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INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 11/17.7PESTR.E1 Relator: JOÃO AMARO

Sessão: 22 Novembro 2018 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO

FURTO PERÍCIA PSIQUIÁTRICA

INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Sumário

I - A falta de realização da perícia psiquiátrica ao arguido, por este requerida, consubstancia a preterição de uma diligência indispensável à descoberta da verdade, e até, mais do que isso, implica a omissão, por parte do tribunal, da obrigação de averiguação dos factos, que, por força das disposições

conjugadas dos artigos 20º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e 351º, nºs 1 e 2, do C.

P. Penal, se impunha que averiguasse.

II – A exigência da prova pericial não é uma mera formalidade do processo, mas sim um verdadeiro requisito ad substanciam para a demonstração de determinados factos, pelo que a sua preterição não poderá ser resolvida por aplicação do regime das irregularidades e/ou das nulidades processuais -

incluindo nestas as nulidades da sentença, mas através do reenvio do processo para novo julgamento.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 11/17.7PESTR, do Juízo Local

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Criminal de Santarém (Juiz 1), e mediante pertinente sentença, foi decidido:

“A) Condenar o Arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, nº 1, ex vi do artigo 204º, nº 4, e 202º, alínea c), todos do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz a pena de multa de 350 euros;

B) Condenar o Arguido em taxa de justiça, que se fixa em 3 Unidades de Conta”.

*

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões (em transcrição):

“1 - O Tribunal a quo, ao indeferir a perícia médico-psiquiátrica requerida pela defesa, cometeu a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), do C.P.P.;

2 - Esta nulidade não está sanada, uma vez que foi invocada em sede de audiência de julgamento; A decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C.P.P., por contradição insanável entre a

fundamentação e a decisão, e atenta a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada;

3 - Quanto ao crime de furto, ficou amplamente provado que não houve

apropriação por parte do recorrente, uma vez que os sumos nunca saíram das instalações do Comando de Polícia de Santarém;

4 - Não se provou a apropriação, pelo arguido, dos sumos objeto da sentença recorrida;

5 - Logo, o arguido não poderia ser condenado pelo crime de furto, pela simples razão de que não retirou os sumos das instalações do Comando de Polícia de …;

6 - Estamos assim diante de um crime impossível, porque o recorrente não se apropriou dos ditos sumos, não podendo assim ser condenado pelo crime de furto;

7 - Não se provou que a conduta do recorrente tenha causado prejuízo patrimonial para o Comando de Policia de …;

(3)

8 - Existe erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c), do C.P.P.);

9 - Na descrição da matéria provada a sentença recorrida omite toda e qualquer referência ao conhecimento da proibição ou à consciência da ilicitude por parte do recorrente, não obstante o Tribunal a quo curou de enfatizar o conhecimento do tipo objetivo;

10 - Naturalmente que estes factos serão bastantes para se poder afirmar preenchido o chamado elemento intelectual do dolo, correspondente ao

conhecimento ou representação do tipo objetivo. Mas não podem seguramente suprir a insuprível falta de conhecimento da proibição ou da consciência da ilicitude;

11 - Trata-se de determinar se o caso deve levar-se à conta daquele erro sobre as proibições a que se reporta o nº 1 do artigo 16º do Código Penal - erro “ sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto” -, ou antes como um erro sobre a ilicitude, previsto e regulado no artigo 17º do Código Penal;

12 - In casu, quer se entenda que haja exclusão do dolo ou exclusão da culpa, a consequência é a mesma, o recorrente terá de ser absolvido;

13 - É indispensável para a sustentação da culpa, nos termos do artigo 17º do Código Penal, o conhecimento da ilicitude penal;

14 - Salta à vista a falta de prova dos elementos indispensáveis para sustentar o juízo de censurabilidade, em termos tais que a conclusão pela

censurabilidade do erro só seria possível à custa da ilegítima violação do mandamento constitucional in dubio pro reo. Em rigor e bem vistas as coisas, mais do que valorar contra reum as margens de dúvida subsistentes, isso equivaleria a valorar contra o arguido o mais opaco dos silêncios e das omissões ao nível da matéria provada;

