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Gênero e família nos países desenvolvidos

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Academic year: 2021

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G

ÊNERO

E

FAMÍLIA

NOS

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

G

ÊNERO

E

FAMÍLIA

NOS

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

A

NTONELLA

P

INNELLI

Introdução

O tema deste estudo são as relações entre gênero e família nos países desenvolvidos. Uma ampla reflexão sobre este tema foi feita há alguns anos em um seminário da IUSSP [União Internacional para o Estudo Científico da População, na sigla em inglês] e deu origem, em 1995, à publicação de um livro (editado por K. Oppenheim Mason e A. M. Jensen). Na introdução, afirmava-se, entre outras coisas, que “fazia falta um trabalho empírico e teórico sobre gênero e mudanças na família”. Acatando esta sugestão, o presente estudo contribui com uma reflexão teórica, um trabalho empírico original e um panorama das pesquisas publicadas sobre o assunto. Depois desta introdução, será apresentada a estrutura do estudo, junto com a estratégia de análise utilizada.

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A primeira seção contém uma discussão das teorias importantes para a análise das relações entre gênero e família, levando à conclusão de que ambos estão interligados, sendo as mudanças em um ligadas às mudanças na outra, e estando ambos sujeitos à força das mudanças sociais. A segunda seção contém uma descrição de mudanças recentes no comportamento familiar, as quais, na Seção 3, são relacionados com as mudanças no status das mulheres e nas diferenças de gênero, de um ponto de vista macro e na Seção 3.1, de uma análise geográfica-temporal enfatiza o papel do empoderamento das mulheres nas mudanças do comportamento familiar; na Seção 3.2, ilustro a história exemplar do empoderamento das mulheres suecas e seu compromisso com a construção de uma sociedade que é “favorável às mulheres” e “favorável à família”; na Seção 3.3, desenvolvo uma análise geográfica de uma amostragem do sistema de gênero e suas relações com o desenvolvimento e o comportamento da família, considerando um grande número de países e variáveis; na Seção 3.4, analiso um aspecto particular e significativo das diferenças de gênero, o emprego do tempo. Os dados elaborados até agora são agregados para os países e provêm de publicações internacionais.

Na Seção 4, o tema central do estudo é tratado de uma perspectiva micro, e elaboro os dados individuais da PFF (Pesquisa sobre Família e Fecundidade), um levantamento coordenado pela PAU-UNECE [Unidade de Atividades Populacionais-Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, na sigla em inglês] entre 1989 e 1997, em 22 países desenvolvidos: a análise enfoca os casais e compara famílias e o comportamento reprodutivo (Seção 4.1), a divisão de tarefas domésticas e o cuidado dos filhos (Seção 4.2) entre “casais tradicionais” (do ponto de vista das diferenças de gênero) e os “novos casais” (igualitários ou com diferenças inversas), para ver se o novo comportamento familiar está associado a diferenças de gênero menores.

Até aqui, as análises empíricas têm sido realizadas utilizando diversos métodos de análise fatorial que são, no entanto, exploratórios, o que torna possível obter panoramas de todo o conjunto de relações entre as variáveis e observar similaridades entre os países, mas sem aplicar uma divisão rígida entre grupos. Assume-se que os métodos são conhecidos, ainda que a informação metodológica essencial conste de notas breves, tornando possível a interpretação dos resultados, com referência à bibliografia para maiores informações. As análises referem-se a

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diversos países em cada ocasião, de acordo com a disponibilidade de dados, e a cada vez se cuidou de representar diferentes áreas sabidamente significativas. A mudança no número de países entre uma análise e outra mostra uma notável estabilidade nos grupos de países no nível macro, ao passo que surgem diferentes agrupamentos no nível micro, quando se utilizam os dados individuais. As similaridades culturais que aparecem no nível micro são ocultas pelas grandes diferenças econômicas e institucionais existentes entre os países.

Na Seção 5, a abordagem exploratória é abandonada em favor de uma abordagem causal, com uma revisão da literatura que discute se maiores recursos para as mulheres levaram a uniões informais, separações, a não ter filhos ou a ter um só filho. A situação das mulheres será comparada à dos homens. Finalmente, na Seção 6, a questão é invertida: o novo comportamento familiar (uniões informais, instabilidade das uniões) traz diferentes conseqüências para os dois gêneros? Por último, o estudo termina com as conclusões, tratando da questão das relações entre a diminuição das diferenças de gênero e as mudanças no comportamento familiar em quatro áreas críticas: a das instituições, a do mercado de trabalho, a do mercado matrimonial e a da negociação dos papéis de gênero. Ao longo de todo o estudo, há informação sobre dados, indicadores, métodos e perspectivas analíticas que podem ser empregados na análise das relações entre gênero e comportamento familiar.

1. Teorias sobre as relações entre família e gênero

No enfoque funcionalista da sociologia da família aplicado à análise da vida familiar (a principais funções sendo sexual, econômica, reprodutiva e educativa) todos os tipos de comportamento, incluído o de gênero, foram associados ao modelo da família nuclear. Este modelo, com sua tradicional divisão de papéis entre marido e mulher (o homem como provedor e a mulher como cuidadora), era considerado o mais adequado à industrialização em grande escala (Morgan 1975). O vínculo entre família e gênero era tão forte que, para algumas feministas, a abolição da família parecia ser a única maneira de abolir os papéis de gênero tradicionais (Oakley 1974). O modelo da família nuclear começou a perder terreno no começo da década de 1970, causando o que já foi denominada a segunda transição demográfica, um termo introduzido por Lesthaeghe e van de Kaa (1986) para indicar a progressiva diversificação nos padrões de

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comportamento familiar que acompanharam o “baby bust”, isto é, a redução da fecundidade a um nível abaixo do nível de reposição, depois da explosão demográfica de princípios dos anos sessenta. A transformação da família, que teve início nos anos setenta, permitiu postular um movimento para longe da família burguesa e até do sistema de parentesco da família nuclear (Popenoe 1988). A sociologia da família cunhou o termo “família pós-moderna” (Stacey 1990) para assinalar o caráter refutado, ambivalente e indeciso dos arranjos de gênero e parentesco contemporâneos: pluralismo, desordem e fragmentação são as atuais características da vida familiar, que não foram previstas pelo moderno paradigma da razão universal (Cheal 1991).

Também na demografia o gênero consta das principais teorias que explicam a mudança nos padrões de comportamento familiar. A teoria neoclássica de Becker (1981) afirma que o aumento da escolaridade feminina e a resultante abertura de melhores oportunidades de emprego para as mulheres tornaram-nas consideravelmente menos dependentes das formas tradicionais de formação doméstica para sua segurança econômica e aumentaram em muito os custos das oportunidades associadas às tarefas domésticas e à geração e cuidado dos filhos. A teoria da privação relativa de Easterlin (1976) implica que as características da segunda transição demográfica foram causadas por tensões entre grandes aspirações de consumo, aprendidas durante os anos de formação, de coortes que alcançavam a idade adulta, e as oportunidades menos favoráveis de emprego e carreira a partir dos anos 1970. Se os recursos de um casal são escassos com relação a suas aspirações, eles hesitarão em ter filhos e a pressão para que a mulher trabalhe será maior (Easterlin 1976). Além disso, o estresse econômico intensifica o estresse no casal de diversas maneiras, aumentando o número de divórcios e da fecundidade fora do casamento (Easterlin 1980).

A teoria das “mudanças nos ideários” vincula as características da segunda transição demográfica às tendências de longo prazo em direção a uma maior autonomia individual nos domínios ético, religioso e político (Lesthaeghe 1998). O crescimento dos movimentos de emancipação na área das relações de gênero é considerado uma parte importante destas mudanças de ideários.

Outra linha teórica para a interpretação das mudanças na família e nas relações de gênero considera a importância das instituições: as leis que regulam os direitos e obrigações dos dois gêneros na sociedade e na família, e as formas

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de apoio institucional oferecidas à família para o cuidado de seus membros (Pinnelli 1995; McLanahan et. al. 1995).

