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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO LEANDRO COUTINHO SILVA

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INSTITUTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

LEANDRO COUTINHO SILVA

ARQUIVO E MEMÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964: ANÁLISE ARQUIVÍSTICA

Salvador 2020

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ARQUIVO E MEMÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964: ANÁLISE ARQUIVÍSTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, do Instituto de Ciência da Informação, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação.

Área de concentração: Informação e Conhecimento na Sociedade

Contemporânea.

Linha de pesquisa: Políticas e Tecnologias da Informação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zeny Duarte de Miranda.

Salvador 2020

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UFBA – Sistema Universitário de Bibliotecas – Biblioteca do ICI

S586

Silva, Leandro Coutinho

Arquivo e memória da Universidade Federal da Bahia sobre o golpe civil- militar de 1964: análise arquivística./ Leandro Coutinho Silva.- Salvador, 2020.

80fls.il.. apêndices

Orientadora: Prof. Dra. Zeny Duarte de Miranda

Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação, Salvador Ba, 2020.

1. Ufba– Arquivo golpe civil-militar de 1964 2. Ufba –Arquivo Con- suni 3.Ufba – ditadura militar I. Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação. II. Título.

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para minha formação enquanto indivíduo. Acredito que sem a ajuda deles eu não conseguiria finalizar esta etapa da minha vida.

A todos que conviveram e me aturaram nestes longos, difíceis e construtivos anos em que fui aluno do PPGCI/UFBA.

Ao CNPq, órgão estratégico para o desenvolvimento da ciência e tecnologia brasileiras, pelo financiamento desta pesquisa.

E a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Zeny Duarte de Miranda, por ter compreendido minhas limitações e me ajudado a não perder o foco nesses dois anos de muita correria e dedicação.

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“O homem do conhecimento não só deve poder amar os seus inimigos, deve também poder odiar os seus amigos.”

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(CONSUNI) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), dos anos de 1961 a 1971, e da documentação do jornal A Tarde correspondente ao mesmo período, bem como através do levantamento bibliográfico e de entrevistas com discentes e docentes que estiveram presentes na citada instituição durante o assinalado período, como a UFBA posicionou-se, institucionalmente, referente ao golpe civil-militar de 1964, ocorrido no Brasil. Apresenta os setores que apoiaram a derrubada do até então presidente da república, João Goulart. Aborda como as universidades brasileiras, em especial a UFBA, conviveram com o levante civil-militar e com os anos iniciais da ditadura, sobretudo no tocante às violações aos direitos humanos e cerceamento das liberdades. Explana sobre os conceitos de arquivo, memória e esquecimento, correlacionando-os com a temática deste estudo. Analisa, à luz dos estudos arquivísticos, as atas do CONSUNI da UFBA dos anos de 1961 a 1971, bem como documentação do jornal A Tarde pertinente ao tema. Esta pesquisa, caracteriza-se como estudo de caso aplicado, contendo abordagem qualitativa. Em relação aos procedimentos de coleta de dados, utilizou-se das pesquisas bibliográfica e documental. No tocante a técnica, aplicou-se entrevistas com servidores e estudantes da UFBA, do assinalado período. Os resultados demonstraram que grande parte das universidades brasileiras, inclusive a UFBA, temendo um ataque à sua autonomia, sobretudo a partir da derrubada de João Goulart, opta por se alinhar ideologicamente ao discurso golpista das Forças Armadas. Conclui-se que, sobretudo do ponto de vista de suas instâncias decisórias, mesmo reconhecendo os limites da democracia representativa, bem como a complexidade político-ideológica de uma universidade, a UFBA colocou-se em apoio ao referido golpe.

