INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
EGAS MONIZ
MESTRADO INTEGRADO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
NEUROGÉNESE IN VITRO E APLICAÇÕES BIOMÉDICAS
Trabalho submetido por
Vera Leal Santos Baptista de Figueiredo
para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
EGAS MONIZ
MESTRADO INTEGRADO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
NEUROGÉNESE IN VITRO E APLICAÇÕES BIOMÉDICAS
Trabalho submetido por
Vera Leal Santos Baptista de Figueiredo
para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas
Trabalho orientado por
Prof. Doutora Evguenia Bekman
À minha orientadora, a Prof. Doutora Evguenia Bekman, que me permitiu explorar uma área que eu apreciava há muito tempo, pelo seu apoio e pelas suas críticas. Ao Hospital São Francisco Xavier, em especial à Dra. Brenda Madureira, Dra. Rosana Andrade e Dra. Alexandra Luís, por todo o conhecimento que partilharam comigo enquanto lá estive e pela disponibilidade sempre demonstrada.
À Farmácia Belém e toda a sua fantástica equipa por tão bem me terem acolhido, por todo o apoio, ensino e disponibilidade. Uma obrigada especial à Dra. Filipa Monte.
Às minhas amigas Carolina Grilo, Diana Pinho, Leonor Baptista e Susana Oliveira por demonstrarem que somos outliers daquele estudo que afirma que o círculo de amigos
tem que mudar a cada 7 anos, e que a universidade não significa que tenhamos que seguir rumos diferentes em relação à amizade.
Aos meus avós maternos, Maria Francisca e Joaquim Leonardo, por se manterem sempre presentes durante este meu percurso.
1 RESUMO
A complexidade do sistema nervoso (SN) e a formação dos neurónios há muito
que fascina o ser humano começando desde a Grécia antiga até aos modelos
tridimensionais do cérebro obtidos em laboratório já possíveis hoje em dia.
As doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, Parkinson,
Huntington e esclerose lateral amiotrófica, apesar de terem diferentes causas, resultam na
degeneração de um tipo de neurónios ou num local especifico e a terapia celular,
nomeadamente o transplante, com células estaminais neurais (NSC) é uma possível
estratégia para diminuir os sintomas e aumentar a qualidade de vida dos doentes.
Actualmente, a neurogénese e a diferenciação neural in vitro servem como modelo
para o estudo das doenças neurodegenerativas e das fases iniciais do desenvolvimento
neuronal nos humanos, podendo também ser utilizadas para estudar os efeitos de
substancias exógenas com o objectivo de descobrir novos fármacos. São diferentes os
métodos possíveis de ser utilizados para a obtenção de NSC variando em complexidade
e heterogeneidade, mas novas técnicas, como a utilização do matrigel, aproxima-nos cada
vez mais do modelo do cérebro humano, apesar das limitações ainda encontradas.
Sendo obtidas através de quatro fontes principais de células, nomeadamente a
partir das células embrionárias estaminais (ES), células estaminais pluripotentes
induzidas (iPS) e das áreas germinativas do cérebro fetal e adulto, as NSC oferecem uma
potencial fonte ilimitada de células para várias terapias baseadas em células, não só para
as doenças neurodegenerativas, mas também para traumatismos da medula espinhal,
terapia pós-acidente vascular e cerebral e mesmo terapia anticancerígena.
Palavras-chave: neurogénese in vitro, células estaminais neurais, diferenciação
2
The complexity of the nervous system (NS) and the formation of neurons have
long fascinated humans beginning from ancient Greece to the three-dimensional brain
models already possible to obtain in laboratories nowadays.
Neurodegenerative diseases, such as Alzheimer's disease, Parkinson's disease,
Huntington’s disease and amyotrophic lateral sclerosis, despite having different causes,
result in the degeneration of one type of neuron or at a specific site and cell therapy,
including transplantation with neural stem cells (NSC), is one possible strategy to reduce
symptoms and increase the patients’ quality of life.
At the present time, in vitro neurogenesis and neuronal differentiation serve as a
model for the study neurodegenerative diseases and early stages of neuronal development
in humans, and can also be used to study the effects of exogenous substances with the
aim of finding new drugs. There are different possible methods to be used for obtaining
neural stem cells (NSC), varying in complexity and heterogeneity, but with the recent
techniques, such as the use of matrigel, we are approaching more and more to the human
brain model, despite the limitations still present.
NSC can be obtained through four main sources of cells, namely from embryonic
stem (ES) cells, induced pluripotent stem (iPS) cells and germinal areas of fetal and adult
brain, all of them being able to provide a potentially unlimited source of cells for various
cell-based therapies, not only for neurodegenerative diseases also for spinal cord injuries,
post-stroke and even anticancer therapy.
Keywords:in vitro neurogenesis, neural stem cells, neuronal differentiation,
3 ÍNDICE GERAL
Lista de Abreviaturas ... 4
Introdução ... 6
1. Sistema Nervoso ... 7
1.1 Componentes do Sistema Nervoso ... 7
1.1.1 Neurónio ... 7
1.1.2 Neuroglia ... 9
1.2 Desenvolvimento Neural e Regeneração ... 10
1.2.1 Sinalização ... 11
2. Neurogénese ... 13
2.1 Células Estaminais Neurais ... 14
3. Doenças Neurodegenerativas ... 16
3.1 Doença de Alzheimer ... 16
3.2 Doença de Huntington ... 17
3.3 Doença de Parkinson ... 18
3.4 Esclerose Lateral Amiotrófica ... 19
4. Neurogénese in vitro ... 20
4.1 Fontes de Células ... 21
4.2 Diferenciação Neural in vitro ... 25
5. Aplicações Biomédicas ... 29
5.1 Aplicações na DA ... 29
5.2 Aplicações na DH ... 31
5.3 Aplicações na DP ... 32
5.4 Aplicações na ELA ... 34
5.5 Outras aplicações ... 35
6. Perspectivas Futuras ... 38
4
APP Amyloid precursor protein– Proteína precursora amilóide
BDFN Brain-derived neurotrophic factor– Factor neurotrófico cerebral
BMP Bone morphogenetic protein – Proteína morfogénica óssea
BLBP Brain lipid-binding protein –Proteína cerebral de ligação dos lípidos
BP Basal progenitor – Progenitor basal
CN Crista Neural
DA Doença de Alzheimer
DH Doença de Huntington
DP Doença de Parkinson
EB Embryoid body– corpo embrióide
EGF Epidermal growth factor– Factor de crescimento epidérmico
ELA Esclerose lateral amiotrófica
ES Embryonic stem – Estaminal embrionária
FGF Fibroblast growth factor – Factor de crescimento de fibroblastos
GFAP Glial fibrillary acidic protein - Proteína acídica fibrilar glial
h-ESC Human Embryonic Stem Cell – Célula estaminal embrionária humana
HTT Huntingtina
iPS Induced pluripotent stem– (Célula) estaminal pluripotente induzida
L-dopa Levodopa
LIF Leukemia inhibitory factor– Factor inibitório leucémico
NEP Neuroepithelial progenitor – Progenitor neuroepitelial
NGF Nerve growth factor – Factor de crescimento nervoso
NSC Neuro Stem Cell –Célula Estaminal Embrionária
PA Progenitores adultos
PS1 Presenilina 1
PS2 Presenilina 2
RA Retinoic acid– Ácido retinóico
RG Radial glia – Glia radial
SC Stem Cell –Célula estaminal
SFEB Serum-free embryoid body (culture) – Cultura de corpos embrióides em
5 Shh Sonic Hedgehog
SN Sistema Nervoso
SNC Sistema Nervoso Central
SNP Sistema Nervoso Periférico
TGF Transforming growth factor–Factor Transformador de Crescimento
VEGF Vascular endothelial growth factor – Factor de crescimento celular
endotelial vascular
ZSG Zona Subgranular
6 INTRODUÇÃO
Desde os tempos da Grécia Antiga (século IV A.C.) que se acredita que o cérebro está
envolvido não apenas na área sensorial, mas também no que diz respeito à inteligência
(Bear, Connors, & Paradiso, 2015).