Popenoe (1988) e van de Kaa (1987) oferecem uma descrição da mudança ocorrida e da possível concatenação de eventos: o estereótipo da família nos anos cinqüenta e sessenta era o casal heterossexual, ele um pouco mais velho e com mais escolaridade e um emprego, ela uma dona de casa ou, quando era empregada, com um trabalho que exigia menos compromisso ou com ocupações de pouco prestígio e com dois ou três filhos, o primeiro nascido logo após o casamento; esta era uma união que tendia a durar. O sexo pré-marital só era permitido aos homens e a concepção antes do matrimônio era estigmatizada, assim como os nascimentos fora do matrimônio. A contracepção não era muito eficaz e era tarefa principalmente do homem. Quanto menos autonomia econômica tinham as mulheres, mais precisavam casar-se. A posição de poder do marido com respeito à mulher era resultado de seu maior controle sobre os recursos (não só os recursos materiais, mas também as leis favoráveis, as regras institucionais e as normas informais) e a ideologia (crenças, valores e atitudes) (England 1997; Sen e Batliwala 1997). A diferença tradicional na idade ao casar, mais elevada para os homens, aumentava o desequilíbrio: quanto maior a diferença de idade, maior a diferença de poder. A diferença de papéis entre os sexos derivava da diferença de ocupações: o homem fora de casa, no mercado de trabalho, a mulher principalmente em casa, cuidando do lar, das refeições e dos filhos etc.. O investimento relativamente baixo na mulher em termos de capital humano (menos educação e campos de estudos menos relevantes, menos experiência devido à participação intermitente e irregular no mercado de trabalho, causada pelo matrimônio e/ou as responsabilidades domésticas/maternas, de acordo com as teorias neoclássicas/do capital humano, Anker 1998) tornou este modelo economicamente racional. As normas e instituições sociais respaldavam fortemente o matrimônio, a família e a procriação e os desequilíbrios de gênero ligados a estes.

A partir da segunda metade dos anos sessenta, as relações sexuais pré-maritais e fora das relações de casal tornaram-se cada vez mais comuns e a contracepção moderna ofereceu maiores possibilidades de sexo sem procriação, menos filhos não desejados e menos matrimônios forçados. Por estas razões, o matrimônio e também o nascimento do primeiro filho foram adiados. Como

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os jovens estavam casando sem pensar em procriar imediatamente, os casais começaram a adiar a união formal até que os filhos estivessem a caminho. Isto contribuiu para diminuir o número de casamentos e para aumentar a idade ao casar e o número de uniões informais. Com o aumento da coabitação, começou a parecer cada vez menos necessário formalizar a união depois do nascimento dos filhos, o que levou a um incremento na porcentagem de filhos nascidos fora do casamento. A dissolução das uniões formais e, ainda com maior freqüência, das informais, levou a uma expansão no número do que pode ser denominado “laços de união” que uma pessoa forma ao longo da vida (monogamia seriada).

O sistema burguês da família nuclear baseou-se em três dimensões vitais principais: a formação de laços de união dos adultos, as relações sexuais e a procriação de filhos. A maior parte dos adultos unia-se a uma só pessoa por toda a vida. A atividade sexual hoje começa mais cedo, ocorre com um número maior de parceiros sexuais e raramente tem a procriação por objetivo. Este novo quadro familiar inclui famílias de diversos tipos: casais casados e não casados, com ou sem filhos; famílias reconstituídas; crianças que vivem com só um dos pais; indivíduos sós. A idéia de que esta transformação, que nos países desenvolvidos tem com características e intensidades diferentes, possa ser considerada uma segunda transição demográfica, implica que ela se espalhará gradualmente por todos os países.

A transformação da família ocorre em conjunto com as mudanças de gênero: o nível de escolaridade aumentou e as moças obtêm melhores resultados acadêmicos, de maneira que as diferenças de gênero neste campo diminuíram e, em muitos casos, se inverteram; o investimento em educação levou as jovens ao mercado de trabalho e o crescimento do setor terciário facilitou sua integração. A formação da família também foi adiada por estas mudanças. Quando as mulheres casam mais tarde, são escolarizadas e têm um emprego remunerado, é mais provável que as diferenças de gênero sejam mais limitadas, quando não invertidas: mulheres mais velhas, mais escolarizadas e com ocupações de maior prestígio nem sempre encontram no mercado matrimonial um homem mais velho, com maior escolaridade e um emprego melhor que o delas. Os casais igualitários, ou aqueles em que as diferenças de gênero estão invertidas, tornam-se mais freqüentes. Mas tornam-se as mulheres possuem autonomia financeira, elas não

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necessitam casar para sobreviver economicamente e podem divorciar-se se a relação com seus parceiros torna-se insatisfatória.

O marco institucional em que ocorrem estas mudanças é diferente dos anos cinqüenta e sessenta: o divórcio consensual foi aprovado em muitos países, o aborto foi legalizado, os filhos de uniões formais e informais obtiveram igualdade frente à lei, e a condição da mulher tornou-a igual à do marido.

Em conclusão, gênero e família estão interligados, e as mudanças em um estão ligadas às mudanças na outra, sendo ambos sujeitos à força das mudanças sociais. (Niphuis-Nell 1978; Mason e Jensen 1995).

A seguir, ofereço evidências, tanto do ponto de vista micro quanto do macro, das mudanças nos arranjos familiares e das ligações entre estes e as características de gênero que prevalecem nos países desenvolvidos. Passarei a analisar as características de gênero como determinantes de novas formas de comportamento familiar e terminarei com uma análise das possíveis conseqüências que estes novos padrões podem trazer para a questão de gênero.

2. Famílias modernas e pós-modernas 1. Análises empíricas recentes

Existem diversas análises das mudanças no comportamento familiar, incluídas na chamada segunda transição demográfica, e elas documentam de diversas formas as mudanças ocorridas na família descritas acima (Roussel 1993; Kuijsten 1996; Hopflinger 1995; Jensen 1997; Klijzing e Macura 1997).

Em 1978, Festy comprovou o começo da transformação da família, ressaltando o fato de que algo tinha mudado na Suécia e na Dinamarca durante os anos sessenta: tinha havido um declínio na nupcialidade e na concepção pré-marital, os nascimentos fora do casamento haviam diminuído entre os grupos mais jovens e aumentado entre os mais velhos, e o divórcio estava em aumento. A idade ao casar, que alcançara seu valor mais baixo durante o baby boom, (a época de ouro do casamento), elevava-se novamente, como resultado do adiamento dos casamentos. A coabitação tornava-se cada vez mais comum, tomando duas formas: coabitação pré-marital, envolvendo principalmente jovens que optavam por viver juntos como um prelúdio ou uma alternativa ao casamento, e coabitação pós-marital, vista em preferência ou como uma alternativa

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ao recasamento, como resultado do aumento na taxa de divórcios. Como resultado do aumento na taxa de divórcios e da instabilidade da coabitação, houve um aumento na porcentagem de mães vivendo sós com seus filhos.

A Suécia estava na dianteira, com a Dinamarca logo atrás, com uma diferença mínima. Os primeiros sinais desta mesma tendência podiam ser percebidos em alguns países, mas estavam ausentes em outros. As pessoas começavam a falar de um possível processo de difusão do modelo sueco. Ao mesmo tempo, a fecundidade diminuiu depois do baby boom da primeira metade dos anos sessenta, com uma forte similaridade de padrões entre os países do Oeste europeu e uma notável redução das diferenças geográficas. O papel da difusão da moderna contracepção e da liberalização sexual era evidente por trás destas mudanças.

2. Um indicador sintético do comportamento familiar

A porcentagem de pessoas casadas na população por sexo e idade, em 1970, 1980 e 1990 para a faixa etária de 25-29 e 30-34 em 22 países desenvolvidos (em alguns casos os dados só estão disponíveis para 21 países), informa sobre a transformação ocorrida (Tabela 1). Em 1970, o percentual de pessoas casadas era de mais de 70% na faixa etária de 25-29 em 11 países para os homens, e em 21 países para as mulheres, e a diferença entre os sexos refletia a diferença tradicional na idade ao casar. Estas porcentagens de pessoas casadas caíram gradualmente entre 1980 e 1990. Em 1990, o percentual de pessoas casadas era de mais de 70% em um só país para os homens e em 17 países para as mulheres. Em 1970, a porcentagem de pessoas casadas era de mais de 80% na faixa etária 30-34 em virtualmente todos os países para os homens, e em todos os países para as mulheres. Entre 1980 e 1990 o número cai gradualmente. Já em 1990, só 3 países tinham mais de 80% dos homens casados, só em 8 países havia mais de 80% de homens casados, e só em 8 países havia mais de 80% de mulheres casadas. Mais da metade da população ainda estava casada nesta faixa etária, mas o casamento é menos comum que antes, encontrando-se o mínimo na Suécia, com 41% de homens casados na faixa de 30-34 e 53% das mulheres casadas nesta mesma faixa etária.

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Tabela 1

Países desenvolvidos de acordo com o percentual de pessoas casadas entre 25-29 e 30-34 anos, por sexo. 1970, 1980 e 1990

Fonte: Elaboração dos dados do Anuário Demográfico da ONU.

Países incluídos: Canadá, EUA, Japão, Turquia, Bélgica, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Alemanha Oriental, Hungria, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Polônia, Espanha, Suécia, Reino Unido, Austrália, URSS.

