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Mídia e Letramento Escolar

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Academic year: 2021

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(1)Revista de Educação. MÍDIA E LETRAMENTO ESCOLAR. Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009. Rosi Valéri Corrêa Araújo Faculdade Santa Terezinha - FAST rosivalericorrea@gmail.com. RESUMO O presente trabalho investiga a articulação entre a mídia e o letramento na fase alfabética, verificando como a escola utiliza os objetos culturais alfabetizadores na formação do sujeito. Vygotsky, Bakhtin, Benjamin, Freire, Ferreiro e Soares, norteiam o arcabouço teórico nas seguintes áreas de confluência: Alfabetização, Letramento e Mídia. Nesse sentido, foi necessária uma pesquisa qualitativa colaborativa com perspectiva etnográfica, a qual teve como participantes uma turma de 1ª série do Ensino Fundamental da rede pública do Distrito Federal. Foram estudadas várias atividades realizadas em sala de aula com os objetos culturais, tais como: a confecção do alfabeto, o jogo do bingo, a produção de propagandas, a produções de embalagens, as atividades com os encartes dos supermercados, a compra e venda de mercadorias e o passeio ao hipermercado. A fim de elencar as categorias de análise, efetivou-se um recorte nas atividades trabalhadas, focando apenas na confecção do alfabeto e na visita ao hipermercado. Por fim, após esse estudo, fica bastante evidente a influência da mídia na apropriação da leitura e da escrita no processo de letramento na fase alfabética. Palavras-Chave: alfabetização; letramento; mídia.. ABSTRACT This paper investigates the link between media literacy and in alphabetic phase, looking at how the school uses the objects in the formation of cultural literacy subject. Vygotsky, Bakhtin, Benjamin, Freire, Smith and Smith, the guiding theoretical framework for convergence in the following areas: Literacy and Media Literacy. In this sense, it took a collaborative qualitative research with ethnographic perspective, which had as participants in a class of first grade of elementary school from the public in the Federal District. We studied various activities in the classroom with cultural objects, such as the making of the alphabet, the game of bingo, the production of advertising, packaging production, the activities with the inserts of supermarkets, buying and selling goods and the ride to the supermarket. In order to list the categories of analysis, was accomplished in a cropping activities worked, focusing only on the alphabet and making the visit to the hypermarket. Finally, after this study, it is quite evident the influence of media ownership in reading and writing in the literacy process during alphabetically. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@aesapar.com. Keywords: alphabetic; literacy; media.. Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Informe Técnico Recebido em: 3/11/2009 Avaliado em: 17/9/2010 Publicação: 18 de agosto de 2011. 155.

(2) 156. Mídia e Letramento Escolar. 1.. INTRODUÇÃO Sabemos que a escrita é um objeto cultural que cumpre diversas funções sociais e apresenta-se de maneira concreta, principalmente, nos ambientes urbanos, onde a presença ubíqua da mídia nos proporciona diferentes informações inseridas numa complexa rede de relações. Dessa forma, a criança hoje enfrenta uma realidade multimediatizada, ingressando desde cedo no processo de letramento, que segundo Magda Soares (2001, 47), é o “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” e essa condição é desenvolvida mediante o contato diário da criança com eventos sociais de leitura e escrita. Ao ouvir a mãe contar histórias antes de dormir, ao assistir o pai ler um jornal, ao andar pela rua e ver os letreiros das lojas, a criança já participa do processo de letramento, porque estabelece relações, reconhece essas palavras como parte do seu contexto. Na alfabetização, o grande desafio é ensinar o aluno a “ler e escrever” apropriando-se da função social da língua. Ferreiro e Teberosky (1991) afirmam que freqüentemente a leitura e a escrita são ensinadas de forma mecânica, como algo estranho à criança, e não como um objeto de seu interesse: “Às crianças se ensina traçar letras e fazer palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. A mecânica de ler o que está escrito está tão enfatizada que afoga a linguagem escrita como tal” (VYGOTSKY, apud FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 278). Na prática pedagógica, a leitura e a escrita não podem e não devem ser reduzidas a uma reprodução, a uma simples ferramenta para o ensino de conceitos, objetivando somente a decifração do