______________________________________________________________________ PN:2457.05-5;Ap:Tc Póvoa de Varzim, 3J (
Ap.es:
Ap.os
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.INTRODUÇÃO:
(1) Os Ap.es não se conformam com a improcedência do pedido:... que se abstivessem os RR de, por qualquer meio impedirem ou perturbarem a livre utilização por carro, tractor ou pessoas a pé, por mando dos AA, no caminho a
poente do prédio que lhes pertence, bouça de trás do ribeiro, no lugar de Contriz, que vem da estrada principal e se prolonga para norte.
(2) Da sentença recorrida:
(1) Os AA. não lograram provar a prática de [quaisquer] actos que lhes permitissem suportar o pedido de reconhecimento da aquisição por usucapião do direito que invocam;
(2) Ora… não se tendo provado a posse por parte dos AA, também não é possível concluir que os mesmos tenham sido esbulhados;
(3) Por fim… já que o prédio dos AA tem acesso directo para uma estrada, ainda que pretendessem fazer de tal caminho, no caso de ser de particular, um atravessadouro, já estaria extinto.
II.MATÉRIA ASSENTE:
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(a) Os AA são donos e legítimos possuidores da bouça de trás do ribeiro, Contriz, Estrela, desc. C. Reg. P. Póvoa de Varzim, 01227, insc. mat. rust de 493;
(b) Este prédio foi adquirido por doação em favor das AA mulheres, escritura lavrada no 1º C. Not. Póvoa de Varzim.
(c) Encontra-se registado em nome dos AA;
(d) Os AA, e antes deles, os anteriores proprietários, procedem e procederam, há mais de 20 anos, à agricultura dele, colhendo os respectivos frutos, cortando mato e derrubando madeira crescida.
(e) Tudo à vista e com conhecimento de todos, sem interrupçõ es, e sem oposição de quem quer, como verd adeiros donos e na ignorância de lesarem interesses de terceiros ou de vícios dos títulos;
(f) Pelo Po. do prédio em questão ex iste um caminho que vem do arruamento novo – estrada principal – prolongando-se para N. ao longo e entre dois prédios , um dos AA e outro de um vizinho até atingir o prédio dos RR;
(g) Este caminho está identificado na C. Reg. P. e na matriz como caminho de servidão;
(h) Corre hoje entre duas paredes e é de piso em terra batida, bem calcada e vincada da passagem de carros, tractores e pessoas;
(i) Foi usado pelos anteriores proprietários da bou ça de trás do ribeiro e para lhe acederem a pé;
(j) Até há 4 anos a bouça estava delimitada, na confrontação Po. com tal caminho, através de marcos e de um ligeiro valado;
(k) Actualmente, existe a delimitar este pr édio dos AA um muro em blocos, onde foi colocada um a cancela d e acesso, ab erta ao caminho em causa;
(l) Na entrada do prédio dos RR, no final do caminho, esteve colocada uma cancela em ferro e rede com ucheiras;
(m) Encontrava-se, porém, livre na entrada S., onde confronta com a estrada, dita arruamento novo;
(n) Serviu sempre ao prédio dos RR.
(o) Que o taparam, mudando as ucheiras e a cancela do final desse caminho, que colocaram à entrada;
(p) Fecharam à chave e cadeado a referida cancela;
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(q) Logo, os AA ficaram impedidos de passar pelo caminho em causa e de aceder ao prédio, contra vontade deles;
(r) Há mais de 50 anos que os RR, para entrarem no prédio deles vinham pelo N., atravessando o prédio confinante por Po. e S;
(s) Há cerca de 50 anos que os RR d eixaram de utilizar o percu rso alternativo para entrar no prédio deles, passando a servir-se do caminho em debate;
(t) Este desde há mais de 50 anos, e até hoje, vem sendo usado ininterruptamente pelos RR, que o atravessam, com pessoas, carros de bois e tractores;
(u) Na altura em que constru íram o muro de blocos, os AA não deixaram, de imediato, abertura para este caminho;
(v) E quando os RR transferiram a cancela que estava na ex tremidade N. para junto da Rua da Madrugada, é que os AA procederam à abertura no muro de blocos para aí colocarem uma cancela e através dessa acederem ao seu prédio;
(w) Durante um período de tempo não apurado, os AA tiveram o seu prédio, pelo lado Po. tap ado em relação ao caminho em causa, sem para ele terem qualquer saída.