O percentual de pessoas casadas está em declínio devido ao adiamento do casamento (a idade média ao casar está aumentando para homens e mulheres), porque os casais estão decidindo não casar (a nupcialidade está perdendo espaço), e o casamento formal está sendo substituído por uniões informais, como atesta o aumento na porcentagem de casais que coabitam, especialmente entre os grupos mais jovens e, indiretamente, o aumento no número de nascimentos fora do casamento (cada vez mais os registros de nascimento são feitos por ambos os pais, e muitos deles provavelmente coabitam) e também porque o número de divórcios está aumentando e o recasamento depois do divórcio não é tão comum, especialmente entre as mulheres. A fecundidade, depois de uma forte queda nos anos setenta, voltou a diferenciar-se, estabelecendo-se em torno do nível de reposição em muitos países, ou aumentando ligeiramente, e os valores mais baixos encontram-se no sul da Europa. A estrutura da fecundidade por idade é mais tardia em toda parte. Como resultado da crescente instabilidade das uniões formais e da ainda maior instabilidade das informais, o percentual de mães solteiras está crescendo (Kiernan et. al. 1993), ainda que continue sendo uma minoria do total de famílias com filhos (as taxas mais altas nos 15 países da União Européia1 encontram-se na Dinamarca, Reino Unido e Alemanha, com

16-19%, e a mais baixa na Itália, com 5% - Bradshaw et. al. 1996). As diferenças geográficas em todos estes padrões são notáveis e não é fácil sintetizá-las. Mais do que fornecer e comentar dados detalhados, os quais podem ser encontrados nas análises citadas na bibliografia, prefiro fazer uma síntese geográfica-temporal,

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utilizando os métodos estatísticos apropriados para este fim (análise multifatorial)2

para vincular diretamente as mudanças no comportamento familiar àquelas ocorridas no sistema de gênero.

3. Gênero, a família e desenvolvimento: uma visão macro.

1. O empoderamento das mulheres e as mudanças na família É muito simples seguir algumas tendências com as estatísticas disponíveis atualmente: os indicadores das taxas de divórcios e casamentos, a freqüência de nascimentos fora do casamento como indicador indireto da desinstitucionalização do casamento e de sua substituição pela coabitação, a fecundidade total e a fecundidade por idade – estes são indicadores disponíveis que representam, de maneira precisa, as mudanças ocorridas no comportamento familiar. Coloquemo-los em relação com as mudanças na posição das mulheres e no desenvolvimento no mesmo período. O empoderamento3 das mulheres é medido com referência

aos recursos (educação e trabalho remunerado) e poder (medido por sua presença no parlamento): estes são indicadores crus de um conceito que é mais complexo mas, junto com a proporção por sexo das matrículas na educação de terceiro grau, dão uma idéia do declínio nas diferenças de gênero. Como indicadores do desenvolvimento num sentido pós-industrial, utilizo o produto interno bruto, a urbanização e a difusão dos meios de comunicação. Utilizarei dados de três pontos no tempo: 1979, 1980 e 1990, de 22 países desenvolvidos na Europa e fora dela (Pinnelli et. al. 1997).

Todos os indicadores mostram um crescimento ao longo do tempo, à exceção da taxa de fecundidade total, da fecundidade adolescente, da nupcialidade e dos casamentos adolescentes que, pelo contrário, diminuíram. Os resultados da análise multifatorial nos permitem ver quais indicadores estão inter-relacionados e em quais casos houve mudanças na geografia (Figura 1).

Os novos padrões de comportamento familiar (as taxas de divórcio e nascimentos fora do casamento, para os três anos em estudo; a idade mais elevada no casamento para 1980 e 1990; a fecundidade total e a fecundidade adiada em 1990) estão correlacionados a duas características da condição das mulheres: a educação de terceiro grau (para todos os três anos) e a participação no parlamento, para 1990 (os pontos que representam estas variáveis têm valores altos para o primeiro fator).

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Figura 1

Empoderamento das mulheres, desenvolvimento e mudanças na família. Resultado de uma análise fatorial multivariada, anos 1970, 1980, 1990.

Nota: Os eixos na figura são eixos fatoriais, isto é, combinações lineares das variáveis incluídas na análise. As coordenadas das variáveis são os coeficientes de correlação entre os dois eixos e, portanto, têm valores que vão de –1 a +1. No baricentro está o valor 0. A área do plano onde está localizada

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uma variável é aquela em que a variável tem os valores mais altos. A área oposta é aquela em que os valores são mais baixos. Se uma variável está próxima do baricentro, quer dizer que é razoavelmente homogênea do ponto de vista geográfico, ou que sua geografia é diferente da mostrada no plano fatorial. A Figura 1a mostra também a trajetória das variáveis com relação à terceira dimensão da análise (o tempo), unindo os três pontos de cada variável (uma para cada período de tempo considerado). A direção e a extensão do segmento que une os pontos da trajetória reflete a variação na geografia da variável nos períodos. A flecha aponta na direção do tempo, do período mais anterior (em torno de 1970) ao mais recente (em torno de 1990). Quando aponta na direção do baricentro, a diferenças geográficas tendem a desaparecer. Se aponta para fora, as diferenças tendem a acentuar-se. A Figura 1b mostra os países (as unidades estatísticas) em um plano que tem o mesmo significado que o anterior, através da pontuação fatorial. A posição de um país no plano indica quais de suas variáveis têm valor maior (aquelas localizadas nesta área do plano) e quais têm valores mais baixos (aquelas localizadas na área oposta). A direção e a extensão do segmento que une os três pontos da trajetória de cada país é interpretada da mesma forma que na Figura 1a.

Estas características não estão à parte do desenvolvimento geral da sociedade, e são mais freqüentes onde há mais bem estar, cultura e meios de comunicação. A participação das mulheres no mercado de trabalho não é suficiente para definir uma situação de maior eqüidade de gênero, mas é um aspecto que permanece relativamente isolado dos demais (de fato, como se verá mais adiante, as mulheres na antiga área comunista têm maiores taxas de atividade, mas suas condições são desfavoráveis em todos os demais aspectos). Alguns indicadores mantiveram a mesma geografia entre 1970 e 1990 (neste caso, os segmentos que ligam os anos são curtos), isto é, tornaram-se mais freqüentes onde já estavam presentes, enquanto outros mudaram: os padrões de comportamento familiar que sofreram mudanças geográficas são a fecundidade e a idade ao casar, junto com a participação no poder político, a posição e desemprego das mulheres, para o desenvolvimento (neste caso, os segmentos que ligam os anos são longos). A idade elevada no casamento, na fecundidade total e na fecundidade adiada (acima dos 35 anos) tornaram-se comportamentos associados à melhoria na posição das mulheres e a um nível mais alto de desenvolvimento. O casamento e a fecundidade em idade mais baixa tornaram-se ainda mais associados a condições inferiores de detornaram-senvolvimento e, entre os anos 1980 e 1990, o desemprego tornou-se freqüente em novas áreas. Três áreas geográficas claramente definidas identificam estas diversas situações: aquela em que novos padrões de comportamento familiar são mais disseminados, a posição das mulheres é superior e a participação política das mulheres cresceu mais, área composta pelos países do Noroeste europeu e a América do Norte; os países

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do Sul da Europa, onde a posição e o desenvolvimento das mulheres são mais atrasados e a fecundidade total e adiada deixou de ser a mais alta na década de 1970 para chegar a ser a mais baixa em 1990, de maneira que os modelos familiares mais tradicionais coexistem com a fecundidade mais baixa; e, finalmente, os países do Leste europeu, onde o casamento e a fecundidade ocorriam e ainda ocorrem relativamente cedo, o nível de desenvolvimento é inferior e a posição das mulheres é contraditória: existem altas taxas de atividade feminina e maior igualdade de gênero na educação, mas o nível geral de educação é mais baixo que nos demais países e, desde a queda dos regimes comunistas, as mulheres sofreram uma abrupta perda de poder político. Portanto, há convergências e crescentes disparidades ao longo do tempo: os países do Leste divergem fortemente dos demais, tem havido uma clara convergência em direção ao modelo sueco por parte dos demais países escandinavos e do Canadá, e a posição intermediária dos países do Oeste europeu é estável.

2. Uma história exemplar

A análise temporal ressaltou o papel positivo da participação das mulheres no poder político, que só recentemente tornou-se uma característica dos países mais altamente desenvolvidos, nos quais a família passou por maiores transformações. Este aspecto, que pode ser considerado um indicador das mudanças institucionais associadas àquelas ocorridas no equilíbrio de gênero e no comportamento familiar, merece ser mais bem desenvolvido. No seminário da UISSP sobre “Empoderamento das mulheres e processos demográficos: indo além de Cairo” (Lund, 21-24 de abril de 1997), K. Linddhal ofereceu uma descrição da experiência sueca com relação ao empoderamento: em meados do século XIX, as mulheres na Suécia estavam desprotegidas e vulneráveis. Elas não tinham direito a herança, acesso a empregos em escritórios nem à educação superior, não tinham controle sobre suas finanças, renda ou propriedades, e seu status no casamento era baixo. O marido teve o direito legal de bater na esposa até 1858. Muitos países desenvolvidos facilmente reconheceriam suas próprias histórias, recentes ou não, nesta situação.

