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PARTO HUMANIZADO NO BRASIL: violência obstétrica, tecnocracia e políticas públicas

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PARTO HUMANIZADO NO BRASIL: violência obstétrica, tecnocracia e políticas públicas

Elza Galvão Bergê Cutrim Duailibe1

RESUMO: Este artigo trata-se de uma pesquisa de revisão não sistemática de literatura, de natureza bibliográfica e discute a luta pelo parto humanizado no Brasil e as políticas públicas implementadas sob influência dos movimentos sociais tendo em vista a humanização do parto. Para tanto, discute a violência obstétrica e a tecnocracia como problemas a serem enfrentados. Concluiu-se que, ainda que lentamente, a luta dos movimentos tem colaborado na construção de políticas e programas direcionados à humanização do parto e diminuição da violência obstétrica. No entanto, as políticas constituem-se em um grande desafio, dada a complexidade do sistema de saúde brasileiro. Palavras-chave: Parto humanizado. Política pública. Violência obstétrica. Tecnocracia.

ABSTRACT: This article is about a non-systematic review of literature, of a bibliographical nature and discourse about the struggle for humanized childbirth in Brazil and public policies implemented under the influence of social movements with a view to the humanization of childbirth. To this end, it discusses obstetric violence and technocracy as problems to be faced. It was concluded that, although slowly, the struggle of the movements has collaborated in the construction of policies and programs directed to the humanization of childbirth and the reduction of obstetric violence. however, policies are a major challenge given the complexity of the Brazilian health system. Keywords: Humanized childbird. Public policy. Obstetric violence. Technocracy.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, o parto, que antes era majoritariamente domiciliar, passou a se dar especialmente em ambiente hospitalar, com adoção de procedimentos e técnicas que

1 Professora do Departamento de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Mestra em Saúde e Ambiente pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: galberge@hotmail.com.

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objetivam maior segurança para a mulher e o recém-nascido, acompanhando as mudanças sociais e os avanços tecnológicos na área médica.

Apesar dos aspectos positivos que estão relacionados ao avanço da obstetrícia, como a melhoria dos indicadores de morbidade e mortalidade perinatais e maternas, o aumento considerável de partos hospitalares com alta quantidade de intervenções médicas colaborou significativamente para uma mudança cultural tanto no que diz respeito às práticas e recomendações médicas quanto no que tange à própria assimilação por parte da sociedade de que as cirurgias cesarianas são a melhor opção.

Como resultado negativo, mulheres e bebês ficaram mais expostas a intervenções realizadas, muitas vezes, indiscriminadamente, favorecendo uma “mecanização” do processo de parto, com valorização da produtividade médica e hospitalar em detrimento das questões culturais, emotivas e assistenciais que permeiam esse momento, além do aumento de casos de violência obstétrica, sendo esta observada especialmente em partos normais.

Nesse sentido, o modelo de parto que se estabeleceu no Brasil consiste também em um espaço para a luta em prol de mudanças no âmbito da saúde da mulher, onde se deve considerar ainda sua relação com o capitalismo e neoliberalismo (observada no Sistema Único de Saúde e na saúde suplementar de forma geral) e as lutas que têm sido articuladas nesse sentido por movimentos diversos.

A atuação de movimentos de mulheres, organizações e sociedade em geral tem colaborado para que leis sejam promulgadas e políticas sejam implementadas com o objetivo de diminuir tanto os altos índices de cesarianas desnecessárias quanto os casos de violência obstétrica e desumanização no pré-natal, parto e pós-parto no Brasil.

O presente artigo trata-se de uma pesquisa de revisão não sistemática de literatura, de natureza bibliográfica, realizada utilizando artigos que tratam da temática em questão e pretende contribuir com o debate acerca da luta pelo parto humanizado no Brasil. Assim sendo, discutimos o modelo de parto no Brasil, especialmente no que concerne à violência obstétrica e à tecnocracia e evidenciamos a ligação de movimentos em prol da humanização do parto e as políticas públicas implementadas a partir de suas reivindicações.

2 A LÓGICA DO PARTO NO BRASIL: breves considerações históricas

A gestação, o parto e o nascimento são episódios permeados por significados diversos, que perpassam por questões sociais, culturais, econômicas, afetivas e, obviamente,

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biológicas. Antes do desenvolvimento dos hospitais e da medicina obstétrica como conhecemos hoje, era realizado em casa, com o auxílio de parteiras.

Quanto ao surgimento da obstetrícia, tal especialidade só foi implementada nas faculdades de medicina da Europa na primeira metade do século XIX, ainda que, segundo Martins (2004), os primeiros manuais de parto desse continente já tivessem sido escritos no século XVI, com base nos conhecimentos greco-romanos.

