Texto base para discussão na Jornada Pedagógica – julho/2009
O PLANO DE ENSINO: PONTE ENTRE O IDEAL E O REAL
1É comum hoje entre os educadores o desejo de, através da ação docente, contribuir para a construção de uma sociedade democrática, justa e solidária. No entanto, muitos ainda não se deram conta do tipo de opção teórico‐pedagógica que os levará à efetivação deste propósito. Na maioria das vezes, o modelo pedagógico assumido, no planejamento e na sala de aula, valoriza, sobretudo os conteúdos e conhecimentos a ser transmitido, o que caracteriza ainda entre nós a educação tradicional. Nestes moldes, o ato de planejar tem sido restrito à organização do ensino para que o aluno adquira conhecimentos, bastando para isso que sejam determinados de maneira específica, os objetivos, as condições do ensino e os critérios de avaliação.
Sob a influência de um planejamento normativo, onde os objetivos e estratégias são formulados a partir de um quadro teórico desvinculado do contexto, a ação docente vai se desenvolvendo sem que o professor se dê conta dos diferentes tipos de influência que sofre, de ordem pedagógica técnica, filosófica e política.
Outro fator a ser considerado é o desconhecimento de como as instituições educacionais, em seu cotidiano, incluindo o ensino, reproduzem mecanismos de discriminação, controle social, consumismo, injustiça e competição, que caracterizam a sociedade atual.
O PLANO DE ENSINO ARTICULADO COM O PLANO GLOBAL DA ESCOLA
Para uma ação docente pautada na reflexão‐ação‐reflexão, o plano de ensino não se esgota nele mesmo, mas apoia‐se numa opção de sociedade, de pessoa e de educação articulado com o plano global da escola. Nessa perspectiva o que fazer na sala de aula não é uma questão meramente didática, pois se aprofunda na reflexão sobre o próprio papel da escola, sobre a relevância dos conteúdos e sobre a atuação do professor. Assim o plano de
1 Texto extraído do livro Dialogando com a Escola de autoria de Ana Maria Bezerra de Almeida (et. al.),
ensino pode ser encarado como elemento concretizador do que é definido no plano global da escola.
Para tanto é imprescindível a compreensão de que isso só será possível a partir das mudanças de caráter amplo, envolvendo toda a realidade escolar. Nesse sentido é necessário aclarar uma teoria educacional para a constituição de um referencial teórico comum, capaz de manter a organização e a coerência entre os elementos de mudança a ser realizada. Isso não pode ser feito sem que sejam considerados os componentes socioculturais e as preocupações práticas e normativas que apontem para intervenções na realidade. Esses componentes apresentam‐se como parte integrante do plano global, em que, de forma coletiva e em primeiro lugar, é construído um marco referencial que explicita a visão da comunidade educativa a respeito da realidade (marco situacional); a realidade que se pretende com o trabalho desenvolvido na escola (marco doutrinal) e a opção que se faz da educação e de escola, capaz de viabilizar a realidade pretendida (marco operativo). (Gandin, 1985).
Tendo sido elaborado o marco referencial, o passo seguinte é a construção conjunta do diagnóstico, onde se faz um juízo sobre a realidade da escolar, partindo do questionamento a respeito da distância entre a realidade escolar e as opções feitas no marco operativo, ou ainda, até que ponto as vivências escolares estão facilitando ou dificultando a aproximação com a visão de homem e de sociedade colocada no marco doutrinal. Dessa dinâmica resulta a definição de várias necessidades a serem trabalhados nos objetivos , nas políticas e nas metas , que fazem parte do corpo do plano global, como os cronogramas das atividades escolares. Esse modelo de elaboração do plano global é sugerido por GANDIN (1985) no livro Planejamento como prática Educativa. Na proposta pedagógica é definida a filosofia educacional, a visão de homem e de sociedade e a opção de educação para a qual deverão convergir todos os planos setoriais, como também o plano didático de cada professor. À luz da proposta educativa, deverão ser elencados os conteúdos a serem trabalhadas, a metodologia de ensino e as formas de avaliação da aprendizagem escolar.