código lingüístico. Por trás dessa natureza específica há, ainda, a função social, tão discutida, ao mesmo tempo tão contraditória nas práticas pedagógicas, levando a uma ampla reflexão a cerca da finalidade real do ensino da língua, pois persiste a idéia de que escrever o próprio nome e reconhecer as letras do alfabeto é a concepção que rege a alfabetização. Mas, esse grau de conhecimento não garante a relação com as atividades cotidianas, como escrever uma carta, compreender uma reportagem, consideradas práticas de letramento que trazem um significado mais amplo e complexo, valorizando, principalmente, as características sociais adquiridas no processo interativo de fala, leitura e escrita. Assim sendo, o professor utiliza-se de alguns recursos para promover o letramento, por exemplo, a presença de textos midiáticos na sala de aula. Porém, a maneira como esses recursos estão sendo trabalhados na educação priorizam a formação. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(3) Rosi Valéri Corrêa Araújo. 157. de sujeitos competentes, capazes de transformar-se e de transformar sua realidade ou apenas como uma maneira diferente de alfabetizar, inserida num modismo com velhos pretextos?. 2.. MÍDIA: UMA NOVA METODOLOGIA DE ENSINO? Considerando a influência da mídia em nossas vidas, constatamos que os rótulos, embalagens e as propagandas, entre outras imagens verbais e visuais, invadem nossas casas sobrepondo-se, muitas vezes, a nossa maneira de falar e de agir, contribuindo para que a criança já ingresse na escola com conceitos preestabelecidos. Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar, então, que a mídia influencia a sociedade letrada e, conseqüentemente, a escrita alfabética, a qual sofre mudanças decisivas. Benjamin (1987) afirma que as letras das propagandas diferenciam-se das letras dos livros simplesmente por serem penetrantes, entranhando-se na nossa memória. Reafirmando as idéias do autor, constatamos que algumas marcas estão extremamente ligadas à memória afetiva das pessoas que transcende seu próprio uso, deixando evidente a importância dos designs das embalagens e dos rótulos para a consagração deles e assim fixá-los na mente do consumidor. Nem é preciso “ler” o que está escrito no rótulo de determinado produto para reconhecê-lo e saber exatamente sua função, aroma e sabor. O que o faz lembrar uma embalagem cor-de-rosa com um casal dançando a valsa de Strauss ou uma jovem camponesa com um balde de leite na cabeça? Então, não é preciso muito esforço para nos remeter ao bombom Sonho de Valsa e ao Leite Condensado que, com um simples apelido “moça”, servia de referência para os consumidores e transformou-se no nome do produto. O mesmo acontece com a pomada Minâncora em que a deusa Minerva e a âncora – daí o nome da pomada – permanecem até hoje. Adorno e Horkheimer (1985, p.114) apontam o outro lado de atuação da mídia sobre as pessoas, em que a técnica conquista seu poder sobre a sociedade, argumentando: “a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação” onde o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma é forçado a “passar pelo filtro da indústria cultural”. A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 118).. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(4) 158. Mídia e Letramento Escolar. Dessa forma, constatamos que o impacto da mídia é onipresente e profundo, já que o texto publicitário possui, como uma de suas características básicas, o tom dialógico entre o produto e o consumidor, num mecanismo de sedução, persuasão e apelação. A publicidade tem como objetivo convencer, induzir o leitor, o telespectador ou o ouvinte ao consumo de um produto. Para isso, primeiramente tenta atrair a atenção do consumidor, despertando seu interesse, logo depois estimulando-lhe o desejo, para enfim, induzi-lo à ação. Nas palavras de Adorno e Horkheimer (1985, p.153) confirmamos essa idéia: Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem. Tanto lá como cá, a mesma coisa aparece em inúmeros lugares, e a repetição mecânica do mesmo produto cultural já é a repetição do mesmo slogan propagandístico. Lá como cá, sob o imperativo da eficácia, a técnica converte-se em psicotécnica, em procedimento de manipulação das pessoas.. Todas essas afirmações nos levam a questionar, a discutir e a alertar sobre as ideologias que estão subentendidas em cada propaganda ou embalagem. Nesse sentido, questionamos, aqui, a maneira como a escola vem utilizando esses objetos culturais alfabetizadores na formação do sujeito, pois nos referimos à formação em toda sua plenitude, ou seja, à escola com o papel de auxiliar a construção de um sujeito crítico, atuante e consciente do seu papel na