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CORPO E SOCIABILIDADE - MARCAS CORPORAIS, GÊNERO, SEXUALIDADE E RAÇA EM DIFERENTES CONTEXTOS DE SOCIABILIDADE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

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Academic year: 2021

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CORPO E SOCIABILIDADE - MARCAS CORPORAIS,

GÊNERO, SEXUALIDADE E “RAÇA” EM DIFERENTES

CONTEXTOS DE SOCIABILIDADE NA CIDADE DO RIO

DE JANEIRO.

Aluna: Aline Ferreira de Souza Orientadora: Sônia Maria Giacomini

Introdução

A corporalidade pode ser uma chave para acessar o conhecimento de um grupo e um caminho importante para entender uma cultura. Essa pesquisa realiza uma reflexão sobre o corpo enfocando-o em duas dimensões: a primeira trata do corpo tal como é representado por uma cultura, e a segunda o toma como vetor de conhecimento através da abertura produzida pela sensorialidade, pelos sentidos. Uma dimensão, portanto, leva em conta uma construção cultural, ao passo que a outra, determina a maneira como o corpo e o seu lugar ocorrem na nossa transformação em atores sociais, na medida em que somos enraizados no mundo.

Tendo como foco e inspiração as reflexões de alguns teóricos sobre essa temática simultaneamente a uma introdução em um olhar antropológico procurou-se identificar os significados corporais, marcas, signos que permitem interpretar as relações estabelecidas entre essas inscrições corporais e a sexualidade, gênero e raça em alguns contextos etnográficos, diferenciando os indivíduos; identificando como na sociedade contemporânea os atores sociais participam ativamente dessas intervenções, através de embates políticos que acionam certas marcas corporais.

Essa pesquisa investiga a relação entre corpo e sociabilidade, refletindo sobre como algumas marcas corporais são significativas e selecionadas entre muitas outras possíveis na conformação do que é visto como um corpo ideal e que geralmente tem grande efeito nas construções identitárias e na configuração de sujeitos coletivos. Parte-se de um entendimento do corpo como algo construído pela cultura, participando de maneira fundamental do processo de socialização (1), sendo a compreensão da maneira específica como tal processo ocorre um aspecto privilegiado nesse estudo.

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informação pela qual é estabelecida uma complementaridade ao indivíduo. A transformação em ator social depende de um acesso ao sistema simbólico, sobretudo, a um significado. Na verdade, torna-se um ator social quando há uma percepção de inclusão de valores de um determinado lugar, dentro de um sistema simbólico. O simbolismo pertence ao corpo e atravessa o corpo, transformando o indivíduo em ator social, moldando o corpo e o construindo. Entretanto, sem o corpo aberto, a sociabilidade não poderia existir, uma vez que o inacabamento causado pela ausência do outro, faz deste um estruturante do indivíduo. O inacabamento que o outro causa no indivíduo, faz com que a sua presença seja fundamental. O conceito que Le Breton (1) traz em sua discussão, refere-se ao laconismo corporal como uma comparação estabelecida entre a palavra, a linguagem e a expressividade corporal, uma vez que a gestualidade e a corporalidade são tidas como uma expressividade, não funcionando exatamente como uma linguagem. O sistema simbólico oferece uma capacidade de deciframento, sentidos e apreensão de sentidos, que decifram o outro no mundo a partir de códigos, sem os quais não há possibilidades desse deciframento. A comunicação não é dada, e para que ocorra é necessário um partilhamento de sistema simbólico, condição esta da própria possibilidade de comunicação. No sistema simbólico, a noção de tempo-espaço é fundamental, são determinadas estruturas fundadoras da comunicação, como o uso de mímicas, por exemplo, bem como a postura, os gestos, ou seja, são matérias de uma linguagem escrita no espaço e no tempo, que remetem a uma ordem de significações. Essa gestualidade prolonga os sentidos e os significados já oferecidos pela voz e palavra, onde a expressividade está sempre tida como uma expressividade corporal. Ela faz sugestões, apontando direções, sem nunca estar preso a significados.

