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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 02P3147

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 02P3147

Relator: FRANCO DE SÁ Sessão: 05 Fevereiro 2003 Número: SJ200302050031473 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC PENAL.

Sumário

Texto Integral

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

O Tribunal da Relação do Porto proferiu o seguinte acórdão:

No 2º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Famalicão, foi julgado

(conjuntamente com outros arguidos que foram absolvidos), o arguido A que veio a ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº. 21º, nº. 1, do DL nº. 15/93, de 22/1, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com a decisão veio o arguido interpor recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:

1ª. - Os elementos probatórios recolhidos nos autos e referidos na

fundamentação são insuficientes para a formação da convicção quanto aos factos provados e referidos em 4, 5, 14 e 15 do douto acórdão, artº. 410º, do CPP.

2ª. - Também, a prova produzida em audiência, registada em fita magnética, apesar do recurso às regras da experiência, é insuficiente para a prova dos aludidos factos pelo que foi incorrectamente julgada. Artº. 412º, do CPP.

3ª. - As declarações do arguido, eventualmente a renovar, constituíram o suporte para tal prova, todavia, as mesmas apontam para uma posição totalmente oposta, isto é, de que o arguido estava enganado quanto ao produto que transportava.

4ª. - A prova de que o arguido tinha perfeito conhecimento da substância que transportava não resulta seguramente do conjunto de elementos recolhidos em sede de julgamento.

5ª. - Verifica-se por outro lado do texto da decisão que foram dados como não

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provados factos em oposição com a matéria constante dos mencionados

números 4, 5, 14 e 15 do acórdão, o que constitui contradição insanável e erro notório na apreciação da prova, artº. 410º, do CPP.

6ª. - Por outro lado, resultou provado que o arguido está bem inserido social e familiarmente, goza de boa reputação no meio em que vive, tem bom

comportamento antes e depois da sua prisão, e, apesar da sua activa e produtiva.

7ª. - Este circunstancialismo conduz a uma imagem global de que a conduta do arguido, a considerar-se provada, constitui um acontecimento isolado.

8ª. - Impunha-se que na fixação da medida da pena o douto tribunal considerasse tais circunstâncias favoráveis ao arguido de forma mais acentuada, artº. 71º, do CP.

9ª. - Justificava-se, por isso a atenuação especial da pena, designadamente por traduzirem uma diminuição da necessidade da pena a aplicar, artº. 72º, do CP.

10ª. - Em qualquer caso, porém, sempre a pena deveria situar-se próximo dos limites mínimos, com suspensão da sua execução, artº. 50º, do CP.

11ª. - O douto acórdão violou ou fez errada aplicação das disposições legais citadas pelo que deve ser revogado.

No Tribunal recorrido, o Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo concluído do seguinte modo "O douto acórdão recorrido NÃO violou, NEM fez errada aplicação de quaisquer disposições legais,

designadamente das alegadas.

Face ao decidido, e ao respondido, resulta que o douto acórdão recorrido fez uma correcta aplicação da lei, não a violando em qualquer ponto, sendo a medida da pena aplicada, justa, ponderada e sensata, não merecendo

qualquer reparo ou censura, pelo que assim sendo, deve improceder, pois, na totalidade a tese do recorrente, e, em consequência, confirmar-se o douto acórdão recorrido, por ser de Lei e de Justiça.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, onde conclui também pelo não provimento do recurso.

Cumpriu-se o disposto no artº. 417º, nº. 2, do CPP, nada mais tendo sido acrescentado.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à realização da audiência com observância do formalismo legal.

Cumpre decidir: Factos dados como provados no Tribunal recorrido:

1- No dia 14 de Novembro de 2000 de manhã, o arguido B pôs à disposição do arguido C o seu veículo automóvel de matrícula NZ, marca "Honda", modelo

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"Civic CRX".

2- Ao volante deste veículo, o arguido C dirigiu-se para Espanha, tendo aí entrado pela fronteira de Valença/Tui.