Os principais atores da mudança ocorrida na Suécia foram: 1) ONGs, 2) indivíduos, 3) o parlamento e o governo. A Suécia tem uma longa trajetória de reivindicações sociais através de ONGs tais como organizações políticas, sindicatos

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e movimentos de mulheres. Estes movimentos e ONGs geralmente trabalham para conscientizar e educar as pessoas, através de reuniões, seminários e grupos de estudos, além de jornais e revistas. Mais do que contribuir diretamente para o empoderamento das mulheres, uma vez que os direitos das mulheres em si raramente foram prioridade nas organizações dominadas por homens, estes movimentos e ONGs contribuíram para estimular a participação ativa da população nos problemas do país. Algumas mulheres, como indivíduos, tiveram um papel fundamental na promoção do emprego feminino, lutando contra a prostituição e promovendo a educação sexual e a difusão da contracepção. A igreja não opôs obstáculos insuperáveis, apesar de sua natureza conservadora. Finalmente, o governo social democrata reformou o conjunto da sociedade a partir da década de 1930, levantando temas relacionados à família, os serviços para o povo e questões de população.

As mulheres obtiveram o direito ao voto em 1921 e as primeiras mulheres parlamentares foram eleitas em 1922; em 1997, mais de 40% dos parlamentares e a metade dos ministros eram mulheres. Tem havido muitas reformas em anos recentes para melhorar as vidas e o empoderamento das mulheres, para facilitar a conciliação do trabalho com a maternidade e estimular a envolvimento dos pais e a Suécia, ainda que esteja longe da perfeição, é um dos países mais “favoráveis à família”, a pesar dos riscos sempre presentes de um retrocesso no Estado de bem estar social. Não se pode duvidar da importância da participação das mulheres na construção desta sociedade mediante sua atuação no poder político. 3. Um olhar atento ao sistema de gênero nos países desenvolvidos Uma análise geográfica estática do sistema de gênero4, que é mais analítica

e refere-se aos mais recentes dados disponíveis, permite analisar melhor suas características, confirmando a importância do fator “participação no poder político” na criação das atuais diferenças entre os países desenvolvidos (Pinnelli et. al.1998). Tomando como referência os quatro níveis básicos em que se formam as diferenças de gênero (Sen e Batliwala 1997), examinei variáveis referentes ao desequilíbrio da posição relativa de homens e mulheres na família (idade no primeiro casamento para a mulher e diferença comparada com o homem, fecundidade adolescente), na comunidade, com relação ao investimento de capital humano nas mulheres (educação das mulheres e sua diferença comparada com

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os homens), expectativa de vida das mulheres e sua diferença comparada com os homens, no mercado de trabalho (taxas de atividade feminina por setor, segregação ocupacional5, percentual de mulheres entre professores primários, desemprego,

diferenças comparadas com os homens em atividade e os desempregados, cota do PIB produzida pelas mulheres) e no Estado (porcentagem de mulheres prefeitas, parlamentares, ministras e ano de eleição da primeira mulher ao parlamento). Estas variáveis são analisadas com o emprego da análise fatorial de componentes principais.6

A relação entre sistema de gênero, desenvolvimento e novos comportamentos familiares é ressaltada com o uso dessas variáveis como variáveis suplementares (sucessivamente projetadas sobre o plano fator do sistema de gênero). O desenvolvimento foi pré-sintetizado através de uma análise fatorial com base nos indicadores de riqueza, educação, atividade, envelhecimento demográfico, expectativa total de vida, mortalidade infantil, urbanização e difusão da mídia. Os dois fatores que surgiram foram: 1) o desenvolvimento pós-industrial (valores negativos correspondendo a alto desenvolvimento), 2) estabilidade do emprego (valores negativos correspondendo à alta estabilidade). O comportamento familiar está representado pelos indicadores de fecundidade, os nascimentos fora do casamento e as taxas de divórcio, estes sendo os indicadores da ocorrência do casamento, já incluídos no nível “família” dos indicadores de gênero.

Os resultados da análise permitem identificar melhor as características da área em que o equilíbrio de gênero é atualmente o melhor: o investimento no capital humano das mulheres é alto, a saúde é boa, a participação das mulheres na força de trabalho é alta (mas especialmente no setor terciário, e é mais segregada), a idade ao casar é tardia, a participação parlamentar é alta, mesmo nos níveis máximos, e as mulheres há muito tempo participam ativamente na administração do poder político (Figura 2). Esta área, que corresponde ao desenvolvimento máximo no sentido pós-materialista, é aquela na qual a fecundidade é a mais alta e os nascimentos fora do casamento mais freqüentes. Ela compreende os países escandinavos e, em menor grau, a América do Norte. Em uma segunda área, que compreende os antigos países comunistas, o envolvimento das mulheres no mercado de trabalho ainda é muito alto, o mercado de trabalho feminino é um pouco menos segregado, a cota de PIB produzido

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pelas mulheres é a mais alta, mas o investimento nas mulheres em termos de capital humano e a expectativa de vida são os mais baixos. A representação política é mais freqüente no nível local que no governamental, o casamento ocorre mais cedo e a fecundidade é mais baixa. Ambas as áreas têm as mais altas taxas de divórcio.

Na terceira área, constituída pelos países do Sul da Europa, as mulheres estão menos presentes no mercado de trabalho, há mais desemprego feminino e, acima de tudo, maior desemprego masculino. A participação política é mais recente e menos marcada. Os demais países localizam-se entre a primeira e a terceira área.

O fato de que o melhor equilíbrio de gênero e os novos padrões de comportamento familiar tenham se produzido onde a participação das mulheres no poder político é não só marcante como antiga, confirma a idéia de que a maior eqüidade de gênero é fruto de um compromisso de longo prazo e que ocorre simultaneamente em várias frentes - a família, a comunidade, o mercado de trabalho e o Estado - , levando à possibilidade de satisfazer escolhas pessoais em todos os campos, incluindo a família. Casar ou viver em união, continuar juntos ou divorciar-se: estas são questões de escolha e têm um efeito limitado sobre a fecundidade. Em termos de vida familiar, os resultados têm sido diferentes em lugares em que estes processos apenas começaram, ou naqueles onde não caminharam em direção à construção de uma sociedade harmoniosa ou, por exemplo, foram impedidos por regimes autoritários. Assim, os países do Sul europeu estão atrás com respeito aos demais em termos do desenvolvimento pós-industrial: estão atrás culturalmente e sofrem as limitações impostas pela situação econômica (neste caso, o deterioro da posição econômica dos homens, especialmente os jovens, entre os quais o desemprego é mais alto, o que, como sugere Oppenheim (1994), explica as baixas taxas de nupcialidade e fecundidade). Os antigos países comunistas demonstram como as mulheres podem trabalhar e participar do exercício do poder político de uma for ma subordinada, sem conquistar uma posição substancialmente boa: esta alta taxa de atividade não significa necessariamente uma vida melhor para as mulheres, e o escasso investimento no capital humano é a prova da posição inferior das mulheres, por trás da aparência de uma grande igualdade.

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Figura 2

Sistemas de gênero, desenvolvimento e comportamento familiar. Resultados de uma análise fatorial de componentes principais 1992-1993.

Fonte: Pinnelli-Di Giullio 1999.

Nota: Estes eixos são fatoriais, isto é, combinações lineares das variáveis incluídas na análise, e seu significado depende das variáveis que têm os maiores coeficientes com correlação a elas. Na Figura

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2a, em vez de mostrar todas as variáveis, só o sentido global dos eixos foi mostrado, para obter melhor legibilidade. Porém, as variáveis suplementares foram mostradas individualmente. Elas não contribuem para a formação do plano, mas são projetadas em um tempo subseqüente. Na Figura 2b, os países figuram de acordo com suas pontuações fatoriais. A posição das variáveis e dos países no plano é interpretada da mesma forma que na Figura 1, exceto pelas trajetórias.