Palavras-chave: Memória. Análise arquivística. Golpe civil-militar. Arquivo do CONSUNI -

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(CONSUNI) of the Federal University of Bahia (UFBA), from 1961 to 1971, and the documentation of the newspaper A Tarde corresponding to the same period, as well as through the survey bibliographic and interviews with students and teachers who were present in the institution during the mentioned period, as the UFBA was institutionally positioned regarding the civil-military coup of 1964, which occurred in Brazil. It presents the sectors that supported the overthrow of the hitherto president of the republic, João Goulart. It discusses how Brazilian universities, especially UFBA, lived with the civil-military uprising and the early years of the dictatorship, especially with regard to violations of human rights and curtailment of freedoms. Explains about the concepts of archive, memory and forgetting, correlating them with the theme of this study. In the light of archival studies, it analyzes the minutes of CONSUNI of UFBA from 1961 to 1971, as well as documentation of the newspaper A Tarde relevant to the subject. This research is characterized as an applied case study, containing a qualitative approach. Regarding the data collection procedures, we used the bibliographic and documentary searches. Regarding the technique, interviews were conducted with UFBA staff and students, as mentioned, from the mentioned period. The results showed that most Brazilian universities, including the UFBA, fearing an attack on their autonomy, especially after the overthrow of João Goulart, chose to align themselves ideologically with the Armed Forces coup speech. It is concluded that, especially from the point of view of its decision-making bodies, while recognizing the limits of representative democracy, as well as the political-ideological complexity of a university, UFBA has placed itself in support of that coup.

Keywords: Memory. Archival analysis. Civil-military coup. CONSUNI - UFBA Archive.

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AESI Assessoria Especial de Segurança e Informação AI-5 Ato Inconstitucional nº 5

APUB Associação dos Professores Universitários da Bahia

ARENA Aliança Renovadora Nacional

CMSMV Comissão Milton Santos de Memória e Verdade CONSUNI Conselho Universitário

DSI Divisão de Segurança e Informação EUA Estados Unidos da América

IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática ICI Instituto de Ciência da Informação IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais MDB Movimento Democrático Brasileiro MEC Ministério da Educação

PCB Partido Comunista Brasileiro PSD Partido Social Democrata

SOC Secretaria dos Conselhos Superiores SNI Serviço Nacional de Informações

TIC Tecnologias da Informação e Comunicação UDN União Democrática Nacional

UFBA Universidade Federal da Bahia UNE União Nacional dos Estudantes

URRS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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2 CONJUNTURA DO BRASIL NO PERÍODO DO PRÉ-GOLPE... 15

3 GOLPE CIVIL-MILITAR OCORRIDO NO BRASIL EM 1964... 21

4 APOIADORES DO LEVANTE... 27

4.1 MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA. 28

4.2 IGREJA CATÓLICA... 31

4.3 GOVERNO ESTADUNIDENSE E SUA POLÍTICA IMPERIALISTA... 32

5 PAPEL DAS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO DA DITADURA... 34

6 ARQUIVO, MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: TEORIAS E CONCEITOS... 40

6.1 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DAS ATAS DO CONSUNI (1961-1971)... 49

6.2 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DA DOCUMENTAÇÃO DO JORNAL A TARDE (1961-1971)... 51

6.3 A RELAÇÃO DA UFBA COM O GOLPE DE 1964... 54

7 PERCURSO METODOLÓGICO... 59

8 ANÁLISE SOBRE OS RESULTADOS... 62

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 68

REFERÊNCIAS E FONTES... 71

ANEXO – CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PESQUISADOR... 78

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1 INTRODUÇÃO

A produção e o registro informacional, independente de contexto e suporte, sempre acompanharam a vida dos seres humanos – uma vez que torna-se impossível pensarmos uma sociedade minimanente democrática e civilizada sem que seus registros não estejam disponíveis para quem deles necessite.

O arquivo representa, em outras palavras, a materialização das relações entre sujeitos em uma sociedade, assim como também da relação destes com o Estado. Sobre isso, Robert (1990, p.137, tradução nossa) afirma que “os arquivos constituem a memória de uma organização qualquer que seja a sociedade, uma coletividade, uma empresa ou uma instituição, com vistas a harmonizar seu funcionamento e gerar seu futuro. Eles existem porque há necessidade de uma memória registrada”.

Assim o arquivo acaba sendo uma ferramenta, porém não a única, para que um povo compreenda seu passado e suas origens. Além de servir à administração, seja ela de instituições públicas ou privadas, esses registros informacionais contribuem no sentido de disseminar e preservar as memórias documentadas.