Para que a expressividade corporal possa atuar como uma comunicação, deve existir um registro somático comum, onde se misturam percepções sensoriais, gestualidade, postura, etc. O autor acentua a simbólica corporal oferecendo a cada cultura uma forma característica de como se dá a especificidade da sua relação com o mundo, expressa no corpo. O modo como esse corpo está construído e como terá o registro somático comum é o que permitirá a comunicação. Esse registro somático comum está inserido em tudo o que envolve percepções sensoriais, gestualidades, mímicas, posturas. Le Breton diz sobre o individuo que habita no próprio corpo de acordo com as orientações sociais e culturais que o atravessa, voltando posteriormente a representá-las segundo a sua maneira e o histórico pessoal. Cada ser tem uma maneira de habitar seu corpo, incluindo todos os aspectos sociais e culturais, entretanto, são representadas de maneira única segundo cada indivíduo.

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Toda comunicação pressupõe códigos partilhados da linguagem, destacando a forma comunicacional, gerando o corpo imbuído, construído, sobretudo, ganhando formas expressivas.

Se o código estivesse dentro do indivíduo como algo natural, existiria, portanto uma única cultura, sem precisar do outro. A transformação em ser simbólico remete a uma inclusão social, numa interação com o outro e sua cultura. A relação com o mundo é mediada por símbolos e valores onde é dado significados as coisas.

Os autores estudados problematizam o corpo como lugar de crítica central colocando em foco as condições sociais e os atores sociais, transformando- o em elemento político. A reflexão da corporalidade é acompanhada de uma comparação diacrônica, uma comparação que possibilita relativizar, e assim, desnaturalizar. Trata-se do corpo como sujeito criador de um sentido antropológico, sendo um objeto de cultura, de um sujeito identificado pelo seu corpo, não se tratando mais de uma separação do sujeito e do corpo, mas sim, de serem ambos confundidos como um só.

A antropologia ajuda a pensar como o corpo pode ser visualizado em cada cultura, entendendo-o além da sua dimensão física, sobretudo, como uma construção cultural ligada a visões específicas do mudo. Pensar as singularidades culturais oferecidas pelas posturas, pré-disposições, humores, e manipulação de diferentes aspectos do corpo. Por isso pensar a cultura através do corpo é importante. Contudo, o significado que o cabelo remonta para cada indivíduo, assim como para cada grupo, possui um dado expressivo, entretanto, para a mulher negra, esse objeto de estudo, o cabelo, remete a uma luta contra o preconceito, e uma resistência ao padrão dominante onde a imposição se dá como um modelo a ser seguido. O cabelo está relacionado à trajetória de vida de cada mulher e das múltiplas identidades adotadas por estas. A partir da estética negra é possível compreender as relações étnico-raciais, assim como as escolhas individuais.

A abordagem de Karen Tolentino e Maria Clara Macellin, em “Manipulando cabelos e identidades: um estudo com mulheres negras em Santa Maria-RS” (2) refere-se às diferentes formas de manipulação do cabelo servindo para distinção de determinados grupos sociais, demonstrando o fato de o cabelo estar relacionado à história de vida das mulheres participantes do estudo.

Há no Movimento Negro um debate acerca da manipulação do cabelo, onde aquele que adota suas origens utilizaria a forma natural, entretanto, ainda que este movimento afirme não haver diferenciação, muitas mulheres que adota uma forma manipulada, sentem-se diferenciadas. As diversas justificativas para a manipulação do cabelo estão imbicadas em significados como classe social, estilo de vida, processo geracional, estética negra ou ao mundo do trabalho.

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cabelos “crespos”, como simbolizador da negritude, ou apenas moldado para uma melhor representação de cachos. De qualquer forma, observou-se um aprisionamento da mulher negra quanto à manipulação do cabelo, uma discriminação ao alisar ou um preconceito pela forma natural de deixar o cabelo, sobre todo caso, há uma ausência da mulher quanto ao modo como escolhe cuidar de si, mais especificamente, o cabelo, sendo este sempre uma pauta de debate. O importante a ressaltar neste aspecto, está no sentido atribuído ao que se denomina como "cabelo natural", uma vez onde sua definição varia de acordo com o local e grupo social onde está sendo discutido. Segundo o grupo de mulheres entrevistadas no estudo de Karen Tolentino e Maria Clara Mocellin, (2016) o "cabelo natural" relaciona-se a uma conscientização negra, onde o black power e as tranças, são consideradas símbolos da negritude. Essa estética capilar negra ganhou força e visibilidade também através do movimento negro, visando à valorização da negritude. O black power ganha força quanto as mulheres ao se apropriarem dele, ao compreenderem o sentido político e estético como um cabelo afro, oferecendo assim uma autoestima. Este penteado requer um entendimento referente ao que ele diz politicamente, lembrando que tal estética é alvo de preconceito. Há uma diversidade dos meios como universidades, blogs, músicas, movimentos e outros elementos, que reforçam a escolha do cabelo afro natural.

