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Atenção integral à saúde da criança na perspectiva de uma equipe de profissionais

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA CRIANÇA NA

PERSPECTIVA DE UMA EQUIPE DE PROFISSIONAIS

Brasília - DF

2013

(2)

MARIA DO SOCORRO MENDES CÔRTES

ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA CRIANÇA NA PERSPECTIVA DE

UMA EQUIPE DE PROFISSIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação stricto sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Prof.ª Dr .ª Júlia S. N. F. Bucher-Maluschke

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12,5 cm

7,5 cm 7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB 13/08/2013

C828a Cortês, Maria do Socorro Mendes

Atenção integral à saúde da criança na perspectiva de uma equipe de profissionais. / Maria do Socorro Mendes Côrtes – 2013.

101f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Profa. Dra. Júlia S. N. F. Bucher-Maluschke.

1. Saúde da criança. 2. Psicologia. I. Bucher-Maluschke, Júlia S. N. F., orient. II. Título.

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Dissertação de autoria de Maria do Socorro Mendes Côrtes, intitulada ―ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA CRIANÇA NA PERSPECTIVA DE UMA EQUIPE DE

PROFISSIONAIS‖, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_______________________________________________ Profa. Dra. Júlia S. N. F. Bucher-Maluschke

Orientadora – UCB Mestrado em Psicologia

_______________________________________________ Profª. Dra. Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira

Membro Externo - UnB

_______________________________________________ Profª. Dra. Lílian Maria Borges Gonzalez

Membro – UCB Mestrado em Psicologia

_______________________________________________ Profº. Dr. Vicente de Paula Faleiros

Membro – UCB Mestrado em Psicologia

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que vela sempre por mim e me sustenta com Sua destra fiel, pela graça recebida a cada dia.

Ao Hélio, esposo amado e querido, parceiro de vida, auxílio na caminhada, pela disposição em ouvir e oferecer seu ombro amigo nos momentos de dúvidas.

À Letícia, filha preciosa e amiga, minha alegria na jornada, pela torcida dia a dia. Aos meus familiares, que abrilhantam a minha vida e me estimulam a ir adiante. Aos amigos queridos, que torcem sempre por mim e que, com palavras de ânimo, me ajudaram a realizar um sonho.

Aos colegas e aos professores do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, pelas enormes contribuições ao meu aprendizado.

À Profª. Dra. Júlia Bucher-Maluschke, pela orientação recebida.

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RESUMO

CÔRTES, M. S. M. Atenção integral à saúde da criança na perspectiva de uma equipe de profissionais. 2013. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília. 2013.

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ABSTRACT

CÔRTES, M. S. M. Comprehensive health care of children in the perspective of a professional team. 2013. 100 f. Dissertation (Masters in Psychology) - Catholic University of Brasília, Brasília. 2013.

Health care models are related to different ways of caring acts exercises. The care from the perspective of integral attention involves the articulation of diverse knowledges and practices, articulated which conceive the human being as a whole, one and indivisible (biopsychosocial), as well as seeking to assist you in every field (promotion, protection and recovery) and at all levels (primary, secondary and tertiary), including macropolitics health (systems) and health micropolitics (work process). Also involves the knowledge of meeting the subjectivities of health workers with the user. The attention to child health in Brazil has undergone many changes over the past decades. Currently, it is configured with the prospect of integral attention, taking into account that the child is subject of rights and emerges as protagonist of their own culture, and behold it in its process of growth and development. Thus, it is of fundamental importance study the concept of integral attention health care so that it becomes effective in the practices of health professionals. Accordingly, the present study aimed to know the general perspective of professionals on the integral attention health care of children. The same was held in a public federal agency, located in Brasília, Distrito Federal. The participants were the employee of the medical department of the agency, of the areas of Pediatrics, Nursing, Speech Therapy, Psychiatry and Nutrition. The proposed research adopted a qualitative approach, using the following features: data collection through institutional documents, semi-structured interviews and conversational systems. The analysis of the results, in the light of Epistemology Qualitative González Rey, suggests that professionals still contemplate the integral attention health care of children from the perspective of the biomedical model of health care, with emphasis on healing through fragmented practices. Our data also suggest that on the conceptual point of view, some of the professionals surveyed have significant information about the integral attention nevertheless report difficulty in applying them in their daily work.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Classificação dos direitos humanos de acordo com o referencial protetivo ... 29

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APS - Atenção Primária à Saúde

ATSCAM - Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno CORSAMI - Coordenação de Saúde Materno-Infantil

DAPES - Departamento de Ações Programáticas Estratégicas DAPS - Departamento de Assistência e Promoção à Saúde DINSAMI - Divisão Nacional de Saúde Materno-Infantil DNCr - Departamento Nacional da Criança

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente HRAS - Hospital Regional da Asa Sul

HRG - Hospital Regional do Gama

IESB - Instituto de Educação Superior de Brasília IRA - Infecções Respiratórias Agudas

PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

PAISMC - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança PNS/INAN - Programa de Nutrição em Saúde do Instituto Nacional de Alimentação e

Nutrição

RASs - Redes de Atenção à Saúde SAS - Secretaria de Atenção à Saúde SUS - Sistema Único de Saúde UnB - Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO: NOVOS CAMINHOS, NOVOS SENTIDOS ... 10

2 INTRODUÇÃO ... 13

3 REFERENCIAL TEÓRICO ... 17

3.1 CONCEPÇÕES HISTÓRICAS, SOCIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS DA INFÂNCIA E DA CRIANÇA ... 18

3.2 CRIANÇAS: DE OBJETOS A SUJEITOS DE DIREITOS ... 28

3.3 REDES SOCIAIS ... 33

3.3.1 Redes de Atenção à Saúde ... 37

3.3.2 Rede de Atenção à Saúde da Criança ... 47

3.3.2.1 Linha do tempo da gestão da saúde da criança do Brasil ... 48

4 OBJETIVOS ... 52

4.1 OBJETIVO GERAL ... 52

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 52

5 METODOLOGIA ... 53

5.1 PARTICIPANTES ... 55

5.2 CENÁRIO DA PESQUISA: O SERVIÇO MÉDICO DE UM ÓRGÃO PÚBLICO FEDERAL ... 57

5.3 INSTRUMENTOS ... 59

5.3.1 Análise Documental ... 59

5.3.2 Roteiro Semiestruturado da Entrevista ... 60

5.3.3 Conversação (situações de diálogos ou sistemas conversacionais) ... 61

5.4 PROCEDIMENTOS DA ÉTICA NA PESQUISA ... 62

5.5 PROCEDIMENTOS DA COLETA DOS DADOS ... 62

5.5.1 Coleta de Dados Através dos Documentos Institucionais ... 62

5.5.2 Roteiro Semiestruturado da Entrevista ... 62

5.5.3 Sistemas Conversacionais ... 63

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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 66

6.1 O CUIDADO ENTRE QUATRO PAREDES ... 66

6.2 O CUIDADO ALÉM DAS QUATRO PAREDES ... 74

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 81

REFERÊNCIAS ... 84

APÊNDICE – ROTEIRO PARA ENTREVISTA ... 96

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 97

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1 APRESENTAÇÃO: NOVOS CAMINHOS, NOVOS SENTIDOS

Antes de falar sobre a atenção integral, gostaria de explanar sobre a minha trajetória acadêmica e profissional. Minha inserção no mundo das práticas de saúde começou aos 17 anos, quando decidi ser médica de crianças. Consciente do grande desafio para conseguir o meu intento, aprofundei-me no mundo da leitura e dos estudos. O que ouvia de todos era sobre a importância da área das “Exatas” - Matemática, Física e correlatos, pois a apreensão dos conhecimentos da mesma garantiria minha entrada na Universidade. O positivismo, então, passou a fazer parte do meu universo estudantil.

