença de improvisação, a ausência frequente de registros em partituras e o intenso atrito entre referenciais musicais diversos.

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1. Contextualização

1.1. Breve biografia e revisão da discografia

Victor Assis Brasil nasceu no Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1945, junto com seu irmão gêmeo João Carlos Assis Brasil, com o qual, futuramente, compartilharia a mesma escolha profissional: a carreira de músico. Aos doze anos, começou a tocar bateria e gaita-de-boca sendo que nessa última, segundo Raffaelli, ele já demonstrava interesse pelo repertório do jazz ao copiar solos de saxofonistas e trompetistas das gravações a que tinha acesso. Aos dezessete anos ganha um saxofone alto e segundo diversas fontes (RAFFAELLI; LINHARES, 2011; MAURITY, 2006), inicia o aprendizado desse instrumento com Paulo Moura1.

Pouco tempo depois, em meados dos anos 1960, o saxofonista passou a frequentar as jam sessions que aconteciam no que ficou conhecido como Beco das Garrafas – quarteirão do Rio de Janeiro que nessa época era famoso pelo grande número de casas noturnas com música ao vivo. Ambiente de efervescência cultural, o Beco das Garrafas é entendido hoje como importante espaço de experimentação e consolidação da Bossa Nova e principalmente do que seria, posteriormente, chamado de samba-jazz. Em 1965, ao tocar no “Clube do Jazz e da Bossa” causa boa impressão no maestro e pianista Friedrich Gulda, que o convida a participar do Concurso Internacional de Viena2 no ano seguinte (PINTO, 2011). No mesmo ano de 1966, já na Europa, participa também do Festival de Berlim, ficando em primeiro lugar na categoria saxofone (Ibid.).

De volta ao Brasil, ainda em 1966, o saxofonista carioca grava seu primeiro disco intitulado Desenhos. Naturalmente, esse registro apresenta de forma marcante as características do meio musical no qual Victor estava inserido no Beco das Garrafas – a saber, a grande proximidade e tensão entre repertórios e procedimentos associados ao jazz, à Bossa Nova e ao samba. No disco notamos a divisão meio a meio entre composições do próprio Victor e canções de compositores ligados à Bossa Nova – dentre eles João Donato, Carlos Lyra, Vinicius de Moraes e Marcos Valle. Nas composições autorais, ouvimos uma proximidade maior com o jazz no que diz respeito à rítmica e ao acompanhamento – que,

1 Nenhuma das fontes consultadas afirma com precisão durante quanto tempo e nem quantas foram as aulas de

Victor Assis Brasil com Paulo Moura.

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entre outras coisas, aparecem em sua maioria com swing3 de colcheia característico desse gênero (ouvir, por exemplo, “Dueto”, faixa seis do disco Desenhos). Nas versões instrumentais das canções brasileiras, a acentuação jazzística abre espaço para a subdivisão em semicolcheias e acentuações mais características do samba e da Bossa Nova (ouvir, por exemplo, “Minha Saudade”, faixa nove do disco Desenhos).

No entanto, uma divisão clara entre essas duas influências – brasileira e norte-americana – é apenas aparente. Assim como no Beco das Garrafas, o disco de estreia de Victor Assis Brasil apresenta elementos desses repertórios diversos em intensa interação dentro de cada uma das faixas, independente de sua autoria. Adotando o procedimento que hoje é entendido como comum à época, as músicas tiradas do repertório de Bossa Nova são ouvidas em uma abordagem, no geral, jazzística. No caso específico de músicas como “Primavera” e “Minha Saudade”, podemos ouvir o referencial rítmico do samba – bem como um referencial melódico associado à música brasileira – trabalhados a partir de modelos de improvisação e interação comuns ao jazz pós anos 19404.

Já aparente na audição de Desenhos, a presença em maior ou menor grau dessas duas influências principais não aparece sempre na mesma proporção. Como será apresentado mais adiante, Victor Assis Brasil ora se aproxima mais de elementos e procedimentos da Bossa Nova e do samba – demonstrando por vezes um comportamento que poderíamos chamar de cancional – ora de elementos e procedimentos do jazz, focando sua performance mais no caráter de instrumentista improvisador.

Dois anos depois de Desenhos, a saxofonista carioca lança seu segundo disco intitulado Trajeto (1968). Participam da gravação o trompetista Claudio Roditi, o pianista Aloísio Aguiar, Sérgio Barroso no contrabaixo e Claudio Caribe na bateria – sendo esse quinteto um dos dois grupos fixos que o saxofonista liderava nesse período.5 Em Trajeto ouvimos também a primeira participação de Hélio Delmiro em gravações do saxofonista – sendo que o guitarrista se tornaria uma participação constante em vários discos seguintes de Victor Assis Brasil.

Esse segundo disco, de 1968, não apresenta – ao menos não explicitamente – a influência do samba-jazz ou de outros ritmos brasileiros. O repertório é composto

3 O termo swing aqui se refere a uma maneira específica de tocar determinados ritmos no repertório jazzístico.

Tal comportamento pode ser resumido na forma irregular de se tocar a figura rítmica de colcheia. Ao invés de duas colcheias dividirem um tempo exatamente ao meio, a primeira passa a ser mais longa e a segunda proporcionalmente mais curta.

4 A análise da interação/fricção entre os elementos e procedimentos do jazz e da música brasileira, bem como a

discussão em torno da definição do termo samba-jazz, será mais aprofundada adiante.

5 Segundo Pinto (2011), além desse quinteto, Victor monta nesse período (1966-68) um sexteto formado por:

Haroldo Mauro Júnior (piano), Ricardo Santos (contrabaixo), Ion Muniz (sax alto), Alfredo Gomes (bateria) e Cláudio Roditi (trompete).