3- Neste mesmo dia, pela manhã, o arguido A, conduzindo o seu veículo automóvel de matrícula PF, de marca "Volkswagen", modelo "Golf", dirigiu-se para Espanha.

4- O arguido A dirigiu-se para uma localidade situada entre Tui e Vigo, onde um indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar, lhe entregou uma caixa em cartão contendo duzentas barras de haxixe (resina de canabis), com o peso líquido global de 49.410,000 gramas.

5- O A acondicionou esta caixa na bagageira do seu referido veículo

automóvel, após o que se dirigiu para Portugal, pela fronteira de Valença/Tui.

6- Ao passar o arguido A pelo local onde o arguido C se encontrava, este avistou-o e seguiu o veículo por ele conduzido.

7- Cada um ao volante dos referidos veículos, os arguidos A e C dirigiram-se para Vila Nova de Famalicão, transportando o primeiro o referido haxixe.

8- Chegados a Vila Nova de Famalicão, foram ambos abordados por agentes da Polícia Judiciária, que apreenderam o referido haxixe e detiveram os arguidos C e A.

9- Nessa ocasião, tinha o arguido A na sua posse a quantia de 22.000$00 em notas do Banco de Portugal e um telemóvel de marca "Siemens", com o IMEI nº. ..., que igualmente foram apreendidos.

10- Aquele telemóvel havia sido entregue ao arguido A pelo arguido B ou por algum familiar próximo deste para fim concreto não determinado.

11- O arguido C tinha na sua posse a quantia de 44.000$00 em notas do Banco de Portugal e um telemóvel de marca "Nokia", com o IMEI nº. ..., que lhe

foram apreendidos.

12- Nesta mesma data (14 de Novembro de 2000) encontrava-se guardado no interior do referido veículo automóvel de marca "Honda" e matrícula NZ acima aludido um ovo em plástico contendo haxixe (resina de canabis), com o peso líquido de 1,900 gramas.

13- No porta luvas deste veículo encontrava-se ainda um outro telemóvel de marca "Nokia", modelo 3210, com o IMEI nº. ... e vários papéis, incluindo dois recibos de portagens, extractos de multibanco e outros manuscritos com números de telefone.

14- O arguido A tinha perfeito conhecimento da substância por si

transportada, bem como que a sua aquisição e detenção por qualquer modo são proibidas, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

15- O arguido A agiu de modo livre e voluntário, bem sabendo da consurabilidade e punibilidade da sua conduta.

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16- O arguido B, até à sua reclusão, trabalhava com o seu pai numa oficina mecânica de automóveis pertencente a este.

17- É solteiro, vivendo com os pais e irmã.

18- Tem de habilitações literárias o 7º. ano de escolaridade.

19- É estimado no meio em que vive.

20- Ao longo da reclusão, este arguido tem mantido uma conduta ajustada ao ordenamento institucional, não possuindo registo disciplinar.

21- Está actualmente a trabalhar no Estabelecimento Prisional como "faxina".

22- O arguido A é casado e tem três filhos maiores.

23- Teve várias ocupações no ramo da serralharia e o seu último emprego foi como operário fabril.

24- Actualmente está reformado.

25- Recentemente, tem-se ocupado da preparação de carros para provas desportivas, utilizando as instalações de uma oficina de automóveis e deslocando-se a Espanha com alguma frequência para adquirir peças.

26- Tem de habilitações literárias o 4º. ano de escolaridade.

27- Está social e familiarmente bem inserido e goza de boa reputação no meio em que vive.

28- Tem tido bom comportamento prisional e encontra-se a trabalhar no Estabelecimento Prisional.

29- O arguido C tinha, à data dos factos da acusação, 19 anos de idade.

30- É solteiro, vivendo com os seus pais e com uma irmã.

31- À data dos factos da acusação, frequentava o 12º. ano de escolaridade na Área Científico Natural.

