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A retomada da educação integral em Brasília : fiel à concepção original de Anísio Teixeira ?

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

Mestrado em Educação

A RETOMADA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

EMBRASÍLIA: FIEL À CONCEPÇÃO ORIGINAL DE

ANÍSIO TEIXEIRA?

Autora: Kátia dos Santos Pereira

Orientadora: Profa. Dra. Clélia de Freitas Capanema

Brasília – DF

2012

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

Mestrado em Educação

A RETOMADA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL EM BRASÍLIA: FIEL

À CONCEPÇÃO ORIGINAL DE ANÍSIO TEIXEIRA?

Brasília - DF

2012

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KÁTIA DOS SANTOS PEREIRA

A RETOMADA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL EM BRASÍLIA: FIEL À CONCEPÇÃO ORIGINAL DE ANÍSIO TEIXEIRA?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Clélia de Freitas Capanema

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P436r Pereira, Kátia dos Santos.

A retomada da educação integral em Brasília: fiel à concepção original de Anísio Teixeira? / Kátia dos Santos Pereira – 2012. 165 f.: il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Profa. Dra. Clélia de Freitas Capanema

1. Educação integral. 2. Política educacional. 3. Educação pública. I. Capanema, Clélia de Freitas, orient. II. Título.

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Para minha mãe, Iracema, cujo amor e dedicação me permitiram alçar voos cada vez mais altos.

Para Rodolfo, Rodrigo e Larissa, inspiração e força para vencer desafios.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela especial conjunção de pessoas e circunstâncias que possibilitaram a realização desta pesquisa.

À Professora Clélia de Freitas Capanema, pela amizade, carinho, confiança e apoio incondicionais, sem os quais eu não teria concluído este trabalho. Foi um privilégio ter como orientadora esta grande dama da educação brasiliense e brasileira.

Ao Professor Cândido Alberto Gomes, pelos inestimáveis ensinamentos transmitidos dentro e fora da sala de aula, sólidos alicerces de minha formação como pesquisadora e inspiração para a vida.

À Professora Gisele Gama Andrade, pelo feliz reencontro e participação em mais um momento especial da minha trajetória.

A Diego Soria, grata surpresa, querido amigo conquistado ao longo desta caminhada, pelo carinho e entusiasmo com que abraçou sem reservas o tema da pesquisa e pelo empenho pessoal que permitiu sua realização.

À disposição e receptividade dos entrevistados que, sem exceções, prontamente aceitaram participar desta pesquisa. Muito obrigada por terem enriquecido este trabalho com seus depoimentos.

Aos colegas do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília, pelo produtivo convívio e queridas recordações dessa etapa tão importante para todos nós. Aos amigos Wellington de Jesus e Cléia Gerin, pelas reconfortantes palavras nas horas de desassossego e pelo apoio que viabilizou a realização de importantes entrevistas.

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Só existirá democracia no Brasil, no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932)

Numa democracia, nenhuma obra supera a de educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Todas as demais funções do estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é conseqüência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesmo para a sua existência. (Anísio Teixeira)

Tudo isto soa como algo de estapafúrdio e de visionário. Na realidade, estapafúrdios e visionários são os que julgam que se pode hoje formar uma nação pelo modo por que estamos destruindo a nossa. (Anísio Teixeira, Educação não é privilégio)

O brasileiro não acredita que a Escola eduque. E não acredita, porque a Escola, que possuiu até hoje, efetivamente não educou. (Anísio Teixeira, Educação não é privilégio)

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RESUMO

PEREIRA, Kátia dos Santos. A retomada da educação integral em Brasília: fiel à concepção original de Anísio Teixeira? 2012. 165 f. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, 2012.

Apesar de há tempos a educação integral constituir tema recorrente no cenário educacional brasileiro, apenas recentemente foi alçada à esfera das políticas públicas prioritárias em todos os níveis de governo. Seguindo essa tendência, e afirmando basear-se na proposta inicial de Anísio Teixeira para o Sistema Educacional de Brasília, em 1960, o governador José Roberto Arruda criou, no final de 2007, a Secretaria de Estado Extraordinária para a Educação Integral, visando à implantação de uma política de educação integral em todo o Distrito Federal. Esta pesquisa, de caráter qualitativo, utilizou as técnicas de análise documental e de entrevista semiestruturada para investigar em que medida a concepção anisiana de educação integral para Brasília norteou a retomada dessa política educacional. Foram estudados documentos, publicações oficiais e literatura referentes ao Plano Educacional de Brasília, especialmente no período de 1957 a 1960, e à política de educação integral implementada no período de 2007 a 2011 no Distrito Federal. Participaram das entrevistas dirigentes do núcleo decisório do governo do Distrito Federal e técnicos diretamente vinculados à implementação da retomada da política de educação integral. A pesquisa concluiu que a nova política pouco se assemelhou à proposta original de Anísio Teixeira, apontando falhas em sua concepção e execução, particularmente no período 2007/2008. A criação da Secretaria Extraordinária provocou uma sobreposição de competências entre o novo órgão e a Secretaria de Educação do Distrito Federal que se configurou desfavorável à efetivação da política. A falta de diretrizes e de orientações pedagógicas nos dois primeiros anos da política gerou insegurança nos atores que dela participaram e criou desigualdades no atendimento da demanda por educação integral. Somente em 2009 buscou-se fundamentar a retomada da política de educação integral em termos legais e pedagógicos. Este esforço, porém, foi prejudicado ao final daquele mesmo ano pela instabilidade político-institucional motivada por denúncias de corrupção no governo do Distrito Federal.

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ABSTRACT

PEREIRA, Kátia dos Santos. The resumption of integral education in Brasilia: was it faithful to the original concept of Anísio Teixeira? 2012. 165 p. Thesis (Masters in Education). Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, 2012.

Although integral education has been a recurrent theme in the Brazilian educational scenario, only recently it was raised to the sphere of public policy priorities at all levels of government. Following this trend and based on the initial proposal of Anísio Teixeira for the Educational System of Brasilia in 1960, it was established a new institutional structure. The Special State Secretariat for Integral Education was set up by Governor José Roberto Arruda in late 2007, aiming at the implementation of this policy throughout the Federal District. This qualitative research is based on document analysis and semi-structured interviews to investigate to what extent the concept of integral education proposed by Anísio Teixeira guided the resumption of the educational policy. The documents, official publications and literature concerning the Educational Plan of Brasilia (most from 1957 to 1960) were compared to the policy implemented from 2007 to 2011 in the Federal District. The core leaders of the decision-making process and part of the team responsible for implementing the education policy were interviewed. The research concluded that the new policy barely resembled the original proposal of Teixeira. It also pointed out drawbacks in the design and in the implementation, particularly in the period 2007/2008. The establishment of the Special Secretariat led to an overlap of responsibilities between that agency and the Department of Education of the Federal District, which undermined the effectiveness of the policy. The lack of guidelines and pedagogical orientations in the first two years of implementation was an issue to the stakeholders. It led to some disparities in the provision of integral education in the Federal District. Only in 2009 did the Government establish the legal and pedagogical basis for implementing the integral education policy. However, this effort was hampered by a political and institutional crisis in the Federal District that same year, which brought instability to the governmental actions.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – DISTRITO FEDERAL – EVOLUÇÃO DA REDE DE ENSINO –