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exclusivamente por temas de jazz. As únicas duas faixas que fogem a essa regra (“Stolen Stuff” composta pelo próprio Victor Assis Brasil e “Plexus” por Aloísio Aguiar) não destoam no repertório já que estão claramente referenciadas também no repertório jazzístico6. A presença de standards na gravação de um conjunto de músicos brasileiros indica um posicionamento bastante específico da parte de Victor. Como o nome e seu repertório sugerem, o disco Trajeto apresenta uma incursão de Victor e seus colegas no repertório do jazz – sendo essa imersão um posicionamento incomum à postura predominante dos músicos brasileiros da época que buscavam estabelecer diálogos entre esse repertório norte-americano e a música brasileira (MAURITY, 2006, p. 19).

Esse posicionamento de Victor Assis Brasil faria especial sentido um ano mais tarde (1969), quando ele, tendo recebido uma bolsa de estudos, parte para a Berklee School of

Music, em Boston – a mais antiga escola de jazz dos EUA. No entanto, o que poderia ser um

caminho sem volta em direção à influência jazzística e um abandono à influência da música brasileira, não se concretiza nesses termos extremos. Como foi analisado de forma mais aprofundada por Pinto em “Victor Assis Brasil: a importância do período na Berklee School of Music (1969-1974) em seu estilo composicional”, dois fatores apontam para a continuidade da dicotomia entre jazz e música brasileira na produção de Victor mesmo durante e após seu período na Berklee. A partir de depoimentos de outros músicos brasileiros, que também estudaram na Berklee nesse mesmo período – dentre eles Nelson Ayres, Célia Vaz e Cláudio Roditi –, Pinto propõe uma reconstrução das experiências musicais de Victor nos EUA. Segundo o autor, a ausência do saxofonista brasileiro nas aulas de saxofone e nas aulas teóricas sobre jazz reflete uma questão mais profunda que apenas uma dificuldade de acordar pela manhã. No depoimento de seus colegas, ao chegar aos EUA, Victor foi considerado já proficiente em seu instrumento pelos professores norte-americanos, o que teria gerado seu desinteresse pelas aulas e ao mesmo tempo o seu interesse por outras atividades. O saxofonista frequentava a escola no período da tarde para tocar com os alunos e professores, além de se aproveitar do considerável número de big bands e orquestras para fazer experimentações no campo da composição e do arranjo, tanto na linguagem da música popular como na da erudita (PINTO, 2011, p. 53).

6 Em “Stolen Stuff” e “Plexus”, ouvimos uma série de características que poderíamos destacar como referências

ao jazz. Durante a exposição e reexposição do tema (principalmente em “Stolen Stuff”), ouvimos um acompanhamento baseado em ostinato e a abertura de vozes para os sopros em referência a sonoridade de bandas de jazz dos anos 1950 como o The Jazz Messengers, por exemplo. Os ataques rítmicos convencionados na cozinha e breques combinados de toda a banda também são bastante característicos de gravações de jazz desse período. Nas duas faixas, ouvimos claramente nas seções de improviso a bateria tocando variações da “rítmica do prato de condução” (ride cymbal beat) característica do jazz pós-1940 (MONSON, 1998, p. 54-57); além disso, o baixo sustenta o acompanhamento a partir do procedimento de walking bass e o piano interage com os solistas em um tipo característico de acompanhamento chamado comumente de comping (esse último conceito será melhor discutido adiante).

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Além de experienciar um repertório variado e de não estudar o jazz de maneira formal, entendemos que outro fator também contribuiu para manter a variedade de influências no repertório de Victor Assis Brasil. Logo depois de chegar a Boston, Victor se junta a Nelson Ayres, Claudio Roditi, Zeca Assumpção e Buss Blackledge – sendo os três primeiros brasileiros que também estudavam na Berklee – e forma o quinteto Os Cinco. Segundo Pinto (2011, p. 52), o grupo se destacou nesse ambiente escolar graças a seu grande entrosamento, a utilização de instrumentos incomuns ao jazz como o berimbau e a presença de composições inéditas que incorporavam elementos da música brasileira. Entendemos que a valorização desses elementos da música brasileira por parte dos músicos norte-americanos tenha reafirmado, ou apenas confirmado, a importância desse referencial musical para o saxofonista. No período de férias escolares do ano de 1970, Victor Assis Brasil passa boa parte do mês de agosto gravando seus dois próximos discos: Jobim e Esperanto (reeditado em 1990 com o nome de The Legacy). Assim como em seus dois primeiros discos, Desenhos e Trajeto, o saxofonista reitera sua dualidade entre música brasileira e o jazz e dedica cada um dos dois novos discos a um desses repertórios. No entanto, apesar de um deles se voltar mais para o repertório brasileiro e o outro para o do jazz, podemos dizer que procedimentos e elementos dos dois lados se fazem presentes tanto em um disco quanto no outro.

Em Jobim, notamos um diálogo com Desenhos em relação à escolha do repertório e na presença de características que remetem ao samba-jazz. Fazendo jus ao nome, o disco

Jobim apresenta quatro músicas desse compositor carioca: “Wave”, “Só tinha de ser com

você”, “Bonita” e “Dindi”. Todas elas foram gravadas e lançadas pela primeira vez entre 1965 e 1967, e apresentam características emblemáticas da Bossa Nova, como o maior número de tensões incorporadas à melodia e harmonia e a estilização da rítmica do samba tal como foi apresentada por João Gilberto.

O segundo disco gravado em 1970, Esperanto, é majoritariamente autoral – sendo que apenas a primeira faixa, “Gingerbread Boy”, não é uma composição de Victor Assis Brasil. Assim como Jobim se alinha com Desenhos em termos de repertório, Esperanto pode ser colocado ao lado de Trajeto por ser um disco fundamentalmente de jazz.