Apesar de Theodor Schwann ter proposto a teoria celular em 1830, foi apenas no
século XX que a célula nervosa, o neurónio, foi reconhecida como a unidade básica do
sistema nervoso (SN) (Bear et al., 2015; Purves et al., 2004). A principal dificuldade dos
cientistas da altura era a necessidade em obter fatias de tecido cerebral muito finas, o que
se tornava muito complicado devido à sua consistência pouco firme. Isto foi ultrapassado
no início do século XIX com a invenção do micrótomo e a técnica de imersão de tecido
cerebral em formaldeído. Houve novamente um grande avanço em 1873 com a introdução
da coloração de Camillo Golgi com sais de prata que permitiu uma coloração selectiva de
certas células do tecido cerebral (Bear et al., 2015; Kandel, Schwartz, Jessell, Siegelbaum,
& Hudspeth, 2013).
No final do século XIX iniciou-se o debate sobre a unidade básica do sistema nervoso
com Golgi a afirmar que se tratava de um sistema de rede semelhante ao sistema vascular
e, por outro lado, Santiago Ramón y Cajal a argumentar que a comunicação entre
neurónios se fazia por contacto em vez de continuidade e que os neurónios eram células
independes. Este debate manteve-se até meados de 1950 e foi resolvido com a introdução
do microscópio electrónico, com um poder de ampliação muito superior, que veio
eventualmente dar razão a Ramón y Cajal (Bear et al., 2015; Kandel et al., 2013; Purves
et al., 2004).
Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos têm aberto novos horizontes para o
estudo científico do cérebro humano (National Institute of Biomedical Imaging and
Bioengineering, 2015) e à medida que o conhecimento nesta vasta área da neurociência
aumenta, surgem novos potenciais terapêuticos através da utilização da neurogénese e do
desenvolvimento neural in vitro para certas doenças, como por exemplo a possibilidade
de recorrer à neurogénese para o tratamento das doenças neurodegenerativas ou os
Sistema Nervoso
7 1. SISTEMA NERVOSO
O SN humano, como o de todos os mamíferos, está dividido em sistema nervoso
central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP) (Haines, 2013).
Os estudos de Cajal, de Golgi, e dos seus sucessores levaram a um maior consenso
de que as células do SN podem ser divididas em duas grandes categorias nomeadamente
as células nervosas (ou neurónios) e células de suporte chamadas células gliais, neuroglia,
ou simplesmente glia. Os neurónios são especializados na transmissão sináptica a longas
distâncias ao contrário da neuróglia, que não participa directamente na mesma mas, no
entanto, tem várias funções essenciais no desenvolvimento e no cérebro adulto (Purves et
al., 2004).
O SNC humano é uma estrutura altamente complexa composta por um grande
número de neurónios (1011) e um número ainda maior de células gliais (1012) (Kandel et
al., 2013), abrangendo o cérebro (hemisférios cerebrais, diencéfalo, cerebelo e tronco
cerebral) e a medula espinhal enquanto que o SNP inclui os neurónios sensoriais que se
estendem e ligam a receptores sensoriais na superfície ou em zonas mais profundas do
corpo, transportando a informação de e para o SNC (Purves et al., 2004).
1.1 COMPONENTES DO SISTEMA NERVOSO
1.1.1 NEURÓNIO
O neurónio é um tipo de célula altamente especializada e é o elemento celular
essencial no SNC. A organização celular base dos neurónios é semelhante às outras
células, mas distingue-se claramente pela sua especialização em comunicação
intercelular. Assim, apesar de existirem neurónios com uma grande variedade de
tamanhos e formas, a sua estrutura base é composta por um corpo celular, ou soma,
dendrites e axónio (Purves et al., 2004; Vander, Sherman, & Luciano, 2001).
O corpo celular é o centro metabólico da célula e contém os mesmos organitos
encontrados em todas as células animais: núcleo, retículo endoplasmático rugoso, retículo
endoplasmático liso, aparelho de Golgi e mitocôndrias. O corpo da célula origina várias
curtas dendrites e um longo axónio. O conjunto dos vários corpos celulares dos neurónios
constitui a substância cinzenta do SNC (Bear et al., 2015; Haines, 2013; Kandel et al.,
2013).
As dendrites são a maior evidência da especialização neuronal para comunicação
8
a recepção de sinais eléctricos de outros neurónios é a razão pela qual têm este nome
derivado da palavra grega para árvore (Bear et al., 2015; Kandel et al., 2013). Esta extensa
arborização das dendrites permite aumentar a área de superfície de recepção da célula e,
deste modo, aumentar a sua capacidade de recepção de sinais de uma grande quantidade
de outras células neuronais vizinhas (Vander et al., 2001).
Enquanto o corpo celular e as dendrites podem ser caracterizados como domínios
do neurónio aferentes, o axónio é responsável pela transmissão de informações neurais
(Squire et al., 2013). A parte do axónio mais próxima ao corpo celular em conjunto com
a parte do corpo celular onde o axónio se liga é conhecida como o segmento inicial e é
aqui que, na maioria dos neurónios, são gerados os sinais eléctricos que se propagam ao
longo do axónio ou, às vezes, das dendrites, a velocidades de 1 a 100 m/s. Os axónios
variam em comprimento, podendo estender-se em mais de 2 metros dentro do corpo sendo
que, comparando com o diâmetro do corpo da célula (50mm ou mais), a maioria dos
axónios no SNC é muito fina, tendo um diâmetro compreendido entre 0,2µm e 20µm.
Para aumentar a velocidade do potencial de acção, os axónios são envolvidos por uma
bainha de isolamento de mielina que é interrompida em intervalos regulares pelo nódulos
de Ranvier onde é regenerado o potencial de acção. Deste modo, um axónio pode
transmitir sinais eléctricos ao longo de distâncias que variam de 0,1mm a 2m (Kandel et
al., 2013; Vander et al., 2001). De forma semelhante à constituição da substância cinzenta,
o conjunto de axónios envolvidos em mielina, por sua vez, constitui a substância branca
do SNC (Haines, 2013).
O axónio principal pode ter ramificações colaterais ao longo do seu comprimento
e, perto das extremidades, tanto o axónio principal como os colaterais podem
subdividir-se ainda mais. Quanto maior for o grau de ramificação do axónio e de axónios colaterais,
maior será a esfera de influência do neurónio. Cada ramificação termina num axónio
terminal responsável pela libertação de neurotransmissores para as dendrites ou corpo
celular de outro neurónio (Vander et al., 2001). A célula nervosa que transmite o sinal é
chamada de célula pré-sináptica e a célula que recebe o sinal é a célula pós-sináptica,
separadas pela fenda sináptica onde ocorre a transferência sináptica. Na maioria das
sinapses, a informação sob a forma de impulso eléctrico é convertida no terminal num
sinal químico sob a forma de neurotransmissores que atravessam a fenda sináptica.
Seguidamente, na membrana pós-sináptica, este sinal químico é novamente convertido
Sistema Nervoso
9 1.1.2 NEUROGLIA
O termo “neuroglia” foi criado em 1859 por Rudolph Virchow e, assim como as
dendrites, tem na sua origem a palavra grega “cola” devido à convicção, na altura, que
estas células serviam fundamentalmente como material de suporte para manter a coesão
das células do SN (Kandel et al., 2013; Purves et al., 2004; Squire et al., 2013).
As células da glia excedem largamente o número de neurónios existentes no SNC
dos vertebrados, sendo o seu número entre 2 a 10 vezes superior (Kandel et al., 2013).
Este tipo de células, ao contrário do que se pensava no século XIX, tem uma variedade
de funções como o controlo do ambiente no qual os neurónios do SNC funcionam através
do transporte de nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurónios, a remoção de
resíduos, a manutenção do meio iónico dos neurónios, a modulação da taxa de propagação
do sinal nervoso, o controlo da absorção de neurotransmissores na fenda sináptica, e
também têm um papel significativo no auxílio da recuperação em caso de lesão neural e
no desenvolvimento neural (durante o desenvolvimento do SN a neuroglia não só orienta
a migração neuronal como também promove a formação de sinapses) (Haines, 2013;
Purves et al., 2004).
A neuroglia difere funcionalmente e morfologicamente do neurónio, uma vez que
não forma nem dendrites nem axónios. Embora sejam ambos originados a partir das
mesmas células embrionárias precursoras, a neuroglia, ao contrário dos neurónios, não
tem as mesmas propriedades de membrana e não é electricamente excitável, não estando
directamente envolvida na sinalização eléctrica. Estas células podem, no entanto,
comunicar-se directamente com os neurónios nas proximidades através de receptores
gliais e mecanismos de libertação de certos neurotransmissores (Kandel et al., 2013).