1957/59...72 TABELA 2 – DISTRITO FEDERAL – MATRÍCULA REDE PÚBLICA, SEGUNDO

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LISTA DE SIGLAS

CECR – Centro Educacional Carneiro Ribeiro CAIC –Centros de Atenção Integral à Criança CIAC – Centros Integrados de Apoio à Criança CIEP – Centros Integrados de Educação Pública CNE– Conselho Nacional de Educação

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EJA – Educação de Jovens e Adultos

FNDE –Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

GDF – Governo do Distrito Federal

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil

OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PDAF – Programa de Descentralização Administrativa e Financeira PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

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PEE – Programa Especial de Educação PNE – Plano Nacional de Educação

Pronaica – Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente Prouni – Programa Universidade para Todos

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SEB – Secretaria de Educação Básica

Secad – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEDF – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

CAPÍTULO I – A PESQUISA ... 17

JUSTIFICATIVA ... 17

PROBLEMA DE PESQUISA ... 18

OBJETIVOS ... 23

Geral ... 23

Específicos ... 23

CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA ... 24

EDUCAÇÃO INTEGRAL – DA ORIGEM À ESCOLA NOVA ... 24

EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL ... 28

As inovações pedagógicas no Rio de Janeiro da década de 1930 ... 28

Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 1950 ... 32

Os Centros Integrados de Educação Pública – CIEP, décadas de 1980 e 90 ... 36

Os Centros Integrados de Apoio à Criança – CIAC, anos 1990 ... 46

O Programa Mais Educação, 2007 ... 48

EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL ... 54

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO INTEGRAL NA ORIGEM DO SISTEMA EDUCACIONAL DO DISTRITO FEDERAL ... 58

A educação integral em Anísio Teixeira ... 58

O Plano Educacional de Brasília ... 61

A organização do Sistema Educacional de Brasília ... 65

A escola-parque de Brasília ... 68

Resistências ao Plano e mudanças de rumo ... 71

CAPÍTULO III – METODOLOGIA DE PESQUISA ... 77

CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ... 77

PROCEDIMENTOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ... 79

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ... 80

ACERCA DAS ENTREVISTAS E DOS ENTREVISTADOS ... 81

CAPÍTULO IV – A RETOMADA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO DF EM 2007/2008 ... 86

O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS ... 86

O ressurgimento de uma política de educação integral no Distrito Federal ... 86

Aspectos teóricos, pedagógicos e operacionais ... 90

A crise política e o novo governo ... 96

O QUE DIZEM AS ENTREVISTAS ... 98

O ressurgimento da educação integral no Distrito Federal ... 98

A concepção pedagógica da política ... 101

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Os resultados alcançados ... 113

A necessidade de alterações e correções de rumo na política ... 120

Comentários adicionais ... 126

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 129

APÊNDICES ... 147

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 147

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ... 149

ANEXOS ... 151

ANEXO A – PLANTA DO CENTRO EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO ... 151

ANEXO B – PROJETO-PADRÃO DE OSCAR NIEMEYER PARA OS CIEP ... 152

ANEXO C – ESBOÇO DE OSCAR NIEMEYER PARA OS CIEP ... 153

ANEXO D – FOTOS DE CIEP ... 154

ANEXO E – FOTOS DA ESCOLA-PARQUE DE BRASÍLIA ... 155

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INTRODUÇÃO

Universalmente reconhecida como requisito fundamental para o pleno exercício da cidadania e fator primordial de inclusão do ser humano na sociedade, na vida produtiva e no mundo da informação e do conhecimento, a educação integra o conjunto de condições mínimas para a existência digna de uma pessoa.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2010a) consagrou a dignidade da pessoa humana como um dos princípios que fundamentam a República Federativa do Brasil, constituída em estado democrático de direito, nos termos do art. 1º, inciso III. Desse princípio emerge o entendimento de que todo ser humano é uma pessoa, dotada de personalidade, e, como tal, detentora de direitos e obrigações perante a sociedade na qual vive e merecedor de uma existência humana. Assim, para que toda pessoa tenha uma vida humana, pressupõe-se que se lhe respeitem os direitos básicos asseguradores de uma existência digna, dentre eles os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Cidadã, quais sejam: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Lembra Cury (2002) que o reconhecimento da educação como direito imprescindível do cidadão e dever do Estado, declarado em lei, é recente, remontando ao final do século XIX e início do século XX. Incorporada pelas classes trabalhadoras na luta por direitos sociais, a educação passou a ser vista como fator de emancipação econômica, social e política do indivíduo, sendo atualmente garantida nos textos legais de praticamente todos os países do mundo. Segundo o autor:

A magnitude da educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o civis, e o socius. O singulus, por pertencer ao indivíduo

como tal, o civis, por envolver a participação nos destinos de sua comunidade, e o

socius, por significar a igualdade básica entre todos os homens. (CURY, 2002, p.

254).

(16)

Dentre os obstáculos que se apresentam para a oferta de uma educação de qualidade aos estudantes brasileiros– mais especificamente àquela considerada pelo próprio Estado como básica – estão, em primeiro lugar, aqueles que historicamente se impõem aos mais desfavorecidos na garantia do direito fundamental de acesso a todos os bens e serviços públicos em uma sociedade tão desigual como a nossa. Tais problemas decorrem da própria situação de pobreza e de subcidadania, agravados pela falta de informação ou, quando esta existe, informação manipulada, por preconceitos e discriminações de toda sorte e pela extrema precariedade de acesso aos bens culturais, desde os livros e materiais necessários para acompanhar os estudos até a roupa e transporte adequados.

Nesse sentido, talvez a maior transformação que o Brasil esteja vivenciando hoje na área das políticas públicas seja a da inclusão educacional, na forma da adoção de propostas de educação integral de seus cidadãos, como parte dos esforços do Estado para consolidar políticas públicas efetivas de inclusão social. Por educação integral entenda-se a prática educativa que favorece a formação humana em suas múltiplas dimensões, elemento fundamental para a ampliação e para a garantia dos demais direitos humanos e sociais, e condição para a própria democracia. Segundo Antunes e Padilha:

[...] quando nos referimos à Educação Integral, estamos falando de uma educação que trabalha pelo atendimento e pelo desenvolvimento integral do educando nos aspectos biológicos, psicológicos, cognitivos, comportamentais, afetivos, relacionais, valorativos, sexuais, éticos, estéticos, criativos, artísticos, ambientais, políticos, tecnológicos e profissionais. Educar integralmente o cidadão e a cidadã significa, pois, prepará-los para uma vida saudável e para a convivência humanizada, solidária e pacífica. (ANTUNES; PADILHA, 2010, p. 17, grifo dos autores).

De acordo com o documento “Educação integral: texto referência para o debate nacional” (BRASIL, 2009), no qual o Ministério da Educação– MEC expressa sua concepção de educação integral e que embasa o Programa Mais Educação, apesar de a situação de vulnerabilidade e risco social não ser determinante para o insucesso na escola, ela “pode contribuir para o baixo rendimento, para a defasagem idade/série e, em última instância, para a reprovação e a evasão escolares” (p.11).