15 - A decisão recorrida viola o princípio in dubio pro reo;

16 - Como alternativa à absolvição pronta e definitiva do recorrente AA- absolvição de que não se prescinde -, sobra apenas a anulação do julgamento por “insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada”

(artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal);

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17 - Condenar o recorrente na pena de 50 dias de multa por uns sumos sem qualquer valor patrimonial é uma condenação desproporcional, sem

fundamento e injusta.

18 - Chegados aqui, temos como seguro, à vista dos factos dados como provados e imputados ao recorrente AA, não ser possível condenar este

arguido a nenhum título, pelo crime de furto. E isto porquanto os factos dados como provados não preenchem integralmente, na medida exigida pela lei, a factualidade típica da incriminação. Logo e em definitivo, por insuprível falta do facto correspondente ao momento nuclear da ação típica da infração,

prevista na lei como apropriar. Uma expressão que, no universo de sentido da incriminação, se reveste de um significado, compreensão e exigência que não encontram a necessária correspondência nos factos dados como provados;

19 - Pelo que, a douta sentença recorrida enferma de graves contradições, inexatidões e imprecisões;

20 - O Tribunal a quo violou, entre outras, e o seu correto entendimento, a norma do art. 410º, nº 2, als. a), b) e c), do art. 120º, nº 2, al. b), todos do C.P.P., dos arts. 16º, 17º e 203º do C.P., e do art. 32º da C.R.P. (princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência).

Assim sendo, como na realidade o é, deve revogar-se a decisão recorrida e substituir-se por outra que absolva o recorrente do crime de furto de dois sumos sem valor, pelo qual foi injustamente condenado”.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1) A sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, uma vez que não se suscitou de forma fundada a questão da inimputabilidade do arguido.

2) Inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, mostrando-se ainda a sentença bem fundamentada de facto e de direito.

Deve assim negar-se procedência ao recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida”.

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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da

motivação do recurso, e em breve resumo, são seis as questões a conhecer:

1ª - Nulidade da sentença, por ter sido indeferida uma perícia médico- psiquiátrica requerida pelo arguido (artigo 120º, nº 2, al. d), do C. P. Penal).

2ª - Ocorrência dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C.

P. Penal.

3ª - Impugnação da decisão fáctica, nomeadamente por violação do princípio in dubio pro reo (maxime no tocante aos factos indispensáveis para sustentar o juízo de censurabilidade da conduta do arguido).

4ª - Qualificação jurídica dos factos, não existindo crime de furto (por ausência de “apropriação” - os sumos em causa nunca saíram das instalações do

Comando de Polícia de … - e por ausência de “prejuízo patrimonial” causado ao Comando de Polícia de …).

5ª - Atuação do arguido em erro sobre a proibição e sem consciência da ilicitude, devendo ser absolvido (artigos 16º e 17º do Código Penal).

6ª - Medida concreta da pena (e pena de multa aplicada na sentença revidenda é desproporcional, sem fundamento e injusta).

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (integral):

“I - RELATÓRIO.

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Mediante acusação do M.O P.O foi pronunciado para ser submetido a julgamento em processo penal comum, tramitado por tribunal singular, o Arguido:

- AA, divorciado, agente da P.S.P., nascido em 06.11.1967, filho de…, natural da freguesia de Riachos, concelho de Torres Novas, residente …,Riachos (cfr.

termo de identidade e residência de folhas 42), sendo-lhe imputada a prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, nº 1, ex vi do art. 204º, nº 4, e 202º, alínea c), todos do Código Penal.

O arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 315º do C.P.P., não tendo apresentado contestação escrita.