Geralmente as mulheres consideradas "alisadas" recorrem a esse tratamento no cabelo muito devido às exigências dos ambientes formais, uma vez que integrantes do movimento negro discursam contra determinada atitude, pois deixam de aderir ao “natural” para agredi-lo quimicamente. O tipo de cabelo “crespo” ideal, segundo o estudo das autoras, são os cachos definidos, frequente em integrantes do Movimento Negro. Percebe-se que a mulher na verdade tem a possibilidade de articular, negociar e experimentar as diversas formas de identidades, de acordo com seu ambiente, sendo, portanto expressado através das diferentes formas que se manipula o cabelo, sendo este o referencial.

As mulheres trançadas são minoria nos ambientes de sociabilidade negra, sendo tratadas como autenticas, uma vez que suas tranças atuam como uma marca da negritude. No ambiente de trabalho, o cabelo liso assim como o cabelo “crespo” com manipulação química, é aceitável por associarem a um cuidado feminino com a aparência. Todavia, destaca-se o fato de que o público feminino na verdade, manipula seu cabelo de modo que possam jogar com diferentes identidades. Há um ritual de “reafricanização” de uma estética focada na negritude nos ambientes de sociabilidade negra, onde adereços negros como turbantes, batas e colares aprimoram a imagem da mulher negra nesses lugares, sendo elementos como a música e a dança intensificadores do movimento e ritmo africano, acima de tudo, desta forma, o ritual trabalha com a interação entre os negros. Todavia, existem certas indicações que os lugares direcionam a um determinado figurino, nos espaços de sociabilidade negra, o sentido é de uma africanização, ao passo que o embelezamento para ambientes formais, o sentido é de atenuação aos detalhes negros a fim de adentrar no padrão estético dominante do local, atendendo a estes padrões estéticos.

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escolha de um parceiro negro, muito se diz de um compartilhamento de negritude e uma ancestralidade africana, onde neste caso, o cabelo atua como objeto de aproximação, sendo este comum a ambos. Por outro lado, mulheres cujo parceiro é branco, realizam manipulações químicas no cabelo devido a diferença capilar, e com isso, uma intenção de diminuir a diferença, aproximando da estética branca.

Metodologia

Buscamos nas leituras realizadas abordar diferentes formas de compreender o corpo. Adotando uma metodologia qualitativa, com a realização de observação participante em alguns eventos, como os seminários feministas, ocorridos na semana da mulher na PUC-Rio, foi observado o uso do corpo como expressão cultural de uma identidade negra por meio da dança, onde esse corpo que estaria caracterizado por um tipo de gestualidade – “gestos fortes” - é associado à liberdade. Nesse contexto, foi possível pensar esta dança como uma técnica corporal no sentido explorado em “As técnicas corporais” de Marcel Mauss (3) onde apresenta uma teoria a partir de uma exposição de discrição das técnicas corporais, pensando essas técnicas como ações específicas, sobretudo ressaltando o fato de ser exigida uma técnica a todas essas atitudes.

A argumentação de Mauss define como técnicas corporais as maneiras como os homens, sociedade por sociedade, sabem servir-se de seus corpos. Conforme os homens utilizam seus corpos, estes são construídos, de forma que o corpo é estabelecido como nosso primeiro instrumento, atuando como base aos demais, sendo assim, todos os demais instrumentos passa a imitar o corpo. Não é o corpo que usa instrumentos, pois ele é a conexão do sujeito no mundo, e assim, através dele nos enraizamos no mundo. A descrição pura e simples das técnicas corporais sempre parte do concreto ao abstrato, partindo da técnica tal como ela é, ou seja, de uma desnaturalização. As técnicas moldam o corpo, ordenam os movimentos corporais.