No final do século XIX, já com interesse na saúde reprodutiva das mulheres, os obstetras iniciam um movimento para que o parto fosse transformado em um evento hospitalar e controlado por eles, sendo que, em meados do século XX esse objetivo se efetiva (MAIA, 2010).

No que diz respeito ao Brasil, Brenes (1991) destaca a dificuldade enfrentada pela obstetrícia até o início do século XX devido à falta de maternidades, o que inviabilizava a prática médica. Assim sendo, a formação de obstetras era basicamente teórica naquela época. Segundo Martins (2004), o atraso no ensino oficial da medicina no Brasil teve por consequência uma imposição da autoridade médica somente às mulheres brancas e ricas, sendo que a maioria da população continuou fazendo uso das práticas tradicionais, baseadas no conhecimento indígena, africano e de povos imigrantes.

Nesse contexto e dadas as péssimas condições das maternidades no país, que eram pobres em estrutura e em higiene (BRENES, 1991), o atendimento médico domiciliar para o parto permaneceu limitado às elites e classes médias urbanas, sendo que as mulheres com poucos recursos recorriam às parteiras e as que viviam em miséria apelavam para os hospitais desestruturados, onde ficavam vulneráveis muitas vezes a infecções e maus tratos.

Segundo Nagahama e Santiago (2005), o predomínio do parto hospitalar no século XX, com a apropriação do saber médico, nesta área, culminou com o estabelecimento da medicalização do corpo feminino e do aumento gradativo de cirurgias cesarianas.

Enfatizamos que a cirurgia cesariana é um avanço importante da obstetrícia, que salvou e salva muitas mulheres e bebês ao longo da história no Brasil e no mundo e que trouxe mais segurança em casos de partos de risco. No entanto, ao mesmo tempo em que pode ser positiva, não pode ser recomendada para todas as situações, visto que também pode acarretar em riscos sérios e inclusive levar a óbito a mãe e/ou o bebê. Outra questão importante é que uma cirurgia cesariana implica também em mais intervenções tanto para a mulher quanto para o recém-nascido e tem transformado o cenário obstétrico brasileiro com base em medidas tecnocratas, com consequências preocupantes, que abordaremos a seguir.

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3 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E TECNOCRACIA NO PARTO

Como já mencionado, ao longo das décadas o parto no Brasil (e em diversos outros países) se transformou em um acontecimento hospitalar, permeado de intervenções médicas e tecnológicas. Considerando o contexto tecnocrata da saúde fica mais fácil entender um dos motivos que explicam a enorme quantidade de cirurgias cesarianas no Brasil, visto que o profissional de saúde das áreas de ginecologia e obstetrícia tem, muitas vezes, ocupado o posto de protagonista, que deveria ser da mulher.

A quantidade alarmante de cesarianas realizadas no Brasil fazem o país ocupar o segundo lugar2 mundial em percentual deste tipo de parto, com uma média geral de 57%,

enquanto que a recomendação dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de até 15%. É importante destacar que, quando analisamos a porcentagem na rede pública, as cesarianas representam 40% dos partos, enquanto que na rede privada o número sobe para espantosos 84% (ONU BRASIL, 2017).

Diniz (2005) apresenta alguns motivos pelos quais é possível explicar os altos índices de cesariana no Brasil, como, por exemplo, o histórico de ser uma cirurgia "dois em um", pois permite realizar também a esterilização da mulher. A autora defende que, atualmente, a escolha pela cesárea se dá mais por conveniência dos médicos, que podem agendar a cirurgia sem precisar ficar à disposição da gestante durante horas em um trabalho de parto, podendo ainda programar várias cesarianas para um mesmo dia, o que é bem mais lucrativo.

Outra questão problemática é a violência obstétrica no Brasil. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo no ano de 2010 demonstra o problema sério da violência obstétrica no país, indicando que 25% das mulheres que tiveram partos normais (nas redes pública e privada) relataram ter sofrido desrespeito e maus-tratos (VENTURINI; GODINHO, 2013).

Para Schraiber (2008), a obediência do paciente à autoridade do médico está fundamentada em uma relação de confiança que se estabelece entre estes. Assim sendo, a medicina tecnológica (que é a que hoje se apresenta) está cada vez mais dependente de suas tecnologias e do fetichismo que se formou em torno destas, enquanto que as questões morais e éticas se enfraquecem.