Mantendo-se a instância valida e regular procedeu-se ao julgamento, com a presença do Arguido, com observância do estrito formalismo legal, tendo as declarações e os depoimentos prestados oralmente em julgamento sido gravados.

II - FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS.

A) FACTOS PROVADOS.

1.- No dia 28.01.2017, entre as 18h40m e as 18h45m, o arguido AA introduziu- se nas instalações da messe do Comando Distrital da PSP de …, sitas…, com o propósito de se apoderar de bens que ali viesse a encontrar.

2.- Na execução do desígnio que formulou, para ali entrar, o arguido forçou a fechadura da porta que dá acesso a tais instalações.

3.- Deste modo, entrou nas mesmas, percorreu o respetivo interior e dali retirou e levou consigo, fazendo suas, 2 (duas) garrafas de sumo da marca

"Chispa", no valor total de € 1,11 (um euro e onze cêntimos).

4.- Os bens eram pertença da Polícia de Segurança Pública e vieram a ser recuperados.

5.- O arguido bem sabia que os bens de que se apoderou lhe não pertenciam, e mesmo assim quis fazê-los coisas suas, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo

proprietário.

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6.- O arguido atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei.

7.- O arguido vivenciou uma infância pautada pela existência de estabilidade familiar.

8.- O arguido mantinha uma relação de maior proximidade com o pai, o que correlaciona com o facto de este ser mais liberal no que concerne à educação dos filhos.

9.- A figura materna assumiu um papel mais rígido, mas simultaneamente percecionado como mais protetor em relação aos mesmos, tendo o Arguido permanecido no seio familiar até contrair matrimónio com 28 anos de idade onde regressou após o seu divórcio.

10.- O arguido desta união matrimonial teve dois filhos atualmente com 17 e 20 anos, respetivamente.

11.- O casamento do Arguido durou cerca de 14 anos verificando-se à data um relacionamento ajustado com todos estes elementos.

12.- De acordo com a regulação do poder paternal ficou decidido que o Arguido tem a pagar pensão de alimentos aos filhos, no entanto, por se

verificar alguma dificuldade no cumprimento da mesma, estipulou-se que esta é-lhe retirada da sua remuneração mensal.

13.- O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade normativa, concluiu o 12° ano com 18 anos de idade.

14.- Na altura, foi opção do Arguido não prosseguir os estudos, tendo coincidido com o cumprimento do serviço militar que realizou na Escola Prática de Cavalaria em Santarém pelo período de 9 meses.

15.- O arguido Iniciou o seu percurso profissional como funcionário na Gráfica Almondina e, posteriormente, na Digital Texto - Composição, Tratamento de Texto e Publicidade Gráfica, Ldª.

16.- O arguido por influência do pai e projetando o ensejo de uma carreira profissional estável, concorreu à Guarda Nacional Republicana (GNR) e à Polícia de Segurança Pública (PSP).

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17.- O arguido, tendo obtido primeiro resposta por parte desta última força policial, ingressou no curso da Escola Prática de Torres Novas.

18.- O arguido já como agente de autoridade, integrou várias Esquadras Policiais.

19.- O arguido atualmente está como efetivo na Esquadra Integrada da Divisão Policial de…, onde desempenha funções de agente principal e de apoio ao graduado de serviço.

20.-No decorrer do percurso profissional do Arguido e reportando-nos ao ano de 2002, AA foi alvo de um processo disciplinar, do qual resultou a aplicação de uma suspensão preventiva do exercício de funções e desarmamento, pelo período de 90 dias, tendo a mesma sido prorrogada por igual período.

21.- Ao arguido, no seguimento desta medida sancionatória, e no que concerne ao mesmo processo, foi-lhe posteriormente aplicada pena de demissão.

22.- O arguido, no decorrer do seu afastamento da Polícia de Segurança

Pública e como forma de assegurar o seu sustento e do seu agregado familiar, laborou na empresa Renova pelo período de um ano, através de uma empresa de trabalho temporário.