Apesar de as propostas de repertório de Jobim e de Esperanto darem continuidade ao repertório dos discos anteriores, a escuta desses dois discos de 1970 nos revela diferenças de abordagem em relação a esses repertórios. Considerando a ida de Victor para os EUA, mais especificamente para estudar jazz na Berklee, podemos inferir que o saxofonista teve durante esse período um contato intenso com uma maior diversidade do repertório desse gênero. Como possível consequência, podemos apontar a presença de alguns procedimentos jazzísticos que não estavam presentes em seus dois primeiros discos.

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Já na primeira faixa do disco Jobim, intitulada “Wave”, podemos notar a alternância entre uma abordagem harmônica tonal, presente na composição, e uma abordagem harmônica modal. O segundo caso, que ainda não fora ouvido com esse destaque nos discos anteriores de Victor, alinha-se a uma maneira de pensar composição, improvisação e interação que obteve sua consagração dentro do repertório jazzístico através do disco Kind of Blue (1959), idealizado pelo trompetista Miles Davis e pelo pianista Bill Evans. Tal abordagem, comumente chamada de jazz modal, foi resumida por Monson em duas características principais: “um número menor de acordes (se comparado a standards de jazz ou composições

de bebop) e (consequentemente) maior liberdade na seleção de notas e escalas...”

(MONSON, 1998. p. 150).7

A alternância entre modal – presente na introdução e nas seções de improviso – e tonal – na exposição e reexposição do tema – materializam um resultado sonoro que evidência a tensão entre as influências do jazz e da música brasileira. Quando os músicos passam de uma seção modal para uma tonal, não apenas o material harmônico se altera, mas também a maneira como acompanham, interagem e improvisam. O que ouvimos é uma música do repertório da Bossa Nova se revezando com um procedimento do jazz contemporâneo à época. Podemos entender “Wave” como uma experiência bastante particular de Victor em relação ao samba-jazz, experiência essa, na qual o referencial jazzístico é expandindo – para além do Bebop e do Hardbop – e que os elementos da música brasileira e norte-americana aparecem lado a lado, em alternância e não misturados.

Outra característica ouvida em Esperanto e que também se relaciona com os anos vividos nos EUA é a presença de procedimentos e sonoridades associados à música clássica ou de concerto. Como apontado por Pinto (2011), quando na Berklee, Victor se depara com a possibilidade de escrever para formações instrumentais maiores – de big bands a orquestras – o que teria aumentado seu interesse pela música de concerto e por sua mistura com o jazz. Segundo depoimento do próprio Victor (SOUZA, 1974), e de colegas que também estudaram na Berklee (PINTO, 2011. p. 53), o saxofonista aproveitou a estrutura da escola para praticar e experimentar no campo da composição e da orquestração de maneira bastante livre.

Na última faixa de Esperanto, ouvimos “Quartiniana” composta pelo próprio Victor Assis Brasil8. Notamos a ausência do acompanhamento rítmico e harmônico executado pelo contrabaixo e pela bateria e presente em todas as outras músicas do disco; ao invés disso

7 No original: “The therme modal jazz has come to be associated with these two musical characteristics: fewer

chords (than jazz standards or bebop compositions) and (consequently) greater freedom of note (and scale) selection […]”. MONSON, Ingrid. In the Course of Performance: Studies in the World of Musical

Improvisation. University of Chicago Press, 1998. p. 150.

8 Na ocasião da reedição em CD dos discos do Victor Assis Brasil, “Quartiniana” foi lançada no disco Jobim e

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ouvimos um acompanhamento de órgão, violão e contrabaixo que – se não escrito – é tocado de maneira mais fixa, sem interação improvisada entre os instrumentos. Por sua vez, as melodias improvisadas surgem como elementos internos da estrutura da música e não em posição de destaque como no repertório jazzístico. Levando isso em conta, entendemos que o material que cada músico executa e a maneira como o faz foram mais delimitados pelo compositor, planejados anteriormente à performance. Como resultado, ouvimos sonoridades e formas de interação diferentes das esperadas para um quarteto de jazz e que se aproximam, por exemplo, de um grupo de câmara. Sob essa perspectiva, a presença de “Quartiniana” no disco Esperanto pode ser interpretada como consequência desse contato que Victor Assis Brasil teve nos EUA com a composição e escrita para grupos de câmara e orquestras.

Depois de mais uma temporada em Boston, estudando e tocando na Berklee e seus arredores, Victor Assis Brasil retorna definitivamente para o Brasil em 1974. Ao final desse mesmo ano lança o disco Victor Assis Brasil Ao Vivo, registro de uma apresentação no Teatro da Galeria no Rio de Janeiro. Na formação de quinteto – saxofone, trompete, piano, baixo e bateria – Victor apresenta um repertório de quatro faixas, sendo uma delas um standard de jazz, “Somewhere” e as outras três de sua autoria: “Waving”, “Pro Zeca” e “Puzzle”.

Nessa gravação notamos a consolidação de alguns recursos já utilizados nos discos gravados em 1970. Dentre eles, podemos citar a presença de longas seções em rubato, nas quais a velocidade de mudança dos acordes acontece baseada em como o saxofonista interpreta a melodia e não em cima de um andamento regular. Tal recurso já fora ouvido nos arranjos de “Wave” e “Dindi” e é incorporado como recurso composicional em “Puzzle”. Além disso, podemos apontar também a presença marcante de seções modais em Victor Assis

Brasil Ao Vivo. Anteriormente ouvida em oposição a seções tonais no arranjo de “Wave”, a

abordagem modal aparece agora totalmente incorporada nas composições “Pro Zeca” e “Puzzle” – nessa última, os improvisos ocorrem sobre a alternância entre dois acordes menores distantes uma segunda menor, e que podemos associar diretamente a harmonia da música “So What” do já citado álbum Kind of Blue, emblemático do jazz modal.