Ao fazer um movimento, seja através da gestualidade, corporalidade ou da técnica, faz- se uso de uma estética, produzindo uma imitação, pois não é uma natureza humana que cada um traz consigo, entretanto, uma imitação prestigiosa, pois se imita aquilo que mais se valoriza, empregando uma positividade, pois não é imitado o que não se prestigia. O fator do prestígio remete à natureza social da imitação a partir das técnicas corporais, pois não é imitada qualquer coisa. Existe aquilo que é inconsciente e aquilo que é imitado. Sobretudo, o elemento do prestígio fala de uma maneira profundamente social com um processo de incorporação das técnicas. O fundamental é o fato de exigir para toda técnica, uma aprendizagem, um ensino técnico, pois sua especificidade é o caráter para todas as técnicas, aprendendo estas através da descrição. O autor apresenta as técnicas corporais como ato tradicional que só tem sentido dentro de um grupo específico. Ao entender o corpo como simbolizado, entende-se, portanto, que os seres humanos são seres simbólicos, não separando a ideia de eficácia a partir de uma visão estritamente objetiva, separando assim, objetivo do subjetivo, numa ideia de restituir ao corpo uma dimensão simbólica.

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técnicas corporais, mostra estas como enraizadas no mundo social, presidido por valores. O ritual, categoria antropológica, pode ser percebido na ótica das técnicas corporais como procedimentos enraizados na vida social, e, portanto, atribuídas a valores. O social implica nas técnicas na medida em que se realiza, dentro de uma infinidade, especificamente uma técnica, considerando assim como uma imitação prestigiosa, que em sua maioria é inconsciente, todavia, em termos de corporalidade humana, quase tudo é uma imitação. Todos os sentidos estão abertos ao mundo, essas aberturas funcionam de diversas maneiras, possuindo diferentes significados. Uma mesma ação possui significados distintos, os atos tem uma conotação, são sociais porque são específicos, sendo partes do que se denominaria linguagem. A linguagem corporal é algo aprendido, dependendo de códigos partilhados onde a comunicação possa ser estabelecida. Dentro de uma sociedade, a maneira de se comunicar ocorre de modos distintos em diferentes grupos, utilizando de aspectos diferenciados do corpo, sendo como sinal distintivo, uma vez que o prestigio e as posições são diferentes.

O conceito de Habitus refere-se ao que funciona como algo mais intrínseco ao corpo, fazendo-se necessário um processo de desconstrução a fim de construir uma nova postura segundo outras técnicas. A construção social é uma construção de habitus, constrói- se o corpo na medida em que adquirimos o habitus. Este conceito é muito ligado à ideia de imitação prestigiosa, cujos valores estão presentes, classificando pessoas e coisas segundo determinadas referências. Trata-se em fundar o que seria a noção de natureza social do habitus como algo inscrito no social, variando não só entre indivíduos e suas imitações, como também de sociedade e suas implicações, conveniências, sobretudo, com os prestígios. A ideia de homem total é a composição do homem em todos os elementos: psicológicos, sociológicos e biológicos, sendo o corpo, uma síntese de todos os aspectos conjugados. Segundo Mauss, apura-se o social a partir do individuo.

O fato social existe no individuo, embora para Escola sociológica Francesa, os indivíduos contém parcialmente o social sem ser de forma completa, pois os indivíduos não são igualmente socializados, deste modo, o social é muito mais amplo do que cada um individualmente possa remeter. Para Mauss, o importante é o fato social vivido e sentido, e o fato social só pode ser vivido e sentido pelos indivíduos. Nesta abordagem do social, o indivíduo é importante. Não importa somente o fato registrado numa consciência coletiva ou tampouco numa memória corporativa, a questão do corpo vai estar presente justamente pelo corpo ser individual. Mauss pensa nas técnicas envolvendo uma construção corporal ligada ao prestígio, associadas à natureza moral do social nos indivíduos e no coletivo,

fazendo parte de um processo de socialização onde o habitus é estabelecido como o exigido e o adquirido. O que Mauss apresenta como uma ideia do natural associa-se ao corpo, não existindo "maneira natural" no homem. A própria ideia de técnica dialoga com o fato de não existir uma forma natural, uma vez entendendo-se não ser preciso aprender o que é tido como natural.