Ainda segundo esse documento, estudos identificam forte correlação entre situação de pobreza, distorção idade/série e dificuldades para a permanência na escola, o que contribui para a perpetuação de ciclos intergeracionais de pobreza (p.11-12).

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pública não foi acompanhada das condições necessárias para garantir a qualidade da educação (p. 12).

Desde que o Brasil passou a participar de programas internacionais de avaliação da educação, a partir do ano 2000, sempre ocupou os últimos lugares nas tabelas gerais de desempenho dos alunos e, consequentemente, veio a constatação de que a escola brasileira não vem cumprindo o seu papel. A partir daí, a discussão acerca da qualidade da educação brasileira ganhou novo fôlego, com base nas inevitáveis comparações com os demais sistemas de ensino, principalmente os dos países desenvolvidos.

Nessas comparações, o fato que mais chamou a atenção foi o de os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE que formam a elite do ensino mundial serem aqueles que mantêm os alunos pelo menos seis horas na escola, ou sob sua tutela.E, seguindo a tradição nacional no que tange à qualidade da educação, conforme salienta Hingel (2002, p. 71), o Brasil mais uma vez exercita sua “aparentemente inesgotável capacidade de imitar, quase sempre com alguns anos de atraso, as experiências de outros povos”. Assim, a permanência na escola tem sido não apenas vinculada à qualidade na educação, mas considerada pressuposto para tal.

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CAPÍTULO I – A PESQUISA

JUSTIFICATIVA

Apesar de há tempos a educação integral ser tema recorrente no cenário educacional brasileiro, apenas recentemente foi alçada à esfera das políticas públicas prioritárias em todos os níveis de governo. Experiências como o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, implantado por Anísio Teixeira, em Salvador, Bahia, nos anos 1950, Brasília e seu Sistema Educacional, nos anos 1960, e os CIEP implantados por Darcy Ribeiro, na década de 1980, no Rio de Janeiro, bem ilustram esta afirmação.

A questão da educação integral volta hoje à agenda política nacional associada a uma intenção de obter resultados mais consistentes na busca pela qualidade da educação. Esta intenção nasceu da necessidade de se formar sujeitos que atendam às novas exigências do mercado de trabalho e da sociedade contemporânea globalizada. Segundo Gallo (2002), uma educação que tenha por princípios a liberdade e a igualdade numa sociedade tão excludente e desigual quanto a nossa já é uma profunda transformação:

Uma educação integral é fundamental em nossos dias, para que as escolas possam abandonar o modelo até então hegemônico de transmissão de informações. Aqui continuam válidas as críticas dos anarquistas e suas propostas de alteração de rota. Uma educação intelectual voltada para o processo e não para o produto, que privilegie a curiosidade, a busca, a construção de saberes, pode formar indivíduos muito mais “antenados” com as necessidades contemporâneas. (GALLO, 2002, p. 39).

A questão que se levanta é se e como a educação integral, nos moldes concebidos atualmente pelos governantes, poderá garantir essa qualidade. Nesse sentido, é interessante analisarmos o que vem ocorrendo com o Sistema Educacional de Brasília, que possui a característica única de ter sido concebido segundo o ideário de educação integral de Anísio Teixeira.

(19)

A produção de conhecimento na área da educação integral é do interesse de toda a nação, uma vez que esta atualmente constitui uma das ações prioritárias do governo federal, bem como dos governos estaduais e municipais de todo o país.

Por fim, este trabalho, por meio da análise da retomada da educação integral como política de governo no Distrito Federal, ou seja, da vocação original deste sistema de ensino, pretende contribuir para as reflexões acerca das concepções de educação integral, subsidiando professores, pesquisadores e dirigentes na implementação de políticas públicas, bem como a produção legislativa acerca do tema.

PROBLEMA DE PESQUISA

A partir da década de 1990, intensificaram-se as discussões acerca da qualidade da’ educação no Brasil, marcadamente no período posterior a 1994, com a consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB. Desde 2000, o Brasil tem participado de avaliações educacionais internacionais, as quais suscitaram a ideia de que a educação integral do indivíduo e sua qualidade estão vinculadas tanto à quantidade do tempo gasto na escolarização quanto à possibilidade de a escola oferecer maiores oportunidades aos alunos além da simples assimilação/reprodução de conteúdos curriculares.

Essa atenção mundial para a melhoria da qualidade da educação repercutiu no cenário político-administrativo brasileiro, resultando na formulação e adoção de políticas de ampliação da jornada escolar baseadas no conceito de educação integral, com vistas à formação e desenvolvimento integral do ser humano.

Apesar de a ideia da educação integral como prática pedagógica ter sido defendida no Brasil já na década de 1930 pelos Pioneiros da Educação Nova, foi somente durante a gestão de Anísio Teixeira1 à frente da Secretaria de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1950) que se concebeu a primeira escola de educação integral, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, popularmente conhecido como Escola-Parque: uma escola na qual os alunos permaneceriam o dia inteiro no ambiente escolar, ou seja, em tempo integral, com um projeto pedagógico voltado para o aluno na escola (NUNES, 2009).

1 Durante os anos de 1931 a 1935, Anísio Teixeira foi Diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, então

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Anísio Teixeira foi, de 1952 a 1964, Diretor do então Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – atualmente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP– que, desde a sua fundação, em 1938, converteu-se, segundo Saviani (2005), “no principal centro aglutinador e estimulador de experiências de renovação pedagógica”. Nessa época, Anísio Teixeira foi chamado pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek para elaborar e implantar o projeto do sistema de educação do novo Distrito Federal.

O sistema educacional proposto para a nova capital do país pretendia, dentro das metas da política nacional-desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, uma concepção inovadora de educação que fosse exemplo para o restante do país. Anísio Teixeira teve, assim, a oportunidade única de colocar em prática toda a experiência adquirida no projeto desenvolvido na Bahia em um sistema educacional recém-nato e, portanto, sem os vícios já cristalizados nos sistemas já existentes.

Nas palavras do próprio Anísio Teixeira ficam evidentes as ideias que nortearam a concepção do Sistema Educacional de Brasília, planejado e criado juntamente com o novo Distrito Federal:

Baseado no modêlo dêste Centro, de Salvador, Bahia, foi organizado o sistema escolar de Brasília, cujo plano traçamos, com o propósito de abrir oportunidades para a Capital do país oferecer à nação um conjunto de escolas que constituísse exemplo e demonstração para o sistema educacional brasileiro.(TEIXEIRA, 1962, p. 27).

Em função dos problemas decorrentes do enorme afluxo2de pessoas para a região do Distrito Federal e das mudanças de orientação filosófica, política e administrativa advindas dos governos que se sucederam ao de Juscelino Kubitschek, o Sistema Educacional de Brasília acabou sofrendo alterações que praticamente descaracterizaram sua concepção inicial.

Com a retomada da democracia no Brasil, a partir da década de 1980, houve diversas outras tentativas de implantação da educação integral, com diferentes graus de sucesso, algumas de âmbito estadual, como os Centros Integrados de Educação Pública – CIEP de Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, durante o governo Brizola, em 1985, e outras de âmbito

2 Entre 1960 e 1976, a população do Distrito Federal passou de 142.000 para 839.000 habitantes, um crescimento

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nacional, como os Centros Integrados de Apoio à Criança – CIAC, no governo Collor, em 1991.

