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Concepções de conselheiros tutelares sobre desenvolvimento e aprendizagem e atuação na garantia do direito à escolarização de crianças e adolescentes : um estudo de caso

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

CONCEPÇÕES DE CONSELHEIROS TUTELARES SOBRE

DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM E ATUAÇÃO NA

GARANTIA DO DIREITO À ESCOLARIZAÇÃO DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES: UM ESTUDO DE CASO

Brasília – DF

2011

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ORLEI RODRIGUES DE OLIVEIRA

CONCEPÇÕES DE CONSELHEIROS TUTELARES SOBRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM E ATUAÇÃO NA GARANTIA DO DIREITO À ESCOLARIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM ESTUDO

DE CASO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida

Coorientadora: Profª Drª Maria Aparecida Penso

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

09/09/2011

O48c Oliveira, Orlei Rodrigues de

Concepções de conselheiros tutelares sobre desenvolvimento e aprendizagem e atuação na garantia do direito à escolarização de crianças e adolescentes: um estudo de caso. / Orlei Rodrigues de Oliveira – 2011.

106f.: il..; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011. Orientação: Sandra Francesca Conte de Almeida

Coorientação: Maria Aparecida Penso

1. Assistência à menores. 2. Educação Psicologia aplicada. 3. Aprendizagem. I. Almeida, Sandra Francesca Conte de, orient. II. Penso, Maria Aparecida, coorient. III. Título.

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Aos meus pais, João Rodrigues de Oliveira e Jacinta Trindade de Oliveira, e à minha irmã, Elizete Trindade de Oliveira (in memoriam).

Aos meus tios, Brígida Rodrigues de Oliveira, Crescência Rodrigues Dias, Estevão Tavares Dias (in memoriam), e Maria Rodrigues de Oliveira, que sempre foram afetuosos e carinhosos e me acolheram após o falecimento dos meus pais.

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Em primeiro lugar, agradeço a Deus, pela minha existência e pela oportunidade de realizar este trabalho.

À professora Sandra Francesca Conte de Almeida, pela orientação e exemplo de profissionalismo, dedicação, paciência, carinho, incentivo, apoio e confiança durante a realização deste trabalho.

À professora Maria Aparecida Penso, por ter aceito a coorientação desta pesquisa. À professora Kátia Brasil, por ter participado do Exame de Qualificação e contribuído com valiosas sugestões e pela disponibilidade em estar presente na defesa.

Ao professor Vicente de Paula Faleiros, pelo apoio, observações, sugestões e pela participação no Exame de Qualificação.

À professora Maria Inês Gandolfo Conceição, por ter aceito participar da minha Banca de Defesa, o que muito me honra.

Ao professor Josinaldo Luis de Sousa, pela leitura atenta e ajuda na organização deste trabalho.

À minha amada esposa, Maria Horcioni Santos de Oliveira, e queridos filhos, Douglas Rodrigues de Oliveira e Gabriella Santos de Oliveira, pelo apoio, ajuda e estímulo.

Às minhas queridas irmãs, Eci Vonete de Oliveira Hennemann, Eliete Trindade de Oliveira e Maria Elizabete de Oliveira Araújo, que sempre me apoiaram e transmitiram confiança.

A todos, amigos e familiares, por terem suportado e compreendido o meu “distanciamento” durante a realização deste trabalho.

Muito obrigado.

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OLIVEIRA, O. R. Concepções de conselheiros tutelares sobre desenvolvimento e aprendizagem e atuação na garantia do direito à escolarização de crianças e adolescentes: um estudo de caso. 2011. 106 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Católica de Brasília, Brasília – DF, 2011.

Este trabalho buscou analisar, investigar e identificar em que consistem as concepções de conselheiros tutelares sobre desenvolvimento e aprendizagem e atuação na garantia do direito à escolarização de crianças e adolescentes. O referencial teórico adotado foi a teoria psicogenética de H. Wallon, por levar em conta a totalidade da pessoa, na realidade concreta da existência humana, e responder a vários problemas ligados à infância e a adolescência e também às relações entre o indivíduo e a sociedade. A pesquisa foi de natureza qualitativa, por valorizar a experiência da pessoa inserida no meio social, a participação, a subjetividade e as perspectivas dos sujeitos participantes e a interpretação e construção da realidade por meio do caráter dialógico. O estudo de caso foi adotado por ser essencial na produção do conhecimento, ao dar uma atenção especial ao caráter singular e ao atribuir significado à subjetividade da pessoa. A coleta de dados foi realizada por meio da entrevista semiestruturada e os participantes foram cinco conselheiros atuantes em um mesmo Conselho Tutelar de uma Região Administrativa do Distrito Federal. As respostas foram analisadas e interpretadas de acordo com a técnica da análise de conteúdo. Os resultados apontam que os conselheiros possuem uma concepção intuitiva de que o desenvolvimento humano e a aprendizagem ocorrem no meio social, na família e na escola. No entanto, subsiste nos conselheiros uma concepção idealizada de família, com padrões e valores definidos, principal responsável pela interação família-escola, pelo desenvolvimento e pela escolarização de seus filhos. Falta aos conselheiros clareza na compreensão das relações entre família e escola e em que consiste o papel da escola nessa relação. Constatamos uma postura pouco reivindicativa, por parte dos conselheiros, e uma precária interação com os movimentos sociais e redes de apoio. A atuação na garantia do direito à escolarização de crianças e adolescentes é limitada a algumas ações pontuais e não muito eficazes. Falta aos conselheiros tutelares uma formação mais consistente do ponto de vista científico, subsidiada por teorias e práticas psicossociais voltadas para a compreensão histórico-social e crítica dos processos de desenvolvimento, de aprendizagem e de escolarização de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Conselho tutelar. Concepções. Atuação. Infância. Escolarização.

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OLIVEIRA, O. R. Guardianship counselor’s conceptions on development, learning and actions towards securing children and teenagers’ right to schooling: a case study. 2011. 106 p. Dissertation (Psychology Mastership) – Universidade Católica de Brasilia, Brasília, DF.

The research was from qualitative nature, for valuing the person’s experience while inserted in its social context, participation, subjectivity and perspectives from the participant, subjects’ reality interpretation and construction by means of dialogical characters. The case study was adopted for being essential in the production of knowledge for giving a special attention to its singular character and attributing meaning towards the person’s subjectivity. The data gathering was accomplished by means of semi structured interview and the participants were five acting counselors in the same Guardianship Council from an administrative region from Distrito Federal. The answers were analyzed and interpreted according to the Analyses Technique of Content. The results indicate that the counselors posses an intuitive conception which tells them that Human Development and Learning happens in a Social, Familiar, School context. However, these counselors’ posses an idealized conception of the family, with patterns and values pre established that considered them as the being the ones responsible for the interaction between school and family, as well as schooling and development of their children. They lack the clarity to understand the relationships between family and school as well as to understand school’s role in this context. We observed a low demanding position on part of the counselors, a deficient interaction with social movements and support nets. The acting towards securing the educational rights from children is limited to a few punctual actions, which were not very effective. The counselors lack a more consistent formation, from a scientific perspective, guided by theories and psychosocial practice, aiming a critical social historical comprehension on the process of development, leaning and schooling of children.

Key words: Guardianship counselor. Conceptions. Acting. Childhood. Schooling.