23.- O arguido, posteriormente, e no âmbito do Instituto de Emprego e Formação Profissional, foi integrado no arquivo da Biblioteca Municipal da Câmara Municipal de Torres Novas, onde despenhou funções de Assistente Operacional.

24.- Esta experiência profissional foi para o Arguido muito gratificante em termos profissionais e de relações interpessoais com os colegas.

25.- O arguido, em consequência da decisão do TCAS - Tribunal Central

Administrativo do Sul -, que anulou o despacho punitivo de aplicação da pena de demissão, regressou ao serviço no Comando Distrital de … em 2010.

26.- O arguido, em Janeiro de 2017, e atualmente, reside sozinho, numa

habitação, pertença dos pais, já falecidos, não representando a mesma custos para além dos necessários para assegurar as despesas correntes e domésticas.

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27.- O arguido tem uma remuneração mensal no valor de €1160, com a qual assegura as suas necessidades básicas de subsistência.

28.- O arguido, em termos afetivos, mantém um relacionamento que dura há 1 ano e meio, sendo sua intenção tornar este relacionamento mais sério e

formalizá-lo, no que concerne a uma vivência em comum.

29.- O arguido, a par da sua atividade laboral, não apresenta um quotidiano estruturado, ocupando pontualmente os seus tempos livres com a prática de exercício físico, nomeadamente atletismo individual e deslocações à Biblioteca Municipal de Torres Novas.

30.- O certificado de registo criminal do arguido de folhas 108, datado de 19/01/2018, não insere qualquer condenação do mesmo

B) FACTOS NÃO PROVADOS.

Nenhuns.

C) Fundamentação da convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados:

O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados na análise crítica do conjunto da prova produzida.

Efetivamente não basta a indicação dos meios de prova pré constituídos e produzidos em audiência de julgamento que serviram para fundamentar a sentença.

É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código de Processo Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P.

Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada

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forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente

permita aos sujeitos processuais o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, conforme impõe o art. 410°, nº 2, do C.P.P.

E, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efetivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria

independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.

As declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento foram gravados.

O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados nas declarações prestadas pelo Arguido perante a Exmª Srª Juíza de Instrução Criminal,

prestadas em fase de instrução, nos termos do artigo 357º, nº 1, do C.P.P. (cfr.

folhas 119), lidas em audiência de julgamento, nas quais afirmou estar

arrependido e que destinava os sumos a uma festa de aniversário das filhas, tendo prestado declarações quanto à sua situação pessoal, familiar,

económica, nas quais o tribunal se fundou quanto a estas matérias.

O tribunal fundou-se ainda, quanto aos factos provados, no depoimento da testemunha PS, que viu o arguido a sair do seu veículo na data dos factos, a deslocar-se à messe e a regressar com um saco, tendo-se observado que a porta da messe havia sido forçada, tendo o arguido, quando chamado, regressado à messe, aonde, no balcão, apareceram as garrafas de sumo em questão.

A restante testemunha VA, ouvida em audiência de julgamento, não tem conhecimento direto dos factos, apenas tendo constatado as garrafas na messe e a porta forçada, tendo atestado que a fechadura teve de ser mudada, matéria em que o tribunal se fundou no seu depoimento.

O tribunal fundou-se ainda, quanto aos factos provados, na análise dos documentos juntos: - Auto de notícia de fls. 11/12; - Declaração de fls. 25; - Fotografia de fls. 16; - Informação de fls. 23/24; - e Certificado de registo criminal de fls. 108, examinados em audiência de julgamento.

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1. Da subsunção jurídica dos factos.

Os factos descritos e dados como provados, considerando os elementos objetivos e subjetivos do tipo, integram os elementos essenciais da prática pelo Arguido, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido nos artigos 203º, nº 1, ex vi do art. 204º, nº 4, e 202º, alínea c), todos do Código Penal.