Existem três tipos de células gliais no SNC maduro: astrócitos, oligodendrócitos
e microglia. Os astrócitos, apenas presentes no cérebro e medula espinhal, têm uma
aparência de estrela, daí o prefixo “astro”. Uma das suas principais funções é manter um
ambiente químico adequado para sinalização neuronal, regulando a composição do fluido
extracelular do SNC através da remoção de iões de potássio e neurotransmissores em
torno das sinapses e sustentando metabolicamente os neurónios através do fornecimento,
por exemplo, de glucose e da remoção de amoníaco. No desenvolvimento do embrião, os
astrócitos ainda ajudam a estimular o crescimento dos neurónios através da secreção de
factores de crescimento. Os oligodendrócitos, também restritos ao SNC, têm como função
a mielinização dos axónios. No SNP, as células que elaboram mielina são as células de
10
SNP. Por último, a microglia tem uma função imunológica do SNC e constitui cerca de
1% da população de células do SNC (Haines, 2013). São células provenientes
maioritariamente de células precursoras hematopoiéticas e partilham muitas propriedades
com macrófagos encontrados noutros tecidos, como a remoção dos detritos celulares e a
segregação de moléculas de sinalização, particularmente uma vasta gama de citocinas
(Purves et al., 2004; Vander et al., 2001).
1.2 DESENVOLVIMENTO NEURAL E REGENERAÇÃO
Um dos maiores sucessos da biologia do século XIX foi a demonstração de Karl
Ernst von Baer que as etapas iniciais da embriogénese são essencialmente as mesmas em
todos os vertebrados (Larry W. Swanson, 2000). No embrião, o SNC e o coração são os
primeiros órgãos a diferenciar-se e as divisões básicas do SNC no início do
desenvolvimento também são comuns a todos os vertebrados (Squire et al., 2013).
As células progenitoras que formam o SN de vertebrados têm a sua origem
relativamente cedo, desenvolvendo-se a partir da parte dorsal da ectoderme que, durante
a gastrulação, cobre o exterior do embrião e recebe sinais da mesoderme (Ladher &
Schoenwolf, 2005; Squire et al., 2013). A placa neural é formada pelo espessamento da
parte dorsal da ectoderme. Durante um processo morfogenético complexo chamado
neurulação, as células da placa neural começam a enrolar-se e acabam por originar o tubo
neural formado por uma camada de epitélio pseudoestratificado chamada de
neuroepitélio, constituído por progenitores neuroepiteliais. O tubo neural estende-se
sobre a notocorda (mesoderme axial), flanqueado por mesederme pre-somítica que
formará sómitos, que por sua vez darão origem à derme, ao músculo, ao osso e à
cartilagem. As células progenitoras do tubo neural são as células precursoras neurais que
dão origem às células estaminais neuronais (NSC) com a capacidade de dar origem a
neurónios, astrócitos e oligodendrócitos (Götz & Huttner, 2005; Kandel et al., 2013;
Purves et al., 2004; Squire et al., 2013; Stuhlmiller & García-Castro, 2012).
Antes do nascimento é quando se dá a maior parte da divisão dos neurónios
precursores e depois do início da infância, os novos neurónios são formados a um ritmo
muito mais lento de maneira a substituir os que morrem. No entanto, os axónios que
tenham sido cortados podem reparar-se e recuperar as suas funções desde que o dano
tenha ocorrido fora do SNC e não afecte o corpo celular do neurónio. Após uma lesão que
Sistema Nervoso
11
por degenerar, mas a parte proximal do axónio ainda ligada ao corpo celular cresce e
consegue regenerar-se, ligando-se aos neurónios que tinha como destino anteriormente.
Uma vez que nos humanos as lesões da coluna vertebral regra geral esmagam o tecido
em vez de o cortar, ocorre apoptose com perda completa de função (Vander et al., 2001).
Hoje em dia, os investigadores estão a investigar hipóteses de proporcionar um
ambiente favorável à regeneração axonal no SNC uma vez que, ao contrário dos anfíbios
e dos peixes (Becker & Becker, 2014), os axónios do SNC dos mamíferos não se
conseguem regenerar após se terem danificado. A regeneração no SNC adulto requer a
sobrevivência do neurónio ferido e o crescimento do axónio danificado até ao alvo
neuronal original. Uma vez feito contacto, o axónio precisa de ser remielinizado e formar
sinapses funcionais (Horner & Gage, 2000). Assim, estratégias para regenerar neurónios
no SNC incluem transplante celular, acção de factores neurotrópicos que estimulam o
tecido neuronal, orientação axonal e remoção de inibição do crescimento, manipulação
de sinalização intracelular, pontes e substratos artificiais e modulação da resposta imune
(Brewer, Bethea, & Yezierski, 1999; Cheng, Cao, & Olson, 1996; MacDonald et al.,
1999; McTigue, Horner, Stokes, & Gage, 1998; Stichel & Müller, 1998).
1.2.1 SINALIZAÇÃO
A indução da crista neural (CN) durante a embriogénese envolve a mesoderme, a
camada de tecido existente por baixo da ectoderme, juntamente com a placa neural e a
parte da ectoderme que dá origem a tecido não neural. Isto é feito através de uma
combinação de sinais que modulam a expressão de certos genes, nomeadamente através
do ácido retinóico (RA), proteínas morfogenéticas ósseas (BMP) da família dos factores
transformadores de crescimento (TGF), factores de crescimento de fibroblastos (FGF) e
vias de sinalização Wnt, Notch/Delta e a molécula sinalizadora Sonic Hedgehog (Shh)
(A. Liu & Niswander, 2005; Purves et al., 2004; Stuhlmiller & García-Castro, 2012).
Cada uma destas moléculas é produzida por uma variedade de tecidos
embrionários, ligando-se aos receptores das células vizinhas. Um dos sinais, o BMP,
funciona como regulador negativo em vez de indutor positivo, isto é, a sua actividade
converte a ectoderme em epiderme e portanto a sua inibição é necessária à indução neural
(Ladher & Schoenwolf, 2005; Rogers, Moody, & Casey, 2009; Wilson &
Hemmati-Brivanlou, 1995). Alguns destes sinais não são libertados de maneira homogénea ao longo
12
de gradiente, formando uma polaridade no tubo neural em que o BMP e o Shh são
libertados a partir da parte dorsal e da parte ventral, junto à notocorda, respectivamente.
Por outro lado, o RA é libertado lateralmente pelos somitos (Bushati & Briscoe, 2012;
Chamberlain, Jeong, Guo, Allen, & McMahon, 2008).
Como resultado destas sinalizações ocorrem mudanças na forma, motilidade, e na
expressão de genes nas células alvo dando origem a células neuronais e gliais de
diferentes tipos. Como exemplo, o Shh é essencial para a diferenciação de neurónios
motores, bem como de algumas classes de neurónios e células da glia na parte anterior do
cérebro (Ericson, Morton, Kawakami, Roelink, & Jessell, 1996). O BMP é importante
para o estabelecimento da identidade de células dorsais da medula espinhal (Purves et al.,
Neurogénese
13 2. NEUROGÉNESE
A neurogénese, como a própria palavra indica, é o processo através do qual novos
neurónios são formados a partir de células progenitoras ou células estaminais (SC). Uma
SC é uma célula não diferenciada, pluri ou multipotente, com capacidade de proliferação,
auto-renovação, diferenciação num grande número de células funcionais maduras de
diferentes linhagens e de regeneração de tecidos (Potten & Loeffler, 1990).
Durante o seu desenvolvimento, as SC na zona proliferativa do cérebro em
desenvolvimento podem sofrer divisões simétricas, dando origem a duas células filhas
com destinos semelhantes, ou divisões assimétricas que dão origem a uma SC semelhante
à célula mãe e um percursor neuronal, o neuroblasto, que não vai sofrer mais nenhuma
divisão celular posterior. As divisões simétricas têm uma natureza proliferativa, cujo
objectivo é aumentar a população de células progenitoras antes do início da neurogénese
e mais tarde manter o número de precursores (McConnell, 1995). A duração desta fase
determina, então, a quantidade de percursores neurais assim como o tamanho do cérebro
(Rakic, 1995). Como os neurónios geralmente são incapazes de reverter no ciclo celular,
o ponto em que um precursor neuronal deixa o ciclo define a data de nascimento do
neurónio resultante (Kintner, 2002; Purves et al., 2004).