As condições para a incorporação da educação integral à agenda das políticas públicas em educação vêm se configurando desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que consubstanciou a educação como um direito social fundamental, e da edição de normas regulamentadoras desse direito como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) e o Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001).Estes dois últimos marcos legais, particularmente, indicaram a ampliação progressiva da jornada escolar como orientação para a política pública educacional e como forma de diminuir as desigualdades sociais e aumentar democraticamente as oportunidades de aprendizagem.

Este direcionamento tomou forma mais consistente com a criação, no âmbito das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE3do MEC, do Programa Mais Educação, a tentativa mais abrangente empreendida até hoje de levar a educação integral às escolas públicas de educação básica de todo o país. O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), e pelo Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010, visa “contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral” (BRASIL, 2010b, art. 1º).

O mesmo Decreto estabelece como um dos princípios da educação integral no âmbito do Programa Mais Educação “a valorização das experiências históricas das escolas de tempo integral como inspiradoras da educação integral na contemporaneidade” (BRASIL, 2010b, art.2º, IV), no que o Texto Referência do Programa (BRASIL, 2009) ressalta a concepção de educação integral de Anísio Teixeira, na qual o Mais Educação se fundamenta.O MEC cita, como referências para o Programa, as experiências do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, o Sistema Educacional de Brasília, experiências do próprio Anísio Teixeira, e os CIEP, concebidos por Darcy Ribeiro a partir da experiência de Anísio Teixeira.

3 O PDE, lançado em 25 de abril de 2007, constitui uma conjugação de ações para os diferentes níveis, etapas e

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Essas experiências e concepções permitem afirmar que a Educação Integral se caracteriza pela ideia de uma formação “mais completa possível” para o ser humano,

embora não haja consenso sobre o que se convenciona chamar de “formação completa” e, muito menos, sobre quais pressupostos e metodologias a constituiriam.Apesar dessa ausência de consenso, é possível afirmar que as concepções de Educação Integral, circulantes até o momento, fundamentam-se em princípios político-ideológicos diversos, porém, mantêm naturezas semelhantes, em termos de atividades educativas.(BRASIL, 2009, p. 16).

Acompanhando a tendência nacional de retomada da educação integral como política pública de educação, o Distrito Federal criou, em 4 de dezembro de 2007, no governo de José Roberto Arruda, a Secretaria de Estado Extraordinária para a Educação Integral do Distrito Federal– SEEI, diretamente subordinada ao gabinete do governador do Distrito Federal, com a finalidade de “estabelecer os mecanismos necessários a articulação estado, família e sociedade visando a implantação da política de educação integral” (DISTRITO FEDERAL, 2007).Após uma série de supostos escândalos de corrupção que levaram ao afastamento e cassação do governador Arruda, a SEEI foi extinta e reintegrada, durante o mandato-tampão do governador indiretamente eleito Rogério Rosso, à estrutura da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal– SEDF, na forma da Subsecretaria para a Educação Integral (DISTRITO FEDERAL, 2010).

Após as eleições de outubro de 2010, tomou posse, em 1º de janeiro de 2011, Agnelo Queiroz. Mais uma vez a educação integral ocupa lugar de destaque na agenda política do governador eleito do Distrito Federal para o período 2011-2014. Segundo seu Programa de Governo, uma das metas na área da educação é a implantação da escola integral em todo o Distrito Federal e o aprimoramento da qualidade do ensino fundamental na rede pública (COLIGAÇÃO NOVO CAMINHO, 2010, p. 32), para que Brasília seja considerada referência no cenário educacional brasileiro.

Agnelo Queiroz declarou que a educação integral é prioridade em sua administração, tecendo críticas ao modelo deixado pelo governo anterior. O recém-empossado governador argumentou que, na prática, as escolas não funcionam como deveriam e que a concepção de educação integral herdada da administração antecessora deverá ser reformulada. Embora não tenha mencionado em suas declarações um diagnóstico formal da situação da educação integral no Distrito Federal, o governador Agnelo afirmou que “o atual modelo não pode ser considerado ensino integral, quando crianças estão soltas à tarde na escola, brincando apenas orientadas por um estagiário” (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2011).

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admitida no programa. O novo projeto de educação integral, no qual o aluno deverá permanecer na escola pelo menos oito horas seguidas desenvolvendo atividades acadêmicas, culturais e artísticas, será discutido e planejado ao longo de 2011. A partir de 2012, uma cidade do Distrito Federal será escolhida para que todas as suas escolas abriguem o projeto-piloto da nova educação integral (OLIVEIRA; PORTUGAL, 2011).

Na verdade, a educação integral em Brasília nunca foi completamente abandonada, já que as Escolas-Parque, de alguma forma, subsistiram em seu sistema até hoje. Porém, sua retomada, a partir de 2007/2008, e atual reafirmação, como diretriz das políticas de educação no Distrito Federal, é um marco que resgata, em um sistema educacional único, sua característica original precípua.

Nesse sentido, buscou-se com esta pesquisa conhecer e analisar a proposta de retomada da educação integral como política de governo no Distrito Federal, ocorrida em 2007/2008, tendo como referência a proposta inicial de Anísio Teixeira para o Sistema Educacional de Brasília, em 1960. Em outras palavras, procurou-se responder ao problema constituído basicamente pelas seguintes questões:

• Como ocorreu a retomada da educação integral dentro do contexto das políticas públicas de educação do Governo do Distrito Federal – GDF em 2007/2008? • Qual era a orientação pedagógica do Sistema Educacional do Distrito Federal à

época dessa retomada?

• Em que medida as ideias que nortearam a concepção de educação integral no Sistema Educacional de Brasília proposto por Anísio Teixeira foram retomadas em 2007/2008?

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OBJETIVOS

Geral

• Analisar a proposta de retomada da educação integral como política de governo no Distrito Federal, ocorrida em 2007/2008, tendo como referência a proposta inicial de Anísio Teixeira de educação integral para o Sistema Educacional de Brasília, em 1960.

Específicos

• Descrever o contexto da retomada da educação integral ocorrida no Distrito Federal em 2007/2008, tendo em vista o conjunto das políticas públicas de educação do GDF à época.

• Descrever a orientação pedagógica da retomada da educação integral ocorrida em 2007/2008 no Distrito Federal.

• Identificar as ideias que nortearam a concepção original de educação integral no Sistema Educacional de Brasília, em 1960.

• Verificar em que medida os princípios filosóficos do Plano de Anísio Teixeira foram observados na retomada da educação integral no Distrito Federal em 2007/2008.

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CAPÍTULO II – REVISÃO DA LITERATURA

EDUCAÇÃO INTEGRAL – DA ORIGEM À ESCOLA NOVA

A educação assumiu uma centralidade indiscutível no cenário político mundial. É preocupação precípua dos governos atuais a oferta equitativa de uma educação de qualidade aos seus cidadãos. No Brasil, sob a égide da LDB, que prevê o aumento progressivo da jornada escolar para o regime de tempo integral (arts. 34 e 87, § 5º), a educação integral renasceu como principal alternativa para a melhoria dos sofríveis indicadores educacionais, de um lado, e como estratégia de democratização do ensino de qualidade, de outro.