2. Da natureza e medida da pena.

O crime de furto praticado pelo Arguido é punido com uma moldura penal abstrata de um mês a três anos de prisão ou com pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 47º, nº 1, e 203º, nº 1, do Código Penal revisto pelo D.L. nº 48/95, de 15/03).

Os critérios de determinação da pena encontram-se previstos nos artigos 70º e 71º, nºs 1 e 2, do C.P.

Atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido, e atendendo a que o arguido se encontra socialmente inserido, entendemos que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição do Arguido, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, se impõe optar pela pena de multa na punição do crime praticado pelo

Arguido.

Ter-se-á, assim, em conta na determinação da pena concreta a aplicar ao Arguido o grau de intensidade do ilícito, considerando a respetiva natureza, fraco, atento o valor objeto do crime, o dolo do Arguido - na modalidade de dolo direto (artigo 14º, nº 1, do C.P.) -, as consequências resultantes da prática do ilícito expressas na quantia de que a ofendida ficou privada, e a atual

situação pessoal, social, económica e familiar do arguido que se provou.

Atendendo aos mencionados elementos de ilicitude e culpabilidade

entendemos que a pena de multa a aplicar ao arguido pelo crime de furto que praticou se deve graduar em 50 dias de multa à taxa diária de 7 euros, atenta a sua situação económica.

3. Da condenação em taxa de justiça.

O arguido, em face da condenação penal, irá ser condenado nas custas e encargos processuais - cfr. artigos 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do C.P.P.

A taxa de justiça aplicável terá um valor de 2 a 6 UC. Atendendo ao facto de

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terem sido inquiridas duas testemunhas e a audiência de julgamento ter tido uma sessão, fixa-se em 3 Unidades de Conta a taxa de justiça a ser suportada pelo arguido.

IV - DECISÃO.

Pelo exposto, e tendo em conta o disposto nos artigos 47º, 70º e 71º do Código Penal revisto pelo D.L. nº 48/95, de 15/03, e 374º do C.P.P., julgo procedente, por provada, a acusação do M.º P.º, e, em consequência, decido:

A) Condenar o Arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, nº 1, ex vi do artigo 204º, nº 4, e 202º, alínea c), todos do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz a pena de multa de 350 euros;

B) Condenar o Arguido em taxa de justiça, que se fixa em 3 Unidades de Conta”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

Da perícia médico-psiquiátrica.

Alega o recorrente que o tribunal a quo, ao indeferir a perícia médico-

psiquiátrica oportunamente por si requerida, cometeu a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), do C. P. Penal (omissão de uma diligência reputada como essencial para a descoberta da verdade), sendo certo que tal nulidade foi, logo, suscitada na audiência de discussão e julgamento.

Cumpre decidir.

O arguido, no decurso da audiência de discussão e julgamento, requereu a realização de perícia médico-psiquiátrica, por, em seu entender, se suscitar, fundadamente, a questão da sua inimputabilidade (ou da sua imputabilidade diminuída).

Essa diligência foi indeferida pelo tribunal recorrido, entendendo tal tribunal, em síntese, que em nenhum momento se notou qualquer anomalia psíquica no arguido, a qual permitisse, com o mínimo de fundamento, suscitar a questão da respetiva inimputabilidade.

A questão que se coloca (e que nos cabe decidir) é saber se o tribunal de

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acertadamente.

Sob a epígrafe “inimputabilidade em razão de anomalia psíquica”, estabelece o artigo 20º do Código Penal:

“1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for

incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

2 - Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída.

3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir índice da situação prevista no número anterior.

4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo agente com intenção de praticar o facto”.

Em caso da existência de dúvida relativamente à imputabilidade do arguido, dispõe o artigo 351º do C. P. Penal:

“1 - Quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a

requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele.

2 - O tribunal pode também ordenar a comparência do perito quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da imputabilidade diminuída do arguido.

3 - Em casos justificados, pode o tribunal requisitar a perícia a estabelecimento especializado.