A construção coletiva, a ampla divulgação e a constante retomada do plano global tornam‐se essências para o envolvimento e compromisso de todos os responsáveis pelo trabalho a ser desenvolvido na escola, isso tendo em vista que
Toda a prática tem um componente ideológico, em conseqüência, as decisões, a execução e planejamento do fazer pedagógico estarão comprometidos com os pressupostos que dinamizam e sustentam essas ações. (SILVA e BOHN, 1986:43)
Na descrição do modelo de elaboração do planejamento participativo, feita anteriormente, percebe‐se o caráter político do projeto pedagógico, em especial no marco referencial, onde, com os olhos na realidade, é elaborado um marco doutrinal, no qual se projeta a sociedade pretendida com o trabalho que se desenvolve na escola, e, mais ainda, são feitas opções com relação à educação e a escola capazes de viabilizar a referida sociedade, como utopia, no marco doutrinal. Percebe‐se nesse tipo de proposta pedagógica, uma projeção do que se pretende com o trabalho escolar. Aí está a dimensão política, aliada À pedagógica, tendo em vista a intervenção na realidade.
ELABORAR PLANO NUMA DIMENSÃO COLETIVA
A elaboração coletiva de planos supõe a existência de um grupo, num processo de construção de idéias e de práticas, supõe ainda que cada pessoa realize tarefas concretizando os valores e princípios propostos coletivamente. Trata‐se, pois, do engajamento dos setores inerentes à escola e dos professores articularem seus planos de trabalho com o plano global da escola.
No caso da escola onde não há um plano global torna‐se necessário os professores e demais servidores que a compõem (supervisão, orientação educacional, secretaria) definirem um referencial de apoio, contendo em sua estrutura uma visão de sociedade e de pessoa humana, valores e princípios que se desejam com o trabalho pedagógico a ser desenvolvido. Por isso, uma das dificuldades a se considerar no redimensionamento da ação docente é essa falta de planos globais nas escolas, já que sem uma âncora, as relações educativas passam a ser exercidas num vazio conceitual que atribui ao papel do professor um caráter reducionista. Assim, conclui‐se que o plano de ensino, que dimensiona a ação docente, não pode ser tratado de forma isolada dos demais elementos curriculares e do plano global da instituição, o
que comprometeria o processo educacional escolar. A prática docente deve, pois, estar ancorada na proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, no paradigma de educação assumido pela instituição, no regimento escolar, na filosofia da escola e nos demais elementos de caráter teórico e metodológico que caracterizam o plano global.
Ancorar o plano de ensino no plano global da escola é ressignificar o ato de ensinar atribuindo‐lhe o caráter transformador. Nessa perspectiva, também os elementos do plano assumem um novo significado: os objetivos delimitados para a disciplina ultrapassarão o âmbito instrucional e servirão como meio para que os macro objetivos, definidos no plano global escolar, sejam alcançados; as metodologias serão dimensionadas de modo a favorecer o desenvolvimento de pessoas críticas e participativas, priorizando o envolvimento dos alunos e a livre expressão de idéias; a ênfase sobre os conteúdos será substituída pela relevância desses no sentido de propiciar a leitura da própria realidade na qual os educandos estão inseridos; a avaliação será somente dirigida para que o aluno obtenha uma nota, mas assumirá um caráter diagnóstico, revelador de como os alunos estão interagindo com os conteúdos propostos, no sentido de fazê‐los avançar no próprio processo educacional, como sujeito e parte de um grupo.
Trata‐se, pois, de assumir com convicção as opções do plano global, vivenciando no cotidiano da sala de aula estratégias e atitudes capazes de aproximar o real do ideal. Para isto, torna‐se imprescindível que se trabalhe de forma planejada, coletivamente, ampliando‐se a participação, também dos educandos, na definição dos objetivos, das metodologias, dos recursos didáticos e das formas de avaliação. É assim que, através do ato de planejar, os professores adquirem instrumentos para reinventarem a escola. O PLANO DE ENSINO É necessária a compressão de que o plano de ensino só se concretiza considerando‐se a realidade da sala de aula e as possibilidades dos alunos. É no plano que se pensa em formas de motivar os alunos, aproveitando temas de relevância social e assuntos que fazem parte do seu cotidiano.
É essencial também desmitificar o planejamento como um documento que só serve para a gaveta, colocando‐se em evidência o seu papel em se tratando de preparar o trabalho docente. É nessa perspectiva que planejar deixa de ser um ato chato, burocrático e
desvinculado do chão da sala de aula. Por isso, o primeiro é sempre a definição de objetivos coerentes com interesses e possibilidades dos alunos, em seguida são definidos os meios para alcançá‐los, as metodologias, técnicas, recursos didáticos, tempo e formas de avaliação. São esses elementos que também vão dar suporte para que o professor realize a reflexão sobre a sua prática, daí a importância de se fazer registros sobre as experiências bem‐sucedidas, sobre as dificuldades encontradas sobre o nível do envolvimento dos alunos. É essa reflexão que irá permitir o planejamento ser reelaborado, atribuindo‐lhe um caráter dinâmico e aberto a novas possibilidades. O plano de ensino elaborado no início das aulas pode servir como um documento pronto a ser apresentado à escola, no entanto, o planejamento é um ato contínuo, sempre pensado e elaborado de acordo com o interesse e a dinâmica da turma. O plano de ensino é, pois, a base para o planejamento de aulas, daquilo que será realizado cotidianamente.
