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Academic year: 2021

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Qual a relação entre sintoma e sinthoma?

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Palavras-chave: sintoma, sinthoma, ato, último ensino.

Ondina Maria Rodrigues

Machado

Membro aderente da EBP-Rio, Mestre em Psicanálise IPUB/UFRJ, doutoranda em Teoria Psicanalítica IP/UFRJ

Introdução:

Este trabalho tenta delinear as possíveis relações entre o sintoma da primeira parte do ensino de Lacan com o sinthoma do último ensino. Para enfrentar esta questão podemos utilizar dois caminhos: 1- investigar esta relação dentro da obra de Lacan, 2- investigar esta relação no percurso de uma análise. Neste trabalho vamos nos dedicar apenas ao segundo ponto, que junto com o primeiro comporá parte de uma tese de doutorado sobre o tema.

A pergunta que nos guiará é: no sintoma que se apresenta no início de uma análise já há algo do sinthoma do final de análise?

Sobre o sintoma:

O sintoma é aquilo que se apresenta no início de uma análise endereçado ao analista sob a forma de uma demanda. Devemos precisar que desde Freud o sintoma não coincide exatamente com aquilo de que o sujeito se queixa. Uma queixa pode vir sob a forma de um desconforto somático ou psíquico. Dora2 foi levada a Freud porque se mostrava agressiva

com o pai, mas o que foi recortado por Freud como sendo o sintoma de Dora foi a tosse. Este foi o sintoma que Freud tomou para decifrar as ligações de Dora com o Sr. K, com a Sra. K e com seu pai. Na interpretação freudiana a tosse marcava a identificação de Dora 1 Texto originalmente publicado em Cadernos de Psicanaálise – SPCRJ, v. 20, n.23, 2004

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com um traço do pai que foi reatualizada na relação do pai com a Sra. K sob a forma, presumida por Dora, da relação sexual mantida entre eles: o fellatio. Este traço do pai estava presente na fixação pulsional de Dora, chupadora de dedo contumaz, o que caracterizava uma forma de gozo pela via oral. Foi este percurso pulsional que permitiu a Freud isolar a tosse como um sintoma, bem longe da queixa apresentada, para fazer dele um sintoma analítico a ser decifrado. No relato do caso, Freud nos indica que após a descoberta e a análise desta identificação ao pai e a relação apontada entre ela e a forma íntima de contato entre o pai e a Sra. K, o sintoma se dissipou, ou seja, a tosse cessou. Mas, pela via da interpretação, Dora teria abdicado desta forma de gozo?

O sintoma tem, na teoria freudiana, uma relação direta com a fantasia. Lacan nos esclarece que o sintoma é aquilo que envelopa a fantasia, o gozo que a fantasia comporta.

Podemos tomar o quadro apresentado por Lacan no Seminário 14 sobre A lógica da

fantasia3, associado ao que apresenta no Seminário 15, O ato analítico4, e verificar que a

fantasia vem como resposta à operação analítica. O quadro apresenta a experiência de uma análise. Ele parte do vértice onde, diante do ‘ou não sou ou não penso’ o sujeito faz uma escolha forçada pelo ‘não penso’ e perde o ‘sou’. No Seminário 15 Lacan diz que ao escolher não pensar o sujeito se afirma ‘sou’ pelo processo da alienação ao Outro. O sujeito toma do Outro este ‘sou’ e configura-o como um primeiro enunciado que está fundamentado no desconhecimento produzido pelo ‘não penso’. Do primeiro vértice parte um segundo vetor que não faz parte de uma escolha, mas a qual o sujeito é levado pelos

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seus próprios pensamentos, pela livre associação de idéias. Aqui o que está em jogo é a operação da verdade, é ela que vai produzir o ‘penso e não sou’ próprio ao inconsciente.

Sou,

não penso Não sou, não penso

Penso,

não sou

O quarto vértice aparece no Seminário 14 como a incógnita, aquilo a ser construído pela transferência. A transferência vai ligar os dois vértices: o ‘sou e não penso’ ao ‘penso e não sou’. A combinação dos resultados de cada operação – alienação, verdade e transferência – vai representar sua essência em um resíduo5. O resíduo que se deposita no

quarto vértice, tal como trabalhado por Brodsky6, é a fantasia. Não vou poder me estender,

remeto-os ao texto em referência, mas gostaria de apontar para as conseqüências desta articulação. Ao situar aí a fantasia, somente como construção de uma análise, não como atravessamento, podemos deduzir o sintoma.