32- No período de tempo entre 1/3/99 e 31/12/99 frequentou a Acção

"Actividades Laboratoriais de Química e Biologia" na Escola Secundária ..., projecto esse co-financiado pela Comunidade Europeia - Fundo Social Europeu.

33- Era escuteiro no Centro Nacional de Escutas da Vila de Joane deste concelho, ao qual ainda pertence.

34- Actualmente, no regime de voluntariado (RV) presta serviço militar no exército português, mais concretamente na Escola de Tropas

Aerotransportadas, serviço esse pelo qual aufere mensalmente a quantia de 91.880$00.

35- No exercício da sua carreira militar, foi distinguido com aproveitamento na preparação complementar do 1º. T/01 do curso de formação de praças, tendo ficado em 1º. lugar nos exercícios finais de campo no circuito de avaliação e tendo-lhe já sido atribuído o título de pára-quedista.

36- O arguido C actualmente encontra-se matriculado nas Tropas

Aerotransportadas, com a finalidade de acabar o 12º. ano de escolaridade, no

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horário nocturno, aulas essas que se iniciaram já no passado mês de Setembro.

37- Este arguido encontra-se bem inserido social, familiar e profissionalmente.

38- Os arguidos não têm antecedentes criminais.

Factos não provados:

- Que desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Agosto de 2000, o arguido B se tenha dedicado à aquisição de produtos

estupefacientes, nomeadamente haxixe (resina de canabis), que trazia de Espanha, pessoalmente ou por intermédio de outros indivíduos que para o efeito contratava, após o que os introduzia no território nacional os revendia, lucrativamente a terceiros.

- Que, no âmbito de tal actividade, no início do mês de Novembro de 2000, o arguido B tenha encomendado a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar cerca de cinquenta quilos de haxixe (resina de canabis), que combinou ser-lhe entregue em Espanha, nas imediações de Tui, no dia 14 desse mesmo mês.

- Que, para proceder ao levantamento de tal produto junto do seu fornecedor, o arguido B tenha contactado o arguido A a quem solicitou que se deslocasse ao local combinado no seu veículo automóvel, que recebesse daquele o

referido haxixe e o trouxesse para Famalicão, onde lho entregaria ....

- .... prometendo-lhe que em compensação lhe daria a quantia de 30.000$00.

- Que o arguido A tenha aceite tal incumbência.

- Que, para que o arguido A não se deslocasse sozinho a tal local, atento o valor do produto que iria buscar e a hipótese de ter algum percalço pelo caminho, bem como para recepcionar aquele produto à chegada a Famalicão, o arguido B tenha contactado o arguido C ...;

- ... solicitando-lhe que acompanhasse a deslocação daquele primeiro a Espanha e de regresso, pondo-o ao corrente da natureza e quantidade do produto que aquele transportaria;

- Que o arguido B tenha solicitado ao arguido C que recebesse tal produto do arguido A à sua chegada a Famalicão e o fizesse chegar até si ...;

- ... bem como que transferisse o referido haxixe para o veículo automóvel em que se faria transportar caso o A tivesse algum problema e o prevenisse caso detectasse a presença de agentes policias naquele percurso.

- Que o arguido C tenha aceite tal incumbência.

- Que tenha sido para os fins referidos acima que o arguido B pôs à disposição do arguido C o seu veículo automóvel, de matrícula NZ.

- Que no dia 14 de Novembro de 2000, o arguido A se tenha dirigido a Espanha para recolher o haxixe encomendado pelo arguido B.

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- Que na manhã do dia 14 de Novembro de 2000 o arguido C, depois de

conduzir até Espanha, tenha ficado parado imediatamente antes da reentrada em Portugal, à espera da passagem do arguido A.

- Que o arguido C tenha seguido no trajecto de Espanha para Portugal o

arguido A por tal ter sido acordado com o arguido B e por forma a vigiar o seu percurso e a intervir, caso necessário fosse.