(9)

CAPÍTULO I A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE E OS CAMINHOS TRILHADOS EM BUSCA DO RECONHECIMENTO DE SEUS

DIREITOS...14

1.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCÊNCIA – ASPECTOS HISTÓRICOS...14

1.2 A ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA NO BRASIL – ASPECTOS HISTÓRICOS...26

1.3 MARCOS IMPORTANTES DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA...29

CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA DE H. WALLON AO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE...38

2.1 UMA INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DA PESSOA, EM WALLON...38

2.2 A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA DE WALLON PARA A COMPREENSÃO DO PAPEL DA ESCOLA E DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA...43

CAPÍTULO III MÉTODO...57

3.1 A NATUREZA QUALITATIVA DA PESQUISA...57

3.2 O CONTEXTO...58

3.3 OS OBJETIVOS DA PESQUISA...59

3.4 O ESTUDO DE CASO...60

3.5 O INSTRUMENTO...62

3.6 A ANÁLISE DOS DADOS...62

CAPÍTULO IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS...64

(10)

ADOLESCENTES E À GARANTIA DO DIREITO À ESCOLARIZAÇÃO...70

4.2.1 Categoria I: Concepções sobre desenvolvimento humano e aprendizagem na infância e na adolescência...73 4.2.2 Categoria II: Aspectos e/ou fatores importantes para o desenvolvimento humano e a aprendizagem na infância e na adolescência...76 4.2.3 Categoria III: Papel e atuação da escola no processo de desenvolvimento e aprendizagem...80 4.2.4 Categoria IV: Problemas relativos à escolarização de crianças e adolescentes...82 4.2.5 Categoria V: Ações e atividades dos conselheiros tutelares para garantia do direito de permanência na escola...83 4.2.6 Categoria VI: Possibilidade de atuação do conselheiro tutelar...84 4.2.7 Categoria VII: Limites e dificuldades de atuação do conselheiro tutelar...85 4.2.8 Categoria VIII: Efeitos e impactos das ações dos conselheiros tutelares na garantia ao direito de escolarização...88

CONSIDERAÇÕES FINAIS...90

REFERÊNCIAS...97

ANEXO 01 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – CARTA CONVITE...103

ANEXO 02 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...104

(11)

APRESENTAÇÃO

 

As mobilizações populares ocorridas no Brasil, a partir dos meados da década

de 1970, reivindicavam uma abertura política que culminou na década seguinte,

especificamente no ano de 1988, na promulgação de uma nova constituição, que

ficou conhecida como a constituição cidadã, por estabelecer espaços de

participação efetiva do cidadão nas decisões do Estado.

Dentro desse contexto, essas movimentações e reivindicações populares

foram umas das condições para potencializar a promulgação do ECA (Estatuto da

Criança e Adolescente), em 1990. Assim, a descentralização do poder e uma maior

participação da comunidade vieram a ocorrer a partir da década de 1980 e a partir

das conquistas dos Conselhos da Comunidade ou Comunitários, que foi uma “forma

de garantir a participação popular, por meio de suas organizações.” (PESTANA,

2008, p. 28).

Desse modo, com o advento da Constituição de 1988, e de acordo com o

artigo 37, a Administração Pública deverá obedecer não somente aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mas deve-se

vincular ao que preceitua o artigo 10, em que o Brasil “constitui-se em Estado

democrático de direito”. Por outro lado, de acordo com o princípio da publicidade da

Administração Pública extraem-se outros dois princípios: da motivação dos atos e da

transparência administrativa com a participação popular 

Por essas razões, a inspiração dos Conselhos Municipais e Tutelares não mais depende da vontade do governante, mas constitui uma garantia constitucional dos administrados, portanto, forma peculiar a partir de 1988, em relação a toda ação governamental na área da infância e juventude deve ter a participação popular, através de seus conselhos legitimamente constituídos. (PESTANA, 2008, p. 28).

 

Dentro deste espírito deve-se ser compreendido o caput do art. 227 da

Constituição Federal Brasileira e devido à sua tamanha importância torna-se

necessária transcrevê-lo aqui:

(12)

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, p 126)

 

O ECA foi implantado para atender a esse artigo, foi também inspirado nos

ideais da Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas

(ONU), que aconteceu em 1989, sendo o Brasil um dos países signatários. O ECA

tem por finalidade transcender uma democracia apenas representativa e chegar-se

ao Estado participativo de acordo com os princípios introduzidos pela constituição de

1988. Este documento, de acordo com a Constituição vigente, propõe a doutrina da

proteção integral, e “rompe com a visão de menoridade e conduz à ideia de criança

como cidadã, com direitos e deveres, enquanto prioridade das políticas públicas”

(SOUSA; TEIXEIRA; SILVA, 2003).

Assim, o ECA estabelece novos modos de relação entre o poder público e a

comunidade e cria um novo modo de participação e organização da sociedade civil

chamado Conselho Tutelar.

De acordo com o art. 131 do ECA, o Conselho Tutelar é um órgão

permanente e autônomo e não integra o poder judiciário, ele é organizado pela

sociedade, cujo papel é de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Já o art.

132, estabelece que cada município constituirá pelo menos um conselho tutelar,

composto de cinco conselheiros eleitos pela comunidade local. Desta forma, o

Conselho Tutelar age “no espaço social existente entre o cidadão e o juiz [...] é

escolhido pela sociedade para executar medidas constitucionais e legais na área da

infância e adolescência" (SÊDA, 1997, apud SOUSA; TEIXEIRA; SILVA, 2003).

Neste sentido, constata-se que o Conselho Tutelar não pode ser visto como

um órgão acabado, pronto, estático; mas aberto aos vários segmentos da

sociedade, sendo fruto de um processo histórico. O Conselho funciona, de certa

forma, como um canal em que a comunidade, mais independente da burocracia do

poder judiciário, participa e reivindica os direitos que lhe são negligenciados.

Buscamos, neste trabalho, investigar as concepções dos conselheiros

tutelares acerca do desenvolvimento e da aprendizagem na infância e na

adolescência e as possibilidades e limites de sua atuação no que diz respeito à

garantia do direito à educação escolar, conforme proposto no ECA. No dizer de

Scheinvar e Algebaile (2005, p. 135) “o ECA imprimiu um novo olhar à população de

0 a 18 anos, pois ao abolir o conceito “menor”, abriram-se outras perspectivas na

(13)

que nas políticas brasileiras para a infância sempre prevaleceu “a “necessidade” de

controle da população pobre, vista como “perigosa”. Manteve-se, pois, o abismo,

infranqueável entre infâncias privilegiadas e menores marginalizados.

No primeiro capítulo desta pesquisa apresentamos os aspectos históricos da

evolução do conceito de criança e de adolescência, da assistência à infância e à

adolescência no Brasil e os marcos mais importantes na legislação brasileira

relacionados à infância e à adolescência.

No segundo capítulo, desenvolvemos uma introdução à Psicologia da pessoa,

em Wallon, e apontamos a contribuição da Psicologia desse eminente teórico na

compreensão do papel da escola, da família e do professor no desenvolvimento e na

aprendizagem da infância e da adolescência. Enfatizamos que a teoria walloniana

fornece subsídio para potencializar a interação entre família, profissionais da

Educação e conselheiros tutelares, resultando em possibilidades reais e concretas

na garantia de direitos por meio das políticas públicas, especialmente as ligadas à

educação.

No capítulo terceiro, descrevemos o método. Optamos pela pesquisa de

natureza qualitativa, por valorizar a experiência da pessoa inserida no meio social, a

participação, a subjetividade e as perspectivas dos sujeitos participantes, bem como

a interpretação e construção da realidade por meio do caráter dialógico. E

escolhemos o estudo de caso, como método, por acreditarmos como González Rey

(2005), que o estudo de caso é um instrumento essencial na produção do

conhecimento ao dar uma atenção especial ao caráter singular e ao atribuir

significado à subjetividade da pessoa. O instrumento utilizado na coleta de dados foi

a entrevista semiestruturada,

As respostas das entrevistas semiestruturadas, realizadas com os

conselheiros foram analisadas e interpretadas de acordo com as técnicas da análise

de conteúdo, objetivando alcançar significados e sentidos das falas dos sujeitos.