$ ◊ a

5 LACAN, J. Outros Escritos, 2003, p. 324.

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O sintoma não aparece neste quadro, mas pode ser deduzido, já que a fantasia é o que o alicerça. Miller, no Percurso de Lacan, diz que o sintoma se situa na entrada em análise e a fantasia em seu final, apontando para uma oposição, já que no sintoma prevalece o significante e na fantasia prevalece o objeto. Porém, Miller reconhece que o objeto também está implicado no sintoma, mas que o privilégio é do significante7. Nesta

perspectiva temos que o sintoma é aquilo que da fantasia pode aparecer sob a forma significante. Foi por perceber isto que Freud tomou o sintoma como a expressão de um desejo recalcado no caso da histeria e como uma defesa contra o excesso de satisfação pulsional no caso da obsessão, entendendo-o como uma formação do inconsciente, portanto, portador de sentido e passível de interpretação.

O sintoma como formação do inconsciente deve ser situado com relação ao discurso do mestre. Lacan fez a equivalência do discurso do mestre com o discurso do inconsciente na medida em que ambos são agenciados por um significante-mestre: a marca de um significante que faz o sujeito desaparecer sobre ela.

S1 S2

$ 'a'

A entrada em análise está modelada justamente por esta representação do sujeito pelos significantes que o marcam. Podemos deduzir que esta entrada se faz pelo sintoma ‘formação do inconsciente’, onde o que se apresenta são os enredamentos simbólicos do sujeito, ou seja, o modo de relação deste sujeito com o Outro do simbólico.

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entre os enunciados superegóicos e o sujeito, possibilitar ao sujeito algum questionamento sobre suas identificações. Isto é operado pelo objeto 'a' em posição de dominância, lugar ocupado pelo analista no discurso do analista. Neste o que se privilegia é a fantasia e o final de análise8. A fantasia diz respeito a dois termos - o $ e o objeto 'a' – que são os mesmos

termos em jogo no discurso analítico – a –$ . Há, portanto, uma implicação direta do analista que faz semblante de objeto com o objeto da fantasia do analisando. Para Cottet9,

trata-se da mesma matéria prima: o analista como semblante de objeto tem como matéria prima o objeto da fantasia. Entendemos que por esta via o analista possa alcançar algo do gozo, do real do gozo.

'a' $

S2 S1

Desde a primeira consideração freudiana, a fantasia já se apresenta como algo que pode produzir prazer para o sujeito, enquanto o sintoma, pelo contrário, produz desprazer. A entrada em análise se dá justamente pela queixa com o desprazer provocado pelo sintoma; da fantasia ninguém se queixa. O sintoma como desprazer, sofrimento, é uma das condições para indicação de análise. Porém, não podemos deixar de considerar que também em Freud encontramos uma outra vertente do sintoma: como solução. Neste caso há a implicação da pulsão no sintoma, o que vai fazer com que o sujeito obtenha satisfação com ele. Esta satisfação é da ordem pulsional, portanto, compreende o objeto 'a', e é na medida em que sintoma e pulsão se articulam que o sintoma se torna resistente à interpretação.

Freud reconheceu esta impossibilidade de se retirar do sintoma toda a satisfação pulsional nele anexada e chamou a isto rochedo da castração. O que Freud tomou como um 8 MILLER, J-A. Percurso de Lacan: uma introdução, 1987, p. 98.

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limite, Lacan tomou como um desafio. É este desafio que ele enfrenta quando formula a hipótese do sinthoma e propõe o final da análise como um saber fazer com o seu sinthoma.

Sobre o sinthoma:

O sinthoma geralmente está associado ao final da análise, aquilo a que se chega após as operações de redução propostas por Miller no texto O Osso de uma análise10. A

questão, agora, é saber se o que resta, resta igual.

Primeiro vamos situar melhor o que chamamos de sinthoma. Esta é uma concepção lacaniana, até mesmo um conceito, que surge nos anos 70 quando Lacan, admirador de Joyce, toma a helenização que este propõe no Ulisses como inspiração e injeta grego no francês. Este seria o motivo pelo qual Lacan fez uma mudança de grafia, mas seria só isto, uma mudança de grafia o que está implicado do sinthoma? Não, a nosso ver. A grafia, para nós, vem marcar uma mudança bastante acentuada na concepção de sintoma, fruto dos desenvolvimentos produzidos ao longo de 30 ou 40 anos de ensino. O que é decisivo no conceito de sinthoma é o fato de que ele privilegia o gozo, o real, o incurável. Podemos destacar a Conferência Joyce, o sintoma11 como o ponto onde, ainda falando de sintoma,