- Que a quantia de 22.000$00 apreendida ao arguido A fosse proveniente do montante de 30.000$00 que o arguido B lhe havia entregue para recompensa do serviço prestado e para pagamento das despesas com a descrita deslocação a Espanha.

- Que o telemóvel apreendido ao arguido A lhe tivesse sido entregue pelo arguido B para que aquele se mantivesse contactável no decurso do aludido transporte e o fosse pondo ao corrente de todos os seus passos.

- Que a quantia em dinheiro apreendida ao arguido C lhe tivesse sido entregue pelo arguido B, como compensação pelo serviço prestado e para pagamento das despesas da descrita deslocação a Espanha.

- Que o telemóvel que foi apreendido ao arguido C fosse usado por este para se manter contactável com o arguido B durante a descrita deslocação e o manter ao corrente de todos os seus passos e dos do arguido A.

- Que o haxixe encontrado dentro do veículo automóvel de marca "Honda" e matrícula NZ fosse pertencente ao arguido B ...;

- ... e que este destinasse este produto ao seu consumo.

- Que os arguidos B e C tivessem perfeito conhecimento da substância por si encomendada e transportada, bem como que a sua aquisição e detenção por qualquer modo são proibidas ...;

- ... não se tendo abstido de actuar pelo modo descrito, o que quiseram e fizeram.

- Que os arguidos soubessem que, atenta a quantidade do produto

estupefaciente em causa, este se destinava a ser distribuído por elevado número de pessoas.

- Que ao agir do modo descrito, pretendesse o arguido B, atenta a quantidade e preço de venda do referido produto, obter avultado ganho monetário ...;

- ... o que os arguidos A e C bem sabiam.

- Que o arguido B tivesse perfeito conhecimento da natureza da substância por si guardada no referido ovo em plástico e que a sua detenção é proibida ...;

- ... mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

- Que os arguidos B e C tenham agido de modo livre e voluntário, bem sabendo da consurabilidade e punibilidade das respectivas condutas.

- Que à data dos factos constantes da acusação, o arguido C fosse um aluno aplicado.

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- Que o arguido C contribua mensalmente com a quantia de 40.000$00 para as despesas do seu agregado familiar.

- Que o arguido C vá assinar contrato para, em Abril do próximo ano, ir em missão de paz para Timor Leste, encontrando-se a realizar a preparação para a referida missão.

- Que seja desejo do arguido C continuar a sua vida militar e assim dessa forma poder servir o Estado Português, designadamente em acções de paz, dentro e além fronteiras.

- Que o arguido C seja uma pessoal responsável, honesta, cheia de amigos, sendo por todos respeitado na freguesia onde reside.

Postos os factos, vejamos o DIREITO:

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação do seu recurso, que se delimita o objecto do mesmo.

"In casu", atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, ressaltam as seguintes questões a decidir:

1ª. - Impugnação da matéria de facto dada como provada.

2ª. - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, artº. 410º, nº. 2, alínea a), do CPP.

3ª. - Contradição insanável, entre a matéria dada como provada nos pontos nºs. 4, 5, 14 e 15, e a matéria dada como não provada, artº. 410º, nº. 2, alínea b), do CPP.

4ª. - Erro notório na apreciação da prova, artº. 410º, nº. 2, alínea c), do CPP.

5ª. - Medida da pena que o recorrente diz ser exagerada, impondo-se a sua atenuação especial, artºs. 71º e 72º, do Código Penal, bem como a suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do artº. 50º, do Código Penal.

Vejamos:

Comecemos pela primeira questão, ou seja a da impugnação da matéria de facto dada como assente no Tribunal recorrido.

É certo que as Relações conhecem de facto e de direito, artº. 428º, nº. 1, do CPP, e que no Tribunal recorrido se procedeu à gravação das declarações prestadas oralmente. Contudo, não é menos certo, que no caso dos autos o recorrente não procedeu em conformidade com o que dispõe o artº. 412º, nºs.