Assim, ressurgida no cenário das políticas públicas nacionais do século XXI como a possibilidade mais palpável para a garantia de uma educação de qualidade, a educação integral é tema recorrente desde a antiguidade.

A Paidéia grega já consubstanciava esse modo de ver e perceber a formação do homem que corresponde à natureza do que mais tarde denominou-se educação integral(COELHO, 2009). Platão a definia como a concepção ampliada de educação que compreende a formação do corpo e do espírito, com o objetivo de formar cidadãos perfeitos capazes de mandarem e de obedecerem, tendo a justiça como fundamento. Aristóteles, discípulo de Platão, já se referia à educação integral como aquela que despertava todas as potencialidades do ser humano; Marx denominava-a educação “omnilateral”; os educadores europeus Édouard Claparède, Jean Piaget e Célestin Freinet defendiam a necessidade de uma educação integral que desenvolvesse as múltiplas dimensões humanas ao longo de toda a vida (GADOTTI, 2009).

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[...] o primeiro, de que o período constitui a instituição pública de ensino – a escola – como lócus privilegiado desse trabalho educativo; o segundo, de que é evidente que essa completude contém elementos propostos anteriormente, desde a Paidéia, mas também descarta, ou pelo menos olvida outros que o pensamento anarquista, construído ao longo dos séculos 18, 19 e 20, vai trazer à tona e tornar relevantes como, por exemplo, a dimensão estética dessa formação completa.(COELHO, 2009, p. 86).

Segundo Gallo (2002), o conceito de educação integral prosperou no seio do movimento operário, a partir da Revolução Francesa, mediante a instituição de uma sociedade burguesa, quando a massa assalariada de trabalhadores passou a lutar para que o Estado fornecesse um sistema educacional que propiciasse maiores e melhores oportunidades para os mesmos e seus filhos – luta que perdura nos dias atuais em diversos países.

Na lógica burguesa, entretanto, as desigualdades sociais eram consideradas “naturais”, sendo todos os homens “naturalmente” diferentes. Assim, seu sucesso ou fracasso, riqueza ou miséria, domínio ou não do saber constituiriam simplesmente o resultado do trabalho deste homem no mundo, de acordo com suas característica e “aptidões naturais”. A riqueza e a cultura seriam, portanto, somente um reflexo da natureza (GALLO, 2002).

Contra estas ideias insurgiu-se Bakunin, por volta de 1830, defendendo a concepção dos democratas socialistas russos sobre educação integral. Segundo ele, o homem é um produto social e não natural, sendo a sociedade a responsável por modificá-lo por meio da educação, isto é, da oferta de oportunidades de transformação social. Para Bakunin, a sociedade desigual produzirá homens diferentes entre si, fadados a viverem na desigualdade e na injustiça; por sua vez, a sociedade justa produzirá homens mais justos e felizes.

Segundo Coelho (2009), Bakunin defende a educação integral a partir de pressupostos crítico-emancipadores, com base nos em bases político-ideológicas dos ideais libertários de igualdade, liberdade e autonomia fundantes do arcabouço filosófico desta concepção de educação. De acordo com a autora, “uma vez que os burgueses já possuíam uma instrução integral, Bakunin parte de uma concepção de sociedade – igualitária – para requisitar essa mesma educação para todos, ou seja, não apenas para os burgueses” (COELHO, 2009, p. 86).

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Para Freitas e Galter (2007), a concepção de Bakunin foi idealizada para uma sociedade sem classes, na qual o ensino integral constituiria um aliado na consolidação da liberdade dos trabalhadores, por meio de uma formação abrangente de todos os aspectos humanos, sem se referir, especificamente, com o tempo gasto com esta educação. De acordo com os autores, essa concepção seria impossível nos moldes da escola que foi universalizada no século XX – que chegou a ter apenas três horas diárias de estudo – uma vez que a “formação integral implica em o aluno permanecer mais tempo envolvido com a sua educação, ainda que não seja o tempo todo na escola, pois existem outros espaços em que a sua formação pode ser completada” (FREITAS e GALTER, 2007, p. 126).

Para Portilho (2005), a educação integral como uma necessidade social no Brasil surgiu no início do século XX, ao fim da República Velha. Com o crescimento das cidades, devido à migração da população do campo e à imigração de estrangeiros, e o surgimento de movimentos vanguardistas de arte, literatura e música, o ensino passou integrar as discussões políticas e sociais da época como importante aliado na remodelação do plano político nacional. Segundo a autora, deflagrou-se, nesse momento, “a união entre Estado e Educação, os benefícios que o primeiro pode obter em detrimento da segunda, a tentação de criar-se uma escola regenerativa, visando a conservação da ordem no cotidiano urbano, criação de um espírito nacionalista e de uma cultura nacional unificada” (PORTILHO, 2005, p. 7, grifo da autora).

Nesse período (Brasil do século XIX e início do século XX), a educação integral assumiu um caráter controlador-assistencialista, desenvolvida eminentemente em orfanatos e internatos com o objetivo de tirar das ruas crianças “em risco de desvio físico e moral” e, ao mesmo tempo, manter a ordem e o controle social (PORTILHO, 2005). Esta concepção conservadora de educação integral em muito difere das propostas mais recentes de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, conforme veremos mais adiante.

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quando as transformações no modelo econômico brasileiro advindos da Revolução de 1930 determinaram a demanda por uma escola universal. Nessa época, a jornada diária e até mesmo a própria duração da escola primária passaram a ser questionadas como condição de estendê-la a toda a popuestendê-lação.

Em meio à reorganização das funções sociais e institucionais da década de 1920, surge o escolanovismo, movimento educacional de vanguarda centrado na experiência do aluno, em sua atividade, no desenvolvimento de sua espontaneidade e de sua criatividade, na liberdade de aprender, na democracia. O movimento foi abraçado por Carneiro Leão em sua gestão como Diretor de Instrução Pública do então Distrito Federal, atual município do Rio de Janeiro, entre 1922 e 1926. Seus sucessores no cargo, Fernando de Azevedo (1927 a 1930) e Anísio Teixeira (1931 a 1935), sobretudo este último, não só ratificaram como ampliaram as inovações administrativas e pedagógicas que buscavam um modelo de ensino mais democrático, que promovesse a autonomia do educando e elevasse os padrões das escolas brasileiras (PORTILHO, 2005; ARAUJO, 2006).

Em 1932, é lançado à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época, dentre eles Anísio Teixeira.O Manifesto defendeu a educação integral como “direito biológico de cada indivíduo”, cabendo ao Estado organizar os meios para torná-lo efetivo. Segundo o texto, a educação:

[...] deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, [...] tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo.(AZEVEDO, 1958, p. 64).

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para ela que existe a educação, acabava, no entanto, confundindo a realidade com o ideal e, assim, tomando a criança como o ideal da pedagogia” (SAVIANI, 2005).

Nesse momento histórico, porém, conforme destaca Paro (1988), o país não dispunha de condições materiais para universalizar a oferta de uma educação integral que formasse o cidadão comum. Assim, apenas aqueles com melhores condições financeiras tiveram acesso a ela. Na década de 1950, ressurge a educação integral em bases escolanovistas como política pública voltada para as camadas populares.