No capítulo quarto apresentamos os resultados e a discussão dos dados

obtidos na pesquisa com os conselheiros tutelares. A análise de conteúdo das

respostas permitiu caracterizar o perfil do Conselho Tutelar e a elaboração de oito

categorias temáticas, que se relacionaram aos objetivos e às perguntas da

(14)

Nas considerações finais realizamos uma síntese dos resultados e das

discussões e apresentamos algumas reflexões e encaminhamentos derivados deste

estudo.

Em anexo encontram-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a

Carta Convite, e o Roteiro de Entrevista para a coleta dos dados.

(15)

CAPÍTULO I A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE E OS CAMINHOS TRILHADOS EM BUSCA DO RECONHECIMENTO DE SEUS DIREITOS.

1.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCÊNCIA –

ASPECTOS HISTÓRICOS.

Hoje pensamos a infância como um estágio específico em que todas as

pessoas obrigatoriamente bem ou mal vivenciam antes de chegar à idade adulta. No

entanto, nem sempre foi assim, o conceito de infância foi se revelando, se

mostrando e se desdobrando e somente na transição da Idade Média para a

Moderna este conceito incorporou muitas das características que conhecemos

atualmente

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o Século XVII. (ARIÈS, 1981, p. 65).

A criança no ocidente nem sempre foi amada, valorizada e dedicada a ela

uma atenção especial, pois abandonar bebês sempre foi uma prática “de todos os

tempos, pelo menos no ocidente. Variaram apenas, no tempo, as motivações, as

circunstâncias, as causas, as intensidades, as atitudes em face do fato amplamente

praticado e aceito” (MARCÍLIO, 1998, p. 21).

Na sociedade medieval, poucas pessoas tinham privilégio de viver

todos os estágios da vida como conhecemos hoje e eram poucas crianças que

sobreviviam e esse fato era considerado como natural. Além do mais, não era

considerada a personalidade e a individualidade da criança e até o infanticídio,

embora considerado crime e condenado pela ética do Estado e da Igreja, “era

praticado em segredo, correntemente, talvez, camuflado, sob a forma de um

acidente” (ARIÈS, 1981, p. 17). No entanto, “assim que a criança superava esse

período de alto nível de mortalidade, em que sua sobrevivência era improvável, ela

(16)

Desse modo, logo que a criança conseguia sobreviver sem os cuidados

imediatos da mãe ou da ama, ela ingressava no mundo dos adultos, pois não existia

uma consciência das essências das características da criança e dos aspectos que

distinguisse a vida infantil da vida adulta e muito menos da adolescência. Assim, é

fácil constatar que a sociedade dos adultos daquela época era bastante pueril “por

uma questão de idade mental, mas também por uma questão de idade física, pois

ela era em parte composta de criança e de jovens de pouca idade” (ARIÈS, 1981, p.

157).

Contudo, se a criança não usufruía de uma atenção especial e precocemente

começava a participar da vida adulta o que levou os adultos a atribuir a ela um novo

olhar? Ariès destaca que do século XIII ao XVII as condições demográficas não se

alteraram, e o índice de mortalidade continuou elevado, mas ele chama a atenção

para um fato novo “como se a consciência comum só então descobrisse que a alma

da criança também era imortal. É certo que essa importância dada à personalidade

da criança se ligava a uma cristianização mais profunda dos costumes” (ARIÈS,

1981, p. 61).

Mas esta religiosidade que despertava em torno da infância ainda não se

preocupava com a totalidade da criança. O maior interesse dos religiosos era a

salvação das almas dos inocentes e não uma real preocupação com as privações

materiais a que muitas crianças estavam sujeitas. A educação que ensinavam às

crianças “era essencialmente moral e religiosa: exercícios de piedade, catecismo,

participação em ofícios religiosos, etc. O que importava era assegurar a salvação de

suas almas” (MARCÍLIO, 1998. p. 61).

No entanto, dois aspectos são de fundamental importância para compreender

o despertar da consciência da infância.

(17)

Assim, constatamos em relação à criança, um despertar de um cuidado com o

corpo e com a disciplina. Ariès ressalta também que no século XVIII surge uma

preocupação com a higiene e a saúde física.

O primeiro sentimento da infância era de paparicação, abrangia um período

curto da existência da criança, embora envolvesse a população em geral. Nesse

espaço de tempo as pessoas brincavam com elas sem intenção de educá-las ou

impor algum valor moral. Já o segundo, por muito tempo, ficou restrito a alguns

padres, legistas e moralistas. No entanto, essa infância curta a qual as crianças a

abandonavam aos 05 ou 06 anos de idade para ingressar na vida adulta, aos

poucos vai sendo alterada, pois

os moralistas e educadores do século XVII [...] conseguiram impor seu sentimento grave de uma infância longa graças ao sucesso das instituições escolares e às práticas de educação que eles orientaram e disciplinaram. Esses mesmos homens, obcecados pela educação, encontram-se também na origem do sentimento moderno da infância e da escolaridade. (ARIÈS, 1981 p. 186 e 187).

Dessa forma, o período da infância se prolonga e antes da criança ingressar

na vida adulta é introduzida uma nova instituição: a escola. No entanto nem todas as

pessoas passavam pela escola ou dedicavam a ela mais que um ou dois anos,

continuando desse modo o hábito de uma infância curta e a inserção precoce na

vida adulta. Outro aspecto importante que deve ser salientado é que a escola, no

século XVII, não estava associada às classes sociais. “Muitos jovens nobres

ignoravam o colégio, evitavam a academia e se uniam sem delonga às tropas em

campanha” (ARIÈS, 1981, p. 188).

Também, nesse mesmo século, as mulheres eram excluídas da vida escolar e

a educação delas ficava limitada à aprendizagem doméstica e a instrução religiosa

adquirido nos conventos. A sociedade passa a sentir necessidade da escolarização

das meninas, “mas essa escolarização se inicia com um atraso de cerca de dois

séculos” (ARIÈS, 1981, p. 190). É importante salientar que a escola medieval não

tinha por objetivo a educação da infância e não visava uma formação moral e social.

A escola medieval não era destinada às crianças, era uma espécie de escola técnica destinada à instrução dos clérigos, “jovens ou velhos”, como dizia o Doctrinal de Michault. Ela acolhia da mesma forma e indiferentemente as crianças, os jovens e os adultos, precoces ou atrasados, ao pé das cátedras magisteriais. (ARIÈS, 1981, p. 187).

Não somente os conservadores, mas também os iluministas e os escolásticos

(18)

escolásticos e, especialmente no século XVII, os jesuítas, os oratorianos e os

jansenistas começam a divulgar as especificidades infantis, como também o método

de atendimento escolar e a psicologia aplicada a essa faixa etária. E a escola passa

a atender cada vez mais a criança e a juventude e também a valorizar cada vez

mais a disciplina como meio constante de controle.

A disciplina se torna um marco fundamental, que diferencia a escola medieval

da moderna, e aos poucos transcende a escola para atingir as pensões e as cidades

onde moravam os estudantes. Por sua vez, esta postura dos mestres em procurar

disciplinar os alunos, agradaram as famílias, as quais começam a ver vantagens

numa educação séria. Consequentemente, essas famílias passaram a admitir um

período escolar mais amplo.

Desse modo, a partir do século XVIII, a infância prolonga-se, pois a criança,

embora submetida a uma disciplina cada vez mais rigorosa, passa a estudar no

mínimo 04 anos. Neste contexto, Heywood (2004) ressalta a importância da escola

como uma preparação para o ingresso da criança no mundo dos adultos.

A ‘descoberta’ da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII, quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial, ‘uma espécie de quarentena’, antes que pudessem integrar o mundo dos adultos. (HEYWOOD, 2004, p. 10 apud CALDEIRA, 2011).

É interessante observar que, inicialmente, a escola ainda não estava

associada à divisão de classe, pois filhos de famílias nobres persistiam com o hábito

de ingressar precocemente em atividade de adultos, enquanto filhos de camponeses

preferiam dedicar-se à escola com o objetivo de aprender um ofício. Assim, “os

hábitos de escolaridade diferiam menos segundo as condições sociais do que

segundo as funções” (ARIÈS, 1981 p. 192).