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congrega três dimensões presentes no corpo: o ato técnico, o ato físico e o ato mágico religioso. A natureza da técnica funciona como uma especificidade que requer uma tipologia das diversas maneiras de atuar. As partes do corpo possuem significados diferentes, conferindo um cuidado à determinada parte do corpo, atribuindo um sentido de ser aquela parte um ponto positivado dentro de uma cultura.

Tratando de fatores simbólicos, os ornamentos que foram trazidos à reflexão por Anthony Seeger (4), referindo-se à ornamentação de um órgão, relacionando ao significado simbólico desse órgão numa sociedade. Uma sociedade revela através das características que escolhe como diferenciação em relação à outra sociedade. Este entendimento fundamenta-se em seu artigo, onde demonstra como os objetos usados pelas tribos Suyá são considerados particulares justamente por se destacarem entre aos demais grupos com os quais mantém contato.

A audição e a fala são faculdades sociais fundamentais e são complementares, porque tanto os homens como mulheres e crianças são assim definidos socialmente. Aprender a falar é um valor fundamental, e um ato social definidor, onde a oratória, estabelece "fórmulas especiais" desempenhadas, de modo que a própria música Suyá é toda voltada para o vocal, assim como o cantar tem suas significação, pois é o máximo da expressão oral individual e coletivo. Para um homem adulto, há a importância do falar, cantar e orar como sendo imprescindível, pois isso está ligado à liderança da qual os deveres principais são coordenar o esforço grupal e resolver disputas através da oratória. Quanto à visão, esta deve estar distanciada do significado simbólico dos olhos, pois é algo que não é simbolicamente elaborado, porque não é a visão a elogiada, mas a sua acuidade. Ao tema da visão, existe a questão dos feiticeiros, pois é a eles atribuída uma extraordinária visão, onde uma pessoa só se tornaria feiticeiro quando seu feitiço invisível entrasse nos olhos, e isso só é possível se a pessoa for uma pessoa imoral.

As faculdades essenciais para os Suyá são os olhos e o nariz, e assim, elaboradas com ornamentos corporais. Os discos labiais estão relacionados à importância cultural que a audição e a fala representam aos Suyá, sendo associados à certa agressividade. Esses ornamentos são inseridos nos rituais de passagens e demarcam "status", as orelhas são

furadas por ambos os sexos quando estes apresentam seus primeiros sinais de atividade sexual, portanto, orelha e lábios indicam quando esses indivíduos estão imersos no contexto. O uso dos ornamentos corporais funciona como distribuição importante para grupos de sexo e idade. O grande teor desses ornamentos não está posto como meros objetos sem fundamentos, mas, carregam uma diversidade de sentidos que funda a coletividade e oferece a ela um prosseguimento, onde uma vez que as orelhas perfuradas são na verdade como um marcador comportamental, atingindo um comportamento ditos correto pela tribo. Estes ornamentos, é de fato um marcador por excelência do que é a cultura Suyá, são os estágios que cada indivíduo perpassa.

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do indivíduo, que é considerado como expressão mais profunda, autêntica e genuína da pessoa. A análise social de Bourdieu baseia-se no modo como os indivíduos revelam suas partes essenciais como aquilo que pouco se consegue modificar, e, portanto, aquilo que mais fala sobre eles.

Segundo o autor, corpo funciona como uma linguagem na qual, antes se é falado do que aquele que fala, falando sobre o indivíduo como um depoimento falado e registrado dessa forma perceptível. O corpo estabelece uma linguagem de “identidade natural”, ou melhor, como uma identidade social naturalizada. O que parecia como uma construção surge como natural, seja apresentada como vulgar ou como distinção natural. Naturalizada sobre forma de vulgaridade, no sentido de considerar como se o indivíduo fosse naturalmente vulgar, tendo uma forma perceptível onde supostamente revelaria o que há de mais profundo nele. E a distinção natural, algo naturalizado, são as marcas corporais tendo significados específicos ora de vulgaridade ora de distinção do corpo. Sobretudo, são sinais funcionando como marcas de vulgaridade ou distinção que se naturalizaram, sendo na verdade, identidades sociais corporais.