A partir daí é possível compreender a relevância social do campo da Ciência da Informação e áreas afins, a exemplo da Arquivologia, bem como dos profissionais que atuam organizando e gerindo a informação arquivística1, ou seja, os arquivistas.

Esses profissionais da informação, sobretudo em um país tão diverso e historicamente complexo como o Brasil – marcado por uma série de rupturas democráticas – são imprescindíveis à organização e disponibilização dos documentos de arquivo produzidos no presente e passado.

Nosso país sempre teve dificuldade em manter longos períodos democráticos. Sobretudo a partir da Proclamação da República, em 1889, fruto de um golpe de Estado contra o imperador D. Pedro II, articulado em grande medida pelos militares, o país já passou por algumas rupturas democráticas em sua história.

Em 1964 – mesmo reconhecendo as especificidades daquele momento histórico – não foi diferente. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da polarização entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

1 Segundo Calderon (2013, p. 109), informação arquivística “é um conjunto estruturado de representações factuais advindas das atividades realizadas por pessoa física ou jurídica, no exercício de sua função, e registradas em documentos de arquivo, elaborados em qualquer tipo de suporte e que têm como função servir à administração, à pesquisa e também ao cidadão na busca por seus direitos”.

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popularmente conhecida como Guerra Fria, como sinaliza Fico (2000), o mundo é dividido entre capitalistas e comunistas.

A conjuntura internacional, direta ou indiretamente, influenciou praticamente todos os países do mundo nesse período. EUA e URSS, a partir de suas políticas de expansão, buscaram, de todas as formas, ampliar o diálogo com os países no sentido de potencializar o seu domínio cultural, econômico, territorial e militar mundo afora.

Essa disputa, compreendendo a importância estratégica e a influência que o Brasil exercia na América Latina, chegou por aqui. No início dos anos sessenta, os EUA, as Forças Armadas e a burguesia nacional – com todas as suas frações – temiam que João Goulart, até então Presidente da República, pudesse de fato transformar o país em uma república comunista (BRITO, 2008).

Esses setores viam em seu discurso, sensível às demandas populares, um perigo à ordem nacional. Assim articulam, com o apoio do governo estadunidense, mais um golpe de Estado contra nossa democracia – dando início a um dos períodos mais antidemocráticos e repressivos da nossa história.

Outro elemento que também contribuiu para elevar a preocupação desses setores com o governo federal à época foi a sua política externa independente. Goulart, a partir da sua posse, atuou no sentido de ampliar o diálogo, outrora restrito quase que exclusivamente com os EUA, com outros países mundo afora, objetivando a constituição de relações diplomáticas independente da polarização EUA-URSS.

João Goulart, à época filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro, herdeiro político de Getúlio Vargas, foi deposto em 1° de abril de 1964 sem praticamente esboçar, como aponta Motta (2014), nenhum tipo de resistência. Jango, como também era chamado, avaliava, assim como setores da esquerda, que não existia a possibilidade de mais uma ruptura democrática no Brasil naquele momento.

O golpe civil-militar de 1964 – responsável pela abertura de uma fratura até hoje não superada, haja vista os resquícios desse período na sociedade e instituições brasileiras – deu início a um regime autoritário responsável por engessar nossa democracia por vinte e um anos, bem como promoveu uma série de violações aos direitos humanos em parte significativa da população.

Essas violações, diferente do que o senso comum demonstra, não ocorreram somente em relação aos que resistiam ao governo ditatorial, como salienta Safatle (2010). Cidadãos comuns, sem nenhum tipo de vínculo com organizações de esquerda, a exemplo de muitos indígenas e camponeses, também sofreram, direta ou indiretamente, tais transgressões.

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Não foi no período da ditadura militar que o autoritarismo e a naturalização das violações aos direitos humanos foram criados no Brasil. Os governos militares, compreendendo que nosso país ainda não superou os resquícios da escravidão, apenas potencializaram essas práticas.