Em 1982, aos 19 anos, iniciei meus estudos na Universidade de Brasília (UnB), no curso de Medicina. No primeiro semestre, disciplinas como Cálculo I (do Departamento de Matemática), Introdução à Física e Química permearam meu dia-a-dia estudantil. Em seguida, Bioquímica-Biofísica aperfeiçoou-me a mente para o raciocínio lógico e objetivo, preparando-me para uma racionalidade médica voltada para o tecnicismo nas práticas médicas.

Nos anos seguintes, uma formação centrada no modelo biomédico, hospitalocêntrico e com foco na doença foi reforçada a cada semestre. Aprender sobre as doenças e a forma de curá-las tornou-se a meta principal em minha formação médica. No primeiro semestre de 1988, recebi o diploma de médica e fui ao Hospital Regional do Gama (HRG) solicitar um contrato temporário, pois ainda havia seis meses até o concurso de Residência Médica para Pediatria. Exerci, na antiga Fundação Hospitalar do Distrito Federal, hoje Secretaria de Saúde, a função de médica pediátrica na emergência do HRG e preparei-me para a prova de Residência em Pediatria do Hospital Universitário de Brasília, da Universidade de Brasília (UnB).

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importância da multidisciplinaridade nas práticas de saúde.

Durante o período em que atuei profissionalmente no HRG participei de um ambulatório de acompanhamento de prematuros. Tratava-se de um projeto de atuação multidisciplinar, que constava das seguintes áreas: Enfermagem, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Psiquiatria Infantil e Pediatria. Creio que estava sendo apresentada ao embrião do modelo biopsicossocial de atenção à saúde, uma vez que podíamos contar com os conhecimentos de diversos profissionais e, portanto, poderíamos contemplar o paciente de uma maneira integrada e não dicotomizada, como nos ambulatórios convencionais. Contudo, diante das demandas excessivas de trabalho e horários, nem sempre favoráveis ao entrelaçamento de saberes, pude contemplar o que poderia vir a ser uma prática médica voltada para a atenção integral à saúde do paciente. Todavia, creio que permaneceu em mim o desejo de conhecer melhor a criança – muitas vezes em bem tenra idade!-, sua família e o mundo que a cerca. Percebi que meus conhecimentos técnicos não bastavam. Passei a sentir a lacuna deixada pela formação médica no quesito psicossocial.

Em 1997, tomei posse em um órgão público federal, mediante aprovação em concurso. Passei a acumular os dois empregos. Neste último, exerço a minha prática profissional em ambulatório de Pediatria até o momento atual. Permaneci no HRG até o final de 1999, quando, após aprovação em concurso público, fui exercer minhas atividades médicas na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Regional da Asa Sul (UTIN-HRAS). Senti o impacto de sair de uma equipe pequena e entrar em uma grande equipe, com uma demanda maior e de casos mais graves. Percebi o distanciamento que existia entre os participantes das diversas equipes profissionais atuantes no setor, além de uma dificuldade de comunicação e/ou relacionamento entre os profissionais.

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Em seguida, a Universidade de Brasília, nos mesmos moldes, ofereceu a Especialização em Saúde Perinatal, Educação e Desenvolvimento do Bebê, com duração de 18 meses, do qual eu fiz parte da primeira turma, que constava de profissionais de diversas áreas: Educação, Fonoaudiologia, Odontologia, Medicina (Pediatria, Psiquiatria, Neurologia, Ginecologia), Serviço Social, dentre outras. Foi um curso muito enriquecedor para a minha prática profissional. Pude sair de meu lócus habitual de ação profissional e contemplar as ações dos demais profissionais que atuam junto às crianças. Minha racionalidade médica positivista sofreu um baque diante de tanta subjetividade!

No final de 2001, devido a problemas pessoais, solicitei exoneração da Secretaria de Saúde, permanecendo apenas como pediatra de um órgão público federal. Ainda em busca de uma visão mais ampliada sobre a criança, iniciei, em 2008, uma formação em Terapia de Família, com Carlos Arturo Molina Loza, com duração de 18 meses. Foi um grande aprendizado e mais uma vez meu horizonte de ação profissional foi modificado. Passei a participar de cursos de Psicologia, Psiquiatria e de Educação, no intuito de uma melhor capacitação profissional.

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2 INTRODUÇÃO

Atenção integral à saúde tornou-se uma expressão bastante citada nos dias atuais, encontrando-se presente na maioria dos documentos oficiais que delineiam as políticas públicas de saúde. Igualmente, nunca se falou tanto na atenção integral à saúde como algo prioritário, do ponto de vista da implantação de práticas e ações, tanto políticas quanto organizacionais. Contudo, a atenção à saúde vigente em muitos serviços de saúde ainda encontra-se atrelada ao modelo biomédico1 e às múltiplas especializações, em uma clara visão reducionista do processo saúde-doença, com enfoque predominante na área assistencialista e curativa (DALMOLIN et. al., 2011; SOUSA et. al., 2010; MATTOS, 2001; SOUSA et al., 2010; CONILL, 2004; MERHY; FRANCO, 2003).

Além disso, verifica-se que não há consenso entre as pessoas sobre o significado dos termos atenção integral, cuidado integral ou integralidade do cuidado, embora os mesmos sejam expressões tão presentes e fortes no campo da saúde, e, também, um tema complexo e relevante para as práticas de saúde (DYTZ; BENZONI; PAYNO, 1997; AYRES, 2009).

Segundo Campos Júnior (2008), a medicina transformou-se em ciência de diagnóstico e tratamento, deixando de lado a “arte da cura”, que, para o autor envolve o conhecimento não apenas dos sinais e sintomas presentes no momento do exame clínico, mas, também, a relação humana entre o profissional e o paciente. Sabe-se, contudo, que para mudar este quadro, o desafio é grande, pois exige um olhar mais amplo que o do modelo biomédico sobre o processo saúde-doença, como também sobre a prática médica, as políticas de saúde, o planejamento e a formação de recursos humanos (COHN, 1989; MERHY; FRANCO, 2003).

A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, conforme assinalado pela Constituição Brasileira de 1988. Portanto, políticas sociais e econômicas, que favoreçam as ações e práticas de integralidade na atenção nos serviços de saúde, tornam-se essenciais para a aplicabilidade de tal assertiva. Para tanto, a mesma Constituição instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (BRASIL, 1988, art. 198). O

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financiamento público caracteriza esse sistema de saúde no Brasil, permitindo, em caráter complementar, a participação de instituições privadas. Com isso, garante-se a todo cidadão brasileiro o acesso universal e igualitário aos serviços e ações de saúde em todos os níveis de complexidade (BRASIL, 1988).

Contudo, de acordo com Rocha e Caccia-Bava (2009, p. 1342), “[...] viabilizar a assistência integral, humanizada e resolutiva requer um processo de trabalho em saúde articulado intra e inter equipes de saúde, na perspectiva da construção das linhas de cuidado”. E, no caso do atendimento à saúde da criança, a desarticulação nas ações em saúde pode acentuar, de certa forma, o distanciamento entre as áreas que também têm como objeto de estudo a saúde/doença da criança, desfavorecendo a implantação de uma atenção integral à saúde da mesma.