No entanto, o sucesso da escola, surpreendeu até mesmo as autoridades do

saber e “alguns deles exprimiram seus temores de uma inflação de intelectuais e de

uma crise de mão de obra: um velho tema que as diversas gerações da burguesia

conservadora transmitiram até nossos dias” (ARIÈS, 1981 p. 192).

Entre aqueles que ressaltaram esse perigo estavam Richelieu e

posteriormente Colbert. Por isso, por volta do século XVIII, procura-se “limitar a uma

única classe social o privilégio do ensino longo e clássico, e condenar o povo a um

(19)

As reflexões que fizemos até agora nos leva a concluir que a vida da criança

no período medieval nos parece cruel devido ao fato de os primeiros anos de vida

não serem reconhecidos como uma fase especial e também pelo ingresso precoce

na vida adulta. Se na antiguidade a postura dos adultos frente às crianças nos

parece estranha e indiferente e até mesmo injusta, de certa forma, através de suas

normas e de suas regras, às quais as crianças eram submetidas, revelavam algo de

equitativo, pois todas as crianças ricas ou pobres estavam submetidas às mesmas

tradições. Na atualidade, constatamos algo mais doloroso ao se observar a exclusão

social e escolar de grandes segmentos da população.

Vale ressaltar que nesse período existiam pobres e abandonados, não

somente crianças órfãs, mas também, velhos, doentes e desempregados. E quem

cuidava dessa população indigente? Quem assistia aos pobres e aos miseráveis?

A assistência a estes indigentes, sem recursos e excluídos da sociedade era

feita exclusivamente pela esfera religiosa e eclesiástica. Nesse sentido é possível

constatar a existência de uma extensa bibliografia que “apresenta evidências

substanciais a respeito da formação de uma rede de ordens e instituições religiosas

dedicadas a aliviar o sofrimento dos pobres no mundo cristão europeu.” (RIZZINNI,

2008, p 91).

Estas instituições amparavam também a todas as pessoas que

necessitassem de alimentação em períodos de escassez de alimentos para a maior

parcela da população. De acordo com Marcílio (1998) no Brasil esta postura

caritativa perdurou desde a colônia até meados do século XIX:

De inspiração religiosa, o missionário e suas formas de ação privilegiam a caridade e a beneficência. Sua atuação se caracteriza pelo imediatismo, com os mais ricos e poderosos procurando minorar o sofrimento dos mais desvalidos, por meio de esmolas ou das boas ações – coletivas ou individuais. Em contrapartida, esperam receber a salvação de suas almas, o paraíso futuro e, aqui na terra, o reconhecimento da sociedade e o status de beneméritos. Ideologicamente procura-se manter a situação e preservar a ordem, propagando-se comportamentos conformistas. (MARCÍLIO,1998, p. 134)

Neste contexto, as ações eram destinadas não somente à criança e ao

adolescente carente, mas ao pobre, ao desvalido. Enfim, a todos os excluídos, e

aconteciam como fruto da caridade cristã. As pessoas faziam doações, contribuíam

por meio de esmolas, com o espírito de piedade e compaixão. Era um

assistencialismo de cunho paternalista que na prática não visava mudança social. O

(20)

indispensável para alcançar a salvação da alma e o “agraciado” com essas ações

deveria demonstrar atitudes de submissão e gratidão.

Contudo, no decorrer dos séculos XVIII e XIX, acontece de um modo lento,

mas irreversível, uma inversão na assistência aos desprovidos de bens materiais,

pois a caridade, que era predominantemente de cunho religioso, vai aos poucos

tornando mais secularizada. Portanto os valores da caridade se tornam cada vez

mais enfraquecidos e se chocam com os novos valores da filantropia. Observa-se

neste contexto “o deslocamento do domínio da Igreja, associada aos setores

públicos e privados, para o domínio do Estado, que passa a estabelecer múltiplas

alianças com instituições particulares” (RIZZINI, 2008, p. 91).

Se, inicialmente no mundo cristão, mais especificamente por volta do século

XVI, as pessoas eram influenciadas fortemente pelos dogmas religiosos, e entre

eles, o dogma do pecado original, o qual impunha aos cristãos a crença de que as

crianças nasciam com pecado e por este fato todas elas eram portadoras de “más

inclinações”. E até mesmo os reformadores protestantes mantiveram e aderiram este

dogma. No entanto, a partir do século XVII, as crianças tornaram-se, aos pouco, o

centro da vida familiar e alvo de sentimento humanitário. Esta mudança ocorreu

devido à maior valorização da secularização e também por influência de Locke,

Rousseau e os poetas românticos.

Nessa linha, no século XVIII, podemos verificar que a criança “[...] deixa de

ser retratada como um ser dotado de perversão inata para cair no outro extremo, ou

seja, anjos ou mensageiros de Deus” (RIZZINI, 2008, p. 100).

Entretanto, quer seja considerando a criança como anjo ou como pequeno

demônio, tanto a primeira tendência, quanto a segunda, convergem para um mesmo

ponto, a saber: a criança deve ser modelada e protegida, pois ela é a chave para o

futuro. E esta crença irá influenciar, de um modo ou de outro, os diferentes

desdobramentos no conceito de criança em diferentes momentos históricos.

A fase caritativa aos poucos vai cedendo espaço para uma nova modalidade

de “caridade”: a laica ou filantrópica. Este fato iniciou-se devido às grandes

transformações econômicas, políticas e sociais que o continente europeu sofreu a

partir dos séculos XI e XII devido à expansão demográfica e o desenvolvimento

urbano. Estes fatores contribuíram para o aparecimento de uma classe média e de

uma eclosão de uma grande população de pobres ligada ao setor urbano. Neste

(21)

na estrutura familiar. Estes fatores influenciaram na organização do poder e

repercutiu na modalidade de atendimentos aos pobres e aos desvalidos.

A pobreza era uma ameaça para esta nova ordem que surgia, pois, por um

lado, sabia-se da necessidade de manter e aumentar uma população saudável para

produzir riquezas e proporcionar o desenvolvimento da nação, mas, na prática,

surgia um grande contingente de pobres em vários países da Europa. E grupos de

revoltados e miseráveis proliferavam sem o devido controle do estado e da Igreja,

isso “explica porque a pobreza urbana tornou-se alvo de tanto interesse, escrutínio e

objeto de intervenção” (RIZZINI, 2008, p 93). Com a finalidade de promover a saúde

pública, foram criados estabelecimentos hospitalares e surgiu o movimento

higienista e também ampliaram-se as campanhas médico-sanitaristas.

No entanto, foi a partir do século XVI, que se desenvolveu, de um modo mais

incisivo, a mudança da fase caritativa religiosa para a filantrópica de natureza laica e

administrada pelo Estado. A chave desta alteração estava relacionada com a nova

realidade econômica que estava em desenvolvimento, o capitalismo, e que exigia

mudanças tanto do Estado quanto da Igreja. Surgiu assim, uma filantropia racional e

científica com a finalidade de regular e controlar a pobreza para aumentar a

capacidade produtiva da nação. No entanto, houve uma readaptação religiosa de

acordo com esta nova realidade:

A regra da Igreja Católica, - punindo o herege, mas perdoando o pecador-, mais no passado do que no presente, é hoje tolerada pelas pessoas de caráter econômico completamente moderno, e nasceu entre as camadas mais ricas e economicamente mais avançadas do mundo por volta do século XV. Por outro lado, a regra do Calvinismo como foi imposta no século XVI em Genebra e na escócia, entre o século XVI e XVII em grande parte na Holanda e no século XVII na Nova Inglaterra, se tornaria a forma mais intolerável de controle eclesiástico do indivíduo que já pôde existir (WEBER, 2002, p 36).