Eqüidade não é igualdade, a área de maior bem estar e de poder político para as mulheres é também a área em que o trabalho é mais segregado e, portanto, mais desigual, mas isto não tem sido considerado algo negativo para as mulheres escandinavas (Anker 1998). A situação global leva-nos a pensar sobre o resultado de uma escolha, não de um passatempo, mas uma escolha compatível com a diversificação das formas da família e com uma fecundidade próxima do nível de reposição. Segundo Rapoport e Rapoport (1990), o ideal de igualdade de gênero que guiou as lutas de muitas mulheres é igualmente problemático: “Mesmo considerando-se a noção de igualdade de oportunidades, a idéia de identidade de gênero como resultado é menos axiomática ... As pessoas não podem ser iguais em todos os aspectos. Liberar homens e mulheres dos tradicionais papéis estereotipados e polarizados não implica necessariamente que todos os homens e todas as mulheres devam encaixar em um único molde novo”. A eqüidade de gênero, isto é, a igualdade de oportunidades e a distribuição imparcial das limitações, parece ser um conceito que respeita melhor as preferências e diversidades individuais e está mais próximo do que realmente sucede.

4. Tempos marcados pelo gênero

Pode-se ter um outro olhar sobre o problema da eqüidade com os resultados dos estudos sobre o uso do tempo. Sabe-se que as mulheres trabalham e sempre trabalharam, mas muito de seu trabalho não aparece nas estatísticas oficiais porque é considerado como parte de suas tarefas naturais e, portanto não é remunerado: o trabalho doméstico e de cuidar. Em vinte estudos sobre um número igual de países desenvolvidos em várias áreas geográficas, foi feita uma análise da divisão do tempo de homens e mulheres entre trabalho remunerado, não remunerado e tempo para si mesmo, incluído o sono (Tabela 2).

Em média, as mulheres trabalham mais que os homens: 35% de seu tempo semanal é dedicado ao trabalho, principalmente ao não remunerado (19,2%), centrado nas tarefas domésticas e, em menor medida, nos filhos. Os homens

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trabalham menos (30,3% de seu tempo semanal é dedicado ao trabalho) e seu tempo de trabalho é distribuído de maneira muito diferente (eles dedicam só 8,3% do tempo ao trabalho não remunerado). Em conclusão, eles têm mais tempo para si mesmos (69,7%, comparados com 67,3%).

M: mulheres, H: homens; M-H: diferenças entre mulheres e homens. Fonte: Elaborado pela ONU, Mulheres do Mundo, 1995.

Tabela 2

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Existem diferenças notáveis entre os países: há países em que o número de horas dedicadas ao trabalho remunerado é alto tanto para homens quanto para mulheres, as diferenças de gênero são menos pronunciadas e os homens colaboram mais nas tarefas domésticas (os países do antigo bloco comunista); países em que as mulheres dedicam menos tempo à atividade remunerada e mais às atividades não remuneradas dirigidas à família, e onde as diferenças de gênero são maiores no número total de horas trabalhadas e no trabalho não remunerado, com desvantagens para as mulheres (especialmente os países do Sul da Europa, Áustria e Japão). Finalmente, há países onde as mulheres estão moderadamente engajadas tanto no mercado de trabalho quanto nas tarefas domésticas, os homens estão empregados por menos horas em trabalhos remunerados e colaboram mais no lar: esta é a situação mais vantajosa para as mulheres que, neste caso, têm mais tempo para si mesmas, com uma reduzida diferença entre os gêneros (todos os demais países, em diferentes medidas). Aquele que trabalha menos tem mais tempo para si mas, enquanto para os homens o tempo para si compete com o tempo para o trabalho remunerado, no caso das mulheres, pelo outro lado, este tempo compete com o tempo total de trabalho e elas têm menos desvantagens ou até vantagens com respeito aos homens, quando dedicam menos tempo à família e ao lar. A diminuição do tempo dedicado às tarefas domésticas e aos cuidados é a condição que permite às mulheres dispor de seu tempo, para si e para o mercado de trabalho.

Observemos os números para três países representativos de cada área, para ressaltar as diferentes situações. A Lituânia é o exemplo mais extremo do primeiro grupo: as mulheres dedicam 43,3% de seu tempo ao trabalho, dos quais 28,5% ao trabalho remunerado e 14,8% ao não remunerado, e dispõem de 56,7% do tempo para si, enquanto para os homens os números correspondentes são 40%, 30,4%, 9,6% e 60%. Nesta situação, as diferenças de gênero são mínimas no que concerne ao tempo dedicado ao trabalho remunerado e os homens estão envolvidos no trabalho doméstico, mas mantêm o privilégio de dispor de mais tempo para si.

Na Holanda, tanto homens quanto mulheres trabalham 27,4% do tempo e têm 72,6% para si, mas para as mulheres 6,4% é dedicado ao trabalho remunerado e 21% ao não remunerado. Os números para os homens são 16,4% e 11%. Esta é uma das melhores situações para as mulheres do ponto de vista do tempo para si, e uma das poucas em que dispõem de tanto tempo para si

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quanto os homens (em alguns países, as mulheres dispõem de mais tempo para si do que os homens, mas este ainda é menor se comparado ao tempo para si de que dispõem as mulheres holandesas).

Na Itália, as mulheres trabalham 28,3% da semana, 6,6% do tempo em trabalho remunerado e 21,7% em trabalho não remunerado, e dispõem de 71,7% do tempo para si, enquanto os números para os homens são 22,6%, 17,4%, 5,2% e 77,4%. Esta última situação, em que as mulheres têm a menor participação no mercado de trabalho, é, paradoxalmente, onde têm menos tempo para si comparadas com os homens, porque dedicam muito tempo à família e os homens estão menos envolvidos nas tarefas domésticas e com o cuidado dos filhos. É fácil imaginar a cultura que subjaz a esta situação (desvalorização do trabalho doméstico e dos cuidados e chauvinismo masculino).

Mas devemos ir além do problema de uma distribuição mais eqüitativa dos tipos de tempo para dispor de mais tempo para si. Como nota Presser (1989), a mais séria conseqüência das mudanças no campo do gênero para o mercado de trabalho é que “não só as mães estão passando menos tempo com seus filhos do que no passado, devido ao fato de estarem empregadas, e os filhos menos tempo com os pais devido a separações e divórcios, como mães, pais e filhos nas famílias intactas estão passando menos tempo juntos como unidade familiar, porque os pais trabalham em diferentes turnos” e isto é particularmente sério para o crescimento dos filhos e o bem estar dos pais.

4. As novas tipologias de família são mais igualitárias? 1. Os novos casais

Até aqui, utilizei dados agregados e, portanto, um nível macro de análise. O uso de dados individuais comparados com os dados agregados permite ver como as relações de gênero surgem na família, entre os parceiros. Utilizarei agora os dados da Pesquisa sobre Família e Fecundidade, coordenada pela PAU (Unidade para Atividades Populacionais) da UNECE (Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa), realizada entre 1989 e 1997 em 22 países desenvolvidos. Limitarei a análise aos casais em união em que a mulher tem entre 20-39 anos, para obter subexemplos comparáveis. Vou examinar e comparar três aspectos que normalmente são considerados cruciais para identificar os desequilíbrios de gênero – idade no começo de uma união, educação

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e emprego, para ambos os parceiros. Se a mulher é jovem no começo da união e o parceiro é muito mais velho, se suas qualificações escolares são baixas e as de seu parceiro mais altas, e a mulher não trabalha, espera-se que o desequilíbrio de gênero seja igualmente grande de outros pontos de vista. Limitando-me a estas variáveis, consigo obter uma boa representação geográfica dos países.

De maneira geral, a metade das mulheres começaram sua união atual entre 20-24 anos de idade e seus parceiros são um pouco mais velhos que elas (na metade dos casos entre 1-4 anos), as mulheres têm uma educação médio-baixa (88%) e seus parceiros têm o mesmo nível de educação (48%) ou mais alto (25%) e ambos têm trabalhos remunerados (62%). Ao processar os dados individuais através da análise multifatorial de correspondência7, surgem duas

situações opostas, diferentes desta situação média: na primeira há uma maior freqüência de casais nos quais a mulher tem um nível educacional inferior, começou a união antes dos 20 anos e a diferença de idade com relação ao parceiro é de 5 anos ou mais: nesta situação, é mais freqüente que as mulheres não trabalhem e se espera que tenham três ou mais filhos. Na situação oposta, há uma maior freqüência de mulheres com um nível educacional mais alto, mais escolarizadas e mais velhas ou com a mesma idade que seus parceiros, que começaram a união depois dos 25 anos e têm trabalho remunerado. Viver juntos em vez de casar e ter ou esperar ter 0-1 filhos estão moderadamente associados às características destes casais (Figura 3).