Historicamente pode ser comprovado que não foram apenas os setores acima citados que apoiaram esse levante. Muitas instituições pelo Brasil, além de terem se colocado em apoio ao referido golpe, demonstraram publicamente, possivelmente com medo de possíveis represálias do novo governo, seu posicionamento favorável ao movimento golpista.

Os dirigentes da Igreja Católica, argumenta Motta (2014), assim como parte hegemônica dos meios de comunicação, além de terem contribuído para a criação de um clima favorável ao golpe durante praticamente todo o governo de João Goulart, posicionaram-se em apoio ao referido levante.

Esses apoios foram decisivos para dar um ar de legalidade na deposição do então chefe do Executivo. Os militares tinham uma preocupação no sentido de demonstrar a opinião pública internacional que a saída de João Goulart tinha sido legal e que não existia ditadura no Brasil naquele momento.

No ambiente universitário – espaço tradicional de efervescência política e cultura –, nos anos iniciais após o golpe, sobretudo em relação aos dirigentes universitários, houve relativo apoio às Forças Armadas. Um exemplo disso está no fato de que o novo governo interveio inicialmente apenas em algumas instituições, como observa Motta (2014, p. 38):

O desligamento de reitores atingiu parte minoritária das instituições, já que havia cerca de 25 universidades públicas na época, contado com as estaduais. De um lado, isso confirma que, entre os líderes universitários, o golpe foi bem recebido – e que a maioria deles era confiável, da perspectiva dos militares. Por outro lado, resultava também das preocupações dos segmentos moderados do regime, que às vezes preferiram negociar a criar um clima de excessiva violência. Claro, em pelo menos seis instituições não se deu importância a pruridos liberais, e foram afastados os dirigentes universitários máximos.

Ou seja, essa operação, que em alguns casos também atuou no sentido de pressionar alguns dirigentes universitários críticos ao golpe pela demissão voluntária, não precisou intervir na maioria das universidades públicas pelo Brasil, demonstrando assim que o discurso golpista foi, até certo ponto, aceito nesse segmento.

Se, do ponto de vista dos dirigentes universitários, houve relativo apoio aos militares, por outro lado, sobretudo no que toca a atuação do movimento estudantil, houve resistência, tanto em relação ao golpe quanto à ditadura.

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Através da realização de entrevistas com discentes e docentes que viveram a instituição durante o período em questão, buscou-se, nesta investigação, compreender como a UFBA institucionalmente se comportou referente ao supracitado golpe, a partir de pesquisa documental nas atas pertencentes ao arquivo do Conselho Universitário (CONSUNI)2 da Universidade Federal da Bahia (UFBA) dos anos de 1961 a 1971 e na documentação do Jornal A Tarde do mesmo período, assim como através de pesquisa bibliográfica sobre as produções acerca do tema.

No tocante aos específicos, esta investigação tem por objetivo apresentar o contexto histórico desse período e suas implicações na UFBA; reunir fatos que ajudem a entender como a instituição respondeu, a partir de suas instâncias decisórias, ao referido levante civil-militar e seus protagonistas; e analisar, à luz dos estudos arquivísticos, as atas do CONSUNI da UFBA dos anos de 1961 a 1971 e da documentação do jornal A Tarde do mesmo período.

A escolha pelas atas do CONSUNI ocorreu pelo fato dele ser a instância mais política da UFBA, mesmo reconhecendo que em muitos momentos essas instâncias podem não refletir os anseios do universo da comunidade universitária. O recorte temporal escolhido para delimitação do período histórico que se pretende investigar justifica-se pois foram dos anos que antecederam o golpe aos anos iniciais da ditadura, compreendendo, segundo Marques (2010, p. 319), os reitorados de “Albérico Fraga de Oliveira (1961-1964); Miguel Calmon Du Pin e Almeida Sobrinho (1964 a 1967), que faleceu no cumprimento do mandato; Roberto Figueira Santos (1967-1971)”. As atas registram as discussões ocorridas nas reuniões do CONSUNI, sejam elas ordinárias ou extraordinárias. Elas representam as memórias da instituição, uma vez que a partir delas é possível conhecer a história da UFBA.