EXPERIÊNCIASDE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL

As inovações pedagógicas no Rio de Janeiro da década de 1930

Na primeira metade do século XX coexistiram diversas correntes e movimentos que defendiam a educação integral no Brasil, cada qual com suas propostas político-sociais e teórico-metodológicas (COELHO, 2009): os católicos, com sua concepção de educação integral fundada em “atividades intelectuais, físicas, artísticas e ético-religiosas, aliadas a uma disciplina rigorosa”; os integralistas, cujo ideal educativo era o da educação integral para o homem integral em seu aspecto físico, intelectual, cívico e espiritual; os anarquistas, para quem a ênfase da educação integral recaía sobre a igualdade, a autonomia e a liberdade humanas; e “os liberais, como Anísio Teixeira, que defendia e implantou instituições públicas escolares, entre as décadas de 30 e 50, em que essa concepção de educação foi praticada” (p. 88).

A escola primária brasileira dos anos 1910 a 1930, conforme explicita Chaves (2002b), surgiu a partir de novas necessidades sociais, com a função de moralizar, civilizar e consolidar a ordem social, num claro compromisso com os ideais republicanos de construção de uma nação moderna e industrializante.

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vocacionais; a massa iletrada constituía “a grande fôrça de trabalho e produção agrícola sôbre que se assentava a nação” (TEIXEIRA, 1963, p. 8).

Segundo Anísio Teixeira, um dos mentores intelectuais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e maior defensor da implantação de um sistema público de ensino abrangente e de qualidade no país, somente após a Segunda Guerra Mundial o Brasil entrou no surto industrial que, a exemplo de outras nações desenvolvidas, mudaria a estrutura da nossa sociedade. A década de 1920, porém, havia sido significativa para essas mudanças que levariam à Revolução de 1930.

Na década de 1920, a reforma Washington Luís do ensino primário visava democratizar esse nível de ensino, quebrando o dualismo educacional de educação para a elite e educação para a classe média. A proposta reduzia a duração do ensino primário, cuja organização anterior era de sete a oito anos, a dois anos de escolaridade, fixando-se, finalmente, em três anos para a população rural e quatro anos para a população urbana. Para Anísio Teixeira, essa redução deflagrou o processo de deterioração da escola primária e o surgimento de três escolas diferentes: a do povo, reduzida e rudimentar, sem possibilidade de emancipação; a da classe média, inadequada, uma vez que esta já tendia a ser a classe dominante; e a da elite, limitada aos ginásios preparatórios e às escolas superiores (TEIXEIRA, 1963).

No final da década de 1920 e início da de 1930, surgiram no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, reformas locais de ensino que buscavam maior adequação do sistema de ensino aos movimentos de mudança da estrutura da sociedade brasileira. Nas palavras do próprio Anísio Teixeira:

Estas reformas buscam recuperar a escola primária, para constituí-la o fundamento do sistema escolar, iniciam a integração das escolas de nível médio, com a equivalência da formação vocacional acadêmica, elevam a formação do magistério primário a nível superior e criam uma universidade de tipo moderno, voltada à pesquisa e à formação do quadro do magistério secundário e superior e aberta a todos os egressos da classe média. (TEIXEIRA, 1963, p. 9).

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Em 1931, como Diretor de Instrução Pública do antigo Distrito Federal, Anísio Teixeira buscou finalizar o processo de inovação pedagógica iniciado por seus antecessores Carneiro Leão e Fernando de Azevedo, respectivamente, defensores de uma escola pública igual para todos e que tivesse como base uma educação integral. Para tal, Anísio Teixeira buscou elaborar um projeto educacional que transformasse o aglomerado de escolas existente em um sistema de ensino organizado e planejado de acordo com os princípios da escola progressiva, formulados por John Dewey e Kilpatrick (CHAVES, 2002b).

Acerca da diferenciação entre os termos “escola nova” e “escola progressiva”, Anísio Teixeira esclarece:

A designação “escola nova”, necessária, talvez, em início de campanha, para marcar violentamente as fronteira dos campos adversos, ganharia em ser abandonada. Por que não “escola progressiva”, como já vem sendo chamada, nos Estados Unidos? E progressiva, por que? Porque se destina a ser a escola de uma civilização em mudança permanente (KILPATRICK) e porque, ela mesma, como essa civilização, está trabalhada pelos instrumentos de uma ciência que ininterruptamente se refaz. Com efeito, o que chamamos de “escola nova” não é mais do que a escola transformada, como se transformam tôdas as instituições humanas, à medida que lhes podemos aplicar conhecimentos mais precisos dos fins e meios a que se destinam. (TEIXEIRA, 1954).

Uma série de modificações visando à remodelação das escolas do antigo Distrito Federal foi implementada por Anísio Teixeira no Departamento de Educação, dentre elas a criação de diversas superintendências e divisões de ensino que deveriam se ocupar do aparelhamento das instalações escolares, das bibliotecas, do cinema educativo e do instituto de pesquisas, este último responsável pelo estudo e pesquisa de novos métodos de ensino. Simultaneamente, foram instaladas cinco escolas experimentais: as escolas Bárbara Otoni, Manuel Bonfim, México, Argentina e Estados Unidos. Estas escolas deveriam ter uma função integral, ou seja, sua organização deveria propiciar à criança um ambiente social que lhe possibilitasse viver plenamente. Nessas escolas, as disciplinas não seriam simples meios para atingir determinados comportamentos idealizados e tanto o professor quanto o aluno seriam mais autônomos na elaboração de seu programa escolar que, “ao se basear no interesse do aluno, extinguiria a aprendizagem isolada, vinculando-a de vez a um processo integral que liga constitutivamente aluno, professor, conhecimento e experiência” (CHAVES, 2002b).

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da matemática, e as salas especiais, incluindo biblioteca e auditório, onde se desenvolveriam os demais conteúdos, de forma que os alunos pudessem vivenciar ao longo do dia as várias experiências educacionais de sua formação integral: brincadeiras e exercícios físicos, estudo, trabalho em oficinas e atividades sociais e de expressão. Assim, enquanto um pelotão encontrava-se nas salas especiais, outro ocupava as salas especiais, e outro, ainda, o auditório, e assim por diante (CHAVES, 2002a).

Essa organização de ocupação das salas possibilitava um melhor aproveitamento dos espaços da escola e, ao exigir que os alunos trafegassem por todos eles, incentivava sua autonomia. Ao se estruturarem de modo ativo, essas escolas colocaram o aluno no centro das atividades e delimitaram novos modos de ensinar e de aprender, unindo “vida e educação, espaço escolar e espaço social, tornando o exercício diário do aluno um exercício para a cidadania” (CHAVES, 2002b, p. 56).

Conforme o próprio Anísio Teixeira afirmara, essas escolas deveriam ser vistas como “escolas-laboratórios, onde se estão ensaiando, com grande proveito para as crianças e para os professores e em condições tão favoráveis quanto possível, algumas das técnicas da escola renovada” (TEIXEIRA, 1930, apud CHAVES, 2002b).