Outra característica marcante do disco Victor Assis Brasil Ao Vivo reside no fato de a faixa “Pro Zeca” se utilizar de elementos do gênero baião, fato inédito até então nas gravações do saxofonista. Como apontado por Linhares (2007), em sua dissertação “Pro Zeca de Victor Assis Brasil: Aspectos do hibridismo na música instrumental brasileira”, tanto na composição como nos recursos interpretativos e de improvisação encontramos elementos como: rítmica característica do baião na melodia e no acompanhamento; harmonia e melodia fundamentadas nos modos mixolídio, lídio e em combinações dos dois; acentuação rítmica e padrões de articulação característicos. O uso desse referencial do baião aponta para um

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distanciamento, por parte de Victor, do referencial até então bastante presente do samba-jazz – que como o próprio nome explicita, dá preferência à utilização de elementos musicais característicos do samba. No entanto, como veremos a seguir, tal distanciamento não se confirma nos discos seguintes do saxofonista.

Um ano depois das seções no Teatro da Galeria que resultaram no disco Victor

Assis Brasil Ao Vivo, o saxofonista participou com quatro composições – inclusive o tema de

abertura – da trilha sonora da telenovela “O Grito”. Em 1976, estreia sua “Suíte para Sax Soprano, Piano e Cordas” (PINTO, 2011. p. 45-6) e em 1978 participa do Festival de Jazz de São Paulo, no qual foi aclamado pelo público, crítica e por músicos internacionais que também se apresentaram no evento (RAFFAELLI, 1979).

Nesse entremeio, mais especificamente em 1977, Victor se apresenta junto ao pianista Luis Eça no Museu de Arte Moderna, sendo que o registro dessa apresentação seria lançado em disco postumamente (1997). Nessa gravação, os dois instrumentistas se mostram extremamente à vontade, assumindo riscos como improvisar fora da Forma do tema, trabalhar texturas longamente e acrescentar materiais e ideias musicais totalmente distintas dos presentes nas composições. Por parte do Victor, notamos também, com frequência maior do que nas gravações anteriores, o uso de efeitos como glissandos, trinados e frases inteiras com a articulação em stacato.9

Próximo ao final precoce de sua carreira, Victor Assis Brasil lança mais dois discos – Quinteto em 1979 e Pedrinho em 1980 – e mais uma vez dedica um deles ao jazz e o outro à interação desse gênero com o repertório da música brasileira.

Quinteto é o único disco de Victor Assis Brasil totalmente autoral com cinco

composições do saxofonista, sendo uma delas em homenagem a Phil Woods, “Waltz for Phil”, e outra dedicada a John Coltrane, “Waltz for Trane”. A declaração de admiração aos dois saxofonistas norte-americanos – que começaram sua produção a partir do final de 1950 – corrobora para a ideia de que Victor, após sua estada nos EUA, buscou atualizar sua referência de jazz para além dos anos 1940-50. Apesar de todas as músicas do disco remeterem às características do jazz – em termos de melodia, ritmo, harmonia e interação entre os músicos – o saxofonista carioca demonstra, principalmente nas duas músicas mais lentas (“Balada para Nádia” e “Waltz for Trane”), uma abordagem bastante interessante em

9 Glissando: Termo normalmente usado como uma instrução para executar uma passagem em movimento rápido

e contínuo. (Verbete Glissando do Dicionário Grove de Música. Versão online, último acesso em 08/06/2015).

Trinado: alternar entre duas notas rapidamente sendo o intervalo entre as duas notas normalmente pequeno. Stacato: terminologia da música clássica que designa, no caso do saxofone, um ataque de língua no início da

nota e a diminuição da sua duração; pode vir ou não acompanhado de uma acentuação. A definição de staccato será mais bem discutida no Capítulo 3, item 3.2.2.2.

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relação ao swing feel10, variando a proporção de durações entre a colcheia do tempo forte e a

do tempo fraco – e, por vezes, até mesmo negando o swing feel e tocando todas as colcheias com a mesma duração.

Pedrinho, assim como Desenhos e Jobim, reafirma mais uma vez a presença

concomitante do jazz e da música brasileira em toda a produção musical de Victor Assis Brasil. Em relação ao repertório, podemos dizer que o último disco de sua carreira resume e exemplifica toda a discografia do saxofonista já que nele ouvimos temas de jazz (“It’s all right with me”, “’S Wonderfull” e “Night and Day”), músicas do cancioneiro brasileiro (“Nada Será Como Antes” e “O Cantador”) e duas composições autorais (“Pedrinho” e “Penedo”).

Após o lançamento de seu último disco em 1980, poucos são os registros biográficos a respeito de Victor Assis Brasil. O saxofonista, arranjador e compositor morreu em 1981 de periartrite nodosa, rara doença do sistema nervoso, e encerrou precocemente sua carreira aos trinta e cinco anos de idade.

1.2. Proposta de periodização da discografia

A partir da revisão de sua biografia e dos apontamentos a respeito do repertório e das principais características musicais de cada álbum, apresentamos uma proposta de periodização da discografia de estúdio de Victor Assis Brasil. Como marco de divisão, adotamos o período em que o saxofonista esteve nos EUA, por entender que esse período de formação acrescentou novos referenciais à sua produção musical. De maneira esquemática, temos:

1ª Fase: anterior ao período nos Estados Unidos Discos: Desenhos (1966) e Trajeto (1968) 2ª Fase: durante o período nos Estados Unidos Discos: Jobim (1970) e Esperanto (1970) 3ª Fase: após o retorno dos Estados Unidos Discos: Quinteto (1979) e Pedrinho (1980)

10 O termo swing feel é aqui usado para se referir à duração irregular das figuras rítmicas de colcheia, observável

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Como característica comum, cada uma das fases engloba um disco totalmente direcionado para o repertório de jazz (Trajeto, Esperanto e Quinteto) e outro com conteúdo mais diversificado, incluindo além de temas de jazz, composições autorais em outros gêneros e versões instrumentais de canções brasileiras (Desenhos, Jobim e Pedrinho). Considerando o foco deste trabalho, nos propusemos a analisar gravações das três fases de sua discografia com o intuito obter uma visão global de como o saxofonista abordou o repertório de canção durante sua carreira. Mais especificamente, foram selecionadas: “Feitiço da Vila” e “Minha Saudade” do disco Desenhos (1ª. Fase), “Só tinha de ser com você” e “Dindi” do disco Jobim (2ª. fase) e “O Cantador” do disco Pedrinho (3ª. Fase).