A fragmentação da ciência, caracterizada pela multiplicação crescente da especialização e dissociação do saber, pode produzir fronteiras disciplinares rígidas que impedem ou não favorecem a circulação de conceitos e a ampliação da parcela de saber de determinada disciplina ou área de conhecimento para outra (JAPIASSU, 1976, MORIN, 2010). Assim, a multiprofissionalidade, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade são as decorrências esperadas dos processos de trabalho em saúde orientados à integralidade (AYRES, 2009).

Portanto, há a necessidade de se rever as responsabilidades compartilhadas entre sistema de saúde e as instituições de ensino, uma vez que o novo modelo de assistência à saúde, baseado em princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), deve propiciar a formação de profissionais comprometidos com a integralidade na atenção, que desempenhem suas funções dentro do saber de suas formações, mas que privilegiem a aprendizagem mútua e o desenvolvimento de ações conjuntas, dentro de uma zona de fronteira entre os demais saberes em saúde, na qual se sobressai o trabalho em equipe e não o saber específico de determinada profissão (GARCIA et al., 2006).

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2010a).

A equipe de saúde vem se diversificando e tornando-se mais complexa na sua composição nas últimas décadas, e, atualmente, a multiprofissionalidade é considerada uma estratégia que favorece a integralidade da assistência. Entretanto, na maioria das vezes, o que vemos é um pareamento de profissionais das mais diversas áreas que prestam assistência de forma isolada e de maneira fragmentada à criança e sua família, onde cada profissional atua de acordo com o seu saber especializado, que, de uma maneira geral, fundamenta-se em uma visão reducionista do processo saúde-doença (DYTZ; BENZONI; PAYNO, 1997).

Apesar de a Organização Mundial de Saúde ampliar o conceito de saúde para o de “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (OMS, 1946), o mesmo vem sendo considerado ultrapassado, uma vez que o termo “bem-estar” seja algo intrínseco, somente passível de definição pelo próprio sujeito, além de visar uma perfeição inatingível, atentando-se as próprias características da personalidade Além disso, questiona-se a divisão entre o físico, o mental e o social, que é citado como se fossem coisas distintas, ao invés de integrado (SEGRE; FERRAZ, 1997).

Para tanto, a possibilidade de uma compreensão integral do ser humano e do processo saúde-doença, objeto do trabalho em saúde, passa necessariamente por uma abordagem interdisciplinar e por uma prática multiprofissional, uma vez que as disciplinas isoladamente não dão conta de produzir as respostas necessárias a um mundo complexo, onde uma multiplicidade de fatores que não são mutuamente excludentes e sim explicados uns em relação aos outros, existindo uma complementariedade de dimensões, exige uma visão da realidade que transcenda os limites das disciplinas (FEUERWERKER; SENA, 1998).

González Rey (2011) defende que as doenças físicas e somáticas representam transtornos integrais das pessoas. Ele sustenta ser necessário fazer uma representação diferenciada da saúde humana, que, para ele, deve ser vista como qualidade dos processos de vida e não atributo que se possui ou não.

A partir deste contexto, o objetivo geral deste estudo foi conhecer a perspectiva de uma equipe de profissionais de saúde sobre a atenção integral à saúde da criança, de maneira a refletir sobre a interface deste princípio nas relações de trabalho da equipe. O cenário da pesquisa foi um órgão público federal localizado em Brasília, Distrito Federal. Os participantes foram os profissionais de saúde que trabalham no Departamento Médico do referido órgão.

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entrevista e sistemas conversacionais. As informações geradas foram registradas em gravação em áudio, a fim de análise posterior.

A fundamentação teórica norteadora do trabalho foi relacionada aos estudos dos aspectos psicossociais da criança, das redes sociais e da atenção integral à saúde.

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

A questão infantil tem sido objeto de estudos de diversos campos de saber nas últimas décadas. Com isto, o enfoque sobre a mesma vai apresentando novos contornos à medida que novas concepções de infância e novas propostas de abordagens sobre a mesma vão surgindo. As transformações sociais que ocorrem no decurso da história também exercem influência sobre a infância e na forma como a mesma é reconhecida no mundo dos adultos (SAETA; SOUZA NETO; NASCIMENTO, 2007).

Neste contexto, cremos ser adequado fazer uma breve revisão sobre as teorizações sobre as concepções históricas, sociológicas e psicológicas da infância, bem como sobre os principais eventos relacionados às aquisições de direitos pelas crianças, para uma melhor compreensão das práticas incidentes sobre as mesmas, no quesito atenção integral à saúde.

Vale ressaltar que partimos de uma abordagem temática, ao invés de uma perspectiva cronológica mais convencional. A finalidade é destacar aspectos fundamentais relacionados à história da infância e da criança que resultaram na construção de novos sentidos e, consequentemente, em novas formas de lidar com as dinâmicas que as envolvem na atualidade.

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3.1 CONCEPÇÕES HISTÓRICAS, SOCIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS DA INFÂNCIA E DA CRIANÇA

Este capítulo tem como objetivo abordar, de maneira sucinta, o universo infantil e da criança sob o olhar histórico, sociológico e psicológico.

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2009, p.1154) define a infância – do latim infantia- como:

[...] período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade [...] extremamente dinâmico e rico, no qual o crescimento se faz, concomitantemente, em todos os domínios, e que, segundo os caracteres anatômicos, fisiológicos e psíquicos, se divide em três estágios: primeira infância, de zero a três anos; segunda infância, de três a sete anos; e terceira infância, de sete anos até a puberdade.

A criança - do latim creantia, criantia- por sua vez, é definida como ser humano de pouca idade, menino ou menina (FERREIRA, 2009, p.610).

Para Marisa Lajolo (2001) - ensaísta e crítica literária-, as palavras infante, infância e demais cognatos, encontram-se intrinsecamente ligadas ao sentido de ausência de fala. Em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, a palavra infância como qualidade ou estado do infante – daquele que não fala-, constrói-se a partir dos prefixos e radicais linguísticos que compõem a palavra: in, prefixo de negação e fante, particípio presente do verbo latino fari,

que significa falar, dizer.

Desta maneira, o “tradutor” da infância é o adulto, o qual transforma as vozes infantis em vozes semelhantes a sua, assimilando-as à própria língua e lugar. Por isso, quando se fala em infância nos remetemos a uma construção discursiva que institui determinadas posições, instituindo modos de ser e viabilizando aos sujeitos reconhecerem-se como portadores (ou não) de uma infância, posicionando-os nessa rede discursiva (HILLESHEIM; GUARESCHI, 2007).

Lajolo (2001, p. 231) afirma que a infância não é uma substância ou ser de existência autônoma, mas uma categoria que vigora no espaço social em que é estabelecida, negociada, desestabilizada e reconstruída. Isso implica que conceitos tão diferentes são formulados “[...] aqui e lá, ontem e hoje, sendo tantas infâncias quantas forem ideias, práticas e discursos que em torno dela e sobre ela se organizem”.

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indivíduos, grupos e comunidades com sua cultura própria, direitos e voz, as crianças são reconhecidas como aptas a participarem, de acordo com o nível de maturidade e desenvolvimento, de todas as atividades das instituições que frequentam, e também na avaliação dessas instituições (HADDAD, 2007).

Portanto, vista como uma construção social, onde cada sociedade apresenta diferentes maneiras de conceber, educar e de conviver com a mesma, a infância vem, gradualmente, assumindo o papel de protagonista, sendo reconhecida a partir de sua própria cultura, ações e interações com o mundo adulto (SAETA; SOUZA NETO; NASCIMENTO, 2007).

Diferentes concepções de infância, portanto, foram e são formuladas de acordo com o enfoque dado pela disciplina que a estuda, de acordo com Lajolo (2001). Para a autora, apesar de o conjunto de crenças e ideias sobre a infância soarem como uma divertida ciranda de contradições, muitas delas subsistem na contemporaneidade.