Aguiar e D’Oliveira (2010) analisam o contexto brasileiro no que tange à violência obstétrica e observam que a relação profissional-paciente (que não encontra equipamentos sociais disponíveis para sua reversão) é, por construção social e histórica, opressora e

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violenta e que a sujeição da paciente às decisões do profissional de saúde não se dá através de explicações sobre os procedimentos, tampouco mediante o consentimento por parte da mulher.

O medo de ter de enfrentar situações de violência faz com que, para a maioria das mulheres do setor privado, a cesárea eletiva seja uma escolha mais segura, sob influência do médico (DINIZ, 2005). Infelizmente, são as mulheres social e financeiramente vulneráveis as que são mais submetidas às humilhações e violências no momento do parto:

[...] estudos mostram que as mulheres são escolhidas para o treinamento de procedimentos como episiotomia, fórceps ou até mesmo cesarianas conforme o ordenamento hierárquico do valor social das pacientes evidenciando a existência de uma hierarquia sexual, de modo que quanto maior a vulnerabilidade da mulher, mais rude e humilhante tende a ser o tratamento oferecido a ela. Assim, mulheres pobres, negras, adolescentes, sem pré-natal ou sem acompanhante, prostitutas, usuárias de drogas, vivendo em situação de rua ou encarceramento estão mais sujeitas a negligência e omissão de socorro. A banalização da violência contra as usuárias relaciona-se com estereótipos de gênero presentes na formação dos profissionais de saúde e na organização dos serviços. As frequentes violações dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres são, desse modo, incorporadas como parte de rotinas e sequer causam estranhamento (DINIZ et al., 2015, p. 04).

Tal situação é corroborada pelo modelo da assistência à saúde no Brasil, visto que este é formado por serviços públicos e privados, o que acentua um problema social:

[...] o sistema híbrido brasileiro é uma marca de classe (rico/privado e pobre/ público), de forma que a distinção na produção de ações e serviços também se constitui como uma forma de diferenciação de status social. [...] A análise do modelo de assistência ao parto construído pela moderna medicina obstétrica ocidental desenvolvida a seguir permite mostrar que, no contexto de um modelo de assistência à saúde curativo e hospitalar como o brasileiro, o modelo tecnocrático de assistência ao parto encontra solo fértil para se legitimar de maneira quase absoluta (MAIA, 2010, p. 29).

Perante as críticas feitas à tecnocracia na saúde da mulher e aos dados alarmantes relativos à violência obstétrica e índice de cesarianas, dentre outros problemas, o Ministério da Saúde tem proposto nas últimas décadas (sob influência das reivindicações de vários segmentos que lutam por melhorias no parto e nascimento no Brasil), políticas e programas específicos na área, com o intuito, dentre outros, de estimular o parto normal e melhorar a assistência prestada durante o pré-natal, o parto e o puerpério.

4 A LUTA PELO PARTO HUMANIZADO E POLÍTICAS PÚBLICAS

As políticas públicas são formuladas a partir de questões e fatores que dizem respeito a conflitos de interesses e visões diversas sobre determinados temas e problemáticas emergentes, o que clama por negociações e barganhas em diferentes níveis (ARRETCHE, 2001). Assim sendo, os processos de formulação, implementação e avaliação de políticas

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públicas incluem diversos sujeitos sociais e suas reivindicações, contexto no qual o papel dos movimentos sociais é de suma importância.

Em se tratando das reivindicações e lutas direcionadas especificamente ao parto, é importante mencionar que, desde a década de 1960, no contexto internacional, o movimento de mulheres escolhe as relações de poder e lutas políticas no campo da reprodução como uma de suas pautas, tendo como principal reclamação a autodeterminação sobre o corpo e a sexualidade (DINIZ, 1997).

Segundo Carneiro (2011), no Brasil, desde os anos 1980 o feminismo discutiu sobre a saúde das mulheres com base na integralidade e na autonomia como condição de cidadania plena, até mesmo quanto à assistência ao parto, citando o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, movimento que enfatizou a dimensão política do parto, destacando a violência obstétrica e a aplicação exacerbada de tecnologias como limitadores da autonomia das mulheres.

No que diz respeito às políticas direcionadas à saúde da mulher, no ano de 1983, como descrevem Nagahama e Santiago (2005), sob a influência de movimentos sociais para que se efetivassem mudanças na política de saúde, das pressões dos movimentos de mulheres, que exigiam um tratamento integral de saúde e ainda das pressões internacionais para que países em desenvolvimento tivessem maior controle sobre o crescimento populacional, o Ministério da Saúde criou o Programa de Atenção Integral a Mulher (PAISM). O PAISM era inovador, pois não se voltava para a mulher apenas sob a ótica da maternidade, mas considerava a saúde feminina como um todo, tendo como prioridade a atenção primária e a integralidade da atenção à saúde (BRASIL, 1983).