Planejar, no entanto, não é um ato isolado, e preciso que o professor se perceba como alguém que integra um grupo que tem em comum o próprio contexto escolar e os objetivos educacionais a ele pertinentes. Daí a importância das reuniões para planejamento, da conversa com o coordenador pedagógico, que tem como função ajudar o professor a tornar o seu plano coerente com a proposta político‐pedagógica da escola. Aproveitar as reuniões para discutir com colegas, para definir atividades também é muito útil.
Na realidade, em nosso país, muito professores precisam trabalhar em várias escolas para garantir a sobrevivência, por isso nem sempre um plano detalhado é possível. No entanto, planejar é necessário. Um professor sem um plano de aula é como um navegador sem uma carta náutica, à deriva, sem saber aonde ir nem em qual porto ancorar.
Muitos professores já perceberam que planejar não significa empregar tempo detalhando aspectos do plano, e conseguem realizar seu planejamento em poucos minutos, já que o plano de ensino tem uma vinculação efetiva com o que irá ser vivenciado no decorrer do ano escolar.
Com um plano de ensino bem definido, restará ao professor planejar diariamente, considerando apenas os ajustes em termos de material didático, procedimento metodológico, textos e outros, de acordo com o que a dinâmica da sala de aula for manifestando. É essa flexibilidade do planejamento que permite à avaliação cumprir o seu papel como reguladora
do processo de aprendizagem, já que as dificuldades manifestadas pelos alunos nas avaliações retomar os conteúdos ou variar a metodologia. A avaliação passa a ser concebida como um instrumento a serviço de quem ensina e de quem aprende, fornecendo subsídios para o planejamento do professor e para a orientação dos estudos dos alunos.
É interessante também reservar tempo para pesquisa, para a busca de informações em várias fontes, em especial em periódicos destinados aos profissionais da educação. A partir das pesquisas e leituras, o professor poderá ampliar as possibilidades didáticas e o seu material de apoio, bem como terá acesso a novos conhecimentos que irão enriquecer o seu referencial teórico‐metodológico e a compressão de seu papel como educador.
Enfim, reforçar a convicção de que o ato de ensinar inicia‐se bem antes do início da aula, através do planejamento, e continua depois, através do movimento de reflexão sobre a ação e da redefinição de novos caminhos.
Referência Bibliográfica
GANDIN, Danilo. Escola e transformação social. Petrópolis, Vozes, 1991.
GANDIN, Danilo. Planejamento como prática educativa. São Paulo, Edições Loyola, 1985.
DALMAS, Angelo. Planejamento participativo na escola. Petropólis, Vozes, 1994. DEMO, Pedro. Particpação e conquista. São Paulo, Cortez, 1988.
VIANNA, Ilca Oliveira de Almeida. Planejamento participativo na escola. São Paulo, EPE, 1986. Interagindo com a prática 1. Em que aspectos do seu plano de ensino o projeto político pedagógico de sua escola é considerado? 2. Para você, qual o significado do plano de ensino? 3. O seu plano de ensino tem relação efetiva com o seu trabalho em sala de aula.
4. Como você realiza o planejamento diário? Que dificuldades encontra? Que aspectos do planejamento considera positivo? 5. Em que medida o seu plano de ensino colabora para a qualificação dos processos de ensino e aprendizagem? Diferença entre planejamento e plano
Este é apenas um detalhe. Mas ele pode ter algumas implicações importantes no desenvolvimento do nosso trabalho. Por isso é bom clarear a diferença.
Chamamos de planejamento o processo de tomada de decisões sobre a ação. Processo que num planejamento coletivo envolve busca de informações, elaboração de propostas, encontros de discussão, reuniões de decisão, avaliação permanente.
Chamamos de plano o documento onde se registra por escrito, segundo um determinado roteiro, as decisões tomadas no processo de planejamento. É feito para ajudar a memória do processo. Passa a ser papel que se consulta durante a realização da ação.
Importante: Nem sempre o roteiro que se usa para elaborar um plano é o mesmo que se utiliza para desenvolver a discussão. O registro costuma ser posterior e geralmente é tarefa de uma equipe ou pessoa.
Fonte: O que é planejamento e qual a sua importância, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Porto Alegre, Janeiro de 1995, Coletiva Nacional de Educação)