sociedade. Não nos referimos apenas à utilização desses materiais como uma nova metodologia de ensino, uma maneira moderna de depositar1 informações, oferecendo à criança um futuro de mero espectador do mundo que o rodeia. Então, as perguntas inquietam-se: Textos midiáticos na alfabetização formam ou apenas informam? De que maneira essa realidade está sendo inserida no contexto da sala de aula? Quais objetos culturais alfabetizadores estão sendo selecionados? Que pressões a sociedade capitalista exerce sobre essa seleção? Será que a escola realmente está desenvolvendo na criança a “leitura de mundo” ou, equivocadamente, está apenas desenvolvendo a “decodificação da palavra”? Tentando responder a todas essas perguntas, partimos para a pesquisa qualitativa colaborativa, apoiados na etnografia. Um estudo que se situa na fronteira entre a cultura da criança e a cultura escolar à qual é submetida. Foram quatro meses de encontros sistematizados em uma sala de 1ª Série do Ensino Fundamental da rede pública do Distrito Federal, no qual tínhamos como objetivo precípuo compreender o papel da mídia no processo de alfabetização. Como instrumentos para a coleta de dados,. 1. Paulo Freire (2002) refere-se à educação bancária como uma crítica ao ato de depositar ou transferir conhecimentos.. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(5) Rosi Valéri Corrêa Araújo. 159. utilizamos o diário de campo, entrevistas formais e informais, fotografias, gravações em áudio e vídeo.. 3.. EVENTOS DE LETRAMENTO Todos os eventos de interação entre as crianças com os objetos culturais alfabetizadores foram cuidadosamente analisados, entre eles, destacamos, o jogo do bingo feito com as embalagens dos produtos; confecção do alfabeto com as embalagens; produção de propagandas; produções de embalagens; atividades com os encartes dos supermercados; compra e venda de mercadorias; passeio ao hipermercado, entre outros. Mas, em especial, evidenciamos dois momentos de extrema importância para a pesquisa, que acreditamos exemplificar a presença da mídia no processo de letramento, favorecendo um intenso diálogo entre os autores estudados sobre a decodificação e a prática social da língua. O primeiro evento transcorreu durante a confecção do alfabeto com as embalagens dos produtos industrializados. Essa atividade surgiu depois de algumas conversas informais entre professora e pesquisadora, em que sugeri atividades que as crianças utilizassem os objetos culturais alfabetizadores, permitindo-lhes maior interação com a língua escrita nos mais diferentes contextos. Dessa forma, a língua agiria sobre a criança, para que a aprendizagem se convertesse em um objeto de ação e não apenas de contemplação. Compartilhando de minhas idéias, a professora decidiu organizar a primeira atividade com os objetos culturais alfabetizadores. A princípio, a professora pensou em trazê-los, para que não ficasse letra sem embalagem, mas, depois, conversando com outras professoras, refletiu e deixou que as crianças trouxessem de casa. Conscientizou-se que, para que a aprendizagem se tornasse realmente significativa, o objeto real deveria partir do interesse das crianças para que pudessem elaborar seus próprios conhecimentos, demonstrando uma concepção de aprendizagem epistemologicamente diferente daquela inicial. A professora recortou pedaços de cartolina e escreveu a letra “A” em um cartaz, a letra “B” em outro e assim sucessivamente. Ao pedir às crianças que trouxessem as embalagens de casa para montarem o alfabeto, elas ficaram agitadas, eufóricas. A alegria das crianças ao executarem essa atividade era contagiante, brincavam competindo para ver quem iria conseguir mais embalagens, os tipos de produtos que iriam trazer. Toda essa felicidade era porque realizariam uma atividade diferente daquelas às quais estavam acostumados a desempenhar na escola. As embalagens pedidas eram significativas para eles porque foram manuseados pela mãe, pai, irmãos ou. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(6) 160. Mídia e Letramento Escolar. eles próprios. Essa é a grande diferença, sair do conhecimento abstrato e ingressar no concreto. Iniciaram, então, a confecção do alfabeto: (Todos se sentaram no chão, em círculo, colocaram todas as embalagens no centro do círculo e a professora foi perguntando:) Pr: O que nós temos aqui que começa com a letrinha “A”? Ulisses: Água, tia. Pr: Vocês concordam? Cs: Sim. Pr: Muito bem, nós temos uma garrafinha d’água. E a palavra água começa com a letrinha… Cs: “A” Pr: Isso mesmo, então vamos colar. E com a letra “B”, o que nós temos? Júlia: Bolo. Pr: O que vocês acham? Bolo começa com a letrinha “B”? Cs: Começa (Gritam todos juntos). (…) Pr: Quem sabe