Antes do processo de neurogénese ocorrer, como já foi referido, o neuroepitélio é
apenas constituído por uma camada de células pseudoestratificada, na qual os núcleos das
células migram entre a parte apical e a parte basal enquanto o ciclo celular se processa.
Com a formação de neurónios, o neuroepitélio transforma-se num tecido com várias
camadas de células, e a camada mais apical de células contendo a maior parte de células
progenitoras é chamada de zona ventricular, sendo este o local primário da neurogénese
do SNC (Götz & Huttner, 2005; Hinds & Ruffett, 1971; Squire et al., 2013).
Tanto os neurónios do SNP como do SNC são formados a partir do tubo neural e
dobras do tubo neural. No entanto, as células do SNP destacam-se em primeiro lugar do
neuroepitélio, a partir da CN, e migram para os tecidos não neuronais em
desenvolvimento, onde irão formar as vias dos axónios periféricos. Enquanto isso, as
células percursoras do SNC começam a estabelecer as regiões do cérebro e da medula
espinhal que depois vão receber a informação sensorial do SNP e estabelecer circuitos
cerebrais (Squire et al., 2013).
No ser humano, a grande maioria dos neurónios neocorticais nasce entre a quinta
semana e o quinto mês de gestação, podendo atingir a uma taxa de 250 000 novos
14
neurogénese no cérebro de um mamífero adulto, mas algumas regiões restritas do cérebro
adulto mantêm a capacidade de gerar novos neurónios e onde estão presentes as NSC. É
o caso da zona subventricular (ZSV), localizada entre o ventrículo lateral e a parênquima
do estriado e cujo destino final é o bulbo olfactório nos roedores (Altman, 1969), e a zona
subgranular (ZSG) do giro dentado (Bayer, Yackel, & Puri, 1982; Bear et al., 2015; Götz,
2003; Grassi Zucconi & Giuditta, 2002; Lois & Alvarez-Buylla, 1994; Luskin, 1993;
Rakic, 1995).
2.1 CÉLULAS ESTAMINAIS NEURAIS
Como já foi supramencionado, as NSC são populações de células multipotentes
com capacidade de auto-renovação suficiente para fornecer os números de células
necessárias ao cérebro e têm a capacidade de se diferenciarem em neurónios, astrócitos e
oligodendrócitos (McKay, 1997). As NSC foram originalmente isoladas a partir da ZSV
em 1992 (Reynolds & Weiss, 1992).
In vivo, as NSC existem em nichos, ou seja, em microambientes multicelulares
que fornecem os factores necessários para manter a auto-renovação das células estaminais
e direccionar a sua diferenciação, regulando assim o equilíbrio entre a auto-renovação e
a divisão simétrica e assimétrica (Garcion, Halilagic, Faissner, & Ffrench-Constant,
2004).
Existem quatro tipos de NSC, ou progenitores neurais, que se podem distinguir no
cérebro: os progenitores neuroepiteliais (NEPs), glia radial (RG), progenitores basais
(BP) e progenitores adultos (PA). Os NEPs já foram mencionados anteriormente, são
células alongadas em contacto com a parte apical e basal da única camada do
neuroepitélio. Inicialmente dividem-se de forma simétrica com o objectivo de aumentar
o número de células progenitoras, sendo responsáveis pela primeira onda de neurogénese
no tubo neural, após a qual dão origem à RG e aos BPs (Conti & Cattaneo, 2010).
A RG é o tipo de célula principal no cérebro em desenvolvimento, servindo tanto
como progenitores neurais e como de suporte para a migração de neurónios
recém-formados. A RG expressa marcadores gliais, tais como o transportador de glutamato e
aspartato GLAST (Shibata et al., 1997), proteína acídica fibrilar glial (GFAP) (Xiuxin
Liu, Bolteus, Balkin, Henschel, & Bordey, 2006), apenas presente em humanos e
primatas, e a proteína cerebral de ligação dos lípidos (BLBP), também conhecida como
Neurogénese
15
apesar de serem capaz de gerar neurónios, células da glia e oligodendrócitos, é mais
restrito que o do NEPs, podendo dividirem-se tanto simétrica como assimetricamente
(Conti & Cattaneo, 2010).
Os BPs são precursores neurogénicos predominantemente presentes na ZSV do
telencéfalo em desenvolvimento, gerados inicialmente a partir dos NEPs e posteriormente
pela RG. Não têm contacto nem com a superfície apical nem com a basal do neuroepitélio
e podem passar por uma ou duas divisões simétricas, originando um ou dois pares de
neurónios. São, então, os progenitores neurogénicos que servem para aumentar a
produção de neurónios (Conti & Cattaneo, 2010).
Os PA são uma população de células neurais multipotentes presentes no cérebro
dos mamíferos adultos na ZSV e na ZSG e por isso são consideradas as células estaminais
adultas. Estas células provêm directamente da RG e têm como função manter a neuro e
glicogénese ao longo da vida adulta (Conti & Cattaneo, 2010). Os PA podem dividir-se
em dois tipos morfológica e funcionalmente diferentes. O tipo B, frequentemente
denominado de astrócito pelas características e marcadores semelhantes aos astrócitos,
como a expressão do GFAP e GLAST (Platel, Gordon, Heintz, & Bordey, 2009), está em
contacto íntimo com todos os outros tipos de células na ZSV. As células de tipo B, após
proliferação, originam as células de tipo C (Doetsch, Caillé, Lim, García-Verdugo, &
Alvarez-Buylla, 1999) que são progenitores transitórios em rápida divisão e que dão
origem às células tipo A, neuroblastos imaturos mas já diferenciados que depois migram
para o bulbo olfactório (Belluzzi, Benedusi, Ackman, & LoTurco, 2003; Conti &
Cattaneo, 2010; Kriegstein & Alvarez-Buylla, 2009; Lois & Alvarez-Buylla, 1994). As
células tipo B são as células mais importantes dos PA uma vez que são capazes de originar
novos neuroblastos quando há redução de neurónios (Doetsch et al., 1999; Doetsch,
16 3. DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS
As doenças neurodegenerativas com a doença de Alzheimer (DA), doença de
Huntington (DH), a doença de Parkinson (DP) e a esclerose lateral amiotrófica (ELA) são
provocadas por perdas de neurónios e células gliais do cérebro ou medula espinhal (S. U.
Kim, Lee, & Kim, 2013). Apesar das suas distintas manifestações clínicas, estas doenças
têm geralmente início na meia-idade ou nos últimos anos de vida, ocorrem quer como
uma doença hereditária ou esporádica e caracterizam-se pela agregação e deposição de
proteínas alteradas tanto intra como extracelularmente (Mayeux, 2003).
Como estas doenças são provocadas pela degeneração de um tipo de neurónios ou
num local especifico, como abordado já de seguida, a terapia celular, nomeadamente o
transplante, com NSC é uma possível estratégia obtendo-se simultaneamente um efeito
neuroprotector e regenerativo.
3.1 DOENÇA DE ALZHEIMER
A DA é caracterizada pela degeneração e perda de neurónios nos núcleos do
cérebro anterior basal, córtex cerebral, hipocampo e amígdala causando uma redução
significativa da actividade da acetilcolina-transferase. Ocorre também acumulação
extracelular de depósitos de placas de proteína β-amilóide e, intracelularmente, a
formação de emaranhados neurofibrilares ricos em proteína tau anormalmente
hiperfosforilada (Dickson, 2001; Haines, 2013; Hardy & Selkoe, 2002; S. U. Kim et al.,
2013; Mayeux, 2003; Phillips, Michell, & Barker, 2006; Tanzi & Bertram, 2005).
As causas da doença incluem diversos factores de risco como o consumo de álcool
e tabaco, a educação, exercício físico e mental (Lindsay et al., 2002; Merchant et al.,
1999; Stern et al., 1994), assim como mutações genéticas nomeadamente no gene da
proteína precursora amilóide (APP) no cromossoma 21, no gene presenilina 1 (PS1) no
cromossoma 14, sendo este o mais frequente, e no gene presenilina 2 (PS2) no
cromossoma 1 (Dickson, 2001; Rogaeva et al., 2001).