Chaves (2002b) ressalta que, apesar da adoção do sistema Platoon e das demais inovações pedagógicas que reestruturaram essas escolas resultarem num eventual aumento da capacidade de matrícula e na extensão do tempo diário das atividades (em média 20%), estes últimos estavam inerentemente vinculados à proposta de educação integral que se objetivava implementar. A jornada em tempo integral não constituía uma exigência nem pedagógica nem social da década de 1930. Apenas um dos pelotões da Escola México experimentou um horário que se pode chamar semi-internato, que ia das 7hs30min às 16hs20min. A autora avalia que estas experiências de educação integral foram importantes:

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Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 1950

Segundo Coelho (2009), pode-se dizer que, no Brasil, foi com Anísio Teixeira, na década de 1950, “que se iniciaram as primeiras tentativas efetivas de implantação de um sistema público de escolas com a finalidade de promover uma jornada escolar em tempo integral, consubstanciada em uma formação completa” (p. 90).Já Paro (1988) considera este o momento em que a educação em tempo integral ressurge como proposta para a rede pública de ensino, apoiada nas bases escolanovistas de formação integral e voltada para as camadas menos favorecidas da população, que passam a ver a escola como solução para sua condição de pobreza.

Retomando o percurso de Anísio Teixeira na educação integral, pressões políticas em uma conjuntura na qual o pensamento autoritário ganhava força no Estado e na sociedade – e que culminariam com a instalação do Estado Novo, em 1937 –levaram-no a demitir-se, em 1935, do cargo de Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal(NUNES, 2000). Após um período afastado da vida pública, de 1936 a 1945, em que permaneceu no sertão baiano, sua terra natal, dedicando-se ao comércio e à mineração, atividade de alguns familiares que viria a lhe assegurar o sustento da família, Anísio Teixeira foi convidado a assumir o cargo de Conselheiro de Ensino Superior da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco. O ano de 1946 transcorreu entre Londres e Paris. Convidado a integrar definitivamente os quadros da Unesco, em 1947, Anísio decide desligar-se da entidade e retornar à pátria no momento em que esta buscava restaurar a democracia (SOARES, 2011).

Com o fim do Estado Novo, Anísio Teixeira voltou ao Brasil para assumir a Secretaria de Educação e Saúde do Estado da Bahia a convite do governador eleito Otávio Mangabeira.Durante sua gestão como Secretário de Educação da Bahia, de 1947 a 1951, construiu, no bairro da Liberdade, o mais populoso e pobre da cidade de Salvador, aquele que seria o primeiro centro de educação popular do país: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro – CECR, assim denominado em homenagem ao educador baiano, mestre de grandes intelectuais como Euclides da Cunha e Ruy Barbosa. O CECR ficou popularmente conhecido como Escola-Parque, pois, em meio ao conjunto de prédios escolares que o constituíam, a Escola Parque destacava-se do ponto de vista arquitetônico e pedagógico (NUNES, 2009).

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denominava “simplificação destrutiva”, em outras palavras, ao reducionismo deflagrado pela reforma Washington Luís, não só no que tange à permanência diária na escola, como ao tempo de escolarização propriamente dito. Anísio Teixeira deixou bem clara sua intenção quando de seu discurso na inauguração do CECR:

Aqui estamos, senhor Governador, para agradecer a V. Exª este começo de um esforço pela recuperação, entre nós, da escola pública primária [...] cuja estrutura e cujos objetivos se perderam nas idas e vindas de nossa evolução nacional.[...] Há vinte e cinco anos atrás era eu o diretor de instrução do estado em um governo que, como o de hoje, parecia inaugurar uma era de reconstrução para a Bahia. As escolas primárias passaram então por um surto de renovação e de incremento, mas, o que é digno de nota era o seu funcionamento integral, com os cursos em dois períodos (manhã e tarde) e programa, para a época, tão rico quanto possível.

Já se podia apreciar o começo, entretanto, de uma deterioração que se veio agravar enormemente nos vinte e cinco anos decorridos até hoje. Foi, com efeito, nessa época que começou a lavrar, como idéia aceitável, o princípio de que se não tínhamos recursos para dar a todos a educação primária essencial, deveríamos simplificá-la até o máximo, até a pura e simples alfabetização e generalizá-la ao maior número. A idéia tinha a sedução de todas as simplificações. [...] Mas a simplificação teve força para congestionar as escolas primárias com os turnos sucessivos de alunos, reduzindo a educação primária não só aos quatro anos escolares de Washington Luís, mas quatro anos de meios dias, ou seja, dois anos e até, no

grande São Paulo, aos quatro anos de terços de dia, o que equivale a pouco

mais de um ano de vida escolar. Ao lado dessa simplificação na quantidade, seguiram-se, como não podia deixar de ser, todas as demais simplificações de qualidade.[...] É contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus seis anos de cursos. E desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disto, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare realmente a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. (TEIXEIRA, 2007, p. 174-176, grifos do autor).

No bojo do plano de reforma da educação baiana apresentado por Anísio Teixeira estava a criação de nove centros de educação popular para a capital Salvador, dos quais apenas o CECR se efetivou (NUNES, 2009).

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dois mil à tarde. Integravam o Centro, ainda, edifícios de restaurante e de administração4 (TEIXEIRA, 1962).

Para Anísio Teixeira (1962, p. 25), o conjunto lembrava “uma universidade infantil, com os alunos distribuindo-se pelos edifícios das escolas-classe [...] e pelas oficinas de trabalho, pelo ginásio e campo de esportes, pelo edifício de atividades sociais [...], pelo teatro e pela biblioteca”.

De acordo com Eboli (1983, apud NUNES, 2009), além das doze salas de aula, cada escola-classe contava com áreas cobertas, gabinetes médico e dentário, salas para a administração, jardins, hortas e áreas livres. Após quatro horas em sala de aula, os alunos dirigiam-se à escola-parque para mais quatro horas de atividades nos demais setores, completando sua jornada integral de educação. Na escola-parque, os alunos eram agrupados por idade e preferências, em turmas de vinte a trinta alunos, para realizar atividades que englobavam: artes aplicadas, no Setor de Trabalho; jogos, recreação e ginástica, no Setor de Educação Física e Recreação; música, canto, dança e teatro, no Setor Artístico; leitura, estudo e pesquisas, no Setor de Extensão Cultural e Biblioteca; e grêmio, jornal, rádio-escola, banco e loja, no Setor Socializante.

Para cada grupo de vinte alunos havia um professor habilitado. Os professores do CECR foram recrutados em todo o Estado da Bahia e passaram por cursos de aperfeiçoamento no próprio Estado, no Rio de Janeiro, Minas Gerais, e alguns chegaram a ter bolsas de estudo nos Estados Unidos. O diretor, vice-diretor, professores e demais servidores da Escola-Parque eram designados e mantidos pelo Estado e, durante o período de instalação do Centro, recebiam gratificação do INEP. As classes eram organizadas não por testes de inteligência, mas por idade, e foi instituída a permanência da criança na escola por sete anos, abolindo-se a repetência escolar (EBOLI, op. cit.).

Para Nunes (2009), foram muitas as dificuldades que se interpuseram à criação do CECR. Dentre elas, destacam-se as críticas da comunidade de educadores, dirigidas principalmente ao caráter de demonstração daquele empreendimento educacional, e a instalação, na década de 1950, da companhia Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras no recôncavo baiano, marco de mudanças advindas da urbanização articulada com o processo de industrialização e que provocou a defesa, por parte de certas camadas da população baiana, de demandas como alimentação, moradia, transporte, saúde e educação.