Hillesheim e Guareschi (2007, p. 9) afirmam que “[...] os regimes de verdades, estabelecidos pelos saberes dos especialistas sobre a criança forjam os critérios que delimitam o que é ser criança”. Para as autoras, alguns especialistas estabelecem um único modo de ser criança, desconsiderando diferenças de gênero, classe social, raça, etnia, religião ou nacionalidade. Nesse sentido, Heywood (2004) concorda que a criança deve ser avaliada observando outras variáveis que a acompanha, como gênero e etnicidade.

Contudo, para Sarmento (2004), na contemporaneidade o que tem ocorrido é uma pluralização dos modos de ser criança, a heterogeneização da infância enquanto categoria social geracional e o investimento das crianças com novos papéis e estatutos sociais.

Há, entretanto, muitas maneiras de se abordar a infância. Podemos partir de perspectivas diversas, tais como a histórica, a cultural, a psicológica, a biológica e muitas outras. Contudo, em muitas abordagens a visão encontra-se centrada na perspectiva de um adulto, de um “outro” que, apesar de ter sido criança, fala de outro lugar. De acordo com Del Priore (2008, p. 14-15), a [...] história da criança simplesmente criança, suas formas de existência quotidiana, as mutações de seus vínculos sociais e afetivos, sua aprendizagem da vida [...] no mais das vezes, não nos é contada diretamente por ela”.

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importante cruzamento de olhares sobre o tema da infância na história, através de várias chaves teóricas e metodológicas (SAETA; SOUZA NETO; NASCIMENTO, 2007; CORSARO, 2011; DEL PRIORE, 2008).

Portanto, a historiografia internacional já apresenta várias informações sobre a criança e seu passado. Nesse sentido, os estudos de Phillippe Àries foram precursores de muitos outros atinentes ao tema da infância. O seu livro Centuries of Childhood (1962) promoveu um debate sobre o desenvolvimento histórico da concepção de infância. A argumentação central do relato histórico de Àries - a partir de sua interpretação da arte medieval e da Idade Média até o século XVIII - foi sobre o sentimento da infância, ao observar uma mudança gradual na forma de retratar as crianças a partir do século XIII. De acordo com as observações do autor, essa consciência não existia na sociedade medieval. Por essa razão, a criança era imersa na sociedade dos adultos a partir do momento em que se desvencilhava dos cuidados maternos ou de uma ama. Antes desse momento, a criança era praticamente “invisível”, segundo o autor (CORSARO, 2011; ÀRIES, 2006).

A partir de seus estudos, Phillippe Àries (2006) propõe, então, o surgimento de dois sentimentos da infância:

Sentimento de paparicação - surgiu no meio familiar, na companhia de criancinhas pequenas, no século XVI. As crianças eram idolatradas e valorizadas como fonte de diversão ou escape para adultos, especialmente para as mulheres, sendo a infância vista como um tempo de inocência e candura (CORSARO, 2011; ÀRIES, 2006).

Sentimento de moralização – proveio “de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou homens da lei, raros até o século XVI, e de um maior número de moralistas no século XVII, preocupados com a disciplina e racionalidade dos costumes” (ÀRIES, 2006, p. 105).

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2007).

O trabalho de Àries gerou um grande interesse pela história da infância no meio científico, principalmente devido às suas ousadas interpretações e conclusões. E, embora alguns dos elementos de suas proposições sejam considerados questionáveis por alguns pesquisadores – inclusive problemas com a ambiguidade e as generalizações, além do caráter abstrato e linear como enfocou a realidade social e cultural da infância -, seu trabalho foi considerado altamente original e inovador, tornando-se ponto de partida de vários estudos sobre a infância (CORSARO, 2011; NASCIMENTO, 2007).

Linda Pollock, autora do livro Forgotten Children (1983), desafia as concepções da história da infância no trabalho de Àries e de outros teóricos, e oferece evidências históricas impressionantes em apoio as suas críticas. Ela acredita que a história da infância pode ser obtida a partir de fontes primárias mais diretas, como diários, jornais e autobiografias, sendo bem crítica às evidências indiretas, como pinturas, panfletos filosóficos e religiosos, literatura de aconselhamento e cartas. Sua pesquisa consistiu na análise densa de 500 diários britânicos e americanos, autobiografias e fontes relacionadas. Em seus estudos, a autora encontrou pouco suporte para a tese de Àries sobre a indiferença para com as crianças, compreendendo como possibilidade de distorção da maneira como as crianças eram vistas e tratadas no passado. Para a autora, as crianças eram próximas de seus pais e eram influenciadas por eles, assim como os pais eram influenciados por elas (CORSARO, 2011).

William Corsaro (2011) - um dos mais influentes pesquisadores dos últimos tempos na área da sociologia da infância-, vê inconsistência nas evidências de Pollock, uma vez que os diários e autobiografias estudados são limitados principalmente às classes superiores letradas. Para ele, seus autores podem, seletivamente, ter omitido informações que poderiam causar má impressão ou, então, algum material ter sido editado por outros. Mas, apesar de receber críticas de outros pesquisadores, o trabalho de Pollock foi muito bem recebido, por sua cuidadosa e detalhada técnica, preparando o terreno para estudos subsequentes.

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vozes infantis, suas perspectivas, seus interesses e direitos como cidadãos.

Apesar de seu direcionamento teórico ser prioritariamente social psicológico, Corsaro (2011) afirma levar em consideração os aspectos históricos, demográficos e socioeconômicos da infância. Seu foco, entretanto, está concentrado nas relações da criança com os seus pares, pois, para o autor, as crianças contribuem para a produção das sociedades adultas, uma vez que são agentes sociais, ativos e criativos, que reproduzem suas próprias e exclusivas culturas infantis. Ou seja, as crianças são membros ou operadores de suas infâncias e a “nova história” da infância focaliza diretamente as ações coletivas das mesmas com os adultos e seus pares.

Portanto, na perspectiva de reprodução interpretativa, a infância e todos os objetos sociais – como classe, gênero, raça e etnia- são vistos como sendo interpretados, debatidos e definidos nos processos sociais, onde as suposições sobre a gênese de tudo, da amizade aos conhecimentos científicos são examinadas como construções sociais e não como consequências biológicas ou fatos sociais evidentes. Em contrapartida, as teorias tradicionais veem as crianças como “consumidoras” da cultura adulta (CORSARO, 2011).

Na ótica de Corsaro (2011), a infância, como uma forma estrutural ou parte da sociedade, muitas vezes não é reconhecida devido ao fato de se pensar nela apenas como um período em que as crianças são preparadas para o ingresso na sociedade, sendo estas vistas pelos adultos de maneira prospectiva, ou seja, como futuros adultos, com um lugar na ordem social e que a ela darão contribuições. Contudo, o autor assegura que as crianças já são uma parte da sociedade desde o nascimento, e a infância é parte integrante da mesma - uma forma estrutural permanente ou categoria que nunca desaparece.

Nessa mesma perspectiva, o sociólogo dinamarquês Jens Qvortrup delineou uma perspectiva estrutural para o estudo da infância baseada em três pressupostos centrais (CORSARO, 2011, p. 41):

A infância constitui uma determinada forma estrutural;

A infância é exposta às mesmas forças sociais que a idade adulta; As crianças são coconstrutoras da infância e da sociedade.

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trazidas pelo processo histórico.