Avançando para o início da década de 1990, ativistas pela humanização divulgavam como o modelo em termos de parto e nascimento o Brasil estava impróprio. Alguns hospitais já apresentavam ações humanizantes para parto e nascimento, como o Sofia Feldman, em Minas Gerais, por exemplo. Ratto (2001) destaca que Secretaria Municipal do Rio de Janeiro foi pioneira no ano de 1994 em termos de política pública, ao designar a Maternidade Leila Diniz como hospital-laboratório de novas práticas de atenção.

Nessa década o termo parto humanizado ganha mais relevância com a implementação do SUS e também como resistência e críticas ao sistema médico obstétrico vigente e como uma nova proposta de atenção ao nascimento, como explicam os trabalhos de Diniz (2005) e Rattner (2009). Foi nesse mesmo período, mais especificamente no ano de 1993, que surge a ReHuNa (Rede de Humanização do Nascimento), por meio da reunião de um grupo de profissionais da saúde insatisfeitos com a prática médica que tinha se tornado hegemônica no contexto do parto no Brasil (CARNEIRO, 2011).

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Precisamente no ano de 1996 a Organização Mundial de Saúde (OMS) faz recomendações a respeito das tecnologias para atenção ao parto e nascimento, com classificações de práticas médicas baseadas em evidências (RATTNER , 2009).

Rattner (2009) destaca também que, no ano de 1998, o Ministério da Saúde aumenta em 160% o valor da remuneração do parto vaginal e institui pagamento de analgesia de parto, com o objetivo de diminuir a taxa de cesarianas no SUS através da Portaria 2816/19983, que estipula crítica para pagamento desse tipo de cirurgia nos hospitais, sendo 40% para o segundo semestre de 1998, com previsão de alcance de 30% no ano de 2000.

É necessário destacar a atuação de movimentos como a ReHuNa, que sempre promoveu debates, eventos e publicações, tendo, inclusive, colaborado inclusive com a formulação da Lei 11.108 de 2005 (Lei do Acompanhante), visto que o projeto foi baseado em proposição do movimento (BRASIL, 2005a). . No entanto, ainda é grande o número de relatos de mulheres às quais foi negado esse direito, especialmente na rede privada (SOUZA; GUALDA, 2016). Também evidenciamos organizações como a Associação Nacional de Doulas (ANDO), a Rede Nacional de Parteiras Tradicionais e outras ONGs que atuam em âmbito local.

Diante da luta desses sujeitos sociais e da emergência de políticas e programas voltados especificamente à humanização do parto, foi criado o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), instituído no ano de 2000, pelo Ministério da Saúde através da Portaria/GM nº 569, de 1/6/2000, com a estratégia de garantir a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal e da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania.

O PHPN foi o primeiro programa com atenção especial ao tema “humanização do parto” (BRASIL, 2000). O referido programa apresenta como “objetivo primordial” assegurar melhorias tanto de acesso, quanto de cobertura e qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, “na perspectiva dos direitos de cidadania”, havendo responsabilidades nos três níveis de governo onde se criam elos de interdependência para a funcionalidade efetiva do programa.

Para Passos (2006, p. 145), a partir do momento em que fora transformada em política, a humanização se responsabiliza por “atravessar as diferentes ações e instâncias gestoras dos serviços de saúde e, nessa perspectiva, estar comprometida com as dimensões de prevenir, cuidar, proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, de produzir saúde”.

3 Essa portaria foi modificada pela Portaria 466/2000, que instituiu o Pacto Nacional pela Redução das Taxas de

Cesárea, compartilhando, com as gestões estaduais, a responsabilidade pelo monitoramento dos hospitais (RATTNER, 2009).

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No ano de 2005, o Ministério da Saúde instituiu também a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, objetivando o desenvolvimento de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-nascidos, promovendo a ampliação do acesso a essas ações, o incremento da qualidade da assistência obstétrica e neonatal, bem como sua organização e regulação no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2005b). A referida política também estabelece ajustes no PHPN, dentre elas mudanças referentes ao cadastro das gestantes, ao sistema de informações nacional, ao repasse de incentivos para os municípios, entre outras.

Apesar da política e do programa supracitados e ainda de outras ações, como publicações de cartilhas relativas ao tema do parto e nascimento no Brasil, a situação ainda é complexa, especialmente pela quantidade de cesarianas que ainda ocorre no país, além dos altos índices de violência obstétrica.