A filantropia se desenvolve neste novo contexto econômico, político e social,

como uma necessidade imprescindível para estabelecer e manter esta nova ordem,

sendo um meio indispensável para conciliar forças antagônicas no seio de um

Estado liberal, como: liberdade individual e ordem, trabalho e mercado livre

(22)

Nos séculos XVIII e XIX, aumenta o receio, por parte do Estado liberal, de

perder o controle das massas e, assim, a filantropia é utilizada como um valioso

instrumento utilizado por este Estado como meio de inculcar conselhos e preceitos a

fim de transformar os direitos políticos em questões de moralidade e mera

assistência. Toda esta preocupação por parte dos detentores do poder era

justificada devido ao impacto da Revolução Francesa, da Guerra Civil na América do

Norte e também pelas inúmeras revoltas populares que surgiam em vários países. A

filantropia neste novo contexto tem a finalidade de acalmar e tranquilizar os pobres,

transformando-os em “cidadãos” dóceis, diminuindo assim a possibilidade de eles

tornarem-se revoltosos e perigosos para a ordem social tida como ideal.

A ótica racional do século XIX contestou a postura romântica atribuída a todas

as crianças e, considerou de boa índole, somente as crianças filhas das “boas

famílias”, enquanto que atribuiu a perversidade às crianças que descendiam das

classes pobres. Pois as influências do pensamento positivista, carregado da tradição

empírica e, motivado pelo sucesso do desenvolvimento das ciências físicas,

passaram a influenciar não somente no plano do conhecimento e práticas dessas

ciências, mas também no conhecimento, desenvolvimento e aplicação nas ciências

humanas:

Antes de tudo a prioridade lógica e metodológica do “fato”, que se impõe antes e além de qualquer “significado” que lhe vem atribuído; o determinismo causal, muitas vezes levado aos extremos de um mecanismo cego e incontrolável: a tentativa de qualificar o fato e de trabalhar com ele objetivamente, em uma espécie de neutralismo científico que escapa de qualquer avaliação; a exclusão de qualquer conhecimento que saia do esquema mais rígido do empirismo. (CALIMAN, 2008. p. 209 e 210).

O positivismo é uma teoria determinista que procura analisar a realidade

humana de acordo com as leis das ciências naturais. Não valoriza a subjetividade

humana e nem os fatos significativos para a pessoa, enfim como afirma Caliman,

(2008, p. 210) “não leva em consideração a sociedade e os processos provocados

por ela que explicam a origem do desvio”. E pelo contrário, no dizer de Rizzini,

(2008, p. 101)

as teorias evolucionistas, muito em voga na época, reforçaram a teoria de que as crianças herdariam de seus pais - as células do vício -, ocasionando o triste espetáculo observado nos centros urbanos, onde crianças se entregavam à viciosidade e ao crime.

Esta crença de que os filhos dos pobres tinham uma inclinação inata em se

(23)

controle para “salvar a criança” e assim evitar consequências funestas para a

sociedade. No entanto, o que levou à criação destas políticas não foram impulsos

humanitários e generosos em favor das classes desfavorecidas, mas a busca de

controle social para defender os poderes, os interesses e os privilégios das classes

dominantes. Por um lado, a filantropia se intensificou, e por outro, pressionou o

Estado a criar políticas destinadas à criança pobre

A demanda para que o Estado ocupasse o papel de liderança nas ações destinadas a este segmento da população e sua efetiva intervenção a partir da segunda metade do século XIX, deve ser vista como um marco fundamental, na verdade determinante do processo que se desenrolou em todo o mundo ocidental. Aliás, o que se passa daí para frente, apresenta desdobramentos semelhantes quase que imediatos na Europa e na América do Norte, com reflexos identificáveis na America Latina em curto período de tempo. (RIZZINI, 2008, p 101).

No final do século XIX já estava consolidada a crença de que o Estado tinha a

missão de salvar a criança, pois se acreditava que somente ele tinha possibilidade

de proteger a criança. No caso específico do Brasil, no mesmo modo que acontecia

na América do Norte e nos países industrializados da Europa, vigorava aqui, a ideia

de necessidade de salvar a criança das influências negativas do meio social ou

mesmo da família em que ela se encontrava inserida.

A ideia que predominava a respeito da necessidade da salvação da criança,

não era fruto de uma gratuidade e generosidade, mas fruto da crença de que a

criança era a chave para o futuro. E por meio dela poderia construir uma grande

nação e no caso peculiar do Brasil, que estava mudando do regime imperial para o

republicano, via-se na criança uma esperança para superar o atraso, as misérias e

as consequências nefastas da escravidão. Neste sentido, acreditava-se que os

investimentos nas crianças poderiam transformá-las em cidadãos produtivos e

capazes de assegurar ao Brasil um lugar entre os países desenvolvidos.

As elites brasileiras estavam preocupadas porque o Brasil passava por

grandes transformações tais como o acelerado desenvolvimento urbano e o

expressivo crescimento demográfico. Mas, paralelo a este desenvolvimento,

acontecia o aumento da miséria, da pobreza, do vício e da imoralidade. As elites

estavam conscientes de que de nada adiantariam as suas riquezas, caso perdessem

o controle da sociedade. Exigia-se, então, que o Estado assumisse a liderança

frente aos problemas da criança, pois, acreditava-se na criança como chave para o

(24)

Mas esta fé atribuída à criança - a chave para o futuro-, carregava em si,

algumas ambiguidades e contradições e que, hoje, para entendermos aquela

posição sobre a infância, torna-se necessário buscarmos a compreensão dos

motivos pelos quais as elites daquela época estavam preocupadas em “educar” as

crianças pobres, especialmente aquelas provenientes dos estratos mais miseráveis.

Certamente é fácil entender os motivos pelos quais as elites não desejavam a

vadiagem, os vícios, os crimes e as desordens, mas, por outro lado, um povo bem

educado e consciente, não somente dos deveres, mas também dos direitos, não

seria conveniente para a ordem estabelecida. Por isto, buscava-se o progresso para

o país dentro de certos parâmetros

Na lógica do pensamento de então, um projeto político que efetivamente transformasse o Brasil numa nação civilizada implicava na ação sobre a infância. Moldá-la de acordo com o que se queria para o país. Paradoxalmente, sabia-se, a exemplo dos nossos países-modelo, que não seria fácil obter simultaneamente – um povo educado, mas não ao ponto de ameaçar os detentores do poder; um povo trabalhador, porém sob controle, sem consciência do valor de sua força de trabalho; um povo que acalentasse amor à pátria, mas que não almejasse governá-la (RIZZINI, 2008,p 86).

Deste modo, considerava-se a criança abandonada, marginalizada, em fim, a

excluída da sociedade, não como um sujeito de direitos, mas como um menor que

deveria ser preparada pela sociedade para se tornar, simplesmente, no caso do

menino, em um operário ou um pai de família e se menina, uma operária ou dona de

casa. Enquanto à criança, proveniente de “boa família”, seria dado o acesso à plena

cidadania.

Também se enquadram como alheios à sociedade-padrão aquelas crianças e

adolescentes considerados como viciados, criminosos, desordeiros, imorais,

pervertidos ou, por serem considerados tendenciosos à delinquência, graças ao

meio social no qual estavam inseridos, especificamente pela desestruturação de

suas respectivas famílias, e ainda aqueles acometidos por causas hereditárias.

Nestes casos, o Estado promoveu uma ampla manipulação e uma minuciosa

intervenção na vida destas crianças e adolescentes e em suas famílias.

Estas interferências visavam salvar estes miseráveis para construir ou

reconstruir um país mais próspero e civilizado e acreditavam que isto seria possível,

desde que retirassem as crianças e adolescentes tidos como problemáticos do meio

social ou das suas respectivas famílias para “reeducá-los” em um espaço

(25)

contexto, deve-se entender o primeiro Código de Menores, do ano de 1927, que

defendia a “internação das crianças em instituições, distantes do convívio social, e a

posição do juiz de menores, como autoridade máxima no assunto, podendo intervir

no pátrio poder” (MARTINEZ; ABREU 1997, p 28).