Em relação à escolha da documentação do jornal A Tarde, ela justificasse pelo fato desse veículo ter sido um dos maiores e mais influentes jornais de Salvador no período em questão, compreendendo a importância da comparação entre fontes documentais para o aprofundamento da análise. A partir daí é possível compreender a relação entre os conceitos de arquivo, memória e esquecimento. O registro informacional, visto sob uma perspectiva memoralista, representa o passado materializado, ou, melhor dizendo, a memória em estado material. Essas memórias, fonte primária para se compreender o passado, estão invariavelmente ligadas ao esquecimento, uma vez que depende deste, mesmo reconhecendo a influência dos elementos político-ideológicos, para sua reoxigenação.

2 O CONSUNI/UFBA é uma instância formada por representantes dos docentes, estudantes e técnicos da instituição.

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Esta pesquisa representou a continuação da investigação que o presente autor iniciou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na graduação em Arquivologia, pelo Instituto de Ciência da Informação (ICI) da UFBA, defendido em 2014. Para além da ampliação dos instrumentos de coleta de dados, o intento foi produzir uma pesquisa que se apropriasse dos conceitos e teorias da Ciência da Informação, contribuindo assim para o desenvolvimento e consolidação dessa área do conhecimento.

A escolha deste tema justifica-se pelo fato do autor ter sido representante discente na Comissão Milton Santos de Memória e verdade da UFBA (CMSMV)3. Essa comissão, formada por seis docentes, dois discentes e um servidor técnico-administrativo, que desenvolveu suas atividades entre 2013 e 2014, teve como objetivo “revisitar os fatos ocorridos na UFBA, relativos à ditadura civil-militar, lançando luz sobre um passado que deve ser lembrado para que jamais se repita”. (CMSMV, 2014, p. 08)

E também por existirem, sobretudo no contexto da Ciência da Informação, poucos estudos que tratam da relação da UFBA com esse levante, bem como escassas pesquisas dos arquivos da instituição em relação ao período estudado.

Trata-se de uma abordagem qualitativa – tendo como método o estudo de caso aplicado. Sobre os procedimentos de coleta de dados, a referida investigação utilizou-se tanto das pesquisas bibliográfica quanto da documental. No tocante a técnica, aplicou-se entrevistas com docentes e discentes vinculados à instituição neste período.

Dividido em nove capítulos, este estudo apresenta-se na seguinte ordem. O primeiro capítulo é a Introdução; no segundo, abordou-se a Conjuntura do Brasil no período do pré-golpe; o Golpe civil-militar ocorrido no Brasil em 1964 foi descrito no terceiro capítulo; o quarto é dedicado aos Apoiadores do levante, enquanto que o Papel das universidades no contexto da ditadura foi tratado no quinto capítulo; Arquivo, memória e esquecimento: teorias e conceitos, foi abordado no sexto capítulo; na subseção 1 deste capítulo foi feita uma Análise arquivística das atas do CONSUNI (1961-1971), enquanto a subseção 2 tratou da Análise arquivística da documentação do jornal A Tarde (1961-1971); já na subseção 3, foi apresentada A relação da UFBA com o golpe de 1964; o sétimo capítulo tratou do Percurso metodológico; a Análise sobre os resultados foi exposto no oitavo capítulo e, na última parte, foram abordadas as Considerações Finais.

2 CONJUNTURA DO BRASIL NO PERÍODO DO PRÉ-GOLPE

3 Esse colegiado entregou, ao final de seus trabalhos, em agosto de 2014, Relatório Final intitulado Golpe

Civil-Militar de 1964 na UFBA: rompendo o silêncio do Estado e reduzindo o espaço da negação, a então Reitora

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Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo sofreu mudanças em sua estrutura política. Segundo Fico (2000), logo após a vitória dos Aliados, em 1945 – encabeçados pelos EUA e URSS –, o mundo entra em um período de polarização política, ideológica e militar sem precedentes.

Nesse período o planeta dividiu-se ideologicamente. De um lado o bloco dos países de regime capitalista, liderado pelos EUA, que se fundamentavam na premissa de que os meios de produção deveriam ser de propriedade privada, tendo o lucro como o motor de suas intervenções; do outro, os comunistas, tendo como propulsor a URSS, que defendiam a extinção das classes sociais e lutavam por uma sociedade igualitária; porém sendo o socialismo um período de transição para este último regime.