1.3. Samba-jazz

A difícil definição e localização do samba-jazz em meio a outros gêneros musicais tem sido alvo de reflexão no meio acadêmico que se volta para música popular. Sua característica híbrida, sugerida pelo próprio nome, aponta para a confluência de dois gêneros distintos, o que contribui para a dificuldade em delimitar suas fronteiras. Além disso, a sua proximidade com a Bossa Nova e a concomitância com importantes processos sociais e políticos do Brasil, nos anos 1960, tornam sua discussão ainda mais complexa.

Tendo isso em vista, a intenção desta parte do trabalho não é de encerrar essa discussão, mas de ressaltar aspectos importantes desse repertório que contribuam para a compreensão do objeto estudado – as gravações instrumentais de Victor Assis Brasil interpretando canções brasileiras.

1.3.1. Samba, jazz e Bossa Nova: atrito e conciliação

Com o início das jam sessions em 1954 (SARAIVA, 2007, p. 37), o cenário musical já bastante diverso de Copacabana ganha mais um elemento. A partir desse ponto, a atenção do público das boates da zona sul do Rio passaria a se dividir entre boleros, sambas-canção, tangos, foxtrotes, sambas e a nova “sensação do momento”: o jazz. A imagem de “modernidade” atribuída a esse gênero norte-americano e a noção de que a sua influência seria capaz de modernizar outras músicas transformou o jazz em sinônimo de “sofisticação” e “bom gosto” (Ibid., p. 22).

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Nesse contexto, logo se iniciaram experimentações de aproximação entre o jazz e a música brasileira. Com seu rótulo de autenticidade, o samba logo se torna a principal fonte de material para essas experimentações. Dentro desse contexto, e se tratando de música instrumental, Saraiva (2007, p. 78) delineia quatro tipos de interação entre jazz e samba nesse cenário de final dos anos 1950 e início de 1960 em Copacabana: a “tentativa [por parte de brasileiros] de tocar jazz mesmo”; “tocar jazz como se fosse samba”; “tocar samba como se fosse jazz”; e, por fim, “tocar samba com características consideradas jazzísticas”. Mas em meio a todas essas experimentações, onde se encontra o samba-jazz?

Como o apresentado por Saraiva e Gomes, delimitar o alcance do termo samba-jazz enfrenta primeiramente a não consonância de seu uso em dois períodos distintos. O termo foi usado pela primeira vez no início de 1960 por críticos de música ao se referirem – geralmente de forma pejorativa – a aproximação entre samba e jazz presente em discos de músicos norte-americanos como Cannoball Adderley, Stan Getz e Charlie Byrd e em alguns discos de brasileiros que apresentavam uma junção “não resolvida” entre essas diferentes musicalidades (SARAIVA, 2007, p. 95-9). De maneira bastante geral, esses discos se encaixam na segunda categoria de interação entre samba e jazz citada acima – “tocar jazz como se fosse samba”. Mais recentemente, o termo samba-jazz foi resignificado “como subgênero do mercado fonográfico” (Ibid., p. 103) e passou a abarcar a produção musical que se encaixa no quarto tipo de interação entre samba e jazz apontado por Saraiva: “tocar samba com características consideradas jazzísticas”. Indo além disso, a atual ressignificação do termo transforma a tensa aproximação entre samba e jazz – considerada anteriormente contraditória e desestabilizadora – em “característica positiva e definidora do gênero” (Ibid., p. 103).

No entanto, por que esse repertório instrumental dos anos 1960 passa pelo processo (ou tentativa) de legitimação tanto tempo depois de suas primeiras manifestações se comparado à Bossa Nova – que se consolida e consagra enquanto marco de modernidade na história da música popular na mesma época e lugar? Segundo Saraiva (2007, p. 74-76), a Bossa Nova apresenta em sua aproximação do samba com jazz a ideia de síntese entre essas musicalidades, característica que, como veremos adiante, não se concretiza completamente no samba-jazz. A autora especifica que, na Bossa Nova, a síntese do ritmo do samba, atribuída a João Gilberto, e a apropriação e adaptação da linguagem harmônica do jazz para o repertório temático e melódico “locais” deu conta de modernizar o samba e ao mesmo tempo respeitar o ideário de legitimidade construído para música popular brasileira até então. Nesse ideário, características como “a mestiçagem” ou “a presença de influências culturais diversas” e a

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“incorporação dessas influências através de sua transformação e adaptação para o contexto local” seriam garantidoras dessa legitimidade.

A frequente aproximação do que hoje chamamos samba-jazz com a Bossa Nova, através de termos como bossa nova instrumental sugere, a partir de uma suposta proximidade de características musicais, a busca por legitimidade e até mesmo por um espaço mercadológico. No entanto, como apresentado por Gomes (2010) em sua tese de doutorado, esse repertório instrumental propõe uma interação entre samba e jazz que ao mesmo tempo dialoga com a Bossa Nova e difere da mesma. Em termos musicais mais específicos, esse autor aponta para a matriz rítmica do samba como um elo de semelhança marcante entre os dois repertórios. Contudo, trabalhando com a distinção entre procedimento musical e

elemento musical, Gomes aponta para diferenças de abordagem no samba-jazz e na Bossa

Nova em relação a essa matriz rítmica do samba e em relação a características advindas do jazz.

