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Guavira n o 10 O APELO À EMOÇÃO: UMA ESTRATÉGIA DE TOM PERSUASIVO NO DISCURSO RELIGIOSO PENTECOSTAL

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Academic year: 2021

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O APELO À EMOÇÃO: UMA ESTRATÉGIA DE TOM PERSUASIVO NO DISCURSO RELIGIOSO PENTECOSTAL

Rachel Camilla Rodrigues de Castro (PG-UFV)13

Mônica Santos de Souza Melo (UFV)14

RESUMO: Neste trabalho pretendemos analisar como a linguagem, no discurso religioso, pode funcionar como

mecanismo de sedução e captação de adeptos, avaliando a utilização do apelo à emoção, num cântico de um culto da igreja Assembléia de Deus. Trata-se de um estudo de caso, que adotará como principal referencial teórico e metodológico a teoria semiolinguística do discurso de Patrick Charaudeau, que propõe um estudo discursivo das emoções. Tal análise nos permitiu constatar, no corpus, a presença de vários recursos que poderiam seduzir e persuadir o crente, tais como, a seleção lexical, o uso de metáforas, exclamações, interjeições e a descrição do estado emocional do locutor através da modalidade elocutiva, o que nos leva a pensar que o apelo à emoção pode ser uma estratégia de tom persuasivo.

Palavras-chave: discurso religioso; emoção; semiolinguística.

ABSTRACT: In this paper we analyze how language, in religious discourse, can function as a mechanism of

seduction and of attracting followers, evaluating the use of the appeal to emotion in a song of the cult of the Assembly of God church. This is a case study based on the Semiolinguistics Discourse Analysis by Patrick Charaudeau, who proposes a discursive study of emotions. The analysis has shown that the song presents some features that can persuade the believer by emotion, such as lexical selection, the use of metaphors, exclamations, interjections and description of the talker's emotional state through the elocutive modality, which leads us to think that the appeal to emotion can be a strategy for a persuasive tone.

Key words: religious discourse; emotion; semiolinguistics.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar como a linguagem, no discurso religioso, pode funcionar como mecanismo de sedução e captação de adeptos, avaliando a utilização do apelo à emoção, o chamado “efeito patêmico”, nos termos de Charaudeau (1999, p.5). Adotaremos em nossa investigação o ponto de vista deste autor, segundo o qual é possível o

estudo discursivo da emoção numa situação comunicativa. Primeiramente, partiremos de

pressupostos teóricos abordando a questão da emoção/patemização enquanto estratégia de caráter persuasivo. Em seguida, analisaremos um cântico de louvor de um culto da igreja Assembléia de Deus, gravado na cidade de Viçosa.

Emoção e persuasão

Plantin (apud AMOSSY, 2000, p.164) identifica três “operações discursivas” que seriam necessárias para se obter a persuasão completa. Assim, o discurso deve ensinar, agradar e tocar. De acordo com Plantin, o caminho intelectual (a razão) não é suficiente para

13 Mestranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

14 Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professora

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desencadear a ação. A partir daí surge a dupla atividade convencer-persuadir, sendo que a primeira atividade está ligada às faculdades intelectuais e a segunda, ao coração.

Pascal (apud AMOSSY, 2000, p. 165), compartilha da mesma opinião de Plantin, ou seja, também pensa que somente a razão é insuficiente para se alcançar a persuasão. Para Pascal, é necessário conhecer o espírito e o coração.

Se, de um lado, encontramos autores como Plantin e Pascal, que acreditam na união entre razão e emoção, enquanto vias para persuadir um sujeito; de outro, deparamo-nos com autores que privilegiam a emoção, como Gibert. Para Gibert (apud AMOSSY, 2000, 165), o sujeito é assujeitado a uma “verdade” por razões claras, óbvias, sem que haja uma verdadeira persuasão. Esta só ocorre quando o coração é vencido. Daí decorre a conclusão de que ce qui ne touche pas est contraire à la persuasion15 (apud AMOSSY, p.165).