Na visão de Bourdieu, a construção corporal e a relação com o próprio corpo estão ligadas. A relação existente entre o indivíduo e o próprio corpo é uma maneira particular de experimentar a posição ocupada no espaço social. Através da relação com o corpo no espaço social é apresentada uma forma de experiência de distanciamento entre o que seria o corpo real e corpo legítimo. Entende-se como corpo legitimado o corpo modelo, tendo uma variedade de características encarnado na figura, na estrutura, na moda, na política e em diversos dispositivos da vida social. O corpo legítimo é determinado como um modelo ideal, existindo sempre uma distancia entre esse corpo real e o corpo ideal, sendo uma espécie de parâmetro através da qual se vive a experiência do próprio corpo. Quanto mais estiver afastado do corpo ideal, maior o desconforto tido na experiência com este. Sendo a distancia do corpo real e do corpo ideal não a mesma para todos, pois a relação com o corpo vai ser diferente para cada um justamente por conta dessa distância entre ambos os aspectos. Quem determina o belo ou o justo tem um poder simbólico de convencimento de acordo com seus valores sobre a adesão do outro.

As propriedades corporais são percebidas através de categorias relacionadas à forma como se dá a distribuição das classes de diferentes propriedades, como uma classe social dominante numa sociedade, impondo sua vontade como padrão geral. Desta maneira, o belo, o feio, o vulgar e o distinto produzem taxonomias a partir de índices mais recorrentes entre os dominantes e dominados, considerando o vulgar ou o distinto, o grosseiro, o sublime, o belo e o feio etc. A maneira como é elaborado a representação subjetiva do corpo e a própria disposição corporal são obtidas através de um sistema de classificação social.

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categorias de percepção, informando determinado formato corporal como feio ou belo. Bourdieu ressalta um poder tido, cuja eficácia se encontra na adesão. E se essas formas perceptíveis falam, supostamente, é o que se tem de mais essencial e profundo, mostrando o que é visto do corpo de uma maneira real. É demonstrada uma projeção de expectativa com relação às outras, conforme essas características se apresentam, ou seja, não é qualquer informação que é dada. Afirmando o quanto o corpo está imerso nas interações.

O corpo alienado é pensado por Bourdieu como uma experiência oposta ao bem estar. Quanto maior a distância entre o corpo real e o corpo ideal, maior a probabilidade da experiência do corpo como incômodo, constrangimento, em contraposição ao bem estar, reconhecimento e aprovação. A experiência do bem estar é uma espécie de indiferença ao olhar objetivo do outro. Entretanto, Bourdieu diz em todas estas experiências, onde estas são na verdade construídas, como não sendo naturais ou universais. Essas experiências com o corpo não estão desvinculadas de maneira alguma com o lugar onde se ocupa no espaço social.

A dominação do corpo e seus usos não exercem o seu efeito específico de possessão a não ser quando o efeito é desconhecido como tal. A vergonha corporal se dá quando reconhecemos aquilo como não aceitável dentro de determinado padrão. A aceitação é a própria aversão. O corpo real e o corpo legítimo são construídos a partir de esquemas de percepção. Em cada contexto esse esquema tem um conteúdo próprio.

É importante compreender a construção do cabelo como um sinal diacrítico, pois, havendo uma intervenção sobre ele e, através dele, as legitimidades e posições sociais estão em disputa. Deste modo, o tema do uso do cabelo, e seu significado na vida social através de uma narrativa etnográfica descritiva, a autora, Nilma Lino trabalha os símbolos do corpo e do cabelo como identidades negras (6), apresenta aspectos teóricos onde apropria- se de análises antropológicas a fim de fundamentar o entendimento direcionado ao estudo do significado do cabelo nesse contexto. A autora aborda o tema no contexto das relações sociais e raciais onde o cabelo “crespo”, assim como o corpo negro, possuem significados específicos por estarem situadas no centro do sistema de classificação racial.