Lacan já esboça o que, em seu seminário daquele mesmo ano, vai aparecer como sinthoma. Ele parte da observação de que Joyce faz alguma coisa surpreendente com aquilo do qual deveria se queixar ou mesmo delirar - a inoperância de seu pai. Lacan percebe que Joyce faz do seu modo de gozo um nome próprio. Ele se identifica com aquilo que o faz gozar. Esta é a característica do sinthoma. Ninguém pensa em um final de análise pela identificação ao sintoma, mas sim ao sinthoma, o que coloca uma distancia entre ambos 10 MILLER, J-A. O osso de uma análise, 1998.

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sem tirar-lhes a interdependência. Sem dúvida há algo do sinthoma no sintoma. O sinthoma está presente no sintoma, naquilo em que ele é tributário da fantasia.

Miller, em Os signos do gozo, reconhece que há uma nova definição de sintoma; que não se trata de substituir um pelo outro, mas sim de enfatizar que o sinthoma é mais que sintoma, pois nele temos um composto de symptôme e fantasia12. Este autor ressalta que

na nova definição está incluída a fantasia, portanto, o gozo, isto que não cessa de se escrever. Dentro da concepção do sintoma freudiano, e aquele do primeiro ensino de Lacan, tínhamos apenas a parte decifrável, a parte mensagem, a parte significante, mesmo com o reconhecimento que algo não cessava e era inatingível pela via da interpretação. Podemos reduzir ainda mais este composto se substituirmos o termo symptôme por significante e o termo fantasia por gozo ou por objeto de gozo. Com isto teremos que fazer operar algo para além da interpretação, algo que toque o real.

São as três operações de redução, tal como proposto por Miller em O osso de uma

análise13, que vão limpar a área e fazer surgir o sinthoma. A redução é a resposta de Miller

a como não deixar que uma análise se infinitize. Esta preocupação tem como base um problema teórico, o paradoxo entre os axiomas ‘o inconsciente é estruturado como linguagem’ e ‘o há gozo na fala’, que redunda numa oposição no próprio percurso analítico. A vertente significante tenderia a fazer com que a articulação significante proliferasse e a análise se tornasse interminável. A vertente gozo traria como problema o fato dele ser inalcançável pela interpretação. Para dar conta deste aparente paradoxo teórico, Miller apresenta a operação redução como o manejo possível ao analista para dar conta do que é 12 MILLER, J-A. Los signos del goce, 1998, p. 234-235.

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significante, mas também gozo. Esta operação mais geral se sub-divide em três outras: a repetição, a evitação e a convergência. Como tudo em psicanálise, não se tratam de momentos lineares e sim de operações lógicas. Vale lembrar que uma operação lógica não obedece a uma organização temporal, ela se impõe a cada momento como aquilo que é dedutível, mas não é explicável, ela é passível de demonstração, mas não de explicação.

Comecemos por entender para que serve a operação de redução em si. O desenrolar de uma análise, que se dá pela via da fala, funciona como uma espiral que tem como núcleo o objeto 'a', chamado por Miller, no texto citado, como o osso de uma análise. Esta espiral desenha um caminho que gira em torno de um ponto fixo, cada uma de suas voltas se aproxima deste núcleo, chegando mesmo a desenhá-lo, construí-lo14. Miller usa a operação

de redução mais próxima da matemática, que busca reduzir o tamanho das fórmulas para calcular o seu valor de verdade15. Não é diferente no processo analítico.

A regra da associação livre leva o analisante a contar fatos da sua história, mas observamos que nestes fatos se repete uma estrutura mínima que demonstra haver um lugar fixo para o sujeito diante do objeto. Por sua vez o objeto apresenta uma certa particularidade que se repete em todos os objetos aos quais o sujeito se liga. A isto Lacan chama de função, na acepção matemática do termo, ou seja, há certos pontos fixos onde se sucedem diferentes objetos que guardam entre si uma mesma propriedade – f(x). Ao falar o analisante vai mostrando que ponto é este no qual se posiciona como sujeito e, diante da variedade fenomênica, qual é a particularidade do objeto que está sempre presente. A este primeiro momento Miller chama de repetição, sobre a qual vai incidir a redução16. A