Amossy (2000, p. 167) apresenta, ainda, outro teórico que também privilegia o estudo argumentativo da emoção: Walton (1992), que mostrou a legitimidade das emoções no processo argumentativo. Para ele, as emoções têm uma importância no diálogo persuasivo. Esse autor examina as condições de validade dos argumentos que suscitam sentimentos como a piedade.

Emoção e patemização

Charaudeau (1999) estuda a emoção, sob o ponto de vista discursivo, utilizando o termo “patemização” para delimitá-lo, diferenciando esse objeto do de outras disciplinas, como a psicologia e a sociologia.

Nessa perspectiva, as representações patêmicas são sócio-discursivas. Uma representação pode ser considerada patêmica quando ela descreve uma situação a propósito da qual um julgamento de valor coletivamente partilhado e instituído em norma social envolve um actante que é um ser beneficiário ou vítima e ao qual o sujeito da representação se encontra ligado.

Acreditamos, como Charaudeau, ser possível estudar a emoção sob a perspectiva de um estudo linguageiro, considerando essa abordagem através de uma situação de comunicação particular, no nosso caso, o discurso religioso.

Efeitos patêmicos do discurso

Charaudeau (1999, p.20) propõe que a patemização seja tratada discursivamente como uma categoria de efeito que se opõe a outros efeitos como o efeito cognitivo, pragmático, etc. Como toda categoria de efeito depende das circunstâncias em que aparece, ou seja, a organização do universo patêmico depende da situação social e cultural na qual se inscreve a troca comunicativa. Assim, um mesmo enunciado pode produzir diferentes efeitos patêmicos e esses vão variar conforme a cultura.

Para ele, o efeito patêmico depende de três tipos de condição:

1) que o discurso produzido se inscreva num dispositivo comunicativo cujos componentes (sua finalidade e os lugares que são atribuídos antecipadamente aos parceiros da troca) predisponham ao surgimento de efeitos patêmicos;

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2) que o campo temático sobre o qual se apóia o dispositivo comunicativo preveja a existência de um universo de patemização e proponha uma certa organização dos tópicos (imaginários socio-discursivos) susceptíveis de produzir tal efeito;

3) que, no espaço de estratégias deixado disponível pelas restrições do dispositivo comunicativo, a instância de enunciação utilize uma encenação16 discursiva com finalidade patemizante.

O efeito patêmico pode ser obtido pelo emprego de certas palavras que podem remeter ao universo emocional, mas também por enunciados em que essas palavras não são utilizadas. Ou seja, o efeito patêmico pode ser obtido por um discurso explícito e direto, na medida em que as próprias palavras dão uma tonalidade patêmica, ou de forma implícita e indireta.

A construção discursiva do sentido como construção de efeitos intencionais visados depende das inferências que podem produzir os parceiros do ato de comunicação e essas inferências dependem do conhecimento que os parceiros possam ter da situação de comunicação.

Segundo Charaudeau (1999, p.15), há uma dupla enunciação de efeito patêmico, as quais sintetizamos a seguir:

1) uma enunciação da expressão patêmica, a qual pode ser ao mesmo tempo elocutiva e alocutiva, que visa a produzir um efeito de patemização, seja pela descrição ou manifestação do estado emocional no qual o locutor se encontra, seja pela descrição do estado emocional no qual o outro deveria se encontrar; 2) uma enunciação da descrição patêmica, que propõe ao destinatário a narrativa (ou um fragmento) de uma cena dramatizante susceptível de produzir o efeito patêmico. Nesse caso, tal efeito é construído por uma construção identitária entre os interlocutores, ou seja, depende do elo que se supõe unir o destinatário à situação descrita e aos protagonistas.