Segundo Gomes, procedimentos musicais são “estratégias de ação musical que, embora possam ser recorrentes em um dado estilo ou gênero, a princípio poderiam ser adotadas por qualquer estilo ou gênero” (GOMES, 2010, p. 37). A partir dessa definição, podemos destacar alguns procedimentos do jazz que foram incorporados na produção musical de final dos anos 1950 até 1960: uma abordagem específica da improvisação, um tipo de acompanhamento baseado na interação com o solista e a utilização frequente de acordes com extensões. No entanto, a incorporação de tais procedimentos se deu de forma diferente nos repertórios do samba-jazz e da Bossa Nova.

Como colocado anteriormente, a Bossa Nova incorpora a abordagem harmônica do jazz, que, entre outras coisas, acrescenta mais extensões aos acordes, e a adapta em função do universo melódico “local”. No caso do samba-jazz notamos também a incorporação desse

procedimento harmônico, mas nesse caso entendemos que ela é feita no intuito de expandir as

possibilidades de atuação de outro procedimento, o solo improvisado sobre a progressão harmônica do tema. Por sua vez, essa abordagem jazzística de improvisação aparece com papel central no repertório instrumental ao passo que, na Bossa Nova, tal procedimento aparece de forma adaptada e subjacente – sendo por vezes até considerada “inadequada” a esse universo focado na interação entre melodia e letra e, consequentemente, na atuação do cantor (TATIT apud GOMES, 2010, p. 84).

Além das formas diferentes de se assimilar procedimentos advindos do jazz, Gomes também aponta para diferenças entre samba-jazz e Bossa Nova em sua relação com a

matriz rítmica do samba. Segundo o autor (GOMES, 2010, p. 42-43), o que ficou conhecido

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“diluição”, de uso conciso do que Sandroni (2001) definiu como “paradigma da Estácio” (ver Figura 1) – uma figuração rítmica específica que se repete ciclicamente11 e que se torna “denominador comum nacional do que se vai entender por samba” (GOMES, 2010, p. 41). Essa utilização concisa da matriz rítmica do samba, característica da Bossa Nova, aparece nesse repertório no acompanhamento executado por instrumentos como o violão e o piano e de forma geral, mantém a noção de ciclo presente no “paradigma da Estácio” (Ibid., p. 44).

Figura 1 – a) Exemplo da figuração rítmica chamada por Sandroni de “paradigma da Estácio”; b) e c) Exemplos apresentados por Gomes (2010, p. 42-43) de uso conciso da matriz rítmica do samba no repertório da Bossa Nova.

Como colocado por Saraiva (2007, p. 95-99; p. 100-101), o repertório sob o rótulo de samba-jazz é aquele que se comunica com o samba através do processo de síntese desenvolvido pela Bossa Nova. Dessa forma, a ideia de uso conciso da matriz rítmica do samba também se faz presente no samba-jazz tanto no acompanhamento como nas melodias escritas ou improvisados. Porém, no caso do acompanhamento, de maneira geral, essa matriz

rítmica perde o caráter de repetição cíclica e passa a ser usada livremente. Mais

especificamente, podemos ouvir no samba-jazz um desprendimento de instrumentos como o piano e, por vezes, a bateria da função de “manter o ritmo” ou a “levada”. Ainda apoiados sobre a matriz rítmica do samba, esses instrumentos se aproximam de um procedimento jazzístico comumente chamado de comping em que os acompanhadores interagem de maneira improvisada com o solista, ora respondendo aos estímulos desse, ora o provocando ou preenchendo os espaços vazios (LEVINE, 1995).

Além dessa nuance em relação à apropriação de procedimentos do jazz pela Bossa Nova e pelo samba-jazz, Gomes acrescenta mais uma diferença marcante entre os dois

11 Entendemos que apesar de tal figuração rítmica sofrer variações de uma música para outra ou dentro de uma

mesma música, a ideia de ciclo sempre se mantém através da manutenção da métrica (compassos de 2/4 com predominância da subdivisão de semicolcheia), da duração das frases rítmicas (dois compassos de 2/4) e da colocação das acentuações dentro dessas frases.

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repertórios. Enquanto o primeiro incorpora tais procedimentos e os adapta ao seu universo de concisão e intimismo, o segundo não apenas se utiliza mais diretamente desses procedimentos como, ao fazê-lo, acaba por assimilar também elementos de estilo. Dentro do repertório do samba-jazz podemos notar com alguma frequência a presença de frases, padrões melódicos e figuras rítmicas advindos do jazz e a utilização do trio piano, baixo, bateria como base da instrumentação (sendo a ausência do violão um aspecto de diferenciação importante em relação à Bossa Nova) (GOMES, 2010, p. 62). A presença literal desses elementos do jazz no repertório do samba-jazz possibilita a distinção das características de cada musicalidade envolvida, distanciando-se assim da ideia de síntese presente na Bossa Nova e evidenciando o atrito entre as influências envolvidas (PIEDADE, 2011).

Outra distinção comumente levantada em relação a essas duas manifestações do samba em contato com jazz diz respeito justamente a qual parte do repertório do gênero norte-americano cada uma delas faz referência. A forma de cantar de João Gilberto, centrada no detalhe e com a projeção próxima a da fala, é constantemente relacionada à de Chet Baker; em consonância a isso, o caráter de intimismo e suavidade atrelados ao esmero da execução musical da Bossa Nova se associam ao cool jazz12. De forma contrastante, a “execução

vigorosa, franca e brilhante” (GOMES, 2010, p. 60) do samba-jazz sugere um diálogo maior com o hardbop e seu enfoque maior na improvisação. No entanto, como apontado pelo próprio Gomes (2010, p. 59), tais diferenciações são muitas vezes questionáveis, já que vários músicos participavam da produção e gravação dos dois repertórios.