Segundo Qvortrup (2007), na visão dos novos estudos sociais sobre a infância, as crianças pertencem ao mundo, não apenas à família ou localidade, mas também às dimensões maiores e mais globalizadas do mundo. Para o autor, o estudo dos micro-mundos das crianças serve de contra-ataque às visões arraigadas das crianças como imaturas, incompetentes, incapazes ou como não-pessoas.

Contudo, para Nascimento (2007), as contradições entre o discurso legal e as práticas sociais relacionadas às crianças são evidenciadas cotidianamente, havendo, ainda, uma inquietação e ambiguidade da sociedade adulta em relação à infância. A autora sugere um olhar interdisciplinar sobre a infância, no intuito da compreensão e interpretação dos fatores que a constroem.

Neil Postman (2011), teórico da comunicação e autor do livro “O desaparecimento da infância”, afirma que a infância sempre existiu, mas que a concepção atual sobre a mesma - a infância como estrutura social e como condição psicológica-, surgiu por volta do século XVI e chegou refinada e fortalecida aos nossos dias. Contudo, o autor relata que a infância vem sofrendo um gradual desaparecimento, ou seja, a linha divisória entre a infância e a idade adulta está se apagando rapidamente. O autor credita tal situação à inserção da criança no mundo dos adultos através dos meios eletrônicos de comunicação, particularmente da televisão. Para o Postman (2011, p. 134), “[...] eles não só promovem a desmontagem da infância valendo-se da forma e do contexto que lhes são peculiares mas também refletem esse declínio em seu conteúdo”.

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Entretanto, Sarmento (2004) argumenta que a infância está em processo de mudança e não de “desaparecimento”, permanecendo como categoria social, com características próprias e estatuto próprio. Isso nos permite falar das mesmas como atores sociais, com identidade plural e autonomia de ação, segundo o autor.

Segundo Sarmento (2004, p. 1), “[...] conhecer as “nossas” crianças é decisivo para a revelação da sociedade, como um todo, nas suas contradições e complexidades”, além de ser importante para a inserção da criança na cidadania ativa, através da construção de políticas integradas para a infância.

Jens Qvortrup (2007, p. 60) assinala:

Enfrentamos, de forma muitas vezes trágica, a realidade de um mundo universal que se impõe tanto nas crianças como indivíduos como na ideia de infância. O papel das crianças varia conforme a força externa que enfrentam, mas também nos certificamos que esse papel pode ser construtivo se for considerado de forma adequada.

No Brasil, de acordo com Mary Del Priore (2008), temos que recorrer a outro tipo de fonte para estudarmos a infância, pois não temos, como os europeus ou americanos, as imagens, os objetos e as representações produzidas em épocas remotas que dão dicas sobre a infância. Segundo a autora, é pela voz de médicos, professores, padres, educadores e legisladores que o historiador escuta sobre o passado das crianças.

Concordando com Del Priore (2008), Lajolo (2001, p. 229) afirma que “[...] enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação àquele que a nomeia e a estuda”. Para a autora, a infância é sempre definida de fora, não ocupando a primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. Portanto, segundo Lajolo (2001), a infância não assume o lugar de sujeito do discurso nos assuntos a ela relacionados.

De acordo com Lajolo (2001), a história da infância brasileira teve como marco inaugural a carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, enviada ao rei português D. Manuel em 1500. Na carta, Caminha cita uma mulher segurando uma criança envolta em panos, percebida apenas pelas pernas descobertas, portanto, vista de maneira incompleta, fornecendo uma imagem fragmentada de criança, onde o enfoque maior parece ter sido o de relatar a nudez da mulher e não a presença da criança.

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autoridade argumentativa de uma série de disciplinas, discursos e pareceres, numa superposição de ciência sobre ciência, de campo epistemológico sobre campo epistemológico, resultando em um acervo de imagens sobre a infância, impregnado de certa “fantasmagoria”, onde a infância representada não corresponde à infância real. Para o autor, a “zona de pureza” do que foi a infância em determinado passado não existe e é inconcebível historiograficamente, uma vez que a chamada ao tema infância no bojo das reconstituições históricas é feita por intermédio da compilação das representações que cada época faz da criança.

Para Del Priore (2008, p. 8),

[...] a história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto do mundo, vem mostrando que existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se quotidianamente imersa. O mundo que “a criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de expressões como “a criança precisa”, “ela deve”, “seria oportuno que”, “vamos nos engajar em que”, até o irônico “vamos torcer para”. No segundo, as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está associada: do riso e da brincadeira.

Do ponto de vista do desenvolvimento psicológico, a criança chega ao mundo não como uma tábula rasa, mas como um agente ativo, interagindo de vários modos com seu ambiente animado e inanimado. Neste sentido, várias perspectivas teóricas surgiram no intuito de compreender e explicar a diversidade de fatores constitucionais, familiares, intrapsíquicos, interpessoais e culturais que abrangem o desenvolvimento da criança e os efeitos de suas características sobre os comportamentos interacionais (KERNBERG et al., 1992).

Apesar de cada teoria interpretar o desenvolvimento da criança de uma perspectiva um tanto diferente, fornecendo uma infraestrutura de princípios gerais que podem ser utilizados para orientar as pesquisas e explicar observações, a maioria dos estudiosos do desenvolvimento adota uma perspectiva eclética, incorporando ideias seletivamente e gerando hipóteses a partir de todas elas, formulando, então, miniteorias relacionadas a grupos etários ou tópicos específicos (BERGER, 2003).

Além disso, a psicologia contemporânea considera o desenvolvimento infantil como um fenômeno multideterminado, sujeito às ações de fatores de natureza individual, relacional e contextual (PONTES et al., 2007).

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multidirecional, multicontextual, multicultural, multidisciplinar e plástico.

Uma vez que a modificação nem sempre é linear, pois a vida é sujeita a ganhos e perdas, compensações e déficits, o desenvolvimento adquire o caráter multidirecional, com crescimento previsível e transformações inesperadas fazendo parte da experiência humana (BERGER, 2003).

Em vista disso, a vida humana deve ser entendida sob o prisma de vários contextos, apresentando, portanto, o caráter multicontextual (BERGER, 2003).

Muitas configurações culturais devem ser consideradas no intuito de conhecer os aspectos universais e específicos do desenvolvimento humano. Portanto, um conjunto distinto de valores, tradições e recurso para a vida englobam o caráter multicultural (BERGER, 2003).

Muitas áreas acadêmicas fornecem dados e ideias ao estudo do desenvolvimento humano, dentre elas encontram-se a psicologia, biologia, educação e sociologia, neurociência, economia, medicina e muitas outras. Configura-se, então, o caráter multidisciplinar do estudo do desenvolvimento (BERGER, 2003).

Afirmar a plasticidade do desenvolvimento humano implica assumir que cada indivíduo, e cada característica de cada indivíduo, podem ser alterados em qualquer ponto da vida (BERGER, 2003).

Para Berger (2003, p. 3),

Essa interação dos aspectos objetivos e subjetivos, da modificação e da continuidade, do individual e do universal, do jovem e do velho e do passado, do presente e do futuro torna o estudo do desenvolvimento um estudo dinâmico, interativo e até mesmo transformador.

Pontes et al. (2007) ressaltam a importância da teoria do apego para a psicologia do desenvolvimento. Isso porque a mesma oferece elementos conceituais básicos que permitem pensar os vínculos afetivos do sujeito humano ao longo do ciclo de vida. Além disso, as pesquisas recentes em apego afirmam que não apenas as características dos sujeitos envolvidos na relação - elementos individuais – influenciam na formação dos vínculos afetivos, mas também os fatores contextuais.