Características gerais do discurso religioso

Orlandi (1996) apresenta algumas características do discurso religioso, dentre as quais destacamos a assimetria, entre as instâncias de produção e recepção, e a ilusão de reversibilidade, entre os planos terreno e espiritual.

Segundo Orlandi (1996, p. 246), uma marca do discurso religioso é a assimetria na relação entre a instância de produção e a instância de recepção. Enquanto a primeira é composta por Deus, pela Igreja e seus representantes (que falam em nome do plano espiritual), a segunda se compõe dos fiéis (que fazem parte do plano terreno). Esses dois planos são afetados por um valor hierárquico, por uma desigualdade, uma vez que o celebrante reproduz a voz de Deus, que é imortal, eterno, onipotente, onipresente, onisciente, enquanto os ouvintes são mortais e passageiros.

Ainda para Orlandi (1996, p. 240), a ilusão da reversibilidade entre os dois planos (o plano terreno e o espiritual) também caracteriza o discurso religioso. Essa ilusão pode ter duas direções: de cima para baixo, ou seja, de Deus para os homens, momento em que Ele compartilha suas propriedades por meio de sacramentos, bênçãos, de milagres; de baixo para cima, quando o homem se alça a Deus, principalmente, através da obediência à palavra de Deus. Como veremos, essa ilusão de reversibilidade se constitui numa importante estratégia de captação de fiéis.

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Ao abordar o discurso religioso, Maingueneau (2008, p. 199) afirma que, embora pertença a um corpora de prestígio, esse tipo de discurso é geralmente pouco estudado, provavelmente pelo fato de que sua compreensão implica o conhecimento de um vasto intertexto, nem sempre acessível a todos. Assim, uma característica do discurso religioso, em seus vários gêneros (homilias, pregações, cânticos, orações) é a vinculação a um texto “primeiro”, com o qual esses discursos mantêm uma espécie de relação parafrásica. Também essa relação intertextual será observada no cântico que nos propomos, a partir de agora, a analisar.

Análise do cântico

O cântico analisado foi executado em um culto da Assembléia de Deus. De acordo com Ferreira (2006) a igreja Assembléia de Deus é um dos principais expoentes do pentecostalismo no Brasil. O cântico analisado foi executado em um culto da Assembléia de Deus. Caracteriza-se pela crença no Espírito Santo e na autoridade da Bíblia, livro escrito sob a inspiração de Deus, e que seria o melhor exemplo de como viver uma vida de fé. Acreditam ainda na possibilidade da cura divina dos doentes e defendem que a Igreja tem a função de buscar e salvar aqueles que estão em pecado.17

O culto da Assembléia de Deus é dividido em três partes. São elas: Louvor, Testemunhos e Pregação da Palavra de Deus. O Louvor pode ser compreendido como um momento que leva a congregação a adorar a Deus na beleza da Sua Santidade.

Durante o Louvor, foram cantados seis (6) cânticos. Analisaremos, no entanto, apenas um deles. Vejamos a seguir.

Sobre as ondas do mar

Oh! Por que duvidar, Sobre as ondas do mar, Quando Cristo caminho abriu?

- Quando forçado és, contra as ondas lutar, Seu amor a ti quer revelar.

Refrão: Solta o cabo da nau Toma os remos na mão, E navega com fé em Jesus;

E então, tu verás que bonança se faz Pois com Ele, seguro serás.

Trevas vêm te assustar, Tempestades no mar?

- Da montanha o Mestre te vê; E na tribulação

Ele vem socorrer,

17

Informações disponíveis em:

<http://chistianity.about.com/old/assembliesofgod/a/assemblyhistory.htm.> acesso em 08 de junho de 2010.

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Sua mão bem te pode suster. Podes tu recordar,

Maravilhas, sem par? - No deserto ao povo fartou; E o mesmo poder

Ele sempre terá,

Pois não muda e não falhará. Quando pedes mais fé, Ele ouve, ó crê!