A diferença em relação ao caráter e a presença ou não da improvisação na Bossa Nova e no samba-jazz pode também ser associada ao fato de uma manifestação ser majoritariamente instrumental e a outra não. Sem a presença do cantor, o solista instrumental passa a ser o centro da performance e características como proficiência técnica e exploração dos limites do instrumento passam a ser valorizadas. A fim de dar espaço para que tudo isso pudesse acontecer, podemos apontar no repertório do samba-jazz a tendência a “solos extensos e virtuosísticos” (Ibid., p. 60), ao passo que na Bossa Nova os improvisos são mais concisos e no geral buscam relações com a melodia da canção da qual participam.

Olhando mais especificamente para a produção de Victor Assis Brasil, notamos uma curiosa alternância entre solos curtos e outros mais extensos. Em seu primeiro disco

(Desenhos) – que apontamos como mais diretamente relacionado ao samba-jazz – o

saxofonista improvisa solos mais curtos em faixas como “Primavera” (um chorus) e “Minha

12 Ao aproximar Bossa Nova e cool jazz é importante ressaltar a não semelhança de abordagem em relação à

improvisação. Apesar das diferenças entre cool jazz e hardbop, em ambos a improvisação tem papel central. Na Bossa Nova, como apontado anteriormente, a improvisação jazzística assume função secundária ou muitas vezes nem se faz presente.

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saudade” (um chorus) sendo as duas canções adaptadas do repertório da Bossa Nova; já no disco Jobim em faixas como “Wave” e “Bonita”, também canções em versão instrumental, ouvimos solos mais longos. Tal comportamento será investigado de maneira mais aprofundada no capítulo de análises.

* * *

Apesar das diferenças em termos de caráter e da maneira como incorporaram a influência do jazz, a Bossa Nova e samba-jazz compartilham de um repertório comum – seja em termos de composições ou em um entendimento mais amplo de repertório enquanto um conjunto de referências. Segundo Saraiva (2007, p. 100-101), aquilo que hoje se consolida – ou busca se consolidar – como samba-jazz se apropria do “samba” via Bossa Nova, seja através da “diluição da matriz rítmica” (GOMES, 2010, p. 42) ou do repertório de composições propriamente ditas. Assumindo o caráter de legitimidade atribuído à Bossa Nova, enquanto música popular moderna, e sua consequente consagração em termos de alcance de público, entendemos que o samba-jazz, compartilhando de seu repertório – ainda que sem a presença da letra e em uma abordagem musical ora semelhante, ora distinta – dialoga em grande parte com um mesmo universo temático.

Partindo dessa relação de distinção em abordagem musical e proximidade em temática estabelecida entre o samba-jazz e o universo da canção – mais especificamente à Bossa Nova –, entendemos ser possível apontar, dentro do recorte da produção de Victor Assis Brasil proposto neste trabalho, relações entre sua interpretação instrumental e sentidos atribuídos ao repertório cancional por ele adaptado. Dentro de sua discografia, notamos a presença constante do repertório da Bossa Nova reinterpretado através da abordagem do que vem sendo chamado de samba-jazz. Tendo isso em vista, buscaremos apontar, nas análises contidas neste trabalho, as nuances entre o foco na performance instrumental – dialogando mais diretamente com o referencial jazzístico instrumental – e as possíveis ligações entre as interpretações de Victor Assis Brasil e esse universo temático e de sentidos contidos nas canções gravadas por ele.

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2. Considerações sobre a prática

O conteúdo deste capítulo tem por finalidade apresentar a metodologia utilizada para o desenvolvimento da parte prática desta pesquisa, bem como esclarecer a mútua influência entre essa metodologia e o modelo de análise das gravações de Victor Assis Brasil adotado.

2.1. Justificativa para a metodologia

O estudo de música popular ainda se dá principalmente através do que Teixeira e Hentshke (2009, p. 74-75) definiram como prática informal, ou seja, situações de aprendizado que envolvam, entre outras coisas, “o desenvolvimento cinestésico e aural”. Na prática, o procedimento mais comum dessa forma de estudo é o de “aprender músicas de ouvido”, ou seja, através da audição de uma gravação e sem o auxílio de uma partitura. Mais do que simplesmente assimilar partes estruturais de determinada música – como melodia, harmonia e Forma – o instrumentista que aplica esse método de aprendizado incorpora também os recursos expressivos pertencentes ao gênero musical envolvido e ao intérprete no qual se referencia.

No entanto, dado que o fazer musical e, consequentemente, a atividade de um instrumentista são processos criativos, a simples imitação da performance de outro instrumentista consagrado não seria suficiente como recurso formador. Levando isso em conta, podemos dizer que o desafio do processo de aprendizagem do instrumentista popular reside em encontrar estratégias de prática que contribuam na síntese de uma maneira particular de interpretar articulando as diversas referências musicais que ele, deliberada ou intuitivamente, adquire. No contexto da música popular, a busca por essas características que particularizem a performance é reforçada pela constante valorização de atributos como a capacidade de improvisar, rearranjar e reinterpretar.

Sob essa perspectiva, olhando novamente para a prática informal associada à música popular, notamos que o procedimento audição-imitação – comumente presente no discurso de instrumentistas profissionais ou estudantes – não descreve a totalidade dessa forma de aprendizado baseada no “desenvolvimento cinestésico e aural”. Como descrito no parágrafo anterior, a necessidade de articular diversas referências de maneira particular acrescenta à cadeia audição-imitação uma fase posterior de síntese de uma performance inédita. Seja reaproveitando o mesmo material musical presente na performance de referência ou explorando novos repertórios, o intérprete associa recursos expressivos adquiridos via

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audição-imitação com outras referências já assimiladas e constrói sua maneira particular de interpretar.