III.CLS. ALEGAÇÕES:
(a) Os AA invocam a existência a favor do seu prédio, de um caminho de servidão;
(b) E, de facto, ficou provado que pelo lado Po. do prédio deles AA ex iste um caminho que vem do arru amento novo (estrada principal) e se prolonga para N., ao longo e entre dois prédios, um o dos AA, e outro de um vizinho, até atingir o prédio dos RR, estando tal caminho identificado no registo como caminho de servidão;
(c) Mais se provou que esse mesmo caminho foi usado pelos anteriores proprietários para acederem, a pé, ao dito prédio dos RR;
(d) Por outro lado, até há cerca de 4 anos, este prédio estava delimitado na confrontação Po. com o caminho em causa através de marcos e de um valado,
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onde existe, actualmente, a delimitar p rédio e caminho, um muro de blo cos, de cancela aberta para o acesso;
(e) Entretanto, os AA não abriram logo essa can cela, que assentaram só depois de o R ter colocado a vedação na entrada S. do caminho.
(f) Não pode porém este facto alterar o direito dos AA, esse mesmo direito pretenderam fazer valer: ao verem o R mudar a cancela par junto da Rua da Madrugada, logo quiseram fazer valer o direito de acesso ao prédio que deles é,
com sempre fizeram;
(g) É que, ao contrário, também se pode concluir que o R, ao verificar que os AA não deixaram nenhuma abertura, se aproveitou dessa circunstância para de imediato mudar a cancela para o início do caminho, mas como não podia fazer.
(h) E tal como se provou também, o R acedia ao seu prédio pela parte N., em tempos remotos, mas de há 50 anos para cá passando a utilizar o caminho.
(i) Portanto, não passou a utilizar um caminho novo, mas sim o caminho existente, caminho existente que só dá acesso ao prédio dos AA e do R, como sempre foi;
(j) Ou seja, antes de o R utilizar o referido caminho, só o prédio dos AA se servia dele;
(k) A não ser assim, que sentido faria um caminho que não dava para prédio nenhum?
(l) Reforça esta ideia a conclusão tirada pelo juiz de 1ª instân cia: …o caminho em causa sempre serviu o prédio do R, pelo menos desde há cerca de 50 anos e, no final do caminho, antes de entrar no prédio do R, existe e sempre
existiu uma cancela; ou seja, o R, há mais de 50 anos, para entrar para o seu prédio fazia-o pelo lado N., atravessando o prédio confinante com o seu pelo lado Po. e S., mas desde essa altura que deixou de utilizar esse anterior percurso e passou a utilizar o caminho em causa, o que vem fazendo ininterruptamente com pessoas, carros de bois e tractores;
(m) Então, se o caminho já existia antes de o R o ter passado a utilizar, pergunta-se: para quem era? se o referido caminho ainda hoje só pode
aproveitar aos prédios de AA e R.?
(n) Note-se ter ficado provado que os anteriores proprietários do prédio dos AA usavam tal caminho;
(o) E os AA só adquiriram o prédio em 07.2000;
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(p) Parece mais não ser preciso para decisão diversa, reconhecida a violação por parte do R, do direito de passagem dos AA.
(q) Também ficou provado que o R tapou o caminho na entrada S., lá no início, de chave e cadeado na cancela;
(r) E porque o terá feito só ao fim de mais ou menos 45 anos? e só depois de os AA construírem uma pared e de blocos?