Mesmo sendo em tribulação;

Quando a mão de poder o teu “ego’” tirar, Sobre as ondas poderás andar.

Sabe-se que a instância de produção do cântico religioso, em geral, e do cântico acima, em particular, é ampla e complexa, uma vez que este é produzido dentro de uma instituição – a Igreja – que regula as interpretações do texto bíblico, ao qual a letra se refere. A partir dessas coerções, o sujeito- autor vai utilizar as estratégias consideradas mais adequadas para se expressar e para captar seu público.

No cântico manifesta-se o texto bíblico, em pelo menos duas passagens. Primeiro, nos versos que dizem “Oh! Por que duvidar, /Sobre as ondas do mar,/Quando Cristo caminho abriu?” e “Quando a mão de poder o teu ego tirar,/Sobre as ondas poderás andar”, há uma referência ao Evangelho de Mateus, no seguinte versículo: “Entre as três e as seis da madrugada, Jesus foi até os discípulos, andando sobre o mar.”18

Também o verso “ No deserto ao povo fartou” refere-se à passagem bíblica:

Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Depois pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu, pronunciou a bênção, partiu os pães, e os deu aos discípulos; os discípulos distribuíram às multidões. Todos comeram, ficaram satisfeitos, e ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços que sobraram.19

Evidencia-se, nos versos destacados, o recurso à autoridade sintetizada no texto bíblico para fundamentar a tese da necessidade da fé.

A instância de recepção, por sua vez, é bastante heterogênea, pois, apesar de o cântico estar inserido num culto da Assembléia de Deus, sendo sua execução direcionada para os fiéis dessa Igreja, de outro, não se pode ignorar o fato de que é também executado também em outras Igrejas Evangélicas20 , o que nos leva a concluir que pretende alcançar o cristão, de uma forma ampla.

Ao abordar o texto sob a perspectiva da emoção, o primeiro aspecto que devemos destacar é o favorecimento da obtenção do efeito patêmico pela inserção do discurso num dispositivo comunicativo cujos componentes predisponham ao surgimento de efeitos patêmicos. O momento de Louvor, por sua finalidade, a expressão do amor a Deus, a adoração a ele atribui aos presentes, antecipadamente, uma posição de assimetria, inscrevendo-os no plano do material em oposição ao plano do divino. Além disso, o espaço físico (a igreja) e simbólico (o culto) em que se inscrevem determinam a expressão de

18

BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. SP: Paulus, 1990. Cap. 14, vers: 25.

19

BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. SP: Paulus, 1990. Cap. 14, vers: 19-20.

20 Tal conclusão se baseia em depoimentos de fiéis, tanto da Igreja Metodista quanto da Igreja

Presbiteriana, que nos revelaram que o cântico analisado é introduzido, com relativa frequência, nos cultos dessas duas Igrejas.

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sentimentos e também criam uma espécie de clima favorável à promoção de emoção entre os presentes.

Observa-se que a mensagem sintetizada na letra do cântico propõe a enunciação de uma cena dramatizante susceptível de produzir no destinatário um efeito patêmico. O efeito patêmico é, então, provocado por uma construção identitária entre os interlocutores, que busca estabelecer um elo entre os protagonistas a partir da situação descrita. Esse elo é sugerido pela criação de uma ilusão de reversibilidade entre os planos espiritual e material, que pode ser verificada nos versos “Quando pedes mais fé,/ Ele ouve, ó crê!” nos quais afirma-se a possibilidade de um “diálogo” entre o crente e Deus.

O cântico “Sobre as ondas do mar” aborda a questão da fé: “Tendo fé, você verá bonança”. A imagem provocada pela afirmação tende a despertar no ouvinte um sentimento de esperança e, conseqüentemente, uma adesão ao que se diz. Para isso, é determinante o emprego metafórico do substantivo “bonança”, significando “calmaria”, “fase próspera”. Isso deixaria o interlocutor mais predisposto a aceitar as teses que estão por vir.