4 - Se o perito não tiver ainda examinado o arguido ou a perícia for requisitada a estabelecimento especializado, o tribunal, para o efeito, interrompe a audiência ou, se for absolutamente indispensável, adia-a

”.

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Perante os transcritos preceitos legais, e depois de analisados os elementos dos presentes autos, importa determinar se, na audiência de discussão e

julgamento que teve lugar neste processo, se suscitou (ou devia ter suscitado), fundadamente, a questão da inimputabilidade (ou da imputabilidade

diminuída) do arguido.

A nosso ver, e com o devido respeito pela opinião contrária, a questão da inimputabilidade (ou, pelo menos, da plena imputabilidade) do arguido devia ter-se colocado, porquanto, analisados os factos objetivos em apreço nestes autos, existem, no mínimo, fundadas suspeitas de se configurar nesta situação uma imputabilidade diminuída do arguido, tal como previsto no artigo 20º, nº 2, do Código Penal (e sendo certo que a realização da perícia psiquiátrica é tão obrigatória nos casos em que haja suspeita da inimputabilidade total do

arguido, como naqueles em que se prefigure apenas a sua imputabilidade diminuída).

Senão vejamos.

Em primeiro lugar, os factos imputados ao arguido no despacho de pronúncia, vistos na sua globalidade complexiva, permitem inferir, com base num

raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum e no saber do Homem médio pressuposto no Direito, que um agente da P.S.P., no uso das suas normais faculdades mentais, não força a fechadura de uma porta, que dá acesso às instalações da messe do Comando Distrital da P.S.P. de …

(“Comando” este onde tal agente exerce funções), para dali “furtar” duas garrafas de sumo, no valor total de € 1,11 (um euro e onze cêntimos), destinando tais garrafas de sumo “a uma festa de aniversário das filhas”

(como está escrito, e bem, na “fundamentação da convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados” constante da sentença revidenda).

Em segundo lugar, o arguido, em janeiro de 2017 (na data dos factos destes autos), e atualmente, reside sozinho, numa habitação pertença dos seus pais (já falecidos), sendo que, no decurso do respetivo percurso profissional (enquanto agente da P.S.P.), foi alvo de um processo disciplinar, do qual resultou a aplicação de uma suspensão preventiva do exercício de funções e desarmamento, pelo período de 90 dias, tendo a mesma sido prorrogada por igual período, tendo-lhe, posteriormente, sido aplicada pena de demissão (cfr.

factos dados como provados na sentença sub judice sob os nºs 20, 21 e 26).

Por último, perante os apontados elementos, e também face ao teor do próprio

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julgamento (pedindo a realização de perícia médico-psiquiátrica, para

avaliação da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída), não se mostra adequado e correto (com o devido respeito) o entendimento do tribunal recorrido, segundo o qual tal tribunal em nenhum momento notou qualquer anomalia psíquica no arguido.

Com efeito, essa afirmação/constatação efetuada pelo tribunal a quo (de que em nenhum momento notou qualquer anomalia psíquica no arguido)

pressupõe, a nosso ver, um conhecimento científico, que não é suposto o tribunal dispor, e supre, indevidamente, a informação que deveria advir da prova pericial.

A esta luz, a falta de realização da perícia psiquiátrica ao arguido

consubstancia a preterição de uma diligência indispensável à descoberta da verdade, e até, mais do que isso, implica a omissão, por parte do tribunal, da obrigação de averiguação dos factos, que, por força das disposições

conjugadas dos artigos 20º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e 351º, nºs 1 e 2, do C.

P. Penal, se impunha que averiguasse.

Esses factos, que o tribunal recorrido deveria ter averiguado, consistem em saber, numa primeira vertente, se o arguido, ao tempo em que ocorreram os factos destes autos, tinha (ou não) capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, e, numa segunda vertente, saber se o arguido tinha (ou não) essa capacidade sensivelmente diminuída.