3 e 4, do CPP, que estabelecem que "Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas, dizendo-nos o nº.

4 do citado normativo que "quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição".

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Ora, no caso dos autos o recorrente não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem procedeu à necessária transcrição, razão pela qual a matéria de facto apurada no Tribunal recorrido é

insindicável por parte desta Relação, tendo-se a mesma como assente, artº.

127º, do CPP.

No entanto, mesmo no caso em que as relações apenas conhecem de direito, sempre se conhecerá oficiosamente dos vícios a que alude o artº. 410º, nº. 2, do CPP, desde que os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Assim sendo o recurso do recorrente no que concerne à impugnação da

matéria de facto, está votado ao insucesso, pelo que se rejeita nesta parte, por manifesta improcedência, artº. 420º, nº. 1, do CPP.

Analisemos agora a segunda questão suscitada, ou seja a da insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Ora, lendo e relendo o texto da decisão recorrida, não vislumbramos o alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, sendo certo que ficou apurado que o recorrente se deslocou a Espanha no dia 14 de Novembro de 2000, onde lhe entregaram uma caixa contendo duzentas barras de haxixe com o peso líquido de 49.410,000 gramas, cujo haxixe transportou para

Portugal (Vila Nova de Famalicão), onde foi abordado por elementos da Polícia Judiciária que procederam à sua detenção e à apreensão do referido produto.

Mais se apurou que o recorrente tinha perfeito conhecimento da substância que transportava e que agiu de modo livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.

Assim sendo, a matéria de facto dada como provada é mais do que suficiente para a decisão que foi proferida, não tendo o recorrente razão na invocada insuficiência, pois que aquilo que o recorrente pretende é impugnar a matéria de facto dada como provada, o que não lhe é consentido, uma vez que o

âmbito do recurso se restringe ao conhecimento da matéria de direito. O fundamento a que se refere a alínea a), do nº. 2, do artº. 410º, do CPP é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se

confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente, neste sentido veja-se o Ac. do STJ de 13 de Fevereiro de 1991, citado por Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado 1999 - 10ª.

Edição.

Improcede assim, esta questão suscitada pelo recorrente.

Passemos à questão seguinte, ou seja a da contradição insanável entre os pontos 4, 5, 14 e 15 dados como provados e a matéria de facto dada como não provada.

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Para que se verifique existir contradição insanável têm que constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e

inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso, neste sentido, veja-se o Ac. do STJ de 22 de Maio de 1996, proc.

306/96, citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado 1999 - 10ª. Edição a pgs. 733.

Ora, no caso em apreço, analisando o texto da decisão recorrida, não descortinamos factos dados como provados e ao mesmo tempo como não provados, aliás o recorrente também não indica em concreto quais os factos que se mostram em oposição e inconciliáveis com os factos provados nos nºs.

4, 5, 14 e 15, limitando-se a dizer que existem factos dados como não provados em oposição com os que acabam de se referir.

Anote-se que existem alguns factos dados como não provados que parecem mostrar-se inconciliáveis com os referidos factos dados como provados, mas só na aparência, senão vejamos a título de exemplo o facto dado como provado no nº. 4 "o arguido A dirigiu-se para uma localidade situada entre Tui e Vigo, onde um indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar, lhe entregou uma caixa em cartão contendo duzentas barras de haxixe..."; e o facto dado como não provado "Que no dia 14 de Novembro de 2000, o arguido A se tenha dirigido a Espanha para recolher o haxixe encomendado pelo arguido B". Isto é, não se trata de factos iguais, já que uma coisa é a deslocação a Espanha, pelo arguido A, onde lhe é entregue a caixa contendo o haxixe, (facto provado) e coisa diferente é que o A se tenha dirigido a Espanha para recolher o haxixe encomendado pelo arguido B. Como se vê a contradição é apenas aparente.