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O CECR era notícia constante na mídia da época, provocando críticas contundentes dos professores das demais escolas da cidade em relação aos baixos salários e ao abandono destas instituições enquanto se erguia um “monumento na obscuridade” por pura demagogia do “títere do imperialismo norte-americano” e “demagogo” Anísio Teixeira (NUNES, 2009, grifos da autora).

Foi também obstáculo determinante à criação do CECR o fato de seus custos de construção e instalação serem demasiadamente altos em relação aos das instituições escolares padrão, o que quase inviabilizou sua conclusão. Durante o discurso de inauguração do CECR, Anísio Teixeira afirmou que, além dos sete mil contos gastos nas primeiras instalações do Centro, quantia vultosa à época, seriam necessários “alguns 15 mil a mais” (TEIXEIRA, 2007, p. 179). Por conta dessas dificuldades financeiras, segundo o próprio Anísio Teixeira, que inaugurou o CECR pouco antes de deixar a Secretaria de Educação da Bahia, o conjunto de edificações do Centro somente teve suas instalações completadas em 1962, com biblioteca, teatro e pavilhão de atividades sociais(TEIXEIRA, 1962).

A direção geral do CECR foi exercida durante vinte e cinco anos pela irmã de Anísio Teixeira, a educadora Carmem Spínola Teixeira, auxiliada pelo pessoal administrativo dos diversos setores do Centro.Após deixar a Secretaria de Educação da Bahia, Anísio Teixeira, já como diretor do INEP, de 1952 a 1964, por meio de ações que priorizavam a educação integral, continuou encaminhando recursos federais ao Centro. Em 1967, já no Conselho Federal de Educação, Anísio reconheceu a frágil situação do Centro que, por “um conjunto feliz de circunstâncias”, em provável referência à sua gestão no INEP, havia-se mantido até então, mas que, nem por isso estaria sua estabilidade garantida. Frisou ele, na ocasião, que a experiência “de um momento para outro pode apagar-se, como se apaga, na mecânica quântica, um esfôrço especial e possível de direção a um conjunto de partículas que se movem por acaso, segundo a lei da natureza” e que uma simples mudança de governo ou direção poderia fazê-la desaparecer (TEIXEIRA, 1967).

Para Nunes (2009), o CECR, apesar de todos os conflitos, logrou êxito talvez pela firme condução e determinação de Anísio Teixeira na esfera estadual e federal. Segundo a autora, sua grande distinção das propostas que o antecederam e/ou sucederam reside na concepção da educação como “um direito civil que está na base da autonomia de sujeitos históricos individuais e coletivos” (p. 130).

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educação, uma vez que não houve “nem auxílio nem assistência técnica estrangeira de qualquer natureza” para sua realização. E ressalta a origem e capacidade dos professores, em suas palavras,

[...] um corpo de professôres admiráveis realizou, em silêncio, uma experiência nova, que mereceu o respeito de quantos dela puderam tomar conhecimento, e que aí está sob a vista de todos nós, para mostrar que podemos reconstruir a escola primária, por nós mesmos, desde que nos dêem as condições para isto.(TEIXEIRA, 1967).

Apesar da experiência não se ter multiplicado, o CECR tornou-se vitrine do que melhor havia em educação no país, merecendo a visita de representantes da Organização das Nações Unidas – ONU e da Unesco, projetando Anísio Teixeira internacionalmente e sua concepção esteve na base da organização do Sistema Educacional de Brasília, em 1960, e dos CIEP de Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro, na década de 1980, e dos CIAC, em nível nacional, na década de 1990. Conforme veremos a seguir, essas experiências também não mereceriam melhor sorte do que a Escola-Parque anisista; apesar de atingirem escalas até razoáveis de atendimento, seus projetos não persistiram de forma mais consistente e duradoura (COELHO, 2009).

Os Centros Integrados de Educação Pública – CIEP, décadas de 1980 e 90

A década de 1980, segundo Abdalla e Mota (2009), foi bastante profícua na ampliação do tempo diário de escolaridade, “seja para aliviar o grau de pobreza de crianças oriundas das classes trabalhadoras, seja para melhorar a qualidade e a produtividade do ensino oferecido pela escola pública” (p. 148), com a realização de diversas experiências, como a Jornada Única do Ciclo Básico, em São Paulo, em 1988, os Centros Integrados de Educação Municipal, em Porto Alegre, em 1989, e algumas práticas isoladas em Minas Gerais (MOTA, 2008).

Apesar de a iniciativa dessas ações serem representativas de uma mudança na orientação das políticas de educação, para Gadotti (2009), a escola em tempo integral, ou o que hoje se está denominando em políticas públicas educação integral, é imediatamente associada à experiência da Escola-Parque de Anísio Teixeira e aos CIEP de Darcy Ribeiro.

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de intensa agitação política e de reorganização de entidades representativas da sociedade civil. A autora ressalta que o horário integral, na concepção de Darcy Ribeiro,

[...] aparece como essencial no processo de aprendizagem, e se diferencia de um semi-internato por ter justificativa estritamente pedagógica: a educação integral prevê a socialização, a instrução escolar e a formação cultural, vista como parte essencial do processo de aprendizagem e não como adereço, tornando-se a escola espaço social privilegiado para a formação do cidadão. O currículo apresenta diferentes origens filosóficas, refletindo as diversidades do pensamento educacional brasileiro. (MAURÍCIO, 2004, p.43).

Lançado na primeira gestão do governador Leonel Brizola (1983-1986), no Estado do Rio de Janeiro, o projeto dos CIEP (popularmente denominados Brizolões) foi apresentado por seu idealizador, Darcy Ribeiro, como a primeira experiência brasileira de escola pública de tempo integral.Em suas palavras, “no Brasil, antes da criação dos CIEPs, nunca se fez uma escola popular de dia completo” (RIBEIRO, 1986, p. 41). Darcy Ribeiro era conhecedor e entusiasta do trabalho de Anísio Teixeira, com quem atuara na criação da Universidade de Brasília, em 1960; esta sua afirmação talvez tenha sido feita tendo em vista o caráter experimental do CECR e do pretendido alcance dos CIEP à época de seu lançamento e que, ao fim do segundo governo de Leonel Brizola (1991-1994), somaram quinhentas unidades escolares.

Darcy Ribeiro era vice na chapa encabeçada por Leonel Brizola, que concorreu ao governo do Estado do Rio de Janeiro nas eleições de novembro de 1982, as primeiras eleições diretas para governos estaduais desde o golpe militar de 1964. Naquelas eleições, a oposição ao regime militar avançou e elegeu dez governadores, entre eles os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Neste último, uma fraude eleitoral histórica em que se tentou computar todos os votos brancos ou nulos para o candidato do partido que reunia as forças de direita, Moreira Franco, forçou a recontagem dos votos e um dos maiores opositores do regime militar, Leonel Brizola, tornou-se governador daquele Estado (AZEVEDO, 2011).

Imagem

TABELA 1 – DISTRITO FEDERAL – EVOLUÇÃO DA REDE DE ENSINO – 1957/59
TABELA 2 – DISTRITO FEDERAL – MATRÍCULA REDE PÚBLICA,   SEGUNDO MODALIDADE/NÍVEL DE ENSINO – 1960/76

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