Nos anos de 1940 e 1950 surgiam no país debates e reivindicações em favor

de tornar o Código de Menores menos punitivo e excludente e mais preventivo,

assistencial e regenerador. Porém a instalação do regime militar interrompeu este

processo. No entanto, Martinez e Abreu (1997), destacaram que nos anos 1970

surgiram algumas iniciativas importantes: em 1975 a Câmara dos Deputados

estabeleceu uma Comissão Parlamentar de Inquéritos para investigar causas de

problemas entre as crianças carentes; em 1978, foi criada a Pastoral do Menor na

Arquidiocese de São Paulo que objetivava criar uma ação junto às bases para

preservar a criança e a integridade das famílias.

No entanto, em 1979, surgiu um novo Código de Menores que ampliou as

possibilidades de o Estado controlar as crianças e os adolescentes por meio do

judiciário, ao enquadrar várias situações vivenciadas pelas crianças e adolescentes

como “riscos”, entre elas: violência doméstica, pobreza, abandono ou indigência,

vícios, orfandade, criminalidade. Enfim, este código não era compatível com as

manifestações e reivindicações dos anos 1940 e 1950 e nem dos anos vindouros a

partir da década de 1980.

A abertura política iniciada na década de 1980 trouxe novos debates, críticas

e reivindicações no que se refere ao atendimento das crianças e dos adolescentes.

Foi altamente criticado o estigma da denominação “de menor” atribuída à criança e

ao adolescente e também a atitude preconceituosa de atribuir o termo “risco” a eles

e não às situações a que eles estavam expostos. E de maneira inédita, predominou

o reconhecimento social da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, ao

mesmo tempo em que foram realçados os deveres do Estado em proporcionar a

eles as necessidades básicas e fundamentais, como: saúde, alimentação, educação,

fortalecimento da família, proteção e eliminação de fatores que pudessem prejudicar

o desenvolvimento, entre outros.

Em 1988, foi promulgada uma nova Constituição, que inovou o modelo de

gestão política ao introduzir os conselhos deliberativos e consultivos. As crianças e

os adolescentes foram reconhecidos como sujeitos de direitos e o artigo 227, desta

(26)

Em 1990, foi promulgado o ECA, este estatuto é um instrumento jurídico de

extraordinário avanço por considerar a criança e o adolescente não como menor,

mas como cidadão, dotados de todos os direitos necessários para desenvolver em

plenitude, desde a alimentação, vida, saúde, educação, proteção familiar,

segurança, assistência social, entre outros. Enfim, o ECA atribui a cidadania plena à

criança e o adolescente, como dever, não só da família, mas da sociedade e do

Estado.

Neste espírito, foi sancionado com base nos princípios presentes nesta

Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); lei que define e

regulariza o sistema de educação brasileiro. “A prática, no entanto, ainda aponta

para os preconceitos, para a marginalização e o descaso com a vida da maior parte

das crianças e jovens do país” (MARTINEZ; ABREU 1997, p 32).

Mas, esta evolução dos direitos da criança e do adolescente no Brasil não

pode ser vista separada do contexto mundial e neste sentido merece destaque a

aprovação, no ano de 1948, da Declaração Universal dos direitos do Homem pela

Assembleia Geral das Nações Unidas. Esta declaração foi inspirada nos ideais de

igualdade da Revolução Francesa e tinha por objetivo regular as relações

internacionais e evitar o surgimento de outras guerras nas proporções da II Grande

Guerra Mundial. No entanto, tornou se necessário o entendimento de que os

princípios da Declaração Universal do homem somente poderiam se concretizar

mediante o reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos e assim poder

alcançar a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

Esse princípio foi fonte de inspiração para a elaboração de tratados

internacionais no que se refere aos direitos da pessoa e em especial dos direitos da

criança e do adolescente. Estabeleceram-se também, as bases para a formulação

da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a Infância. Neste espírito,

em 1959, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal

dos Direitos da Criança e ampliou os direitos da criança e do adolescente e, em

1989, todos os países membros da ONU, exceto os Estados Unidos e a Somália,

retificaram a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e reconheceram os

direitos da população infantil à vida com dignidade e o desenvolvimento das suas

(27)

1.2 A ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA NO BRASIL – ASPECTOS

HISTÓRICOS

De acordo com Faleiros, (2003), o direito da criança e do adolescente pobre

no Brasil sempre foi negligenciado e a legislação para a criança e o adolescente

anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 sempre privilegiou os

filhos das classes favorecidas em detrimento da maioria, os filhos dos pobres.

A doutrina liberal de direito iguais nem se quer esteve presente na história de direitos infanto-juvenil no Brasil, caracterizando-se nosso marco legal como uma “esquizofrenia” ou polarização normativa desigual, com duas vertentes, uma proposta para a elite e outra para os pobres, configurando-se a maioria da população como exceção, não configurando-se fazendo dela uma prioridade de atendimento e nem para ela uma política de inclusão. (FALEIROS, 2003).

Logo no período colonial constatamos que a Igreja e o Estado juntos,

“cuidavam” da criança indígena, pois “O Evangelho, a espada e a cultura europeia

estavam lado a lado no processo de colonização e catequização implantada no

Brasil” (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 17). Esse vínculo criava as condições para impor

a cultura européia, disciplina e batismo às crianças, como também a monogamia, os

sacramentos católicos e o controle por meio do medo do inferno.

A atuação do Estado e da Igreja sobre as crianças buscava formar súditos

submissos e também fazer delas um meio para convencer os adultos a aceitar as

imposições sociais e culturais dos portugueses. No entanto, se a catequese não

fosse aceita de um modo pacífico, a legislação portuguesa determinava o uso da

força.

Já as crianças filhas dos escravos que trabalhavam no Brasil-Colônia nem

sempre sobreviviam devido à situação de miséria a que eram submetidos seu pais.

Além do mais, as mães escravas geralmente eram alugadas como ama-de-leite.

Rizzini lembra que a Lei do Ventre Livre, de 1871, não garantia liberdade à criança

escrava, pois os senhores podiam optar em “mantê-la até os 14 anos, podendo,

então, ressarcir seus gastos com ela, seja mediante o seu trabalho gratuito até os

21 anos, seja entregando-a ao estado mediante indenização.” (RIZZINI, 2009, p. 18).

A existência de crianças nascidas fora do casamento era uma denúncia viva

contra a moral cristã dominante e por isso estas crianças estavam destinadas ao

(28)

que eram abandonadas em locais públicos, nas entradas das igrejas ou nas portas

das casas. Porque, no “período colonial nem o estado nem a Igreja assumiram

diretamente a assistência aos pequenos abandonados” (MARCÍLIO, 1998, p. 131).

“Essa situação chegou a preocupar as autoridades e levou o Vice-Rei a propor duas

medidas no ano de 1726: esmolas e o recolhimento dos expostos em asilos”

(RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 19).

Criou-se assim o sistema da roda, que consistia no fato de uma pessoa poder

em sigilo introduzir uma criança, pelo lado de fora da instituição, numa abertura de

uma roda cilíndrica esse artifício tinha por objetivo “esconder a origem da criança e

preservar a honra das famílias. Tais crianças eram denominadas de enjeitadas ou

expostas.” (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 19)

O Modelo de roda brasileiro “baseou-se no da Rodas de Expostos da

Misericórdia de Lisboa” (MARCÍLIO, 1998, p. 131). Este modelo de recolhimento de

crianças abandonadas de acordo com Marcílio, (1998) era utilizado em toda Europa

católica e a Itália foi o país divulgador deste mecanismo. A roda tinha dupla

finalidade sendo a primeira, a defesa dos bons costumes e dos valores da família e

a segunda consistia em possibilitar a administração do sacramento do batismo e

assim garantir a salvação da alma.