um produto que começa com a letra “N”? Luiza: Nescau! Pr: O que vocês acham? (Mostrando a embalagem para as crianças) Nescau começa com “N”? Cs: Começa! (...) Pr: E na letrinha “R”, o que nós podemos colar? Marcos: Esse aqui, tia (apontando para o sabão em pó Rizzo). Pr: Mas será que eu posso colocar essa embalagem na letra “R”? Como é o nome dela? Pedro: É o sabão Rizzo. Pr: Ah, é verdade, RIZZO começa com a letra “R”. Então vamos colar. (…) (Diário de campo). No início da fase alfabética a criança passa pelo processo da leitura de símbolos e de sinais globais do espaço urbano e do contexto familiar, desta forma a presença da imagem com a palavra lhe permite algumas previsões sobre o conteúdo do texto. Portanto, se ela não tem total domínio da leitura da palavra, a imagem, o design ou o personagem que o produto representa facilitam essa decodificação. É exatamente isto que constatamos neste momento, algumas embalagens as crianças reconhecem pelo produto, como é o caso da água na letra “A”, do bolo Sol, na letra “B”; e outras elas reconhecem pela marca, quando escolhem o achocolatado NESCAU, na letra “N” ou o sabão em pó RIZZO, na letra “R”. Como nesse tipo de atividade tudo é vivo e móvel, as crianças adoraram o trabalho, elogiaram os cartazes, escolheram o melhor lugar para colocá-los e auxiliaram a professora a fixá-los na parede da sala. Estavam felizes porque, além de terem participado da produção, o que geralmente era feito somente pela professora, agora estava sendo feito com a participação deles, cada um deixou a sua contribuição, trouxe algo seu, da sua família para auxiliar na aprendizagem da turma. Um produto que antes pertencia à sua realidade doméstica agora fazia parte da realidade escolar.. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(7) Rosi Valéri Corrêa Araújo. 161. Outro evento de grande importância foi um passeio feito pela turma ao hipermercado Extra, em que a aluna Izabela é interpelada pela professora sobre os produtos expostos: (…) Pr: O que está escrito aqui, Izabela? Izabela: Halls. Pr: E este aqui? Izabela: Babalu. (…) Pr: E neste aqui, o que está escrito? Izabela: Não sei, não consigo lê. Pr: Consegue…consegue Izabela. Olha só, aqui em cima (passando o dedo indicador nas letras P I ), leia para mim: P I... Izabela: (Falou rapidamente) “Pirulito.” (Gravação em vídeo). Esse recorte do diálogo entre a professora e a aluna Izabela ilustra claramente um evento de letramento, ao reconhecer o nome da bala e do chiclete pelo seu conhecimento prévio do rótulo do produto e não por que conseguiu lê-lo, pois no momento em que a professora perguntou-lhe o nome de outra embalagem, talvez desconhecida para ela, um saco de pirulitos, ela respondeu que não conseguia ler. Enquanto percorríamos os corredores do hipermercado, íamos encontrando grande variedade de produtos, de coloridos, de imagens indicando os departamentos de limpeza, de cosméticos, de enlatados, enfim, uma imensa apelação visual. Nas prateleiras, podíamos observar as embalagens práticas, os sugestivos rótulos, produtos necessários, outros supérfluos, todos ali, prontos para serem explorados ou, pelo menos, percebidos pelas crianças. Assim, durante esse passeio tivemos várias oportunidades de constatar a prática discursiva letrada (KLEIMAN, 2002), já que as crianças de diferentes maneiras usavam estratégias sociais letradas para fazer a leitura do mundo social que nos cerca.. 4.. COSTURANDO TEORIA E PRÁTICA Ao fazer a leitura da marca da bala e do chiclete, mas, ao mesmo tempo, não conseguindo fazer a leitura do pirulito, Izabela reafirma as idéias de Benjamin (1987), quando aponta a memória como fator primordial para a apropriação da leitura e da escrita. A mídia, consciente dessa situação, apela para seu poder de sedução e de persuasão para fixar na memória afetiva do consumidor o produto desejado. Naquele momento, percebi que Izabela não sentiu dificuldade em “ler” os rótulos que já conhecia. Talvez, apoiada na lembrança do design das letras ou nas cores, ela identifica rapidamente o tipo de produto, enquanto, no momento em que lhe foi solicitada a leitura de outro produto, que não pertencia ao seu domínio de conhecimento, Izabela demonstra um pouco mais de dificuldade. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(8) 162. Mídia e Letramento Escolar. Nesse evento, dialogamos também com Freire (2002), quando refletimos sobre as incontáveis leituras de mundo que as crianças são capazes de fazer. Nessa perspectiva, Izabela ao fazer a leitura, por meio do reconhecimento da marca, relaciona sua cultura já existente, com suas novas aprendizagens, situando-a como alguém que faz parte do mundo e que está atenta ao que acontece a sua volta. Partindo dessa idéia, acreditamos que a leitura de mundo transcende a leitura das palavras e dos textos. Ela perpassa pelas áreas do conhecimento, pelo contexto social, possibilitando à criança tecer novas leituras, transformando dinamicamente sua relação com o conhecimento. Fica claro que Izabela apresenta um grau de letramento incorporado, segundo Soares (2001), pelas práticas de leitura e escrita que estão presentes na nossa sociedade, como o jornal, a televisão, o outdoor, etc. O processo de letramento aproxima cada vez mais as crianças da nossa cultura letrada, dando-lhes oportunidades de lidarem com os diferentes significados dos objetos do mundo, de fazerem suas próprias leituras, ressignificando-as e, o mais importante, participando de uma nova construção. Desta forma, Vygotsky (2000) também contribui nessa discussão, quando sustenta que, o processo de construção do conhecimento inicia a partir da relação entre a concepção da criança e sua interação com o meio, enfatizando a relação existente entre pensamento e linguagem ao apontar a significação como elemento fundamental dessa relação. Esse autor assegura que cada palavra passa necessariamente por um significado que depende da subjetividade de cada um, fazendo-nos crer que todas as frases que dizemos trazem em si algum tipo de subtexto, quer dizer, sempre existe um pensamento subjacente a elas, o que nos remete novamente ao letramento, à memória e à leitura de mundo, estabelecendo um diálogo constante entre o evento destacado anteriormente e as teorias de Vygotsky (2000), Benjamin (1987), Freire (2002) e Soares (2001), ao confirmar que suas idéias se entrelaçam produzindo ressonâncias teóricas em direção à linguagem como espaço de construção do sujeito histórico e social.. 5.. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da investigação realizada foi possível verificar uma certa transformação na prática pedagógica da professora, a qual relutou inicialmente em abolir sua prática formal mas, aos poucos, foi modificando sua postura em favor da contextualização das atividades e da integração das crianças, ocorrida devido às conversas e reflexões travadas. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(9) Rosi Valéri Corrêa Araújo. 163. nos intervalos entre professora e pesquisadora, à motivação das crianças após cada atividade trabalhada e aos resultados positivos destas atividades. Observamos que a promoção de atividades mais interessantes, mais dinâmicas, envolvendo os objetos culturais alfabetizadores motivavam as crianças e, conseqüentemente, um fato desencadeava outro, ou seja, a mídia motivava o aluno, que motivava a professora, e este processo naturalmente fazia com que a aprendizagem acontecesse, tornando cada criança produtora de seu próprio conhecimento. Assim, considerando os pontos apresentados, podemos afirmar que a presença dos objetos culturais alfabetizadores, e as discussões suscitadas em sala de aula nas reflexões sobre as propostas ideológicas implícitas em cada um deles, quando trabalhados de forma consciente pelo educador, permitiram às crianças muito mais do que uma breve informação, não se restringindo apenas à decodificação da palavra. Presenciamos a formação do indivíduo, o desenvolvimento da sua leitura crítica, crianças mais questionadoras e atuantes, demonstrando um olhar próprio perante a realidade midiática que as cercam. Por fim, fica clara a importância de trabalharmos dentro da escola com textos sociais, textos midiáticos, cabendo ao professor a promoção dos conhecimentos construídos pelas crianças em contextos mais amplos e significativos, respeitando suas verdadeiras leituras do mundo para, então, contribuir na formação de sujeitos melhores, capazes de utilizar esses conhecimentos como instrumentos para uma participação social mais efetiva.. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Tradução: Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Maria Ermantina G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política – Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: ______. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2002. SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

(10) 164. Mídia e Letramento Escolar. Rosi Valéri Corrêa Araújo Possui graduação em Letras pela Universidade Regional da Campanha (1986) e mestrado em Educação pela Universidade de Brasília (2004). Atualmente é pesquisadora da Universidade de Brasília, consultora de alfabetização e linguagem do Ministério da Educação e Cultura e professora nas Faculdades Jesus Maria José e Dulcina de Moraes.. Revista de Educação • Vol. XII, Nº. 14, Ano 2009 • p. 155-164.

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