Em consequência, improcede também esta questão suscitada pelo recorrente.

Vejamos agora a questão seguinte, ou seja a do invocado erro notório na apreciação da prova.

Ora, para que se verifique erro notório, o mesmo terá de resultar do texto da decisão recorrida, artº. 410º, nº. 2, do CPP.

Analisando o texto da decisão recorrida, não vislumbramos qualquer erro notório, o qual consistiria por exemplo em dar-se como provado e não provado o mesmo facto, ou dar-se como provado que a uma determinada hora, o

arguido se encontrava na cidade do Porto e à mesma hora dar-se também como provado que o arguido se encontrava na cidade de Vigo, isto é, factos que não passariam despercebidos ao comum das pessoas, ou seja, um erro de tal modo patente que não escapava à observação de um homem de formação média.

Mais uma vez o recorrente pretende é pôr em causa a matéria de facto dada

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como provada pelo Tribunal recorrido, o que não pode, pelas razões já atrás expostas, sendo certo que tal matéria é insindicável por parte desta Relação e foi objecto de apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, artº. 127º, do CPP.

Improcede deste modo esta questão suscitada pelo recorrente.

Passemos agora à última questão suscitada, ou seja a medida da pena, a sua atenuação especial e ainda a pretendida suspensão da execução da pena de prisão que vier a ser aplicada ao arguido.

Dispõe o artº. 71º, nº. 1, do Código Penal "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Por sua vez diz-nos o nº. 2 do mesmo normativo que

"Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as

circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele...".

Da matéria de facto apurada, para além da ausência de antecedentes criminais, provou-se ainda que o arguido é de modesta condição social e

encontra-se bem inserido socialmente, tendo bastante relevância atenuativa a sua idade não se tendo provado quaisquer outras circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime, que depusessem a favor do recorrente. Por outro lado tem de se ter em conta o facto deste tipo de crime reclamar acrescidas

exigências de prevenção geral, dado o alarme social que causa e os malefícios que acarreta para toda a comunidade. Com relevo para a determinação da pena, considerou-se que a ilicitude do facto se situava em grau acima da média, tendo o arguido actuado com dolo directo, não tendo confessado os factos.

Assim, ponderadas todas as circunstâncias, mostra-se bem doseada e

equilibrada a pena encontrada de 6 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que, não fossem as referidas circunstâncias atenuativas, "maxime" a idade do

recorrente, e a pena teria forçosamente de ser mais elevada, atenta a

respectiva moldura penal abstracta que tem como mínimo 4 anos de prisão e máximo de 12 anos de prisão.

Suscita ainda o recorrente que a pena deveria ter sido especialmente

atenuada, nos termos do artº. 72º, do Código Penal. No entanto, analisando o normativo em causa, não se descortinam quaisquer razões para tal atenuação, sendo certo que o recorrente não confessou os factos e não se apurou sequer o seu arrependimento.

Não se verificam no caso em apreço os pressupostos a que alude o artº. 72º, nº. 2, do Código Penal para que se possa atenuar especialmente a pena do ora recorrente, sendo certo que a pena que lhe foi imposta pecará por defeito e

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não por excesso, como já atrás tivemos oportunidade de referir.

Por fim pretende o recorrente que a execução da pena lhe seja suspensa.

Ora dispõe o artº. 50º, nº. 1, do Código Penal que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, ...".

Assim, tendo o recorrente sido condenado em 6 anos e 6 meses de prisão, tanto basta para afastar a possibilidade de lhe ser suspensa a execução da pena, o que só é permitido em penas de prisão iguais ou inferiores a 3 anos.

Carece assim o recorrente de total razão na última questão suscitada, pelo que a mesma improcede, improcedendo igualmente todas as conclusões formuladas.

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal em rejeitar o recurso do recorrente, na parte em que impugna a matéria de facto, artº.

420º, nº. 1, do CPP; e em negar provimento ao recurso na parte respeitante ao conhecimento de direito, confirmando inteiramente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc's.