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sócio-afetiva dos primeiros meses que levará ao apego, ou vínculo internalizado (MONTORO, 2001; PONTES et al., 2007).

Para Montoro (2001), os comportamentos de apego se mantêm como parte importante do repertório comportamental do ser humano durante todo o seu ciclo de vida, quando novas relações de apego se estabelecem. Para a autora, tal conhecimento permite o trabalho profilático nas relações pais-filhos, uma vez que vários estudos longitudinais têm demonstrado que os padrões de apego de uma criança, aos doze meses, são altamente estáveis e persistem com poucas mudanças até os seis anos.

Um desenvolvimento social e afetivo adequado resulta em consequências futuras significativas, permitindo o preparo da criança para se tornar um ser autônomo, capaz de se separar da família de origem e formar um novo núcleo familiar, além de preencher as necessidades amorosas e de ajuda mútua entre adultos (MONTORO, 2001).

Portanto, podemos perceber o quanto o desenvolvimento da criança é afetado pelas relações familiares e pela qualidade do cuidado parental. Contudo, é evidente que a relação mãe-criança ou pai-criança não ocorre num vácuo, mas também interage com todos os elementos e subsistemas do sistema familiar mais amplo. Ou seja, as representações mentais construídas no passado, pelas famílias de origem e pela história de vida dos progenitores da criança também afetam o sistema interacional no qual a criança está inserida. O sistema como um todo também recebe influências de inúmeras variáveis externas à família, como a situação socioeconômica e cultural, bem como das internas ao sistema, por exemplo, a qualidade da relação conjugal. Além disso, as características de uma criança também atuam sobre todos os membros da família e afetam o sistema (MONTORO, 2001).

Os processos interpessoais entre pais e filhos passam por ajustes durante todo o ciclo vital da família. Há momentos universais de conflitos previstos, onde existem períodos difíceis no desenvolvimento de todas as crianças, quando as mesmas tornam-se resistentes aos controles e com o comportamento progressivamente negativo. Alguns desses comportamentos, tais como a “manha”, gritos e desobediência, provocações e bater em outras crianças podem ser experienciados pelos pais como indesejados, existindo, portanto, uma tensão adicional sobre a díade de se adaptarem um ao outro (KERNBERG et al., 1992).

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modelo para os relacionamentos com os outros. Em geral, os pais baseiam-se em suas próprias experiências de vida - uma vez que também já foram crianças – ao responderem às comunicações com o filho, podendo apresentar-se fora de sintonia ou não, estando os sentimentos dos pais afinados ou não aos da criança e suas respostas capazes de responder adequadamente ou não (KERNBERG et al., 1992).

Poderíamos citar muitas outras teorias do desenvolvimento infantil, tais como a psicanalítica, a de aprendizagem, a sociocultural, dos sistemas epigenéticos e muitas outras. Contudo, cremos que fugiria ao escopo da presente pesquisa.

3.2 CRIANÇAS: DE OBJETOS A SUJEITOS DE DIREITOS

Num discurso geral sobre os direitos do homem, deve-se ter a preocupação inicial de manter a distinção entre teoria e prática, ou melhor, deve-se ter em mente, antes de mais nada, que teoria e prática percorrem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais. (Norberto Bobbio, 2004, p. 62)

Este capítulo tem como objetivo tecer alguns comentários sobre o percurso da aquisição de direitos pelas crianças, que, de certa forma, refletiram nas ações públicas de saúde direcionadas às mesmas. Parte-se de uma visão geral sobre os direitos dos homens e reflete-se sobre a expansão dos mesmos para o universo infantil.

Norberto Bobbio - filósofo político e historiador político italiano-, em seu livro A Era dos Diretos (2004), afirma que os direitos dos homens são considerados como um fenômeno social, onde as mudanças sociais acabam por demandar o surgimento de novos direitos. E, uma vez que os mesmos não emergem todos de uma única vez e nem são dados de uma vez por todas, o debate sobre os direitos dos homens encontra-se cada vez mais difuso, constando na pauta das mais respeitadas assembleias internacionais.

Os direitos fundamentais do homem, portanto, surgiram em gerações diversas, sofrendo incrementos conforme as mudanças sociais ocorriam (PAGLIUCA, 2010).

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Aqueles direitos inerentes a todo ser humano, reconhecidos em instrumentos jurídicos, a partir da natureza das coisas e que garantem, legalmente, uma identidade, livre-arbítrio e possibilitam a todas as pessoas uma vida sem sofrimento imposto imotivadamente ou de modo abusivo. Com isso, a defesa contra eventuais violações, além da resistência, pode ser efetuada em mecanismos judiciais.

Bobbio (2004), afirma que as três grandes correntes do pensamento político moderno – o liberalismo, o socialismo e o cristianismo social – dão origem a um sistema complexo de direitos fundamentais, uma vez que cada um desses pensamentos conserva a própria identidade na preferência atribuída a certos direitos mais do que a outros. Contudo, apesar da origem de fontes doutrinárias diversas, a integração prática dos direitos fundamentais representa uma meta a ser alcançada na desejada unidade do gênero humano, formando um único e grande desenho da defesa do homem, compreendendo os três bens supremos: vida, liberdade e segurança social.

Bobbio (2004, p. 209) ainda considera que “[...] a luta pelos direitos teve como primeiro adversário o poder religioso; depois, o poder político; e, por fim, o poder econômico”. Entretanto, a era atual, caracterizada pelo enorme progresso da transformação tecnológica, demanda por direitos que nascem todos dos perigos à vida, à liberdade e à segurança, procedentes do aumento do progresso tecnológico.

Pagliuca (2010) considera que os direitos humanos classificam-se, de acordo com os direitos abordados e o referencial proposto, da seguinte forma (Quadro 1):

Quadro 1 - Classificação dos direitos humanos de acordo com o referencial protetivo

Geração Direitos Referência protetiva

Primeira Civis e políticos Liberdade

Segunda Sociais (educação, trabalho, saúde, segurança etc.) Igualdade

Terceira Difusos (meio ambiente, bem-estar socioeconômico, autodeterminação das gentes etc.) Solidariedade

Quarta e quinta Relativos à herança e patrimônio genético, evolução tecnológica. Existência humana sadia

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Os direitos da terceira, quarta e quinta gerações incidem sobre grupos humanos ou coletividade, e os dois primeiros, sobre os indivíduos (PAGLIUCA, 2010).

Normas legais ajustadas diplomaticamente e por consenso – tais como tratados, convenções, acordos, protocolos etc.-, sustentam o universalismo dos direitos humanos que devem suplantar as políticas particulares dos Estados (PAGLIUCA, 2010).

O marco universal dos direitos humanos é a Declaração dos Direitos Humanos (ou do Homem) – inspirada no movimento iluminista da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Revolução Francesa) e na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América-, aprovada em 10-12-1948, no Palácio Chaillot, Paris, pela Assembleia Geral da ONU, pelo quórum de 56 Estados e a abstenção de oito. Com abrangência universal, alcançando vários Estados-partes e a integralidade do ser humano, esta Declaração trouxe o reconhecimento da igualdade essencial da pessoa humana, sem quaisquer discriminações (PAGLIUCA, 2010).

O desenvolvimento da teoria e da prática dos direitos do homem ocorreu em duas direções, de acordo com Bobbio (2004): na direção de sua universalização e naquela de sua multiplicação.

Para o autor supracitado (2004), a universalização tem como ponto de partida uma profunda transformação do direito das “gentes” em direito dos “indivíduos” singulares, que vão se transformando, de cidadãos de um Estado particular, em cidadãos do mundo. A multiplicação, por sua vez, ocorreu de três modos:

Aumento da quantidade de bens considerados merecedores de tutela;

Extensão da titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem;

Próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem abstrato, mas é visto na especificidade ou na concretude de suas diversas maneiras de ser em sociedade (criança, velho, doente etc.).