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operação analítica de apontar este ponto invariante já promove uma primeira redução: a série infinita de objetos se reduz a um traço presente em todos. A partir daí busca-se o primeiro elemento da série, “o protótipo composto das variáveis”17. A operação de redução

se encaminha logicamente para a operação da convergência18, onde o produto da associação

livre converge para alguns poucos enunciados essenciais. São eles que, em posição de S1, determinam as escolhas do sujeito. Tanto a operação de repetição quanto à operação de convergência operam uma redução simbólica, ou seja, o discurso do analisando é reduzido às formas simbólicas elementares. Já a terceira forma de redução, a operação de evitação19,

não trata das formas simbólicas, ela questiona a quantidade de investimento de uma dada representação. A questão que Miller apresenta é de saber porque tal enunciado tomou valor determinante para o sujeito, o que é o mesmo que perguntar porque este enunciado foi mais investido que os outros, saber de seu fator quantitativo. É para responder a isto que ele vai formalizar a operação de evitação caracterizando-a como uma redução ao real. Nesta redução o que opera é a lógica da contingência, aquilo que não obedece à lógica do necessário e do impossível, que não se configura como uma forma simbólica, portanto, não está sujeita ao não cessa de se escrever. O que está em jogo é saber porque a elucidação da repetição e a operação da convergência não dão conta, não modificam, o gozo fixado à articulação significante.

Para poder pensar esta vertente do percurso analítico é necessária uma inversão de perspectiva: no primeiro Lacan o significante tinha um efeito de mortificação do corpo, no

17 MILLER, J-A. O osso de uma análise, 1998, p. 48. 18 Idem.

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último ensino o significante vivifica o corpo20; antes o significante estava em disjunção com

o gozo, no último ensino, o significante é causa de gozo, sentido gozado. Assim, para operar a redução ao real precisamos entender que o “significante produz a libido sob a forma do mais-de-gozar, que o significante tem uma incidência sobre o corpo”21. Segundo

Miller esta incidência do gozo sobre o corpo Lacan chama de sintoma. Este sintoma não se limita a sustentar a fantasia, ele vai além, ele é o corpo vivificado pelo significante22. Aqui

o sintoma inclui a fantasia, mas também inclui o gozo naquilo que é inapreensível pelo significante. Brodsky23 trabalha a convergência recordando as referências feitas por Lacan à

série de Fibonacci. Nela é deduzida uma série convergente que vai dar no número de ouro. Segundo esta autora, o que interessou a Lacan foi o fato de que a série desemboca em um número irracional, isto é, um número que não pode ser reduzido a 1, possibilitando que se pense o objeto 'a' como aquele que não pode ser apreendido pela via significante. Se a operação significante não alcança o objeto de gozo qual o manejo possível para se conseguir a redução ao real? A resposta está no ato, definido como aquilo que impõe um limite ao gozo pelo modelo do salto do Rubicão: depois de saltar o pequeno córrego, César não é mais o mesmo, sem que para isto tivesse que emitir uma só palavra, apenas saltar. A dimensão do ato aponta para o caráter contingente e redutor da articulação significante, mostrando que para se chegar ao objeto 'a', os significantes não nos servem. Mas é preciso entender que se os significantes não servem para a operação de redução do real, foram eles 20 A vida é condição de gozo, porém, a vida transborda, está além do corpo, assim, só há gozo se a vida se

apresenta sob a forma de um corpo vivo. O corpo vivo não é o corpo simbolizado nem o corpo imagem, é o corpo que está afetado de gozo. Cf. MILLER, J-A. Biología lacaniana y acontecimiento del cuerpo, 2002, p. 25-26. O gozo do corpo está ligado ao significante, pois o significante determina o regime de gozo do falasser. Cf. MILLER, J-A. O osso de uma análise, 1998, p. 101.

21 MILLER, J-A. O osso de uma análise, 1998, p. 81. 22 MILLER, J-A. O osso de uma análise, 1998, p. 82.

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que criaram as condições de possibilidade para tal: as operações da repetição e da convergência.

Hipótese de relação:

A idéia do salto pode ser útil para entendermos de que se trata um final de análise dentro da perspectiva do último ensino de Lacan e articulá-la ao sinthoma. Vamos utilizar duas expressões que marcam esta perspectiva: o ‘saber-fazer’ e o ‘servir-se de’.

O salto foi dado, mas sobre que bases?

Lacan24 indica que uma análise bem sucedida prova que pode se passar do

Nome-do-pai desde que se saiba dele se servir. Ainda no mesmo Seminário Lacan diz que “não se é responsável senão na medida de seu saber-fazer”25.

Estas seriam as bases que possibilitam o salto. Vamos examiná-las.