Honorários ao defensor, conforme Portaria nº. 150/2002, nos termos do ponto 6 da tabela anexa inferida Portaria.

Inconformado com a solução dada pela Relação do Porto, o arguido A interpôs recurso da mesma concluindo:

1- O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito. Artº. 428º, do C.P.P..

2- O Recorrente deu cumprimento ao disposto no artº. 412º, do C.P.P., e a ausência de transcrição da gravação da audiência não é fundamento para a rejeição do recurso. Artº. 420º, do C.P.P..

3- Incumbe ao Tribunal, oficiosamente, proceder à transcrição da prova gravada. Artº. 101º, do CPP.

4- Os elementos probatórios recolhidos nos autos e referidos na

fundamentação são insuficientes para a formação da convicção quanto aos factos provados e referidos em 4, 5, 14 e 15 do Tribunal Colectivo.

5- Verifica-se do texto da decisão uma oposição entre factos provados e não provados, o que constitui contradição insanável e erro notório da apreciação da prova. Artº. 410º, do CPP.

6- Os factos apurados relativamente à idade, personalidade e condições sociais do arguido, aliada à ausência de antecedentes criminais e à boa reputação que goza no seu meio conduz a uma imagem global que permite uma atenuação especial da pena. Artº. 71º, do CP.

7- Designadamente por traduzirem também, uma diminuição da necessidade da pena a aplicar. Artº. 72º, do CP.

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8- Em qualquer caso, sempre a pena deveria situar-se próximo dos limites mínimos, com suspensão da sua execução. Artº. 50º, do CP.

9- O douto acórdão recorrido violou ou fez errada aplicação das disposições legais citadas pelo que deve ser revogado.

Ao recorrente respondeu o digno Magistrado do Ministério Público:

Ao recorrente cabe enunciar especificamente os fundamentos do recurso - artº. 412º, nº. 1, CPP.

Impugnando matéria de facto, deve especificar os pontos que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida, com a transcrição respectiva, e com especificação dos suportes técnicos que as contêm - artº. 412º, nºs. 3 e 4, CPP.

Esta transcrição integra o normal ónus de fundamentar em termos

concludentes o recurso, incumbindo, por isso, ao recorrente - artº. 412º, nºs.

1, 3 e 4, CPP.

Não se verificam quaisquer vícios que inquinem a matéria de facto,

nomeadamente os de contradição insanável de fundamentação ou erro notório na apreciação da prova - artº. 410º, nº. 2, b) e c), CPP.

A subsunção normativa da factualidade definida está correcta - artº. 21º, nº. 1, do DL nº. 15/93, de 22/1.

A dosimetria penal mostra-se ponderada, em sintonia com a parametria legal atinente - artºs. 71º e 40º, CP.

Não se verificam atenuantes justificativas de atenuação especial da pena - artº. 72º, CP.

Não está verificado condicionalismo legal que consinta suspender a execução da pena - artº. 50º, CP.

Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso.

De toda a maneira, V.Exas., Senhores Juízes Conselheiros, julgarão, com a esperada força da razão, como for de melhor Justiça.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se a julgamento, cumprindo agora apreciar:

O arguido A, nas conclusões que extraiu da motivação do seu recurso levanta uma série de questões, a saber:

a) A impugnação da matéria de facto dada como provada;

b) A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito;

c) A contradição insanável entre a matéria dada como provada nos pontos 4, 5, 14 e 15 e a matéria de facto dada como não provada;

d) O erro notório na apreciação da prova;

e) A medida da pena que é exagerada, impondo-se a sua atenuação especial (artºs. 71º e 72º, do C.Penal) bem como a suspensão da execução da pena de

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prisão, nos termos do artº. 50º, do C.Penal.