O início da doença manifesta-se pela perda de memória, podendo alguns doentes
apresentar também outra sintomatologia, como desorientação de visão espacial,
distúrbios de linguagem. Os doentes podem desenvolver também depressão e a doença
progride com o declínio das capacidades intelectuais evoluindo para comportamentos
Doenças neurodegenerativas
17
fiquem acamados, mudos e incontinente, totalmente inconscientes dos seus arredores
(Dickson, 2001; Haines, 2013; Mayeux, 2003).
Estima-se que em Portugal, a prevalência da demência se situava à volta dos
5,91% em 2013, aumentando consideravelmente com a idade, principalmente a partir dos
75 anos. Este valor equivalia a cerca de 160287 pessoas com demência no nosso país, e
sabendo que 50 a 70% são responsáveis pela DA, foi possível concluir que em Portugal
e em 2013, existiriam entre 80144 e 112201 pessoas com esta doença (Santana, Farinha,
Freitas, Rodrigues, & Carvalho, 2015).
Uma possível abordagem para esta doença é a diminuição dos níveis de proteína
β-amilóide no cérebro, sendo que há evidência experimental que indica que certas proteinases como a neprilisina (Eckman, Watson, Marlow, Sambamurti, & Eckman,
2003; Farris et al., 2003; Iwata et al., 2001), plasmina (Jacobsen et al., 2008; Melchor,
Pawlak, & Strickland, 2003) e catepsina B (Mueller-Steiner et al., 2006) podem ser
utilizadas como agentes terapêuticos.
Por outro lado, também se podem utilizar pequenas moléculas inibidoras da
acetilcolinesterase, como é o caso da tacrina, donepezilo, rivastigmina e galantamina,
com o objectivo de aumentar a concentração de acetilcolina (Ibach & Haen, 2004; Musiał,
Bajda, & Malawska, 2007; Racchi, Mazzucchelli, Porrello, Lanni, & Govoni, 2004;
Recanatini & Valenti, 2004).
3.2 DOENÇA DE HUNTINGTON
A DH é uma doença neurodegenerativa autossómica dominante cujo sinal mais
característico é a coreia (da palavra grega para “dança”), ou seja, movimentos
espontâneos, incontroláveis e involuntários, semelhantes a contracções que envolvem
várias partes do corpo. Apesar dos movimentos involuntários excessivos, os movimentos
voluntários dos doentes com DH são mais lentos do que o normal. Envolve também
alterações comportamentais, psíquicas e, por fim, a demência. As manifestações clínicas
geralmente surgem entre as idades de 30 e 50 e a doença progride cronicamente
terminando na morte cerca de 10 a 15 anos após o início da sintomatologia. Não existe
um tratamento para além dos cuidados paliativos sintomáticos como a triaprida e outros
fármacos neurolépticos (Bear et al., 2015; Mumenthaler & Mattle, 2006; Squire et al.,
18
Esta doença é causada pela perda de neurónios no corpo estriado e, em 1983, foi
descoberto o gene e proteína associados a esta patologia, a huntingtina (HTT) (Gusella et
al., 1983; Squire et al., 2013). Uma vez que tem uma causa genética, a sua prevalência
pode variar dependendo da população em estudo e é possível que continue a aumentar
como resultado de novas mutações, responsáveis por aproximadamente 10% dos casos
diagnosticados (Falush, Almqvist, Brinkmann, Iwasa, & Hayden, 2001). Na América do
Norte, Europa e Austrália a HD tem uma prevalência de 5,70 por 100 000 pessoas
passando para apenas 0,40 por 100 000 pessoas na Ásia podendo esta diferença ser
explicada pelos diferentes haplótipos dos genes envolvidos (Pringsheim et al., 2012).
3.3 DOENÇA DE PARKINSON
A DP é caracterizada pela degeneração de neurónios dopaminérgicos no sistema
nigroestriado. A perda de dopamina resulta num tremor característico e incapacidade de
controlar adequadamente o movimento. Os primeiros sintomas da doença, ocorrendo
normalmente por volta dos 55 anos de idade, são os tremores unilaterais em repouso assim
como a lentidão de movimentos simples (bradicinesia), incapacidade de locomoção
(acinesia), rigidez dos membros, etc. A doença pode também causar depressão, alterações
de personalidade, demência, perturbações do sono, perturbações da fala, e disfunção
sexual (Haines, 2013; Mayeux, 2003).
A causa desta doença ainda não se encontra totalmente esclarecida, mas
encontra-se associada a um conjunto de factores genéticos, tendo sido identificados vários genes
que contribuem para o seu aparecimento, assim como ambientais (Agid, 1991; Huang, de
la Fuente-Fernández, & Stoessl, 2003; Warner & Schapira, 2003). Apesar disto, a DP é a
segunda doença neurodegenerativa mais comum, depois da DA, afectando 1% da
população mundial com mais de 65 anos de idade e cerca de 5% com mais de 80 anos
(Behari, 1999). Na Europa, as prevalências variam desde 65,6/100 000 a 12500/100 000
(von Campenhausen et al., 2005) e em Portugal Continental, o Observatório Nacional de
Saúde, em 2005, apresentou uma prevalência autodeclarada de 0,3% (Branco, Nogueira,
& Contreiras, 2005).
Originalmente, o tratamento envolvia apenas a administração de levodopa
(L-dopa), um precursor da dopamina. Este tratamento aumenta a síntese de dopamina mas,
ao longo do tempo, vai perdendo eficácia. Hoje em dia, a terapêutica envolve a
Doenças neurodegenerativas
19
da L-dopa. Uma vez que a carbidopa não consegue atravessar a barreira
hemato-encefálica, o metabolismo da L-dopa é apenas diminuído nos tecidos periféricos e assim
torna-se mais disponível no SNC aumentando também o seu efeito no alvo terapêutico
(Haines, 2013; Mayeux, 2003).
3.4 ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA
A ELA, também conhecida como doença de Charcot ou de Lou Gehric, é uma
doença caracterizada pela degeneração e perda de neurónios motores no córtex cerebral,
bulbo raquidiano, tronco cerebral e medula espinhal. Geralmente afecta pessoas entre 40
e 60 anos de idade com maior prevalência nos indivíduos de sexo masculino. Esta doença
conduz ao enfraquecimento muscular e os sintomas iniciais podem incluir espasmos
musculares, cãibras ou rigidez, fraqueza muscular unilateral em que os doentes começam
a sentir dificuldade em caminhar ou correr, fala arrastada ou dificuldade em mastigar ou
engolir. Estes sintomas eventualmente conduzem à morte dentro de 5 anos após o
aparecimento da patologia (Cleveland, 1999; S. U. Kim et al., 2013; Mayeux, 2003;
Rowland & Shneider, 2001).
Embora as causas da ELA ainda não sejam totalmente conhecidas, é possível que
seja causada pelo aumento do stress oxidativo, principalmente através de mutações no
gene da enzima superóxido dismutase 1 (SOD1), provocando desorganização dos
neurofilamentos, disfunção mitocondrial, agregação de proteínas e excitotoxicidade
mediada por glutamato, e resultando eventualmente em apoptose celular (Rosen et al.,
1993; Rowland & Shneider, 2001).
Em comparação com a DA e a DP, a ELA é rara. Na Europa ocorrem apenas cerca
de 2.1 novos casos por 100 000 pessoas, não havendo dados concretos para Portugal.
(Chiò et al., 2013; Logroscino et al., 2010).
Ainda não há um tratamento eficaz para a ELA mas o composto anti-excitotóxico
riluzol actua ao nível dos terminais glutamatérgicos impedindo a libertação do glutamato
e conseguindo assim aumentar a sobrevivência em cerca de 3 a 5 meses em humanos
(Bensimon, Lacomblez, & Meininger, 1994; Carlesi et al., 2011; Chamberlain et al.,
20 4. NEUROGÉNESE IN VITR O
Devido à sua multipotência, capacidade de auto-renovação e diferenciação em
neurónios, astrócitos e oligodendrócitos (McKay, 1997) a obtenção e o estudo das NSC
in vitro tem todo o interesse pelas possíveis aplicações biomédicas daí resultantes.