Dito de outro modo: a averiguação de tais factos é necessária a uma justa decisão da causa, tendo em atenção as dúvidas que, legitimamente (face ao acima exposto), se suscitam sobre se o arguido reúne na sua pessoa os pressupostos de uma plena imputabilidade penal.

Perante o que vem de dizer-se, verifica-se que a sentença revidenda enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tal como previsto no artigo 410º, nº 2, al. a), do C. P. Penal (ao contrário do que parece entender-se na motivação do recurso, a exigência da prova pericial não é uma mera formalidade do processo, mas sim um verdadeiro requisito ad

substanciam para a demonstração de determinados factos, pelo que a sua preterição não poderá ser resolvida, em nosso entender, por aplicação do regime das irregularidades e/ou das nulidades processuais - incluindo nestas as nulidades da sentença -).

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Nos termos do disposto no artigo 426º, nº 1, do C. P. Penal, “sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio”.

O reenvio a determinar afetará a totalidade do objeto processual, mas terá um alcance estritamente limitado à questão da inimputabilidade ou da

imputabilidade diminuída do arguido, e, como decorre dessa questão

essencial, à consideração da “culpa” do arguido (com todas as consequências jurídicas que daí possam resultar, nomeadamente sobre a determinação da pena a aplicar ao arguido - ou até a ausência dela, caso o arguido seja tido como inimputável -).

Impõe-se, pois, ordenar o reenvio do processo (artigos 426º, nº 1, e 426º-A, do C. P. Penal), limitado às questões acima concretamente identificadas

(relacionadas com a imputabilidade, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido, e as consequentes implicações dessa matéria sobre a decisão da causa), importando que o tribunal de primeira instância, por um lado, solicite a elaboração de perícia psiquiátrica ao arguido, e, por outro lado, profira nova sentença, na qual seja decidida, com base em tal perícia, a culpa do arguido ou a ausência dela.

O tribunal de primeira instância deve, pois, proceder à seguinte atividade judicativa:

1º - Realização de perícia médico-psiquiátrica ao arguido, tendente a averiguar se, ao tempo em que praticou os factos destes autos, não tinha capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou se tinha tal capacidade sensivelmente diminuída;

2º - Produção de quaisquer outros meios de prova (complementares da perícia médico-psiquiátrica), relativamente ao referido aspeto, que o tribunal entenda serem adequados para o mesmo fim, nos termos do preceituado no artigo 340º, nº 1, do C. P. Penal;

3º - Prolação de nova sentença, com consideração expressa da questão da

(17)

tribunal de primeira instância extrair todas as consequências que se

imponham dos factos que vierem a apurar-se em sede de reenvio (procedendo- se, em conformidade com tais factos, e por um lado, a eventuais alterações na matéria de facto provada - atinente à “culpa” do arguido -, e, por outro lado, à ponderação e decisão de quaisquer outras questões jurídicas relativas à culpa, ao grau de culpa, e à escolha e à determinação da medida concreta da pena eventualmente a aplicar ao arguido).

Perante o agora decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo arguido no presente recurso.

E, na estrita medida apontada, o recurso do arguido é de proceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso

interposto pelo arguido, declarando verificado, na sentença recorrida, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e determinando, após o trânsito em julgado do presente acórdão, o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às finalidades enunciadas supra (realização de perícia médico-psiquiátrica e posterior decisão sobre a imputabilidade, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido, procedendo-se, em conformidade, a eventuais alterações na matéria de facto provada e não provada, a nova ponderação, se for caso disso, da escolha e da determinação da medida concreta da pena a aplicar, e, ainda, à decisão de quaisquer outras questões relativas à culpa, ao grau de culpa e às consequências jurídico- penais a extrair dos factos).

Sem tributação.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 22 de novembro de 2018 __________________________________

(João Manuel Monteiro Amaro) _____________________________________

(Laura Goulart Maurício)

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