De acordo com Marcílio (1998), vigorou no Brasil, desde o período colonial

até meados do século XIX, um sentimentalismo de cunho paternalista em relação à

criança. Esta postura era de inspiração religiosa, mas sem pretensões em mudar as

estruturas sociais. Os ricos davam esmolas com a finalidade de assegurar a vida

eterna e de serem reconhecidos pela sociedade. A essência deste comportamento

consistia em manter a “ordem” e o conformismo das pessoas desprovidas das

mínimas condições materiais para sobreviverem.

Embora as crianças expostas fossem alimentadas por amas-de-leite ou por

famílias que as recebiam mediante pensões, a mortalidade delas chegava a um

índice elevado. “Na Casa dos Expostos, a mortalidade era bastante elevada, tendo

atingido a faixa dos 70% nos anos de 1852 e 1853 no Rio de Janeiro” (RIZZINI;

PILOTTI, 2009, p. 20) As sobreviventes deixavam a Casa dos Expostos aos sete

anos e a partir daí dependia da determinação dos juízes que decidia de acordo com

interesses de pessoas que as manteriam. Em geral, elas eram destinadas ao

(29)

No entanto, após a segunda metade do século XIX, com o Brasil já

independente, os problemas sociais da infância passam a ser debatidos no

parlamento, na Real Academia de Medicina e entre as elites das províncias. Estes

debates foram influenciados pelos iluministas e os médicos higienistas. Neste novo

contexto, o mecanismo da Roda não mais satisfazia a nova realidade do país.

Não se trata mais ─ e apenas ─ de salvar as almas dos bebês encontradas pelas ruas, nas portas das casas ou deixadas nas rodas, ministrando-lhes o batismo, e de praticar a virtude do amor ao próximo; tratava-se de dar à assistência pública bases científicas e equipamento bem estruturados. Era preciso salvar primeiramente o corpo da criança. (MARCÍLIO, 1998, p. 201).

No século XIX foram criadas inúmeras instituições que tinham a finalidade de

acolher os órfãos, os abandonados e também aquelas crianças e adolescentes cujas

presenças eram ameaças para a ordem constituída. A maioria dessas instituições

era dirigida por ordens religiosas que sobreviviam de doações e algumas vezes

recebiam auxílio do poder público. Estas instituições visavam preparar os meninos

para exercer algumas atividades na indústria e capacitar as meninas para o serviço

doméstico. Desse modo, constata-se que a essência dessas instituições era “voltada

para a prevenção ou para a regeneração, a meta era a mesma: incutir o ‘sentimento

de amor ao trabalho’ e uma ‘conveniente educação moral’” (RIZZINI; PILOTTI, 2009,

p. 20).

Estas instituições não consideravam as crianças e os adolescentes como

sujeitos, mas como “menores” que necessitavam de ser disciplinados e submetidos

às autoridades. Interessante observar que, tanto a disciplina como a submissão às

autoridades são “remédios” importantes, tanto para aqueles que cometeram uma

infração contra a ordem pública, quanto àqueles que nada fizeram de errado, pois,

para os primeiros, funcionavam como reeducação e para os segundos, como

prevenção. Assim, disciplina, controle do tempo e submissão à autoridade foram

práticas constantes no dia a dia dessas instituições.

Essa prática de recolher crianças e adolescente em instituições enraizou-se

na cultura brasileira e se expandiu pelo país. Apenas no início do século XX é que

esse modo de criação coletivo, impessoal e sem aconchego familiar começou a ser

suspeitado. Contudo, somente a partir dos anos 1980, esse sistema foi realmente

questionado por ser considerado injusto e retirar a criança e o adolescente do

(30)

grande dificuldade de inserção social após anos de condicionamento à vida

institucional” (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 21).

1.3 MARCOS IMPORTANTES DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA A INFÂNCIA

E A ADOLESCÊNCIA

Num período muito longo da história brasileira, de 1500 até 1900, isto é,

desde o Brasil-Colônia até o início da República, poucas leis estão relacionadas á

criança e ao adolescente. No Brasil Colônia, as crianças indígenas eram utilizadas

pelos padres jesuítas como meio para catequizar e “humanizar” os índios adultos. Já

no período em que vigorava um intenso tráfico negreiro, não compensava aos

proprietários de escravos estimularem a reprodução escrava e sim adquirir o escravo

diretamente no tráfico negreiro. Por outro lado, vários fatores contribuíam para um

baixo índice de natalidade entre a população escrava:

O número de mulheres escravas era inferior ao de homens escravos, aborto por maus-tratos sofridos durante a gravidez, alta mortalidade infantil devido às péssimas condições do cativeiro, infanticídios eram praticados por escravas como uma forma de livrar seus filhos da escravidão, e porque muitas vezes as mães escravas nutrizes eram separadas do filho recém-nascido ao serem vendidas ou alugadas como amas-de-leite. (FALEIROS,

E. T. S 2009, p. 204).

Desse modo, constata-se no Brasil colonial, uma negligência fragrante quanto

ao atendimento à criança e ao adolescente neste período.

Além do mais, Rizzini (2009) aponta que antes da independência do Brasil,

vigoravam as ordenações do Reino de Portugal que aplicavam penas muito

bárbaras às crianças e jovens que cometessem algum delito. Embora, teoricamente

a menoridade fosse um atenuante, na prática não acontecia diferença na aplicação

de penas às crianças e aos jovens, em relação aos adultos. No entanto, a partir da

independência em 1822 e com o advento do código penal de 1830, exclusivo

brasileiro, isentam-se os menores de 13 anos de idade da responsabilidade penal.

Já a obrigatoriedade do ensino para as crianças maiores de 07 anos

aconteceu em 1854. No entanto, nem todas as crianças estavam incluídas neste

universo, pois ficavam desobrigadas as crianças doentes, as não vacinadas e as

(31)

A autora observa que a Lei do Ventre Livre de 1881 estabelecia a liberdade

para as crianças filhas de escravos nascidas a partir de 28 de setembro daquele

ano, mas, na prática, não garantia uma total liberdade aos filhos de escravos, pois o

fato do senhor cuidar da criança negra dava a ele o direito de usufruir dos trabalhos

dela até os 21 anos de idade ou entregá-la ao Estado mediante uma indenização.

Porém, a maioria dos senhores de escravos optavam pelo trabalho, pois já vigorava

a Lei Eusébio de Queirós, datada de 04 de setembro de 1850, que proibia o tráfico

negreiro. Lei esta, fruto das pressões da Inglaterra que estava em processo de

industrialização e buscava espaço para as suas mercadorias e por isto, procurava

por todos os meios fechar o cerco à escravidão.

No entanto, a Lei do Ventre Livre “no que se refere à mudança de percepção

da sociedade em relação à criança, os passos na direção da abolição da

escravatura constituem marco importante” (RIZZINI, 2009, p. 104). Além do mais,

esta lei determinava obrigações tanto para o governo quanto para os donos de

escravos no sentido de proibir a separação das crianças menores de 12 anos dos

pais e previa recolhimento para as crianças abandonadas.

Já a determinação da idade mínima para trabalhar, aconteceu somente após

a proclamação da República, sendo que o decreto de número 1313, de 17 de janeiro

de 1891, estabelecia as providências para as crianças e adolescentes que atuavam

nas fábricas da Capital Federal. Em 1932, o decreto n0 22.042 determinou a idade

mínima para o ingresso da criança no mercado de trabalho. No entanto, não se deve

ter uma visão ingênua sobre esta proibição do trabalho infantil, pois

No que se refere ao encaminhamento para o trabalho, predomina o uso indiscriminado da mão-de-obra infantil, notando-se, a respeito, a omissão e a complacência do Estado. A lei de 1891, que se referia ao trabalho de menores, segundo Barbosa, nem se quer foi regulamentada (FALEIROS, V. P. 2009, p. 40).