As primeiras culturas neurais foram realizadas no início do século passado quando
Harrison obteve neurónios migratórios a partir de culturas de células embrionárias de sapo
(Harrison, 1907). Após terem sido inicialmente isoladas por Temple em 1989 a partir de
SC do cérebro anterior do rato produzindo neurónios e células gliais em cultura (Temple,
1989) e a investigação para a obtenção das NSC a partir de células embrionárias (Lendahl,
Zimmerman, & McKay, 1990) e SNC adulto (Reynolds & Weiss, 1992) ter arrancado, as
NSC começaram a ser cultivadas in vitro em forma de agregados esféricos flutuantes em
suspensão chamados “neuroesferas”, que se propagam por divisões simétricas originando
novas NSC tendo também a capacidade de se diferenciar em neurónios, astrócitos e
oligodendrócitos (Galli, Gritti, Bonfanti, & Vescovi, 2003; Reynolds, Tetzlaff, & Weiss,
1992; Reynolds & Weiss, 1992).
Apesar de culturas de neurosferas terem sido fundamentais para o estudo das
propriedades das NSC, elas representam um ambiente artificial bastante diferente do meio
natural destas células, induzindo, assim, as NSC a agirem de maneira diferente do que in
vivo (Gabay, Lowell, Rubin, & Anderson, 2003). Apesar disso, estas culturas são
utilizadas para definir, por extrapolação, as propriedades das NSC in vivo (Marshall,
Reynolds, & Laywell, 2007).
Independentemente das NSC terem o potencial de se diferenciar em neurónios e
glia, é importante referir que nem todas as células que formam as neuroesferas são células
estaminais. Somente 10% a 50% destas células são capazes de reter as características
celulares de célula estaminal, enquanto as restantes são células que sofrem diferenciação
espontânea. Por conseguinte, um neuroesfera é uma mistura de NSC, diferentes células
progenitoras, e até mesmo neurónios e células gliais já diferenciadas, em número variável
que depende do tamanho da neuroesfera e do tempo na cultura. Essa variabilidade
deve-se à própria estrutura tridimensional que proporciona condições diferentes às células, por
exemplo, no centro da neuroesfera, onde é mais provável ocorrer diferenciação. É por
esta razão que as neuroesferas têm de ser sujeitas à dissociação mecânica e
re-plaqueamento sob as mesmas condições de crescimento, isto é, baixa densidade celular
(aproximadamente 5x104 células/cm2), ausência de soro, factores de crescimento
Neurogénese in vitro
21
substrato forte adesão celular (poli-L-lisina ou poliornitina). Tal como na cultura
primária, as células diferenciadas morrem rapidamente enquanto as NSC continuam a
proliferar, dando origem a várias neuroesferas secundárias e crescimento exponencial in
vitro. Deste modo, podem assim ser obtidas linhas celulares de NSC estáveis (Campos,
2004; Gritti, Galli, & Vescovi, 2001).
As culturas de neuroesferas têm, então, as suas limitações. Em primeiro lugar,
como já foi referido, são heterogéneas, contendo não só NSC mas também neurónios e
células da glia em diferentes estadios de diferenciação. Assim, as NSC dentro das
neuroesferas não são directamente identificáveis se não forem purificadas e isso pode
prejudicar ensaios analíticos neste tipo de culturas (Suslov, Kukekov, Ignatova, &
Steindler, 2002), havendo também variação entre as próprias culturas o que pode originar
diferentes resultados, ou mesmo resultados contraditórios, mediante diferentes
laboratórios (Morshead, Benveniste, Iscove, & van der Kooy, 2002). Finalmente, as
neuroesferas têm muito mais tendência a diferenciar-se em astrócitos do que neurónios
tanto in vivo como in vitro (Conti et al., 2005; Fricker et al., 1999; Morshead et al., 2002).
Em oposição às culturas de neurosferas, pode-se obter culturas de NSC em
monocamada através da exposição ao FGF e ao factor de crescimento epidérmico (EGF),
que permite a manutenção das células estaminais com capacidade para a neurogénese,
auxiliando a auto-renovação das células e actuando como meio de supressão de apoptose.
Estes dois factores inibem completamente a diferenciação em cultura aderente, por isso
as NSC dividem-se apenas simetricamente, permitindo uma elevada auto-renovação e
mantendo a capacidade de mais tarde se diferenciarem em neurónios, astrócitos e
oligodendrócitos (Conti et al., 2005).
Tanto as neuroesferas como as culturas de NSC em monocamada são utilizadas
para estudar as propriedades destas células in vivo (Cordey, Limacher, Kobel, Taylor, &
Lutolf, 2008; Marshall et al., 2007) mas ainda não é certo se há efectivamente uma
correlação entre ambas uma vez que tanto podem representar uma população real
encontrada in vivo como podem ser o resultado de uma reprogramação in vitro“forçada”
(Conti & Cattaneo, 2010).
4.1 FONTES DE CÉLULAS
As neurosferas e as culturas de NSC em monocamada podem ser obtidas a partir
22
do cérebro fetal e adulto, ZSV e ZSG (Conti et al., 2005; Onorati et al., 2010; Pollard,
Conti, Sun, Goffredo, & Smith, 2006; Weiss et al., 1996).
A utilização das células ES tem como vantagem a sua facilidade de obtenção a
partir dos embriões (Evans & Kaufman, 1981) e de manter a sua capacidade ilimitada de
diferenciação em todas as linhagens celulares (Keller, 1995; Nishikawa, Jakt, & Era,
2007; A. G. Smith, 2001; Thomson et al., 1998), tendo sido já demonstrada a capacidade
das células ES de rato expressar propriedades neurais (Bain, Kitchens, Yao, Huettner, &
Gottlieb, 1995) e darem origem a células neuroepiteliais (Tropepe et al., 2001) e certos
subtipos neuronais e gliais mais especializados, como os neurónios dopaminérgicos do
mesencéfalo (Fraichard et al., 1995; Kawasaki et al., 2000; J.-H. Kim et al., 2002),
neurónios motores (Wichterle, Lieberam, Porter, & Jessell, 2002), e oligodendrócitos
(Brüstle et al., 1999). As NSC de rato derivadas de células ES proliferam mais
rapidamente do que as NSC somáticas e em monocamada e, para além disso, também se
diferenciam nos tipos de células neurais com mais eficiência que as células somáticas,
produzindo mais tipos de células assim demonstrando um potencial mais abrangente
(Colombo et al., 2006). Outras vantagens são também a simplicidade de manutenção e
expansão in vitro assim como a possibilidade de manipulação genética, permitindo então
a criação artificial de diferentes linhagens celulares com marcadores específicos
(Nishikawa et al., 2007; A. G. Smith, 2001) e, por fim, as culturas in vitro deste tipo de
células facilmente atingem os 95% de pureza, crescendo em monocamada (Conti &
Cattaneo, 2010). No entanto, entre as suas desvantagens encontra-se o facto de poderem
formar teratocarcinomas devido à sua pluripotência (Stevens, 1970), o risco de rejeição
após transplante e a necessidade de recorrer à imunossupressão (Guillaume & Zhang,
2008), assim como as questões éticas inerentes à obtenção e isolamento destas células,
sobretudo no caso das células ES humanas (Jaenisch, 2004).
As células ES humanas (h-ESCs) depois de isoladas, mostraram possuir o
potencial para originar todos os tipos de tecidos de células do corpo (Reubinoff, Pera,
Fong, Trounson, & Bongso, 2000; Thomson et al., 1998), tendo sido desenvolvidas
técnicas para ser possível diferenciá-las de forma eficiente in vitro em células neuronais
progenitoras (Banda & Grabel, 2016; Carpenter et al., 2001; Kirkeby et al., 2012; Ozolek
et al., 2010; Reubinoff et al., 2001; S.-C. Zhang, Wernig, Duncan, Brüstle, & Thomson,
2001) e subtipos neurais e gliais (Muffat et al., 2016; Nistor, Totoiu, Haque, Carpenter,
& Keirstead, 2005; Piao et al., 2015; Sundberg, Skottman, Suuronen, & Narkilahti, 2010;
Neurogénese in vitro
23
qualquer célula neural, e oferecem um modelo in vitro para a examinação dos
mecanismos de indução neural e especificação de linhagens celulares ao longo do
desenvolvimento humano precoce (Guillaume & Zhang, 2008). No entanto, tal como as
células ES, há o problema da segurança que deriva da sua pluripotência, podendo originar
células e tecidos indesejáveis ou até mesmo formação de teratomas e cuja solução passa,
em ambos os casos, por direccionar as células para o destino neural (Ying, Stavridis,
Griffiths, Li, & Smith, 2003; S.-C. Zhang, 2003), sendo que a eliminação das células
indiferenciadas é também uma possível abordagem para aumentar o número de células
específicas em cultura (S.-C. Zhang et al., 2001).