Contudo, ao acrescentarmos a fase de síntese de uma nova performance nesse processo de aprendizado do intérprete, o procedimento de audição, imitação e reinterpretação ainda se encontra incompleto. Segundo Mannis (2014, p. 212), a síntese constitui a última instância da rotina de processos cognitivos que caracterizam o processo criativo, sendo precedida pela análise e essa, pela percepção. Nas palavras do autor “[...] algo só pode ser analisado após ter sido percebido, e só pode ser sintetizado após ter sido identificado, classificado e repertoriado, portanto, analisado” (Ibid., p. 213). Dentro desse plano de ação, a construção de uma reinterpretação a partir de recursos expressivos assimilados pelos processos de audição e imitação13 pressupõe uma análise das interpretações tomadas como referência na fase de percepção.

Assim como o constatado em relação à síntese de uma nova interpretação, o processo de análise, que como vimos também é inerente à prática informal, nem sempre é mencionado no discurso de seus praticantes. Siste (2009, p. 21-24), ao revisar diversos artigos acadêmicos sobre a área de Práticas Interpretativas, aponta a tendência de alunos e professores de não formalizarem suas reflexões a respeito da prática do instrumento, seja em relação às estratégias de ensino e aprendizagem ou em relação aos processos criativos propriamente ditos. No entanto, o que transparece desse levantamento é que, tanto na prática formal14, como na informal, o que está ausente não é o processo analítico, mas sim a sua formalização, ficando essa a cargo, por exemplo, daqueles que desenvolvem pesquisa acadêmica na área.

Dentro desse âmbito da pesquisa em Práticas Interpretativas, Siste (2009, p.72-73) aponta para a recorrência de dois tipos de análise: uma voltada para o contexto em que foi concebida a obra, e outra voltada para a obra em si, focada principalmente em seus aspectos estruturais. No atual projeto de pesquisa, ainda que o objeto de estudo tenha sido abordado de maneira expandida, levando em consideração sua posição na carreira de Victor Assis Brasil e sua relação com outros eventos musicais e históricos, focamos a maior parte do trabalho na análise do referencial sonoro propriamente dito e ao aproveitamento desse referencial e dessas análises dentro do âmbito prático, que visa o aprimoramento da própria performance como intérprete.

13 Dentro da ideia de processos cognitivos, a própria audição-imitação encerra em si um ciclo primário de percepção, análise

e síntese que tem como função checar a compreensão adquirida em relação ao objeto. Cada imitação realiza a checagem, por comparação, da assimilação da performance estudada e possibilita o levantamento de recursos expressivos na fase de análise mais geral, dentro do ciclo cognitivo em que a audição-imitação representam apenas a fase de percepção (ver MANNIS, 2014, p. 212-216).

14 Aqui utilizamos o termo prática formal no sentido de situações ligadas ao ensino da denominada música clássica ocidental,

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Ainda em relação ao processo de análise presente neste projeto, algumas considerações se fazem necessárias. Diferente dos trabalhos estudados por Siste, em que a partitura tem papel central na análise estrutural das obras15, adotamos como referência para as análises contidas nessa pesquisa a representação do objeto formada pelo conjunto fonograma-transcrição16. Segundo Napolitano (2003), o fonograma materializa uma melhor representação de uma performance de música popular, já que, com frequência, o intérprete não se apoia em material notado ou o utiliza de maneira bastante livre. Nesse sentido, o fonograma é o principal elo entre a performance estudada e as observações levantadas na análise. Por sua vez, a transcrição – que na realidade já materializa resultados de uma primeira análise, em que elementos são notados e outros são deixados de lado – facilita a visualização de estruturas gramaticais como a Forma ou padrões gerados pela recorrência de elementos temporalmente distantes na gravação. Essa abordagem centrada na complementaridade entre fonograma e transcrição tem sido sistematicamente adotada por outras pesquisas em Práticas Interpretativas, cujo objeto se insere no repertório da música popular (ver, por exemplo, BASTOS, 2013; FERREIRA, 2009; LINHARES, 2007; MAURITY, 2006; MAGALHÂES PINTO, BOREM, 2013; MAXIMIANO, 2009).

No entanto, apesar da semelhança em relação ao referencial adotado para as análises, a presente pesquisa propõe abordagens diferentes do objeto se comparada com esses trabalhos. A primeira delas está relacionada com o objetivo prático desta pesquisa de

sintetizar reinterpretações ou ainda propor novas interpretações completas e não se aprofundar

unicamente sobre o estilo de improvisação do referencial estudado. Nesse sentido, ampliamos o escopo de observação das seções de solo improvisado para toda a performance contida na gravação – exposição e reexposição da melodia da canção, introduções e codas. Tal abordagem é, na verdade, parcialmente distinta, já que trabalhos como os de Bastos (2013), Linhares (2007), Maximiano (2009), também levam em conta a estrutura formal das gravações analisadas, mas, nem sempre consideram nas análises as escolhas interpretativas do instrumentista estudado fora da seção de improviso.17

15 A autora tem como objetos de estudo, principalmente, pesquisas na área de Práticas Interpretativas que

abordam o repertório de música erudita, e, por conta disso, aponta para a partitura como foco das análises estruturais desenvolvidas por esses trabalhos.

16 Aqui, buscamos estabelecer uma diferenciação entre transcrição e partitura. A primeira é posterior ao

acontecimento musical e subentende um processo de análise do mesmo. A segunda, no contexto em que aparece, refere-se à notação que, dentro da chamada tradição da música ocidental, serve de registro e suporte para a performance.

17 Importante ressaltar que nesse ponto do texto, bem como nos parágrafos seguintes, não apontamos a superação

das formas de análise da performance em música popular citadas. As incorporamos ao texto apenas para contribuir, através do apontamento de semelhanças e diferenças, na definição de nossa própria abordagem do objeto.

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