A Guerra Fria, ocorrida entre os EUA e a URSS, foi um período onde o clima de medo era constante. Nesse momento, segundo Hobsbawn (1995), que durou de 1945 com o término da Segunda Guerra Mundial até a extinção definitiva da URSS, no início da década de noventa, o temor de um confronto nuclear entre essas duas superpotências preocupava muitos países, pois, caso ele ocorresse, poderia causar inúmeras destruições em todo planeta.

As superpotências acima citadas, buscaram, além disso, com o objetivo de ampliar sua influência pelo mundo, se debruçar em torno de alguns conflitos regionais, cada país apoiando um lado, seja os financiando, seja apresentando o seu poderia bélico – a exemplo da Guerra do Vietnã, ocorrida entre 1955 e 1975.

E com essa polarização muitos países se posicionaram nessa disputa não bélica envolvendo norte-americanos e soviéticos. O Brasil, por exemplo, que desde a Segunda Guerra Mundial já demonstrava uma aproximação com os EUA – tendo inclusive os apoiado nesse conflito – se colocou mais uma vez ao lado dos norte-americanos.

Nesse momento muitos países viam com certa inquietação a ascensão do comunismo pelo mundo. Logo após a Segunda Guerra Mundial, muitas nações da Europa se converteram ao comunismo, levando a URSS a uma expansão nunca antes vista. Nesse sentido, Gaspari (2003, p. 61) afirma que:

As bandeiras vermelhas tremularam num espaço geográfico duas vezes maior que aquele anterior à guerra, e perto da metade da população do mundo estava sob o governo das “ditaduras do proletariado”. Na outra metade a situação era ameaçadora. Os partidos comunistas europeus saíram da guerra como potências políticas.

A partir daí podemos perceber como os ideais comunistas e os partidos que reivindicavam essa ideologia ganharam força. Um aspecto que contribuiu para elevar a

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preocupação em relação à tomada de poder por parte dos seguidores de Karl Marx e Friedrich Engels pelo mundo, em especial nos países da America Latina, foi a Revolução Cubana em 1959. Capitaneada por Fidel Castro e Ernesto Rafael Guevara de La Serna, o Che, essa revolução destituiu o ditador Fulgêncio Batista e instaurou um regime socialista em Cuba – fato inédito em um país do continente.

No Brasil, a próxima relação do chefe do Executivo com as reivindicações dos trabalhadores contribuiu para a apreensão dos setores dominantes em relação à ascensão do comunismo. João Goulart, que desde o período em que foi Ministro do Trabalho, no governo de Getúlio Vargas, já se posicionava em favor dos direitos dos trabalhadores, com seus posicionamentos progressistas favoráveis às reformas estruturais, ou seja, a reforma agrária, urbana, da educação e do sistema bancário, e sua próxima relação com as organizações sociais, sofreu certa resistência ao tentar implantar seu plano de governo. Segundo Toledo (1982, p. 30):

Em reiteradas oportunidades, o presidente da República tinha se pronunciado acerca da urgência de o Executivo e de o Congresso aprovarem as reformas estruturais exigidas para a superação dos graves problemas econômicos, sociais e institucionais enfrentados pelo país. Não obstante se pudesse afirmar que era praticamente consensual – no Gabinete, no Congresso, nas Forças Armadas, nas Associações e confederações rurais, etc. – o reconhecimento da necessidade da Reforma Agrária, as concepções acerca do seu sentido social e político, da sua extensão e das pré-condições legais à sua realização eram conflitantes.