Neste contexto, que envolve a polêmica do trabalho infantil, Faleiros, V. P.

(2009) ressalta que enquanto os empresários defendiam o trabalho precoce, as

pessoas de tendências socialistas defendiam a intervenção do Estado, de um modo

incisivo, em benefício do trabalhador. Em contrapartida, os católicos eram a favor de

uma legislação que pudesse conciliar patrões e trabalhadores.

Aliás, desde o Brasil-Colônia, até meados do século XIX, parte das crianças

abandonadas e órfãs eram entregues diretamente á Igreja Católica ou indiretamente

(32)

anonimato dos expositores). Estas crianças eram encaminhadas a algumas

instituições religiosas. Instituições estas, que recebiam subsídios, de um modo não

sistemático, do Estado e doações de pessoas caridosas que em troca esperavam o

reconhecimento na terra e a suposta garantia da salvação da alma. “O

assistencialismo desta fase tem como marca principal o sentimento de fraternidade

humana, de conteúdo paternalista, sem pretensões de mudanças sociais” (Marcílio,

1998, p. 134).

No Império, surgem algumas instituições destinadas a auxiliar as crianças e

adolescentes necessitados.

Foi a partir das iniciativas ou pressões de higienistas, advogados, moralistas e religiosos que algumas instituições foram se constituindo desde o Império, numa articulação e aliança entre público e privado. [...] Esta articulação se traduzia, de forma sistemática, através do Ofício Geral de assistência, mas só se realizava sob forma clientelista, temporária, por intermédio do esquema das subvenções que configura a política oficial de ajuda ao setor privado. A subvenção é votada ou distribuída anualmente e pode ser cortada, ampliada, modificada conforme os acordos, interesses e negociações de fatores em troca de legitimação. (FALEIROS, V. P., 2009, p. 40)

Neste sentido, pode ser constatada uma verdadeira falta de vontade política,

no sentido de preocupação com o bem comum e de busca de alterações de

estruturas sociais geradoras de pobreza e miséria. Nos primeiros anos após a

independência do Brasil

[...] a delinquência não chega a ser uma ameaça que ultrapasse o controle das autoridades policiais e judiciárias [...] Este quadro sofrerá uma mudança significativa na passagem do século XIX para o XX e estabelecerá as bases que definirão o desenrolar da trajetória jurídico-assistencial que caracterizará as próximas décadas. (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 107).

Nas duas últimas décadas do século XIX, aconteceram transformações

marcantes na sociedade brasileira devido ao processo de transição que acontecia

na erradicação da escravatura e na reestruturação e ampliação do trabalho livre.

Neste contexto, os debates em torno das possibilidades de mudanças do regime

político amadureciam-se e culminaram na proclamação de Republica em 1889.

Em relação à assistência à população infanto-juvenil, mantinha-se ainda, uma

postura religiosa e caritativa. No entanto, “o Brasil República terá na esfera jurídica o

principal catalisador da formulação do problema e da busca de solução para o

mesmo”. (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 108).

No início do século XX, acelera-se o processo de industrialização e muitos

(33)

passaram a investir no comércio e na indústria. Também investiram na indústria,

comerciantes imigrantes que trouxeram capital do exterior para aplicar no Brasil.

Assim, o país alcançava um acelerado processo de urbanização com grandes

ofertas de mão de obra e ao mesmo tempo com a inexistência de leis trabalhistas

que assegurassem condições dignas para os trabalhadores.

Os patrões preferiam contratar mulheres e crianças que recebiam salários inferiores aos dos homens [...] com baixos salários, muitos trabalhadores iam residir em cortiços e porões. O lazer era limitado pelo pouco tempo que dispunham para descanso e pela falta de dinheiro – daí a necessidade de mulheres e crianças também trabalharem. (AZEVEDO; SERIACOPI, 2007. p. 388 e 389)

Decorre daí o surgimento no país de problemas dos grandes centros, com

inúmeras pessoas ociosas e desempregadas perambulando pelas ruas ou

exercendo atividades informais, entre elas, inúmeras crianças: deliquentes e outras

simplesmente abandonadas, mas com grandes possibilidades de delinquirem devido

ao contexto no qual estavam inseridas.

Passa cada vez mais a existir uma preocupação com a criminalidade infantil e

essa preocupação torna-se também uma questão internacional, sendo objeto de

considerações especiais nos congressos sobre Direito Criminal:

Paiva defenderá que o aumento da criminalidade infantil era de fato incontestável e que a justiça brasileira precisava de uma reforma. Novos conhecimentos, advindos da sociologia, psicologia, psiquiatria e antropologia criminal deveriam ser incorporados para se levar em conta os vários fatores que exerciam influência sobre um indivíduo que comete um crime. (RIZZINI; PILOTTI, 2009, p. 118).

Neste sentido, foi criado em 1923 o Juizado de Menores, sendo que Mello

Mattos foi o primeiro Juiz de menores do Brasil e também da América Latina. A

primeira legislação criada no Brasil com a finalidade de atender os problemas

relacionados à criança e ao adolescente foi o Código de Menores que surgiu em

1927. No entanto, esse código não surge com a finalidade exclusiva de atender os

pobres de 0 a 18 anos, “mas àqueles que, além de serem pobres, não tinham

recursos para resolver de forma individualizada e ordeira as chamadas

problemáticas sociais e transgrediam as normas disciplinares.” (SCHEINVAR;

ALGEBAILE, 2005, p. 137).

Desse modo, pensando bem, para ser enquadrado como menor, além de ter

menos de 18 anos e de ser pobre, não era necessário estar em risco pessoal, mas

(34)

de Menores não se preocupava se as condições sociais, políticas e econômicas

determinavam, ou não, as condições de vida das famílias, mas ignorava o contexto

geral e responsabilizava cada família cujos comportamentos dos filhos não se

enquadravam ao modelo normal vigente.

Com o governo de Vargas, a partir de 1930, são estabelecidas algumas

reformas. Ainda em 1930, no governo provisório, foi criado o Ministério da

Educação, chamado de Ministério da Educação e Saúde e surge na década de 40 a

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a obrigatoriedade do Ensino

Fundamental. Já em 1942, num período autoritário, foi criado o Serviço de

Assistência ao Menor (SAM). “A implantação do SAM tem mais a ver com a questão

da ordem social que da assistência propriamente dita” (FALEIROS, V. P., 2009, p.

54), pois este órgão atuava utilizando postura correcional e repressiva, funcionando

como sistema penitenciário para as crianças e adolescentes abandonados ou

deliquentes.

Alguns fatores, nos contextos nacional e internacional, contribuíram de um

modo incisivo para mudar a mentalidade a respeito dos direitos humanos e em

especial da criança. No contexto internacional a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, 1948 e a Declaração Universal dos Direitos da Criança, 1959: aprovada

pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em que aumentou o elenco dos direitos

aplicáveis à população infantil. Como também a chegada ao Brasil da Unicef: Fundo

das Nações Unidas para a Infância em 1950, que contribui com programas para

proteger a saúde das crianças e das gestantes. No contexto interno, no decorrer da

década de 1960, houve um aumento no número de associações sindicais e de

outras organizações civis. Todos estes fatores contribuem para alterar a mentalidade

sobre os direitos das crianças e adolescentes.

Após muitas criticas ao SAM, tanto de origem de setores do governo, como

da sociedade, o primeiro governo militar cria, por lei, a Funabem: a Fundação do

Bem Estar do Menor, em substituição ao SAM. Um dos objetivos da Funabem era

estabelecer uma política de bem estar que fosse um marco na transição

correlacional-repressiva que acontecia no SAM para uma política assistencialista. É

interessante a observação de Vogel (2009), de que a Funabem, por ter herdado os

bens do SAM, também lhe fora atribuída a desagradável suspeita de ter herdado os

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