Apreendendo aspectos do corpo e do cabelo como uma construção de representação social da beleza negra, há uma reflexão sobre o modo como o negro se vê e como é visto pelo outro, através da cor da pele e tipologia do seu cabelo. O cabelo “crespo” é pensado como uma revalorização, que ainda apresenta contradições e tensões ao processo identitário, entretanto, ressalta uma ancestralidade africana. A estética negra apresenta o cabelo e o corpo por meio da cultura, onde o cabelo “crespo”, assim como o corpo negro, funciona como suportes simbólicos de identidade, pois ambos constroem uma comunidade social negra, política negra, elemento cultural negro, ideologia negra, sobretudo, aspectos proporcionados por uma beleza negra. Deste modo, a autora justifica os aspectos do corpo e do cabelo como jamais sendo considerados aspectos puramente biológicos.

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no entendimento do corpo real e do corpo ideal, neste estudo Nilma apresenta no Brasil a existência do branco como um padrão ideal, em oposição ao negro, tido como padrão real. A questão aqui se direciona ao modo como esta tensão exprime o tratamento dado ao cabelo, onde antes de ser ligado à estética ou à vaidade, o aspecto identitário é maior.

O cabelo não funciona como um elemento neutro no conjunto corporal, e também não escapa de prováveis modificações pela cultura. Deste modo, o cabelo “crespo” é um sinal marcante da negritude nos corpos, a identidade negra como uma construção social é materializada, ou seja, corporificada. O significado do cabelo negro vem se modificando com o passar do tempo, e a existência de um espaço onde o principal objeto é o cabelo, os salões étnicos, é um atenuante desse conceito transformador, onde estabelecem uma

propriedade para ser debatidos assuntos de negros, e assim, o estigma social deste espaço passa a ser símbolo de orgulho. Neste ambiente ocorre uma reprodução de existência da comunidade negra.

Cada estabelecimento que trata do cabelo negro, possui sua própria forma e concepção em relação à estética negra, as divergências não são puramente profissionais, todavia, há o julgamento à denominação de uma "autenticidade étnica" como apresentação valorativa da negritude. Sobretudo, os salões étnicos apresentam-se no centro de uma luta política e ideológica, sendo aqueles pregadores de uma imagem positiva da negritude na sociedade, onde, de um modo ou de outro, alimentam ou intensificam uma identidade. A autora evidencia o “ser negro” no mundo ligado a uma dimensão estética, aparência corporal, à afirmação, acima de tudo, ao modo de estar no mundo e como se colocar nele, trazendo de volta as marcas africanas cuja identidade negra necessita destacar para apropriar-se no mundo. Considerando os conceitos estudados e leituras realizadas, compreende-se a atuação do cabelo como um objeto marcador da cultura estudada, onde não somente identifica uma estética identitária, como afirma e forja uma determinada aparência coletiva. O cuidado concedido ao cabelo revela a importância atribuída a ele na história e na luta negra. Alvo de preconceito, de diversas maneiras, a imagem capilar, nunca disse tanto quanto na contemporaneidade, participando das lutas de poder, fazendo parte dos jogos de poder. Abordar o tema do cabelo, nesse contexto, atualmente, é tocar na liberdade de cada indivíduo. O cabelo nunca foi tão pessoal e tão coletivo como nos dias de hoje. É sobre estas tensões que trata este estudo.

Referências

1- Le Breton, David. 2009. As Paixões Ordinárias. Rio De Janeiro, Ed. Vozes.

2- Pires, Tolentino Karen e Mocellin, Clara Maria. “Manipulando cabelos e identidades: um estudo com mulheres negras em Santa Maria-RS” Revista Africa e Africanidades-Ano 9- n21, Jan-abr.2016

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4- Seeger, Anthony. 1980 “O significados dos Ornamentos Corporais” In: Os Índios e Nós: Estudos sobre Sociedades Tribais Brasileiras. Rio de Janeiro: Editora Campus. 5- Bourdieu, Pierre.. 1977. Notas provisórias sobre a percepção social do corpo. In

Actes de la Recherche en Sciences Sociales, número14, avril, p.51-54

Referências

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