21.1 - Corrente de Condução e Corrente de Deslocamento
A corrente elétrica é um fenômeno conhecido por todos e o seu comportamento já foi analisado a partir de conceitos e definições do eletromagnetismo no capítulo 6. Naquela ocasião, definiu-se a corrente elétrica como o movimento de partículas eletricamente carregadas, sendo que esse movimento ocorre numa certa ordem, também caracterizado pela troca de elétrons em um condutor (corrente de condução), ou pela migração de cargas elétricas entre dois terminais (corrente de convecção). Tomando por base estas definições, vamos analisar o comportamento da configuração ilustrada na figura 21.1, onde uma tensão v(t) é aplicada entre os terminais de duas placas condutoras paralelas de mesma área, separadas por uma distancia muito menor do que as dimensões lineares que definem a sua área, tendo o espaço entre elas preenchido por um dielétrico perfeito, o que caracteriza uma interrupção ao caminho da corrente estabelecida por condução.
Figura 21.1 – Capacitor submetido a uma diferença de potencial v(t), percorrido por uma corrente i(t) Sabendo que várias superfícies podem ser delimitadas pelo mesmo contorno, vamos aqui definir duas superfícies, S1 e S2, delimitadas pelo mesmo caminho fechado (contorno) . A lei de Ampère aplicada ao caminho delimitando a superfície S1 fornece:
) t ( i d H
) S
( 1
,pois efetivamente neste caso existe um movimento efetivo de elétrons entre os átomos do condutor que constituem a corrente (de condução) enlaçada pelas linhas do campo magnético.
Por outro lado, a lei de Ampère para o mesmo contorno só que agora definindo ou delimitando a superfície aberta S2, que contém o dielétrico, informa que:
0 d H
) S
( 2
Este resultado não deve causar indagação alguma, pois como já é do nosso conhecimento, quando um campo elétrico for aplicado em um material dielétrico, ocorrerá apenas um deslocamento virtual entre as cargas que compõem as moléculas do material isolante.
v (t) S1
S2
i (t)
21 CORRENTE DE CONDUÇÃO, CORRENTE DE DESLOCAMENTO, EQUAÇÕES DE
MAXWELL
Obviamente isto é um absurdo. O circuito apresentado na figura 21.1 nada mais é do que um capacitor submetido a uma tensão variável no tempo e de acordo com a teoria de circuitos, há, sim, uma corrente elétrica circulando por ele, o que é inquestionável. Essa corrente fluirá pelo capacitor, e deverá ser da mesma magnitude da corrente que flui pelo condutor, para não contrariar o princípio da continuidade de corrente.
Este simples exemplo deixa claro que uma nova natureza de corrente elétrica deve ser apresentada neste ponto da discussão. A esta nova corrente daremos o nome de “corrente de deslocamento”, distinta da corrente de condução já apresentada em capítulo anterior. A corrente de deslocamento não é o resultado do movimento de cargas elétricas e só existirá quando a tensão entre as placas for variável com o tempo. Se a tensão aplicada for constante, ela existirá apenas em um instante transitório, desaparecendo em seguida No exemplo em questão o mesmo deverá ocorrer com a corrente de condução, para satisfazer o princípio da continuidade da corrente. Finalmente, antes de prosseguirmos com a formulação do problema, podemos adiantar aqui que a corrente de deslocamento é fruto do resultado da propagação da energia na forma de um campo eletromagnético estabelecido entre as placas.
Seja agora um capacitor e um resistor ligados em paralelo, submetidos a uma tensão V, conforme a figura 21.2.
figura 21.2 – Resistor e capacitor submetidos a tensão V Da teoria de circuitos elétricos, sabemos que a corrente de condução no resistor é:
R
iR V (21.1)
Enquanto que a corrente de deslocamento no capacitor é:
dt C dV
iC (21.2)
Vamos agora escrever essas relações baseadas em relações de campo, onde os elementos resistor e capacitor são representados na forma intensiva, conforme mostra a figura 21.3.
Figura 21.3 – representação do capacitor e do resistor, baseada em grandezas de campo Vamos admitir ainda que pela geometria apresentada, a intensidade de campo elétrico é a mesma, tanto no resistor como no capacitor, e pode ser expressa como:
d
EV (21.3)
iR iC
V
V E E
i
Para o resistor podemos escrever:
A d
d E R iR V
(21.4)
Considerando cada linha de corrente ou a sua densidade superficial, podemos escrever que:
E A J
i
R
R (21.5)
O que traduz a lei de Ohm, já vista, na sua forma pontual. Daí:
E JR
(21.6)
Para o capacitor, considerando-o como formado por placas planas e paralelas, desprezando os efeitos de borda ou o espraiamento das linhas de campo elétrico, a corrente capacitiva fica:
dt dV d A dt CdV
iC (21.7)
Para o campo elétrico uniforme e espaçamento d constante Ed
V (21.8)
dt d dE d
iC A (21.9)
dt dD dt J dE A i
c
C (21.10)
onde:
dt D JC d
(21.11)
JC
é a densidade das linhas de corrente de deslocamento no capacitor representada porJd
, enquanto que JR
é a densidade de linhas de corrente de condução no resistor que será representada simplesmente por J
.