Verifica-se, ainda, no plano da encenação discursiva, o uso de uma série de recursos que dão ao texto um tom mais emotivo. Aqui comentaremos alguns desses recursos, dentre eles, a seleção lexical, a ordem das palavras, o emprego da modalidade alocutiva e o uso de metáforas.

Além do substantivo “bonança”, citado acima, constatamos uma seleção lexical que remete ao campo semântico da emoção. As palavras que constituem esse campo podem ser organizadas em dois grupos de palavras que se opõem: um deles com termos de sentido positivo, tais como: “amor”, “poder”, “maravilhas”, “seguro” e outro grupo de palavras com sentido negativo, como “trevas”, “tribulação”, “assustar”. Essa oposição representa os dois pólos nos quais se encontra, respectivamente, aquele que tem fé e aquele que não tem fé.

Também a ordem das palavras no enunciado – sobretudo a inversão da ordem canônica - pode ser usada com valor afetivo. Kerbrat-Orecchioni (2000, p.39) cita alguns autores (CRESSOT 1947; MAROUZEAU 1959; VINAY; DARBELNET 1958) que admitem a existência de um inventário de procedimentos linguageiros, os quais constituiriam os melhores vetores potenciais de afetividade. Dentre eles está a “ordem das palavras”21

.

Percebemos que a inversão é um fenômeno frequente no cântico que estamos analisando: “Quando Cristo caminho abriu?” em vez de “Quando Cristo abriu caminho?”; “- Quando forçado és, contra as ondas lutar” ao invés de “- Quando és forçado, contra as ondas lutar”; “Seu amor a ti quer revelar” ao contrário de “Quer revelar seu amor a ti”; “Pois com Ele, seguro serás” em vez de “Pois com Ele, serás seguro”; “Da montanha o Mestre te vê” no lugar de “O Mestre te vê da montanha”; “Podes tu recordar” ao invés de “Tu podes recordar”; “No deserto ao povo fartou” em vez de “Fartou ao povo no deserto”; “Sobre as ondas poderás andar” no lugar de “Poderás andar sobre as ondas.

O uso da modalidade pode funcionar como mais um recurso para favorecer a sedução do interlocutor. No nosso corpus, percebe-se que, a partir da enunciação alocutiva (presença explícita do interlocutor), o enunciador, no cântico analisado. descreve o estado emocional em que o interlocutor se encontrará: “E então, tu verás que bonança se faz/ Pois com Ele, seguro serás.”, contribuindo para o surgimento, novamente, do efeito patêmico. E ainda, nestes dois versos, visualizamos dois operadores argumentativos – “então” e “pois” –, sendo que o primeiro expressa conclusão e o segundo, explicação. Tais operadores são utilizados para a defesa da tese “Confie em Cristo, tenha fé”. Observamos, assim, a dupla “convencer-persuadir” apontada por Plantin (apud AMOSSY, 2000, p.164), sendo favorecida através do

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apelo à emoção e às faculdades intelectuais, estas demonstradas na operação lógico-discursiva, evidenciada nos dois versos comentados acima.

A modalidade alocutiva se faz presente, ainda, através do emprego de verbos no imperativo – marca do discurso religioso –, segundo Orlandi (1987, p.259). Esses verbos (“Solta”, “Toma”, “Navega”, “Crê”) incitam o fiel a ações baseadas na confiança, na bondade e na força de Deus. Neste cântico, há, ainda, o uso das interjeições “Oh!” e “Ó crê!”, que visam estabelecer esse diálogo com o ouvinte, conclamando-o não só à reflexão, mas também, à ação. De acordo com Cunha (1982, p.547), “interjeição é uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções”. Compartilham dessa mesma idéia alguns autores mencionados por Kerbrat-Orecchioni (2000, p.40). Para tais autores, a interjeição seria mais um vetor potencial de afetividade.