Porém, a formulação e implementação dessas ações relacionadas ao parto e nascimento, considerando aspectos como a humanização e a atenção dada à mulher, demonstram, entre outras compreensões, que há reivindicações por mudanças e urgência de intervenções e transformações nesse sentido. No entanto, há de se considerar que essas políticas e programas, a exemplo do próprio PHPN têm tido dificuldades em alcançar seus objetivos, especialmente no âmbito da qualidade da atenção prestada no Sistema Único de Saúde, como apontam alguns trabalhos realizados (SILVA; SECATTI; SERRUYA, 2005; TREVISAN, 2002; GONÇALVES et al. 2009).

Além do mais, como afirma Draibe (2003), em se tratando das políticas sociais o Estado passa a coordenar ações e não mais executá-las, direcionando-as para a população mais carente, com o intuito de ofertar somente o mínimo em termos de direitos essenciais, como saúde e educação, por meio de ações privatizantes e descentralizadas.

Para Bravo (2006, p. 100):

A proposta de Política de Saúde construída na década de 80 tem sido desconstruída com o avanço neoliberal. A saúde fica vinculada ao mercado, enfatizando-se as parcerias com a sociedade civil, responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise. A refilantropização é uma de suas manifestações com a utilização de agentes comunitários e cuidadores para realizarem atividades profissionais, com o objetivo de reduzir os custos. Nessa conjuntura, o projeto de reforma sanitária e o projeto de saúde (articulado com as exigências do mercado) entram em tensão e a saúde pública passa a ser utilizada somente por aqueles que não possuem condições de pagar por um plano de saúde privado, ou seja, pessoas em situação de vulnerabilidade social. Dessa forma, o Estado é desresponsabilizado de suas funções e o caráter universal da saúde é prejudicado (BRAVO, 2006).

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Um outro fator importante que não podemos desconsiderar é que esse panorama tem sido relacionado ao processo de privatização da gestão no SUS, com consolidação do capitalismo na saúde, refletindo na gestão dos serviços públicos e na organização dos processos de trabalho em saúde (PRATA; PROGIANTI; PEREIRA, 2012).

Para Iamamoto (2011), no que tange à mobilização popular diante do capitalismo, o desafio é entender a forma como o capital articula o processo de construção da realidade econômico-política e as diferentes lógicas e relações que foram produzidas no passado incorporando essa compreensão nas determinações do tempo presente.

Compreendemos que as políticas e programas mencionados constituem-se em um grande desafio, dada a complexidade do sistema de saúde brasileiro, o contexto econômico, bem como as particularidades regionais do país, os aspectos socioculturais, o conjunto histórico de determinantes que construiu as formas de gestar e parir no imaginário da população brasileira, a formação tecnicista dos profissionais de saúde e ainda o próprio conceito de humanização, que consiste em algo abrangente na área da saúde e das políticas públicas.

Mesmo ante a tal problemática, destacamos o importante papel dos sujeitos sociais que têm se mobilizado e reivindicado mudanças significativas nessa conjuntura através de um longo processo de lutas e enfatizamos a necessidade de uma continuidade de suas ações, especialmente diante da lógica neoliberal incorporada à dinâmica da saúde no Brasil.

5 CONCLUSÃO

Ao observarmos a conjuntura apresentada, nos é nítida a necessidade de aprofundar o estudo sobre políticas para o parto e nascimento no Brasil, especialmente ao percebermos a cultura tecnocrata que se formou em torno da humanização do parto, temática que tem relevância social e política e é historicamente marcada por situações contrárias a tal conceito, como a violência obstétrica, por exemplo, e alto índice de cesarianas não baseadas em evidências médicas.

Assim sendo, com base no em tudo que fora exposto, depreendemos que os movimentos sociais têm papel relevante no cenário social, para a cidadania coletiva e para a formulação de políticas públicas.

Como evidenciamos, vários programas foram formulados a partir da luta e das reivindicações dos movimentos sociais e organizações em defesa do parto humanizado e do reconhecimento de que a atenção ofertada às mulheres e bebês no momento do parto e

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nascimento não era adequada e não respeitava os direitos e desejos das parturientes, contribuindo para riscos à saúde e traumas psicológicos.

Concluímos que, ainda que lentamente, a luta dos movimentos tem colaborado efetivamente na construção de políticas e programas direcionados à humanização do parto e diminuição da violência obstétrica, no entanto, as políticas constituem-se em um grande desafio, dada a complexidade do sistema de saúde brasileiro, que envolve a formação tecnicista dos profissionais, bem como o contexto econômico do país, dentre outras questões que perpassam pelas particularidades regionais, socioculturais, e até mesmo o próprio conceito de humanização, que consiste em algo abrangente na área da saúde e das políticas públicas.

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