Os países aos quais correspondem estas diferentes situações pertencem a distintos grupos, comparados com o quadro oferecido pelas duas análises macro anteriores: os países da antiga área comunista, que antes formavam um só bloco, dividem-se em Hungria e Polônia, por um lado, junto com a França, caracterizados por uma maior freqüência dos casais tradicionais e, pelo outro lado, Lituânia e Letônia, junto com a Suécia, caracterizados por uma maior freqüência de casais em que o desequilíbrio de gênero está invertido. Outro pequeno grupo é formado por Áustria, Alemanha e Itália, que não estão tão distantes da análise anterior: o que têm em comum é, sobretudo, a porcentagem mais baixa de mulheres empregadas entre as unidas. A Bélgica permanece isolada pela razão oposta: sua taxa mais alta de uniões em idade mais baixa coexiste com uma alta taxa de participação das mulheres unidas no mercado de trabalho.

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2. Atividades domésticas e a divisão de papéis

Para alguns países existe informação sobre a divisão de tarefas entre o casal, que podem ser associadas a estas variáveis. A informação refere-se às tarefas domésticas, o cuidado dos idosos e das crianças, a administração do orçamento familiar e o preenchimento dos formulários de impostos. As questões foram formuladas desta forma: “Quem costuma realizar cada uma destas atividades: principalmente você; principalmente seu parceiro/a; ambos de igual maneira; principalmente outros membros desta casa ou principalmente outras pessoas que não pertencem a esta casa?” As tarefas, que na maior parte dos casos continuam a ser realizadas principalmente pelas mulheres, consistem na preparação de alimentos, faxina, lavagem de roupas, vestir os filhos e cuidar deles quando adoecem. A alternativa à realização destas tarefas exclusivamente pelas mulheres é que ambos os parceiros se ocupem delas em igual medida. Outras tarefas são compartilhadas mais amiúde: fazer compras, ajudar os filhos com os deveres de casa e cuidar dos idosos, por exemplo e, de maneira mais generalizada: administrar o orçamento familiar, preencher os formulários de impostos e brincar com os filhos. É muito raro que estas tarefas sejam realizadas “principalmente pelo parceiro” (só os formulários de impostos 28% caem no caso de “principalmente pelo parceiro”). É ainda mais raro que sejam preenchidos por pessoas externas à família. Às vezes são preenchidos por outros membros da família (especialmente nos antigos países comunistas). Obviamente, a formulação da pergunta em termos de “Quem... principalmente...?” só ressalta a responsabilidade principal, e elimina uma série de pequenas contribuições de apoio que, portanto, não ficam claras. Os países que podemos analisar incluem: Áustria, Polônia, Hungria, Alemanha, Itália, Lituânia e Letônia (infelizmente, não há dados para os países escandinavos, onde a pergunta não foi feita) para as perguntas sobre preparação de refeições, faxina, compras, preparação de refeições, vestir e cuidar de filhos pequenos quando adoecem; estes dados não incluem Polônia e Letônia para as perguntas sobre o cuidado de crianças pequenas.

A principal responsabilidade pelas atividades domésticas ainda é das mulheres, mesmo quando elas trabalham em tempo integral no mercado de trabalho, mas os homens envolvem-se nestas atividades de diversas maneiras. Duas diferentes análises de correspondência múltipla foram feitas,

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adicionando-se às variáveis das análiadicionando-ses anteriores atividades domésticas disponíveis para adicionando-sete países (Figura 4) e o cuidado dos filhos, disponível para cinco países (Figura 5). As diferenças na divisão de tarefas estão ligadas à estrutura de gênero do casal: as mulheres mais freqüentemente responsáveis pelas atividades domésticas e os cuidados são também, com maior freqüência, as que não trabalham, têm menor nível educacional, são menos escolarizadas e mais jovens que seus parceiros. As mulheres que compartilham estas atividades com seus parceiros mais freqüentemente são geralmente empregadas, escolarizadas e muitas vezes têm mais qualificações acadêmicas que seus parceiros, sendo da mesma idade ou mais velhas. Viver juntos e não desejar filhos são condições mais freqüentes neste tipo de casal (Figuras 3-5).

Os novos casais definitivamente têm uma divisão de papéis menos rígida que os demais.

Figura 3

Casais novos e tradicionais, 10 países.

Resultados de uma análise fatorial de correspondência múltipla

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Figura 4

Divisão de Atividades Domésticas, 7 países.

Resultados de uma análise fatorial de correspondência múltipla

Fonte: Elaborado nos Arquivos-Padrão Recodificados PFF.

Fonte: Elaborado nos Arquivos-Padrão Recodificados PFF. Figura 5

Divisão de atividades domésticas e do cuidado dos filhos, 5 países. Resultados de uma análise fatorial de correspondência múltipla

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Nota das Figuras 3, 4, 5

Nestas figuras, os eixos fatoriais são combinações lineares de variáveis categóricas. O perfil médio das variáveis (a distribuição de todas as variáveis para todos os indivíduos) é representado pelo baricentro. As diferentes áreas do plano se caracterizam por uma maior freqüência das modalidades presentes naquela parte do plano. As modalidades próximas entre si estão associadas. Os países são modalidades de uma variável nesta e nas próximas figuras, porque a unidades estatísticas são os indivíduos. As categorias são mostradas de maneira sistemática: entre os casais tradicionais, as mulheres freqüentemente são menos escolarizadas e o são menos do que seus parceiros, iniciaram a união antes dos 20 anos e são muito mais jovens que os parceiros; entre os novos casais, as mulheres freqüentemente têm alta escolaridade e são mais escolarizadas do que seus parceiros, iniciaram a união depois dos 25 anos e são mais velhas que os parceiros.

5. Os recursos de gênero como determinantes da coabitação, do divórcio ou da baixa fecundidade

A análise exploratória dá uma idéia das associações existentes entre as variáveis. Elas apresentam sugestões, mas não oferecem certezas nem ordens de grandeza. Para isto, é necessário examinar a questão construindo modelos. Esta ferramenta tem sido utilizada para medir o vínculo causal entre alguns aspectos do comportamento familiar e, principalmente, o capital humano feminino, ao mesmo tempo em que mantém as variáveis estrutural e cultural sob controle.

Um estudo comparativo nesta área foi o coordenado por Blossfeld (1995) em 9 países8, da perspectiva da nova economia doméstica. A acumulação de capital

humano, refletida no crescente nível educacional, fortalece o vínculo das mulheres ao mercado de trabalho e, portanto, leva ao adiamento do casamento e, principalmente, de um ponto de vista sociológico, existe a expectativa social normativa de que os jovens que estudam não estão maduros para casar. De fato, o ingresso na faculdade tem um forte efeito negativo nas taxas de entrada no casamento. Isto significa que em todos os países o principal efeito retardador da expansão educativa sobre a época do primeiro casamento está ligado ao ingresso na faculdade e, portanto, está limitado exclusivamente à fase de transição entre a juventude e a idade adulta. As mulheres com maior escolaridade sempre casam mais tarde e têm filhos mais tarde. O efeito do nível de educação sobre a entrada no casamento é, no entanto, diferente nos diversos países envolvidos na análise: na Suécia, na Hungria e na Alemanha Ocidental ele não é significativo. Na França e na Holanda, é significativo e negativo, mas fraco na medida e nos Estados Unidos ele é positivo. Ele só é fortemente negativo na Itália, como proposto na teoria de Becker. Mas o nível educacional tem um efeito negativo na taxa de

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entrada na maternidade na maior parte dos países, confirmando a influência negativa da acumulação de capital humano sobre a fecundidade, de acordo com algumas teorias da nova economia doméstica. Mais uma vez, quanto mais tradicional o sistema familiar, mais forte é este efeito. O mesmo sucede com o risco de divórcio: ele aumenta com o nível educacional, mas o efeito é particularmente forte onde tanto o divórcio quanto a educação superior são relativamente raros. A conclusão é que o efeito libertador da educação das mulheres só é importante nos sistemas familiares mais tradicionais.

Lesthaeghe e Moors (1994) usam uma pesquisa sobre valores feita na Alemanha Ocidental, França, Bélgica e Holanda em 1990, para avaliar (entre outras coisas) a influência dos recursos e do sistema de valores sobre a probabilidade de unir-se, divorciar-se e ter um só filho , para mulheres e homens nas faixas etárias de 20-29 e 30-50. Este estudo mostrou que existe um componente “ideacional” na decisão de coabitar, divorciar-se e limitar a fecundidade (escolhas que são mais prováveis entre os não religiosos e entre pessoas de esquerda) e que os recursos disponíveis têm peso diferente para os dois gêneros. As mulheres jovens com maior capital humano têm mais tendência a coabitar, divorciar-se e limitar a fecundidade, enquanto para os homens jovens isto não faz diferença. Uma mulher jovem que não trabalha tem também um comportamento completamente diferente da que trabalha, porque tem uma maior probabilidade de casar e ter filhos e menor probabilidade de divorciar-se. Homens e mulheres entre 30-50 anos com alto nível educacional têm maiores probabilidades de coabitar. Mas o que é interessante é que enquanto uma mulher com um emprego de alto nível tende a ter menos filhos, se for o homem a ter o emprego de alto nível isto não influi significativamente na fecundidade.