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Ao servir-se do pai, sob a forma do saber articulado ao significante e do sujeito suposto saber, pode-se dispensá-lo. Depois de percorridas as redes simbólicas que determinam o sujeito, depois de isolado o ponto incurável pela redução ao real, chega-se a um limite do saber pela via significante. Este limite é o encontro com a consistência do objeto 'a', é um limite entre sintoma e objeto. A partir deste ponto o que restaria é da ordem da invenção. Poder servir-se do pai aponta para uma mudança de posição do sujeito: enquanto na fantasia ele é objeto de gozo do Outro, ao servir-se do Outro ele inventa um modo de gozo. A invenção dispensa o pai, dispensa a resposta do Outro ao “Che vuoi?”, porque o sujeito desistiu de buscar no Outro um saber sobre si mesmo, um saber suposto no Outro. Mas se a invenção dispensa o pai foi porque soube dele se servir, por isso a invenção de que se trata não é ex-nihilo.

O sinthoma é uma invenção no sentido de um modo novo de uso, mas não é uma invenção ex-nihilo. Como o diamante já está na pedra, como a escultura já está no mármore, o sinthoma está no sintoma em potência, porém, soterrado pelos significantes-mestres, os enunciados do supereu. Depois de feito o trabalho de redução, ele é novo em relação ao que anteriormente estava aparente, mas não é novo no sentido de que nunca esteve lá e foi criado pela análise.

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só podemos pensar no sinthoma como algo produzido no final de uma análise, ou seja, só ao final poderemos reconhecer ali uma potência. Esta articulação é coerente com a idéia do inconsciente tal como Lacan propõe no Seminário 11. Nele Lacan diz que o inconsciente é ético e não ôntico26, isto quer dizer que, quanto ao inconsciente, não se trata de saber se ele

é ou não, se ele tem ou não existência, mas sim de que o ato cria o inconsciente. Quando o simbólico emerge, ele cria o passado. Ele cria quer dizer que não estava lá, só pôde estar depois de lido.

Deste modo podemos até dizer que o trabalho analítico cria o sinthoma. A parte decifrável do sintoma, aquela que tem a possibilidade de ser dissipada pela interpretação, é a que forma as camadas mais externas da espiral a qual nos referimos anteriormente. A operação de redução ao real vai enxugá-la ao seu osso, ao objeto 'a', ou seja, vai reduzi-la ao seu ponto de fixação. Feita esta redução, caberia nos perguntarmos o que se faz com isto, que mesmo reduzido, não se extinguiu. A resposta seria justamente o saber-fazer com o sintoma.

Esta ‘solução’ é evidentemente paradoxal: como vamos lidar com o que restou a toda operação possível com o significante pela via do saber? De que saber se trata, aqui? Miller nos responde dizendo que não é um saber da ordem significante, anterior ao ato. Trata-se de um saber que só se sabe ao fazer, depois de feito. Novamente vamos nos utilizar da travessia do Rubicão. Neste caso não havia dificuldade em relação a saber como atravessar o Rubicão, a questão em jogo era se responsabilizar pelo ato de atravessar o Rubicão.

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Tomemos o final de análise e seu inevitável resto de gozo. O que fazer com ele? Se ele não pode servir ao discurso, ou seja, se ele não se conformou à redução simbólica, ele é um puro fazer sem significação, é um resto de libido. O que quer dizer puro fazer sem significação? É o mesmo que um saber sem Outro, um saber que não se acumula, um saber que só é sabido em ato. Justamente porque não se dirige ao Outro é um saber-fazer, um saber que não é antecipado por uma suposição, não é prévio ao ato.

Referências bibliográficas:

BRODSKY, G. Short story: os princípios do ato analítico. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004.

COTTET, S. Sobre o psicanalista objeto 'a'. Falo: Revista Brasileira do Campo Freudiano, n.1, p. 73-80, julho de 1987.

FREUD, S. (1905) Fragmento da análise de um caso de histeria. In:___. Obras

psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 1-119. (ESB, v. VII).

LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.

LACAN, J. O Seminário, livro 14: a lógica da fantasia. Notas de curso, 1966-67. LACAN, J. O Seminário, livro 15: o ato analítico. Notas de curso, 1967-68. LACAN, J. Joyce, o sintoma. Coimbra: Escher, AS, 1986.

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MILLER, J-A. Biología lacaniana y acontecimiento del cuerpo. Buenos Aires: Coleccion Diva, 2002.

MILLER, J-A. Los signos del goce. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1998.

MILLER, J-A. O osso de uma análise. Salvador: Biblioteca-Agente, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise – Bahia, 1998.

Referências

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