As iPS são um tipo de células descrito pela primeira vez por Takahashi e
Yamanaka em 2006. Estes cientistas conseguiram pela primeira vez gerar células
pluripotentes partindo directamente das próprias células dos doentes, resolvendo deste
modo os problemas inerentes à utilização biomédica das células ES. Sabendo que as
células somáticas podem ser reprogramadas através da transferência do conteúdo nuclear
para oócitos anucleados (Gurdon, 1962; Wilmut, Schnieke, McWhir, Kind, & Campbell,
1997) ou a partir da sua fusão com células ES (Cowan, Atienza, Melton, & Eggan, 2005;
Tada, Takahama, Abe, Nakatsuji, & Tada, 2001), eles supuseram que ovos não
fertilizados e células ES continham factores que podiam ser capazes de induzir ou
totipotência ou pluripotência a células somáticas. São vários os factores de transcrição
que contribuem para a manutenção da pluripotência tanto nos embriões como em células
ES em cultura, incluindo o OCT3/4 (Nichols et al., 1998; Niwa, Miyazaki, & Smith,
2000), Sox2 (Avilion et al., 2003) e Nanog (I. Chambers et al., 2003; Mitsui et al., 2003),
assim como o STAT3 (Matsuda et al., 1999; Niwa, Burdon, Chambers, & Smith, 1998),
ERas (Takahashi, Mitsui, & Yamanaka, 2003), Myc (Cartwright et al., 2005), KLF4 (Y.
Li et al., 2005) e β-catenina (Kielman et al., 2002). Takahashi e Yamanaka (2006)
conseguiram demonstrar a indução de estado de pluripotência em células diferenciadas
tais como fibroblastos adultos ou embrionários, através da expressão forçada de quatro
factores: OCT3/4, Sox2, Myc, e KLF4. Um ano mais tarde, células iPS humanas foram
obtidas com um conjunto de genes ligeiramente alterado: Oct4, Sox2, Nanog e Lin28 (Yu
et al., 2007). Estas novas células, as iPS, apresentam morfologia, crescimento e expressão
de genes marcadores característicos das células ES (Takahashi & Yamanaka, 2006). Um
ponto positivo mais concreto para o tema desta monografia é o facto das células humanas
24
dopaminérgicos (Takahashi et al., 2007), o que as torna muito promissoras para a terapia
das doenças neurodegenerativas.
Do seu lado, as células iPS partilham algumas das vantagens com as células ES,
dado que partilham morfologia e modo de crescimento semelhantes. Estas células
também conseguem diferenciar-se in vitro nas três camadas primárias germinativas
(ectoderme, mesoderme e endoderme), as suas culturas in vitro atingem os 95% de pureza
e o crescem igualmente em monocamada (Conti & Cattaneo, 2010; Medvedev,
Shevchenko, & Zakian, 2010). Têm como benefícios adicionais o facto de serem
específicas para o doente em questão, uma vez que foram retiradas do próprio e portanto
não há grandes questões éticas associadas nem necessidade de imunossupressão
(Medvedev et al., 2010; Wernig et al., 2007). No entanto, o problema da formação de
teratocarcinomas mantém-se por causa dos factores utilizados para a obtenção destas
células (Duinsbergen, Salvatori, Eriksson, & Mikkers, 2009; Okita, Ichisaka, &
Yamanaka, 2007) e acrescenta-se o facto da reprogramação genética ser um processo
longo e ineficiente assim como possível de gerar anomalias genéticas, principalmente se
tiverem sido usados retrovírus (Medvedev et al., 2010; X. Zhao et al., 2009).
Se por um lado temos as células ES e iPS que são facilmente obtidas em grande
quantidade, as células adultas provenientes da ZSV e ZSG encontram-se em número
reduzido e são difíceis de expandir em laboratório (Murrell et al., 2013). São células
multipotentes (Gritti et al., 1996) e, ao contrário das ES e iPS, já estão predeterminadas
para destinos celulares específicos como o bulbo olfactório nos roedores já mencionado
anteriormente. In vitro, crescem em neurosferas e, por esta razão, a pureza das culturas é
baixa (Conti & Cattaneo, 2010; Gritti et al., 1996; Reynolds & Weiss, 1992).
A reprogramação directa de fibroblastos humanos em células iPS levantou a
questão na comunidade cientifica sobre a possível reprogramação directa destas células
em neurónios, utilizando uma abordagem semelhante. Em 2010 chegou-se à conclusão
que os fibroblastos têm também a capacidade de ser directamente reprogramados e
convertidos em neurónios por expressão forçada de três factores de transcrição
específicos da linhagem neural: Brn2, Ascl1 e Myt1l (Pang et al., 2011; Vierbuchen et
al., 2010) ou através da expressão de Mash1, Ngn2, Sox2, Nurr1 e Pitx3 (Xinjian Liu et
al., 2012) e, mais recentemente, apenas com o factor Ascl1 (Chanda et al., 2014). Estas
células podem formar sinapses funcionais e integrar-se nas redes neuronais pré-existentes
(Vierbuchen et al., 2010). Em 2011 foi demonstrado um novo método de obtenção de
Neurogénese in vitro
25
Estudos recentes demonstraram que, para além de fibroblastos, muitos outros tipos
de células somáticas são capazes de serem convertidas em neurónios funcionais, como é
o caso dos hepatócitos (Marro et al., 2011), gliomas nos quais há inibição da proliferação
de tumores tanto in vitro como in vivo (J. Zhao et al., 2012), adipócitos (Y. Yang et al.,
2013), células hematopoiéticas (Castaño et al., 2014) ou mesmo a partir das células de
urina, um método não invasivo (S.-Z. Zhang et al., 2016). Recentemente tem sido
demonstrada também a indução directa de certos tipos de neurónios através da
reprogramação de fibroblastos (Blanchard et al., 2015; Colasante et al., 2015; Z. Shi et
al., 2016; Son et al., 2011; Vadodaria et al., 2016).
4.2 DIFERENCIAÇÃO NEURAL IN VI TRO
A diferenciação neural in vitro é dificilmente controlada devido à grande
complexidade dos componentes do SNC e a dificuldade de reproduzir as condições
necessárias em laboratório (A. G. Smith, 2001) e existem vários protocolos, produzindo
resultados variáveis e heterogéneos que tentam mimetizar as diferentes fases do
desenvolvimento neuronal no embrião, desde a indução neural até a diferenciação final
em neurónios e células gliais.
Como as células ES são pluripotentes e facilmente se diferenciam nas várias
linhagens de células (Bradley, Evans, Kaufman, & Robertson, 1984; Gossler, Joyner,
Rossant, & Skarnes, 1989), a eficácia de conversão neural é limitada e normalmente é
necessário seleccionar a linhagem pretendida para assegurar a homogeneidade da
população de células pretendida (M. Li, Pevny, Lovell-Badge, & Smith, 1998). A
formação de populações neurais a partir de células ES foi inicialmente conseguida através
da formação de corpos embrióides (EB) na presença de RA (Bain et al., 1995) e, mais
tarde, foi demonstrada também a possibilidade da utilização de meios selectivos (Okabe,
Forsberg-Nilsson, Spiro, Segal, & McKay, 1996), de factores de crescimento em
agregados multicelulares na ausência de soro (Wiles & Johansson, 1999), ou em cultura
em suspensão, apesar de nesta a sua eficácia ser bastante baixa, rondando entre os 0,1 e
0,2% (Tropepe et al., 2001).
Em 2001 Zhang et al. demonstraram a formação de rosetas neurais com
características semelhantes ao tubo neural embrionário a partir de EBs na presença de
FGF2 (S.-C. Zhang et al., 2001). Em 2003 Ying e os colegas descobriram um método
26
monocamada e com FGF, na qual a eliminação de certos sinais indutivos para destinos
alternativos, como é o caso do BMP, é suficiente para que as células se transformem em
precursores neurais (Ying et al., 2003).