Ao invés de comparar o comportamento de homens e mulheres, posso comparar a posição do homem e da mulher no casal. Um exemplo deste tipo de análise mostra que a redução das diferenças de gênero entre os parceiros favorece a opção pela coabitação em oposição ao casamento. Isto foi demonstrado usando-se como medida das diferenças de gênero a diferença salarial entre homem e mulher e, junto com a redução da influência da religião no comportamento individual, isto possibilita predizer que haverá um aumento ainda maior da coabitação no futuro, pelo menos se as leis tributárias não impuserem maiores obstáculos à coabitação. Neste caso, a coabitação pode ser

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considerada um novo modelo de casamento, em que o homem e a mulher são mais iguais em seus direitos e na divisão do trabalho entre eles, e o casamento formal, utilizado para assegurar garantias institucionais, torna-se menos eficiente e inclusive, às vezes, injustificado (Ekert-Jaffé et. al. 1995).

Uma boa medida da assimetria de gênero tem sido encontrada no impacto dos fatores econômicos sobre o casamento e a separação entre parceiros que coabitam; homens com salários mais altos, maior escolaridade e empregos de tempo integral têm maiores probabilidades de casar com suas parceiras de coabitação ou menores probabilidades de terminar a relação. Em contraste, a situação econômica das mulheres parece não ter impacto no término da coabitação (Smock et. al. 1997). Isto pode significar que a decisão de casar depende dos recursos do homem, porque os da mulher são considerados marginais e opcionais, e que as mulheres com recursos têm menos interesse em casar.

Outros estudos confirmaram que conciliar carreira e família só é difícil para as mulheres: a mulheres com uma longa educação e em posições de liderança limitam suas obrigações familiares seja não tendo filhos, seja limitando o número de filhos que têm. Normalmente, têm o primeiro filho em uma idade relativamente alta, ainda que com um espaçamento menor do próximo filho. Elas freqüentemente falham em compensar o adiamento inicial e têm uma fecundidade final menor que as mulheres que tiveram o primeiro filho mais jovens. Os homens não são afetados por esta dificuldade; pelo contrário, eles têm o comportamento inverso. Os homens em alta posição socioeconômica têm relativamente mais filhos que as mulheres em posição semelhante. Com freqüência, estes homens casam com mulheres com menor escolaridade, que podem ter trabalhos que exigem menos tempo e, se casam com mulheres com nível educacional semelhante ao seu, aumenta a proporção dos sem filhos (Vianello et. al., no prelo, sobre 27 países; Knudsen 1995, sobre a Dinamarca). Estes resultados ressaltam bem as dificuldades que as mulheres enfrentam ao tentar equilibrar trabalho e família.

6. As conseqüências dos novos padrões de comportamento familiar sobre o gênero

1. As desvantagens da coabitação

Existem desvantagens em formar uma união informal em vez de casar? Vários estudos da América do Norte e Reino Unido mostraram que as condições

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econômicas dos coabitantes são piores que as dos casados (Bumpass et. al. 1989; Kiernan et. al. 1993; Thornton 1988; Winkler 1994). Os casais que coabitam possuem menos recursos que os outros, em termos de educação e emprego, mas muito depende do tipo de união, isto é, se é coabitação de jovens ou de adultos e se há crianças: no Reino Unido, as uniões em maior desvantagem são as dos “nunca casados, com filhos”, enquanto não existe grande diferença entre os jovens ou adultos casados ou coabitantes quando eles não têm filhos (Kiernan et. al. 1993).

Outros estudos mostram diferentes situações em outros países (Alemanha, França, Bélgica e Holanda, Lesthaeghe et. al. 1994) que levam em conta os sistemas de valores dos entrevistados e suas características estruturais, em que a coabitação é mais freqüente entre os estudantes, os que têm mais escolaridade, os não religiosos e os menos conservadores, mas também entre as classes trabalhadoras, quando a educação está controlada. Neste caso, as escolhas por necessidade e as ideológicas parecem coexistir.

Finalmente, na Suécia, um dos países que mais cedo registrou este tipo de união, a coabitação entre jovens sem filhos tornou-se uma nova forma de compromisso, muitas vezes transformado em casamento quando há o desejo de ter filhos, ou pouco depois do nascimento: de maneira geral, no entanto, os coabitantes sem filhos costumam ter finanças separadas, as mulheres são fortemente orientadas para o trabalho e o tempo livre é importante no sistema de valores de homens e mulheres, ao passo que a família tem uma importância moderada. Os homens coabitantes sem filhos têm uma atitude mais igualitária com relação aos papéis de gênero, a qual, no entanto, não é compartilhada pelos homens coabitantes com filhos (Barnhardt 1998).

Uma das ilusões sobre a coabitação é que seria um período de teste para o casamento e que, portanto, pode garantir uma união mais estável: a realidade demonstra o contrário, isto é, os casamentos precedidos de coabitação são mais frágeis. Este resultado foi encontrado em diferentes países e em diferentes áreas geográficas como os EUA, Canadá, Austrália, Suécia, Holanda, Reino Unido, Itália (Bennett et. al. 1988; Bumpass et. al. 1989; Teachman et. al. 1990; Balakrishnan et. al. 1987; Bracher et. al. 1993; Ghilagaber 1993; Manting 1994; De Rose 1992) e em onze países europeus (três escandinavos, cinco do Oeste, um do Sul e três do Leste, Schoenmaeckers et. al. 1997). O período de teste vivendo juntos não

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protege os parceiros de todas as possibilidades de desavenças que podem surgir ao longo de suas vidas, e a duração de uma união depende não só desta harmonia inicial, mas também da habilidade de renegociar continuamente os acordos feitos pelo casal, que dependem de novas circunstâncias que podem surgir, e de estar sempre abertos à crítica do outro. A decisão de casar em vez de viver juntos expressa uma maior determinação de fazer a união durar.

A idéia de um menor grau de estabilidade entre os casais coabitantes também é demonstrada pelo fato de que estes casais investem menos na economia doméstica do que os casados (propriedade da casa, bens de consumo duráveis); isto foi mostrado no Reino Unido (Kiernan et. al. 1993), e é possível que seja aplicável a outros países.

Quando a união se desfaz ou um dos parceiros morre, a mulheres que antes coabitavam não podem demandar direitos com respeito ao parceiro; mesmo os países que há muito tempo lidam com este fenômeno hesitam em outorgar aos coabitantes os mesmos direitos dos cônjuges. Muitas vezes a preferência por uma forma de união não tem base ideológica, como ficou demonstrado pela súbita elevação da nupcialidade por ocasião de uma legislação, na Áustria e na Suécia, favorecendo os cônjuges em oposição aos coabitantes (Festy 1993). A maior parte das pessoas pensa que a escolha é uma questão de gosto pessoal (Eurostat 1995) e os casais não têm noção das desvantagens da coabitação (Kiernan et. al. 1993). Isto é claro no caso da Suécia: uma disposição transitória, incluída em uma reforma do Esquema Nacional de Pensões por Viuvez em 1989, introduziu regras especialmente favoráveis às mulheres casadas. Isto foi amplamente discutido na mídia, as pessoas tomaram conhecimento do fato e houve duas vezes mais casamentos naquele mês que em todo o resto do ano. De fato, desde antes as mulheres suecas já tinham direito a uma pensão melhor se fossem casadas, mas não sabiam disso (Hoem 1995).

2. A difícil situação das mães sós

A crescente instabilidade das uniões formais, a instabilidade ainda maior das informais e a baixa taxa de recasamento entre as mulheres, comparada com a dos homens, levou ao crescimento do fenômeno das mães sós com crianças dependentes. Muitos estudos demonstraram que as famílias monoparentais, quase sempre formadas pelas mães, correm o risco de uma maior fragilidade

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econômica. O percentual de crianças vivendo em lares pobres é sempre maior se elas pertencem a famílias monoparentais, apesar das grandes variações entre os países, que vão dos níveis mínimos de menos 10% nos países escandinavos e em alguns países do Leste europeu (República Checa, Eslováquia), ao nível máximo de mais de 40% no Reino Unido, EUA, Canadá e Rússia, como mostrou um estudo realizado em 19 países (Ditch et. al. 1998). Bianchi et. al. constatou que, nos EUA, as mães sós têm muito mais probabilidades de serem pobres do que os pais sós (1996). No Canadá, em 1993, 59,6% de todas as famílias monoparentais chefiadas por mulheres eram pobres, comparadas com 12,5% das famílias compostas por marido e mulher com filhos menores de 18 anos vivendo com os pais (Eichler 1997). No Reino Unido, 2 de cada 3 mães sós vivem abaixo da linha de pobreza (Millar 1992). Nos EUA, 45% das mães sós estão na mesma posição Garfinkel et. al. 1986, 1993; Haghighat 1994). Em meados de 1980, o percentual de mães sós na pobreza era, em média, o dobro da dos pais sós em alguns países europeus. Por outro lado, o percentual de pais sós na pobreza era aproximadamente o dobro que entre as famílias chefiadas por um casal (Roll 1992).