(35)

grupo de indivíduos de outro grupo. Surge então, segundo o autor, ao lado do homem abstrato ou genérico, do cidadão sem outras qualificações, novos sujeitos de direito: a mulher e a criança, o velho e o muito velho, o doente e o demente, etc.

Os direitos do homem, portanto, são direitos históricos, que surgem gradualmente a partir das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e, também, das transformações das condições de vida que essas lutas produzem (BOBBIO, 2004).

A criança, durante séculos, foi relegada a patamares inferiores pelas civilizações. Seus direitos sequer eram cogitados. E, uma vez que não votavam, não tinham poderes e não atraíam riquezas, a questão infantil não entrava na pauta dos governantes. Os serviços do Poder Público, dirigidos à população mais nova, limitavam-se aos ligados à saúde e à educação (LAMENZA, 2012).

Entretanto, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, deu início a uma mudança no panorama internacional sobre a situação da infância. Crianças e adolescentes passaram à condição de sujeitos de direitos, sendo considerados seus interesses na implementação de parâmetros de atuação conjunta entre Estado, família e sociedade (LAMENZA, 2012).

A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990 e promulgada, através do Decreto Nº 99.710, em 21 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990a).

Josiane Veronese (1997) afirma que esta Convenção Internacional apresenta natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu e a ratificou um determinado agir, que implica uma responsabilidade com o futuro. Para a autora, esta Convenção exerceu uma efetiva influência no cenário das políticas brasileiras voltadas para as crianças e os adolescentes.

Considerando como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a Convenção sobre os Direitos da Criança trouxe para o universo jurídico a Doutrina da Proteção Integral, que serve de base para uma nova concepção sócio-jurídica da infância e da adolescência, e que, segundo Pontes Júnior (1993, p. 9) apresentam dois pontos centrais:

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desenvolvimento – englobando o aspecto físico, espiritual, moral, social, etc.-, que tragam condições de vida digna e promovam a proteção integral de crianças e adolescentes.

No Brasil, a Doutrina da Proteção Integral veio substituir a Doutrina da Situação Irregular, na qual se fundamentava o Código de Menores de 1979, onde havia um conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescentes específicos (inseridos em um quadro de patologia social e denominados “menores”), colocando-se como uma legislação tutelar. Para Veronese (1997), tal tutela pode ser entendida como culturalmente inferiorizadora, implicando na superioridade de uns sobre outros.

Veronese (1997, p. 14) afirma que “[...] o sujeito de direitos seria o indivíduo apreendido do ordenamento jurídico com possibilidades de, efetivamente, ser um sujeito-cidadão”. Portanto, o entendimento de que crianças e adolescentes são merecedores de direitos próprios e especiais, evidenciou a necessidade fundamental que estes passassem da condição de “menores” para a de cidadãos, que necessitam de uma proteção especializada, diferenciada e integral.

Com isso, no Brasil houve uma mobilização popular em favor dos direitos da criança e do adolescente, que resultou na inclusão de uma verdadeira Declaração dos Direitos e Garantias Infanto-Juvenis Fundamentais (art. 277), na Constituição do Brasil de 1988, inaugurando a Doutrina da Proteção Integral e garantindo o princípio da prioridade absoluta no atendimento de seus direitos (PONTES JÚNIOR, 1993).

Contudo, havia ainda a necessidade de uma legislação que se ocupasse seriamente dos direitos da criança e da adolescência, e que regulamentasse o que havia sido dito pela Constituição de 1988. Para tal, após extraordinária participação popular, foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei N° 8.069/90, de 13 de julho de 1990), que dispõe sobre a proteção integral de crianças e adolescentes (VERONESE, 1997; PONTES JÚNIOR, 1993; BRASIL, 1990b).

(37)

associações, na formulação, reivindicação e controle das políticas públicas (VERONESE, 1997).

O ECA considerou criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 1990b).

Reconhecido internacionalmente como um dos mais avançados Diplomas Legais, o ECA apresenta disposições verdadeiramente revolucionárias em muitos aspectos. Contudo, ainda continua desconhecido pela maioria da população brasileira, além de ser sistematicamente descumprido por grande parte dos administradores públicos (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2010).

Entretanto, o ECA possibilita que os direitos das crianças e dos adolescentes sejam demandados em juízo, contemplando os mais variados tipos de demandas que visem seus interesses, como o acesso à escola, a um sistema de saúde, a um programa especial para portadores de doenças físicas e mentais, etc. Este acesso à Justiça, no parecer de Veronese (1997, p. 17), “[...] consiste num caminho ou numa possibilidade de que os direitos existentes a nível formal, de fato, venham a ter eficácia plena nos mundos dos fatos”.

3.3 REDES SOCIAIS

Este capítulo aborda alguns conceitos teóricos sobre redes sociais. Na sequência, tecem-se comentários breves sobre as Redes de Atenção à Saúde, abordando, ainda, os aspectos relacionados à Rede de Atenção à Saúde da Criança. O propósito do capítulo é refletir sobre a atenção integral à saúde na perspectiva da estruturação em redes de atenção.

A rede social – com seu sistema de nodos e elos – representa, para Marteleto (2001, p. 72), “[...] um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”. As redes também apresentam, na visão de Loiola e Moura (1997), duas características básicas: a interação de atores e/ou organizações formais ou informais, e a regularidade nessas interações, que podem ser mais ou menos formalizadas ou até informais.

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formam um tecido comum. Além disso, o termo rede ainda sugere o sentido de fluxo, movimento, indicando uma aproximação com as mais variadas áreas de conhecimento.

Costa (2005) afirma que ocorreu uma transmutação do conceito de “comunidade” para “rede social”. Por conseguinte, novas formas de associações - além de parentesco e vizinhança-, com muitas dimensões e complexidade, passaram a ser consideradas no estudo dos padrões estruturais das redes sociais.

Considerando as redes sociais como forma das relações sociais, suas características e elementos distintos as dividem em duas grandes categorias: as redes primárias e as redes secundárias formais e informais. Estas, por sua vez, são caracterizadas por três dimensões: sua estrutura (conjunto de laços perceptíveis entre pessoas e entre redes), suas funções (apoio e contenção) e sua dinâmica ou movimentos (SANICOLA, 2008).

Os estudos sobre as redes sociais, para Sanicola (2008, p. 19),

[...] permitiram elaborar um novo paradigma, útil à compreensão de um novo princípio de organização da sociedade que supera os tradicionais, segundo os quais o laço social se estabelece graças a papéis instituídos e a funções a estes correspondentes, ou em consequência de trocas entre sistemas e subsistemas.

Essa entidade relacional do tipo coletivo evidenciou uma realidade humana que divergia do conceito de família e de grupo. Sem fronteiras, as redes sociais são flutuantes no tempo e no espaço e têm uma história. Também estão repletas de tensões e polarizações, alianças e conflitos, além de serem portadoras de uma cultura (efeito de transações entre redes diversas). Na rede, o indivíduo é um sujeito que desenvolve desde o nascimento uma estratégia relacional para responder a suas necessidades (SANICOLA, 2008).

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Ainda, segundo Marteleto (2001, p. 72),

O estudo das redes coloca assim em evidência um dado da realidade social contemporânea que ainda está sendo pouco explorado, ou seja, de que os indivíduos, dotados de recursos e capacidades propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em função de socializações e mobilizações suscitadas pelo próprio desenvolvimento das redes. Mesmo nascendo em uma esfera informal de relações sociais, os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas.