(s) Como poderia concluir que essa parede em blocos ficaria para sempre sem abertura?
(t) Certo é que os AA poderiam a todo o tempo abrir a cancela, não necessitando de o fazer de imediato, desde que não deixassem caducar a servidão pelo decurso do prazo de não uso;
(u) Contudo, tudo foi contemporâneo e há não mais de 4 anos;
(v) Paradoxalmente, a sentença cita o Acórdão Uniformizador do STJ: para efeitos do artº 1252 CC, o poder de facto sobre uma coisa dispensa a prova da
intenção, animus, elemento subjectivo da posse, presumido:
(w) Por conseguinte, a decisão recorrida é manifestamente contra a lei: crise dos artº 1251, 1316, 1543, 1547 e 1548 CC;
(x) Deve ser revogad a e substituída por acórdão que julgue procedente o pedido.
IV.CONTRA ALEGAÇÕES:
(a) Não ficaram provados o s factos, tenuemente alegados pelos AA, donde poderia decorrer o direito base da pretensão;
(b) Com efeito, articularam que o prédio deles, há mais de 4 anos, pelo Po., era delimitado por um muro, confinando pelo caminho de servidão, e que nesse
muro havia uma cancela aberta, e através de caminho e cancela se passava: tal não foi provado;
(c) Articularam também que levantaram um muro em blocos, substituindo um muro em pedra solta, deixando no lugar da antiga uma mesma abertura para
entrar e sair do prédio: nada se provou; não deix aram (porque nunca existiu) qualquer cancela;
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(d) Articularam ainda que percorriam o caminho com gado e peões, transportando lenhas, matos e outros produtos: não provaram;
(e) Os AA nem sequer articularam o animus ;
(f) Ora, se o direito dos AA se fundava no usucapião, para além do corpus, que não lograram provar, teriam de ter invocado o animus, que nem sequer alegaram,
(g) Portanto, não assiste qualquer razão aos recorrentes, devendo ser inteiramente mantida a sentença sob crítica.
V.RECURSO: pronto para julgamento nos termos do artº 705 CPC.
VI.SEQUÊNCIA:
(a) Os AA pedem a restituição da posse d a via de passagem p ara o seu prédio que os RR ob struíram, fechando cancela no início do caminho
disputado.
(b) Ficou provada a existência histórica e visível do caminho, a sua
autonomia predial e a utilização conjunta do mesmo, por parte dos AA e do RR, para acederem aos respectivos prédios, unicamente;
(c) Utilização comum, com passagem de peões e carros com produtos da terra, há mais de 50 anos, por eles e predecessores.
(d) Parece não ser mais necessário para a procedência do pedido, tanto que da matriz e do Registo Predial consta esta passagem vicinal;
(e) Trata-se com efeito de um autónomo caminho entre prédios vizinhos, privado, cujo destino entre aqueles que o têm e utilizam é esse e só esse de ser caminho, acessibilidade particular dos prédios rú sticos que serve: a usucapião tem este limite administrativo intestino, e os poderes de facto neste sentido ficaram suficientemente caracterizados na matéria assente;
(f) Logo, o animus presumido que os R R não elidiram.
(g) Por outro lado, não provaram o ano e dia da perda da posse por parte dos
AA, que só esse prazo de abandono lhes conferiria a melhor e que por isso mesmo era de ónus dos RR
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(h) Então, procedência do pedido, ao invés do que a sentença recorrida decidiu: condominialidade usucapiativa, frustrada por um dos co-envolvidos a destinação útil e em concreto administrada do prédio, há mais de 50 anos.
(i) Vistos, assim, os artºs 1251, 1263.a, 1267/1.a, 1268/1, 1278/1.2, 1286/3,
1287, 1296 CC, vai revogada e substituída por este onde o pedido é julgado procedente, devendo os RR permitir a livre passagem dos AA no caminho em causa, para o prédio que deles é.
VII.CUSTAS: pelos Ap.os., sucumbentes.
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