De acordo com um estudo comparativo sobre seis países, as grandes diferenças entre os países quanto à posição econômica relativa das famílias monoparentais depende de transferências públicas e privadas, impostos e contribuições do seguro social. Por exemplo, a situação na Suécia é melhor porque as mães têm altas taxas de atividade e as transferências públicas são generosas e abrangentes. Na Alemanha Ocidental as mães também têm uma alta participação na força de trabalho, mas as transferências públicas são menos generosas. Israel e o Reino Unido estão em uma posição intermediária, e os EUA e o Canadá estão em uma posição pior, porque as taxas de atividade das mães sós são mais baixas e as transferências não só são muito reduzidas, como em sua maior parte limitam-se a contemplar os suficientemente pobres (Hauser et. al. 1990). Na França, o problema é menos agudo: unicamente 25% das mães sós vivem na pobreza, porque a maior parte das mulheres nesta posição tem um emprego de tempo integral e contam com o apoio de serviços de creche mais desenvolvidos e acessíveis que em outros países (Martin 1994).

Um traço comum nas famílias chefiadas por mães sós é que as mulheres devem trabalhar mais para compensar a perda de poder econômico da família:

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de acordo com a Pesquisa sobre a Força de Trabalho de 1989, 66% das mães sós nos doze países da União Européia9 tinham empregos, comparados com

54% do total das mães e 71% delas trabalhavam em tempo integral, comparados com 62% do total geral.

O percentual de famílias chefiadas por mães sós varia muito de um país para outro (segundo as taxas de instabilidade e recomposição das uniões), mas os dados das amostras não dão uma idéia adequada da extensão do fenômeno: de acordo com um estudo de painel no Reino Unido, 40% das mães passarão algum tempo sós. Aproximadamente 75% destas mães sós formarão uma nova família, e 80% destas famílias terão início com a coabitação. Mas as famílias reconstituídas não são muito estáveis: mais de 25% se dissolvem em um ano (Ermish et. al. 1996). Duncan et.al. demonstraram nos EUA que a condição de viver em uma família com uma mãe só parece ser ainda mais disseminada quando se empregam dados longitudinais: de fato, esta condição afeta um terço das crianças brancas (até os 18 anos) e dois terços das crianças negras. Viver com uma mãe só é uma experiência transitória para muitas crianças, porque as mães casam ou recasam, mas para aproximadamente a metade das crianças esta situação dura mais de 6 anos. Para uma criança que vive as duas condições de maneira consecutiva, isto é, vive em uma família monoparental e depois em uma família com pai e mãe, o padrão de vida da última condição ultrapassa o da primeira em mais da metade. A situação é pior para as crianças que vivem sós com as mães desde o nascimento. A rede de apoio de amigos e família não alivia a má situação econômica destas famílias, e as políticas destinadas a aumentar a pensão paga pelo pai, as transferências públicas e aumento dos salários pagos às mães sós são muito débeis para surtir um efeito substancial. O resultado é que o bem estar econômico destas famílias depende do casamento ou recasamento da mãe que está só (Duncan et. al. 1994).

Mas as mulheres têm menos possibilidades de formar novas uniões que os homens. É mais fácil para os homens recasar, e eles o fazem mais cedo e com mais freqüência, com mulheres que nunca casaram. Quando as mulheres envelhecem, elas passam a ser em maior número que os homens da mesma idade, devido ao efeito acumulado da supermortalidade masculina, e elas estão em desvantagem com relação aos homens no mercado matrimonial. Isto também ocorre porque, se é aceitável que um homem se case com uma mulher muito

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mais jovem do que ele, o mesmo não ocorre com relação às mulheres. Além disso, o fato de que são as mulheres que geralmente detêm a custódia dos filhos é outro fator que as discrimina. Portanto, o risco de solidão aumenta com a idade e varia de acordo com os recursos da mulher (educação, trabalho), devido às expectativas das mulheres de encontrar um parceiro com status igual ou superior, o que é mais difícil. Finalmente, quando as mulheres encontram um novo parceiro, elas preferem coabitar ou viver em casas separadas, se possuírem recursos, em vez de arriscar um casamento, como mostra um estudo sobre recomposição familiar na França (Martin 1994), porque o aspecto de “acomodação” do casamento não lhes interessa e elas preferem manter um status mais independente. Conclusões

Na análise das relações entre o sistema de gênero e o comportamento familiar, empreguei dois pontos de vista diferentes, um macro, no nível do país (Seções 3.1 e 3.3) e um micro, no nível dos indivíduos e dos casais (Seções 4 e 5). Além disso, na análise macro utilizei tanto métodos dinâmicos, que tornam possível ver as mudanças ao longo do tempo na geografia dos comportamentos e nas condições estruturais (Seção 3.1), quanto métodos estáticos (Seção 3.3) e na análise dos dados individuais apresentei os resultados da aplicação de métodos exploratórios (Seção 4) e causais (Seção 5). Dei prioridade à análise multivariada em todos os casos porque gênero, desenvolvimento e comportamento familiar estão interligados.

A análise macro mostrou claramente que o contexto econômico, social e cultural em que está surgindo a maior eqüidade de gênero nos países desenvolvidos é um contexto em que o desenvolvimento é muito alto, prevalecem valores de natureza pós-materialista e há uma grande atenção à qualidade de vida. Isto também é resultado do investimento de capital humano nas mulheres e de sua crescente participação no poder político, porque as melhores condições foram alcançadas nos países democráticos, onde as mulheres têm uma tradição mais longa de participação ativa no governo em todos os níveis, incluído o mais alto, construída ao longo de muitos anos de engajamento político.

Do anterior emerge um quadro de responsabilidade: mulheres competentes que estão mudando o mundo, não só a seu favor, mas também em favor de homens e crianças, e que estão obtendo apoio institucional para a família, de

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maneira a tornar menos onerosos os papéis tradicionais das mulheres (menos tempo pessoal dedicado às tarefas domésticas e aos filhos), para tornar possível levar a fecundidade a um nível próximo da reposição, mesmo num contexto de uniões tardias e instáveis e de fecundidade adiada.

A análise micro exploratória de muitos países confirmou que os “novos casais”, nos quais a diferenças de gênero são mínimas ou mesmo invertidas, comparadas com sua valência tradicional, com freqüência preferem viver juntos sem casar.

Os modelos causais, incluindo os novos tipos de comportamento familiar entre suas variáveis dependentes, confirmam que o viver juntos e a instabilidade da união são mais altos entre os casais nos quais as mulheres têm mais recursos em termos de educação e emprego qualificado. Desta forma, o resultado não difere nos níveis macro e micro, no que concerne ao comportamento familiar e aos fatores a ele associados. Quanto à fecundidade, em contraste com os resultados que surgiram no nível macro, a análise no nível micro demonstra, tanto na análise exploratória (Seção 4.1) quanto nos modelos causais (Seção 5) que as mulheres com mais recursos têm e desejam uma fecundidade limitada. Portanto, encontrei uma diferença nos resultados entre os dois níveis da análise para a relação entre a posição das mulheres e a fecundidade.

É normal que os resultados difiram no dois níveis. Mas é interessante esclarecer o significado deste resultado contrastante. O fato de viver em uma sociedade “mais favorável à família”, em que a posição das mulheres é melhor, não elimina os maiores custos de ter filhos para as mulheres mais escolarizadas e mais envolvidas com uma carreira, mesmo que sua influência negativa seja menor neste tipo de sociedade.

A segunda diferença nos resultados das análises nos níveis micro e macro refere-se à maneira como os países são agrupados. Enquanto na análise macro os países das várias áreas geográficas – Norte (mais os países extra-europeus, quando é o caso) Oeste, Leste (e a antiga URSS) e Sul – formam três grupos bastante diferenciados entre si, na análise micro as cartas foram embaralhadas, mostrando afinidades de comportamento individual entre países muito distantes no nível macro. O caso mais notável é o da proximidade da Suécia com a Letônia e a Lituânia, que estão distantes no nível macro porque ali prevalecem as diferenças no desenvolvimento destes países, enquanto no nível micro eles estão

Referências

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