Deve-se, enfim, destacar a natureza predominantemente metafórica do texto. A idéia da fé, da confiança sem limites em Deus está expressa numa série de expressões metafóricas, como: “Solta o cabo da nau/ Toma os remos na mão/ E navega com fé em Jesus”; “Trevas vêm te assustar,/ Tempestades no mar?/ - Da montanha o Mestre te vê”; “Sua mão bem te pode suster”; “Sobre as ondas poderás andar”. A metáfora pode favorecer a promoção de um efeito patêmico no discurso. Essa é a posição de Kerbrat-Orecchioni (2000, p.40), segundo a qual vários autores assimilam conotação e valor afetivo.

O quadro a seguir pode resumir o que comentamos sobre o cântico.

Recursos Passagens do

cântico

Tema “Tendo fé,

você verá

bonança” Seleção lexical “amor”;

“bonança”; “trevas” , etc. Inversão “Quando Cristo caminho abriu?”, etc. Expressões metafóricas “Solta o cabo da nau/ Toma os remos na mão”, etc.

Modalidade Alocutiva (Tu)

Interjeições “Oh!”; “Ó crê!” Verbo no imperativo “Solta”; “Toma”; “Navega” Quadro n. 1

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Considerações Finais

Pudemos notar, a partir da análise de um cântico da Assembléia de Deus, o apelo à emoção através de alguns recursos que poderiam seduzir e, possivelmente, persuadir o crente. Recursos, como: tema; seleção lexical – uso de palavras de diversas classes gramaticais remetendo ao campo semântico da emoção; ordem das palavras/inversão; expressões metafóricas; descrição do estado emocional do locutor através da modalidade elocutiva; descrição do estado emocional em que o interlocutor deveria se encontrar, através da modalidade alocutiva; exclamações; interjeições. Tais recursos poderiam emocionar o interlocutor, deixando-o mais predisposto a aceitar as teses que se seguem. Daí considerarmos o apelo à emoção como uma estratégia de tom persuasivo.

Além do apelo à emoção, o locutor se valeu das faculdades intelectuais, das operações lógico-discursivas, utilizando os operadores argumentativos, principalmente, “então” e “pois” para defender suas teses, o que confirma a tese de Plantin, apresentada acima, segundo a qual o caminho intelectual não é suficiente para desencadear a ação. Assim, notamos que o cântico conjuga recursos da ordem da argumentação lógica ao apelo à emoção. Provavelmente com a finalidade de captar novos fiéis.

Referências

AMOSSY, R. Le pathos ou le rôle des émotions dans l’argumentation. In: L’argumentation dans le discours: discours politique, littérature d’idées, fiction. Paris: Nathan Université, 2000. p.163-182.

KERBRAT-ORECCHIONI, C. Quelle place pour les émotions dans la linguistique du XX siècle? Remarques et aperçus. In: Doury, M.; Travesso, V. Les émotions dans les interactions. Lyon: Presses universitaires, 2000. p. 33-63.

CHARAUDEAU, P. La Pathemisation à la Télévision comme Stratégie d’Authenticité. Paris: Univ. Paris XIII. 1999. Inédito.

CUNHA, C. F. da. Gramática da Língua Portuguesa. 8 ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982. FERREIRA, V.A. O protestantismo na atualidade. Revista Espaço Acadêmico. n.59, abr. 2006. Disponível em <http://www.espaçoacadêmico.com.br/059/59 ferreira.htm. Acesso em 04 abr. 2010.

MAINGUENEAU, D. Polifonia e cena de enunciação na pregação religiosa. In: Lara, G. M. P., Machado, I. L.; Emediato, W. Análises do discurso hoje, vol.1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 199-218.

ORLANDI. E. O Discurso religioso. In: A linguagem e seu funcionamento. 2 ed. Campinas: Pontes, 1987. p. 239-262.

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