Vejamos então a 1ª. questão atinente à impugnação da matéria de facto:

Alega o Recorrente ter dado cumprimento ao disposto no artº. 412º do C.P.Penal, pois especificou-se os pontos da matéria de facto considerados

julgados incorrectamente (os referidos em 4, 5, 14 e 15 do acórdão do tribunal da 1ª. Instância), indicou as provas que impunham uma decisão diversa

recorrida (as declarações do arguido, que foram confirmadas pelos agentes da polícia judiciária) e referiu qual a prova a renovar eventualmente (as

declarações do arguido e bem assim as dos agentes da polícia judiciária).

Só não procedeu à transcrição das aludidas declarações, mas isso porque não era tarefa que lhe competisse. Com efeito, esse encargo incumbe ao tribunal oficiosamente nos termos da lei (artº. 101º do C.P.Penal) e da jurisprudência (C.J.S. 9-1-201).

Pois bem, ao apreciar esta questão, expendeu a Relação do Porto:

"É certo que as Relações conhecem de facto e de direito - artº. 428º, nº. 1, do C.P.Penal e que no Tribunal recorrido se procedeu à gravação das declarações prestadas oralmente. Contudo, não é menos certo que, no caso dos autos o recorrente não procedeu em conformidade com o que dispõe o artº. 412º, nºs.

3 e 4 do C.P.Penal que estabelecem: «quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) as provas que devem ser renovadas, dizendo-nos o nº. 4 do citado normativo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes

técnicos, havendo lugar a transcrição».

Ora, no caso dos autos o Recorrente não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem procedeu à necessária transcrição, razão pela qual a matéria de facto apurada no Tribunal recorrido é

insindicável por parte desta Relação, tendo-se a mesma como assente - artº.

127º, do C.P.Penal.

Assim sendo, o recurso do Recorrente, no que concerne à impugnação da matéria de facto, está votado ao insucesso, pelo que se rejeita nesta parte, por manifesta improcedência, nos termos do artº. 420º, nº. 1, do C.P.Penal».

Terá a Relação do Porto usado correctamente dos seus poderes de cognição?

Não usou. Efectivamente se do seu ponto de vista, o Recorrente não

concretizou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, de acordo com as exigências que o normativo do artº. 412º, do C.P.Penal impõe, então só tinha que tomar uma atitude: - convidar o arguido a aperfeiçoar as

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conclusões da sua motivação.

Realmente, vem este Alto Tribunal trilhando o caminho perfilhado pela jurisprudência constitucional, que se orienta no sentido de que, no recurso sobre matéria de facto, «a falta de especificação consignada no artº. 412º, nº.

3, do C.P.Penal não conduz à imediata e liminar rejeição do recurso, devendo antes dar-se ao Recorrente a oportunidade de corrigir e completar as

conclusões da motivação, para o que, para tal, será convidado sob pena de então, e não o fazendo, ver o recurso rejeitado».

Somente no caso de o Recorrente não responder ao convite, então aí sim, poderá ter lugar, eventualmente, a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

Mas mais. É também seguida por esta Alta Instância, maioritariamente, a orientação segundo a qual não é sobre os arguidos recorrentes que recai o ónus da transcrição das provas gravadas nas audiências de julgamento. Aliás, acaba mesmo de ser fixada jurisprudência no sentido de que «sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, em

conformidade com o disposto nos nºs. 3 e 4 do artº. 412, do Código de

Processo Penal, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal» - cfr. processo nº. 3632/01-3ª. Secção, relatada pelo Exmo. Conselheiro Flores Ribeiro.

Aqui chegados, obviamente que o conhecimento da 1ª. questão prejudica o conhecimento das demais.

Pelo exposto:

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder provimento ao recurso do arguido A e, por consequência, revogam a douta decisão

recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a transcrição das provas gravadas e convide o Recorrente a

aperfeiçoar as conclusões da respectiva motivação, de forma a que sejam satisfeitas as especificações do artº. 412º, nº. 3, do C.P.Penal, com a devida cominação.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2003 Franco de Sá,

Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro.

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