Seguindo as passadas dos dois estudos anteriores, em 2005 Watanabe et al.
utilizaram uma combinação das duas técnicas estabeleceram o método de cultura de EBs
em meio isento de soro (SFEB), obtendo percursores neurais do cérebro anterior com a
adição de indutores neurais específicos, como o Wtn e o Shh (Watanabe et al., 2005).
Elkabetz el al. basearam-se no método anterior e surgiu assim o método SFEBq que
permite a formação de rosetas ainda maiores e bastante alongadas com uma arquitectura
apicobasal, e baseia-se na utilização de FGF, Shh, ácido ascórbico e factor neurotrófico
cerebral (BDFN) em adição ao SFEB (Elkabetz et al., 2008). A aplicação deste método
permitiu o desenvolvimento tridimensional de certas regiões do cérebro tais como a
adenohipófise (Ozone et al., 2016; Suga et al., 2011), retina (Eiraku et al., 2011; Nakano
et al., 2012), cerebelo (Muguruma, Nishiyama, Kawakami, Hashimoto, & Sasai, 2015),
cérebro anterior (Kadoshima et al., 2013) e hipocampo (Sakaguchi et al., 2015). A
aplicação deste método na diferenciação das células iPS possibilita o estudo de patologias
neurológicas humanas (Mariani et al., 2012), tendo sido já utilizado para estudar as
alterações observadas durante o desenvolvimento que levam ao autismo (Mariani et al.,
2015).
Apesar dos progressos significativos com os métodos SFEB e SFEBq, a eficiência
da diferenciação ainda deixava muito a desejar, situando-se à volta dos 35% (Watanabe
et al., 2005). Chambers e os colegas criaram uma abordagem eficiente para a produção
de rosetas neurais directamente a partir de h-ESC através da inibição dupla da sinalização
SMAD, efectores a jusante dos TGF (Muñoz-Sanjuán & Brivanlou, 2002), conseguindo
deste modo atingir os 80% de diferenciação (S. M. Chambers et al., 2009). Através da
adição de RA é possível aumentar ainda mais a eficiência de diferenciação (95%) a partir
de células h-ESC e iPS (Y. Shi, Kirwan, Smith, Robinson, & Livesey, 2012).
Sato et al. revolucionaram o campo da formação de estruturas tridimensionais com
a utilização do matrigel, um gel matriz de suporte extracelular que fornece o contexto
ideal para as células se auto-organizarem em estrutura tridimensional, para a formação de
epitélio intestinal (Sato et al., 2009). A incorporação de culturas em matrigel juntamente
com SFEBq foi rapidamente aplicada para a formação de organóides cerebrais, formando
um tecido heterogéneo com uma variedade de identidades regionais e atingido o tamanho
Neurogénese in vitro
27
quando mantidos em bioreactor giratório (Kadoshima et al., 2013; Lancaster et al., 2013;
Zhu et al., 2013). Recentemente, a combinação do método de inibição dupla SMAD com
o SFEB mostrou capacidade para gerar tecidos com identidades neurais e gliais do córtex
dorsal num contexto tridimensional (Paşca et al., 2015) e a utilização da inibição dupla
SMAD com a incorporação em matrigel, juntamente com agitação permitiu a Qian et al.
estudarem os efeitos do vírus Zika no cérebro anterior. Estes cientistas utilizaram um mini
bioreactor que permitiu a redução dos custos, o aumento da produtividade e uma
sobrevivência celular melhorada podendo obter-se condições de cultura e potenciais
culturas de tecidos tridimensionais em larga escala (Qian et al., 2016).
Cada um dos métodos descritos, para além das suas muitas vantagens tem também
certas limitações sendo então necessário considerar as diversas variáveis em questão, tais
como a técnica e a escala de tempo necessárias para o método particular assim como a
especificação biológica necessária para o objectivo em estudo. Em primeiro lugar,
embora as três abordagens sejam exequíveis na maior parte dos laboratórios de cultura de
tecidos, algumas requerem equipamento especializado ou condições de cultura
complicadas. O primeiro grande obstáculo, o de estabelecer a cultura de células humanas
como uma prática de rotina, foi ultrapassado com o aparecimento de protocolos sem
alimentação tornaram o processo muito menos trabalhoso (Chen, Mallon, McKay, &
Robey, 2014; Ludwig et al., 2006). As rosetas podem ser cultivadas no equipamento
padrão com uma boa técnica de cultura estéril, tendo protocolos simples e com alta
eficiência (S. M. Chambers et al., 2009; Y. Shi et al., 2012). As culturas tridimensionais,
devido à sua complexidade, requerem também técnicas mais especializadas como um
meio rico em oxigénio (Eiraku et al., 2008; Kadoshima et al., 2013; Sakaguchi et al.,
2015) ou agitação (Lancaster et al., 2013; Qian et al., 2016). Em segundo lugar, os tecidos
neurais podem ser obtidos muito mais rapidamente com células de rato do que com
células humanas, isto é, enquanto que é possível obter células neuroepiteliais em cerca de
4 ou 5 dias (Eiraku et al., 2008) e neurónios 5 dias após a diferenciação (Ying et al., 2003)
quando se usa células de rato, a diferenciação das células humanas para células
neuroepiteliais demora entre 7 a 10 dias (S. M. Chambers et al., 2009; S.-C. Zhang et al.,
2001) e 20 dias para o aparecimento de neurónios (Lancaster & Knoblich, 2014; Y. Shi
et al., 2012). Por fim, o resultado final dos diferentes métodos têm complexidade e
heterogeneidade distintas, encontrando-se as NSC no espectro mais homogéneo mas
menos complexo (Pollard et al., 2006), sendo especialmente úteis para experimentação
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organóides cerebrais no espectro oposto, sendo tipicamente utilizados para testar
hipóteses específicas onde é necessária a análise morfológica (Cugola et al., 2016; Dang
et al., 2016; Mariani et al., 2015; Qian et al., 2016) e, portanto, requerem uma
Aplicações biomédicas
29 5. APLICAÇÕES BIOMÉDICAS
Uma vez que as doenças neurodegenerativas ocorrem por perda ou degeneração
progressiva dos neurónios e células gliais presentes no SNC e por lesões na medula
espinhal por trauma, a neurogénese in vitro oferece uma possível solução para a
recuperação destas células. Dada a correlação existente entre o aparecimento de doenças
neurodegenerativas e o envelhecimento da população, é necessário encontrar terapias
rápidas, eficazes e seguras para estas doenças. Neste momento, já há alguns bancos de
células que permitem que a comunidade cientifica tire proveito dos sistemas de células
ES e iPS para estudar as doenças neurodegenerativas (Wray et al., 2012).
Há dois principais desafios quando se trata de investigar terapias para estas
doenças. Por um lado, existem diferenças entre a espécie humana, para a qual queremos
obter a terapia, e as espécies utilizadas nos ensaios sendo estas incapazes de mimetizar
todos os aspectos da patologia no ser humano (Y. H. Kim et al., 2015). Por outro lado, os
neurónios podem ter aparência, desenvolvimento, comportamento e complexidade
diferente na cultura bidimensional e in vivo. Para contornar este último problema,
recentemente tem-se incorporado células ES e iPS em hidrogel ou matrigel, criando
sistemas de cultura tridimensional (Paşca et al., 2015; Puschmann et al., 2013; Schwartz
et al., 2015; I. Smith et al., 2015) para mais facilmente se estudar as doenças
neurodegenerativas, como a DA (Choi et al., 2014; Y. H. Kim et al., 2015). No entanto,
estas estruturas ainda não mimetizam completamente a complexidade do sistema cerebral
in vivo que incluem componentes que grande relevância durante a patologia e o
tratamento, como a barreira hematoencefálica, a vascularização e a resposta imune.
Assim, o interesse na criação de vascularização (Samuel et al., 2013; Takebe et al., 2013)
ou da barreira hematoencefálica a partir de células iPS tem crescido na comunidade
científica (Lippmann et al., 2012; Lippmann, Al-Ahmad, Azarin, Palecek, & Shusta,
2014; Lippmann, Al-Ahmad, Palecek, & Shusta, 2013; Minami et al., 2015).
5.1 APLICAÇÕES NA DA
Tem sido demonstrado que o transplante de NSC se correlaciona com uma
melhoria da função cognitiva em animais com DA ocorrendo um aumento da densidade
sináptica do hipocampo mediada pelo BDFN (Blurton-Jones et al., 2009; Xuan et al.,