Vamos supor agora um meio com as duas características, ao invés de uma resistência pura em paralelo com uma capacitância pura, podendo ser considerado um mal condutor ou um dielétrico com perdas. Esta generalização na lei de Ampère para esse meio permite escrever:
L S dS
t J D L d H
(21.12) Aplicando o teorema de Stokes ao primeiro membro da equação acima, temos pontualmente:
t J D
H
(21.13) ou ainda:
t E E
H
(21.14)
O conceito de corrente de deslocamento foi introduzido por James Clerk Maxwell, para se levar em conta a possibilidade da propagação de ondas eletromagnéticas no espaço.
Se o campo elétrico varia harmonicamente com o tempo, as correntes de deslocamento e de condução estão defasadas de 90 graus e
t sen EE 0
(21.15)
t sen E J 0
(21.16)
t cos EJd 0
(21.17)
Exemplo 21.1
Um material com condutividade = 5,0 S/m e permissividade relativa r = 1,0 é submetido a uma intensidade de campo elétrico de 250 sen (1010 t) V/m. Calcular as densidades de corrente de condução e de deslocamento. Em que frequência elas terão a mesma amplitude?
Solução:
Figura 21.4 – dielétrico com perdas
t
sen E
Jc 5.250 1010
10
( / )1250sen 10t A m2 Jc
t
dt
Jd dE 10 10
9
10 cos 250 . 36 10 10
10
( / )cos 1 ,
22 10t A m2 Jd
Para a mesma amplitude:
s rad/ 10 65 , 5 10
36 . 0 ,
5 11
9
GHz f 89,5
2
Exemplo 21.2
Um capacitor coaxial com raio interno 5 mm, raio externo 6 mm e comprimento 500 mm tem um dielétrico onde r = 6,7. Se uma tensão de 250 sen (377t) V é aplicada, determine a corrente de deslocamento e compare-a com a corrente de condução.
Solução:
Figura 21.5 – Capacitor co-axial Neste exemplo, a corrente entre as placas do capacitor será a de deslocamento e a corrente no condutor aquela de condução. Não tendo informações da condutividade, podemos supor o dielétrico perfeito, ou seja, sem perdas.
Jc
Jd
E
V(t)
ic(t) Id(t)
Da teoria de circuitos sabemos que:
dt CdV ic
Onde, conforme já visto e deduzido
36 ln
65
1,02 10 F5 , 0 . 10 . 7 , 6 . 2 r r ln
C 2 9
9 i
e 0
r
Então a corrente de condução será
377t
cos 250 . 377 . 10 . 02 , dt 1 CdV
ic 9
377t
Acos 10 . 61 . 9
ic 5
Da teoria eletromagnética temos que o potencial entre as placas obedece à equação de Laplace. Em coordenadas cilíndricas:
dr 0 rdV 0 r
dr rdV r r 0 1
2V
Integrando em relação a r vem:
r Adr dV dr A
rdV
Integrando novamente em relação a r:
B ) r ( ln A
V
Das condições de contorno vem que V = 0 para r = 6 mm. Daí
0.006
Bln A
0 (1)
377t
Aln
0.005
Bsen
250 (2)
Resolvendo (1) e (2) temos:
) 6 / 5 ( ln
t 377 sen A 250
ln(0.006)) 6 / 5 ( ln
t 377 sen B 250
ln(0.006)) 6 / 5 ( ln
t 377 sen r 250
) ln 6 / 5 ln(
t 377 sen
V 250
No caso V = V (r). Logo
aˆr
r 1 ) 5 / 6 ( ln
t 377 sen E 250
V E
r6 d
9 0
r d
aˆ t 377 r cos
10 . 6 , J 30
5 6 ln
t 377 cos 250 . 377 r 1 36
10 . 7 , 6 dt
E J d
5 , 0
0 2
0
r r
6 s d
d cos 377t aˆ rd dzaˆ
r 10 . 6 , S 30
d J i
A ) t 377 ( cos 10 . 61 , 9 id 5
o que comprova a continuidade da corrente no circuito mostrando que a corrente de deslocamento, dentro do capacitor, é igual à corrente de condução, no condutor externo.
21.2 - As Equações de Maxwell para campos variáveis no tempo.
No capítulo 17 estabelecemos as quatro equações de Maxwell para campos elétricos e magnéticos estáticos (invariantes no tempo). Estas quatro equações de Maxwell são enunciadas de modo geral considerando os campos variando no tempo, ficando os casos estáticos como particularidades. O conjunto de equações a seguir, mostrado tanto na forma integral como na diferencial justifica matematicamente as principais leis e princípios básicos que regem a teoria da eletricidade.