Em um nível macro, sustentam e fazem parte do universo relacional do indivíduo, os contextos culturais e subculturais – históricos, políticos, econômicos, religiosos, de meio-ambiente etc. – em que estamos imersos. De outro lado, podemos identificar o nível microscópico, caracterizado pelo nicho social pessoal, ou seja, a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da massa anônima da sociedade (SLUZKI, 1995).

Loiola e Moura (1997) afirmam que, no campo do Estado, as redes representam formas de articulação entre agências governamentais e/ou destas com redes sociais, organizações privadas ou grupos, onde o intuito de tais articulações visa ao enfrentamento dos problemas sociais e à implementação de políticas públicas, caracterizando as redes institucionais, redes secundárias formais, redes sócio- governamentais e redes locais de inserção.

Ainda, segundo as autoras supracitadas (1997), nas redes de ação pública a departamentalização e a integração vertical são substituídas por projetos que incorporam diferentes repartições de competências e possibilitam a emergência de parcerias e espaços públicos de negociação para a mobilização de recursos e/ou democratização, moldando, assim, novas formas de relação Estado/sociedade e entre agências e esferas do governo.

Para Mendes (2011), as propostas de redes no suporte às políticas públicas visam à superação do modelo burocrático e hierárquico hegemônico, num contexto de complexificação das questões sociais, de processos de privatização, de descentralização acelerada, de globalização, de proliferação de organizações não governamentais e de fortalecimento do controle público.

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As redes não são, simplesmente, um arranjo poliárquico entre diferentes atores dotados de certa autonomia, mas um sistema que busca, deliberadamente, no plano de sua institucionalidade, aprofundar e estabelecer padrões estáveis de inter-relações.

Acioli (2007) entende que em qualquer que seja a abordagem sobre a rede, há sempre uma relação direta com a informação, caso percebamos a informação como processo de troca permanente. Portanto, segundo a autora, trabalhar com a ideia de redes significa trabalhar de forma articulada com a ideia de informação.

Para Castells (2000), a comunicação em rede transcende fronteiras e é baseada em redes globais, ou seja, alcança países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia. Contudo, segundo o autor, apesar de as redes serem seletivas, de acordo com os seus programas específicos, e conseguirem difundir-se por todo o mundo, elas não incluem todas as pessoas, excluindo, portanto, a maior parte da humanidade, embora toda a humanidade seja afetada por sua lógica, pelas relações de poder que interagem nas redes globais de organização social.

Sanicola (2008) cita quatro orientações metodológicas para o trabalho em rede: o trabalho de orientação terapêutica, as redes como oferta ou como recurso, as práticas do

community care – cuidado que a comunidade tem consigo mesma - e a intervenção em rede.

Nosso foco, nesta pesquisa, foi sobre a segunda opção, onde um projeto de organização em rede, tanto dos recursos institucionais (serviços) quanto dos recursos naturais (relacionamentos, associações, grupos etc.), facilita os processos que conduzem a demanda do usuário do individual para o coletivo e da dependência para a autonomia, embora, na complexidade envolvida no processo de trabalho em saúde, as demais orientações sejam contempladas em algum momento do agir em saúde.

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3.3.1 Redes de Atenção à Saúde

Em virtude de o modelo de atenção à saúde vigente encontrar-se vinculado às ações curativas, centrado no cuidado médico e estruturado com ações e serviços de saúde dimensionados a partir da oferta, o mesmo tem se mostrado insuficiente para dar conta dos desafios sanitários atuais e, insustentável para os enfrentamentos futuros, possui capacidade reduzida de prover integralidade da atenção à saúde (BRASIL, 2010a).

De acordo com Mendes (2011), os sistemas de atenção à saúde podem apresentar-se de maneira fragmentada ou integrada. O sistema fragmentado tende a se voltar para a atenção principal às condições e aos eventos agudos, sendo hegemônicos e incapazes de prestar uma atenção contínua à população em decorrência de se organizarem através de um conjunto de pontos de atenção à saúde, isolados e incomunicados uns dos outros, onde a atenção primária não se comunica fluidamente com a atenção secundária à saúde e, os dois níveis de atenção também não se articulam com a atenção terciária à saúde, nem com os sistemas de apoio, e nem com os sistemas logísticos. O sistema integrado de atenção à saúde ou Rede de Atenção à Saúde, por sua vez, é organizado através de um conjunto coordenado de pontos de atenção à saúde, prestando uma assistência contínua e integral a uma população definida.

As práticas em saúde, constituídas na perspectiva da fragmentação, centram-se em um conjunto de técnicas e procedimentos ou na medicalização da doença. Há ainda, todo um investimento no uso de tecnologias cada vez mais avançadas para a realização de exames e intervenções clínicas. Contudo, sabemos que as competências e as habilidades técnico-científicas são importantes, mas também é importante estar preparado e disponível para o diálogo com interesses de natureza estética, emocional e moral que caracterizam a assistência sob a perspectiva da atenção integral (BRASIL, 2005).

Mendes (2011) afirma ainda que o sistema de atenção fragmentado de atenção à saúde encontra-se voltado para as condições agudas e para os eventos agudos das condições crônicas, alicerçando-se em uma estrutura hierárquica, definida por níveis de complexidades crescentes, e com relações de ordem e graus de importância entre os diferentes níveis. Para o autor, ocorre um conceito distorcido de complexidade, uma vez que o mesmo leva a uma banalização da atenção primária à saúde e a uma sobrevalorização, material ou simbólica, das práticas que exigem maior densidade tecnológica, exercitadas nos níveis secundário e terciário de atenção à saúde.

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pressupõem políticas casadas de desenvolvimento social e econômico, como também da articulação com outras redes que interagem com o setor saúde e que lhe dão suporte, como o educacional, a de ciência e tecnologia, a de transportes e de infraestrutura, entre outras, pressupondo conexões e comunicações.

As Redes de Atenção à Saúde (RASs) tiveram origem nas experiências de sistemas integrados de saúde dos Estados Unidos, no início dos anos 90. Em seguida, as propostas avançaram para os sistemas públicos da Europa Ocidental, Canadá e alguns países em desenvolvimento, com as devidas adaptações às especificações locais. O modelo de organização em redes mantém relação intrínseca entre os princípios de universalidade, equidade e integralidade e a estratégia de regionalização e hierarquização (MENDES, 2011;

KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

Contudo, o Relatório Dawson, publicado em 1920 por solicitação do governo inglês, já continha proposta de RASs através de alguns pontos essenciais: a integração da medicina preventiva e curativa, o papel central do médico generalista, a porta de entrada na Atenção Primária à Saúde (APS), a atenção secundária prestada em unidades ambulatoriais e a atenção terciária nos hospitais, além disso, propôs a organização em redes no intuito de garantir acesso com equidade a toda uma população. Para tal proposta, introduziu o conceito de territorialização e apontou a necessidade de articulação entre saúde pública e atenção individual. Além disso, formulou o conceito de níveis de atenção, porta de entrada, vínculo, referência e coordenação pela atenção primária. O documento considerou ainda, os mecanismos de integração, como sistemas de informação e de transportes (MENDES, 2011;

KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

Apesar de ter sido engavetado, por questões diversas, as propostas de RASs pelo Relatório Dawson ressurgiram nas últimas duas décadas e têm sido introduzidas crescentemente, embora na América Latina elas ainda se encontrem incipientes. Contudo, no Brasil o tema tem sido tratado com uma evolução progressiva (MENDES, 2011).

Referências

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