A lei circuital de Ampère prova a existência das correntes de condução e de deslocamento onde:
forma integral forma diferencial
S
L
S t d J D L d
H
t J D
H
(21.18)
A lei de Faraday aplicada a uma superfície S fixa, justifica a tensão induzida de modo variacional:
forma integral forma diferencial
L
S dS t L Bd E
t E B
(21.19) No início dos nossos estudos em eletromagnetismo vimos que as linhas de força de um campo elétrico emanam de uma fonte de carga positiva ou se dirigem à fonte de carga, caso esta seja negativa. Em outras palavras, a existência das cargas elétricas é fundamentada na lei de Gauss onde:
forma integral forma diferencial
v Sdv S d D
D
(21.20) Por outro lado, o mesmo conceito mostra a inexistência de monopolos magnéticos de forma que:
forma integral forma diferencial 0
S
S d B
0
B
(21.21) Observe que o terceiro e quarto conjunto de equações não mudam em relação aos campos estáticos.
Estas equações de fluxos em superfícies fechadas na forma integral ou de divergentes na forma diferencial justificam o campo elétrico como conservativo e o magnético como solenoidal.
21.2.1 - Equações de Maxwell no espaço livre
Quando Maxwell formulou as suas equações, a sua maior preocupação era demonstrar a existência das ondas eletromagnéticas e que elas se propagavam mesmo na ausência de meio material, ou seja, no espaço livre. Como neste caso, não existe corrente de condução (J0
), nem densidade de cargas elétricas livres ( = 0), o conjunto das equações (21.18) a (21.21) é reformulado de forma simplificada resultando:
forma integral forma diferencial
S L
S t d L D d H
t H D
(21.22)
L
S dS t L Bd
E
t E B
(21.23)
0S
S d D
0
D
(21.24) 0
S
S d B
0
B
(21.25)
A partir das relações constitutivas em que D E
e B H
e no espaço livre na forma diferencial temos:
forma integral forma diferencial
S LS t d L E
d H
0
t H E
0 (21.26)
L
S dS t L Hd
E
0 t
E H
0 (21.27)
0
0
S
S d E
0
E
(21.28)
0 0
S
S d H
0
H
(21.29) Este conjunto particular de equações demonstra a propagação das ondas eletromagnéticas e esclarece como os campos magnéticos são produzidos através dos campos elétricos e estes através dos magnéticos no decorrer do tempo.
21.2.2 Equações de Maxwell para campos variantes harmonicamente com o tempo
Finalmente apresentamos as formulações das equações de Maxwell para campos eletromagnéticos que variam harmonicamente no tempo (não necessariamente no espaço livre). Considerando uma variação do tipo a = A ejt com derivada temporal jA ejt = j a, elas podem ser escritas como:
forma integral forma diferencial
sH.dLj
sEdS
H
j
E (21.30)
lE.dLj
sHdS
H j
E
(21.31)
sD.dSvdV
0 D .
(21.32)
sB.dS0
0 B .
(21.33)
EXERCÍCIOS
1)- Seja a densidade de corrente de condução num dielétrico dissipativo Jc = 0,02 sen (109 t) (A/m2), encontre a densidade de corrente de deslocamento se = 103 S/m e = 6,5 0.
1,15x10-6 cos (10-9 t) (A/m2)
2)- Um condutor de seção reta circular de 1,5 mm de raio suporta uma corrente ic = 5,5 sen (4.1010 t) (A). Quanto vale a amplitude da densidade de corrente de deslocamento se a condutividade vale 35 MS/m e a permissividade relativa r = 1?
7,86x10-3 A/m2
3)- Descubra a freqüência para a qual as densidades de corrente de condução e de deslocamento são idênticas em:
(a) água destilada, onde = 2,010-4 S/m, r = 81;
(b) água salgada, onde = 4,0 S/m e r = 1.
(a) 4,44 x 104 Hz; (b) 7,20 x 1010 Hz
4)- Duas cascas esféricas condutoras concêntricas com raios r1 = 0,5 mm e r2 = 1 mm, acham-se separadas por um dielétrico de constante dielétrica r = 8,5. Encontre a capacitância e calcule a corrente de condução ic dada uma tensão aplicada v (t) = 150sen (5000t) V. Calcule a corrente de deslocamento iD e compare-a com ic.
IC = iD = 7,08 . 10-7 cos (5000t) A
5)- Duas placas condutoras planas e paralelas de área 0,05 m2 acham-se separadas por 2 mm de um dielétrico com perdas onde r= 8,3 e = 8,010-4S/m. Aplicada uma tensão v = 10 sen 107 t (V), calcule o valor rms da corrente total.
0,192 A rms
6)- Um capacitor de placas paralelas, separadas por 0,6 mm e com um dielétrico de r = 15,3 tem uma tensão aplicada de 25 V rms na frequência de 15 GHz. Calcule o rms da densidade de corrente de deslocamento. Despreze o espraiamento no campo elétrico.
5,31105 A/m2