Podemos compreender, nessa perspectiva, quão conturbado foi o mandato de João Goulart. Seu governo sofreu grande pressão da elite local que, neste período – assim como na atualidade –, exerce grande influência na política nacional. Sobre a instabilidade do seu governo, Ivo (2009, p. 56) afirma que:

O presidente João Goulart vivera um governo marcado pela crise. Esta se principiou no impasse relacionado á sua posse e se arrastou durante os quase dois anos e meio que o maior herdeiro do varguismo esteve no poder. O presidente, sem uma sólida base de sustentação no Congresso Nacional, cambaleou entre um mandato próximo ao centro e as demandas das esquerdas, que embora não possuíssem uma representatividade que garantisse tranqüilidade a Jango no Legislativo Federal, constituíam um campo político com importante poder de mobilização e de inserção na sociedade brasileira. Elas traziam consigo as demandas das reformas de base e pressionaram Goulart de diversas maneiras até que este anunciou sua implementação no famoso comício de 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro.

Assim tornou-se inviável para João Goulart implantar as reformas de base no país. Se por um lado ele possuía o apoio de importantes setores organizados – a exemplo dos movimentos estudantil e sindical –, por outro, sem maioria no Congresso Nacional e, também,

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por sua política progressista desagradar setores influentes do país, ficou difícil manter-se no governo até o final do seu mandato.

Parte da elite e da classe média no Brasil acreditava que João Goulart, de família latifundiária do Rio Grande do Sul, representava uma ameaça à propriedade privada. Jango incomodava esses setores porque simbolizava um Brasil independente e soberano, sensível às demandas populares.

A conjuntura internacional, assim como a nacional, contribuiu para o levante civil-militar de 1964. Desde 1961, com a renúncia de Jânio Quadros quando, por direito, João Goulart deveria assumir o seu posto por ser o seu vice, os militares, com o apoio de setores influentes do país não permitiram que Jango assumisse, articulando, assim, uma manobra para que o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumisse a Presidência da República por aproximadamente dez dias, com a desculpa de que Jango não se encontrava no Brasil, como afirma Fico (2000).

Alguns setores não se alinham ao discurso golpista e repudiam tal atitude dos militares e de seus aliados. A partir daí a sociedade civil se articula e vai às ruas em favor da posse de João Goulart, organizando a “Campanha da Legalidade”4. Com o passar das semanas novos

setores se associavam ao movimento e novas manifestações eram realizadas em prol da legalidade no Executivo Nacional.

Com o sentimento de indignação tomando grande parcela dos brasileiros, o Congresso Nacional, que nesse momento temia a instauração de uma guerra civil no Brasil, resolve acatar o clamor que advinha das ruas.

Contudo, antes disso, as duas grandes legendas do Congresso Nacional, a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrata (PSD), respectivamente, articularam outro golpe que exerceria grande influência no governo de João Goulart e na tomada de poder por parte dos militares em 1964: uma emenda constitucional que transformara o sistema de governo do Brasil em parlamentarista, objetivando engessar o governo de João Goulart e não permitir que ele executasse as reformas de base contidas em seu plano de governo.

E foi basicamente o que aconteceu. Seu governo, iniciado em setembro de 1961 – que durante o regime parlamentarista durou pouco mais de um ano e meio –, conviveu com

4 A Campanha da Legalidade foi uma revolta civil e militar liderada por Leonel Brizola que tinha por objetivo garantir a posse de João Goulart, em 1961, devido à tentativa de um golpe que os militares articulavam para não permitir que ele, vice de Janio Quadros, que acabara de renunciar, assumisse a Presidência da República.

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inúmeras crises internas e uma grande pressão externa de setores que exerciam influência no Congresso Nacional. Sobre isso, Toledo (1982, p. 22) aponta que:

Na curta existência do regime parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três Conselheiros de Ministros, além de se defrontar com o agravamento de sua situação econômico-financeira e se debater ainda com novas crises político-institucionais. Administrativamente ineficiente e politicamente inviável, o parlamentarismo – sistema natimorto, como alguns o dominaram – teria os seus dias contados dentro da vida republicana brasileira.

A pressão que João Goulart sofreu deve-se também ao seu posicionamento em relação à necessidade das reformas de base. Jango acreditava que parte significativa dos problemas sociais, econômicos e institucionais do Brasil seria resolvido a partir da execução dessas reformas.

Outra medida que desagradou à oposição, salienta Fico (2000), foi o afastamento diplomático entre o Brasil e os EUA, bem como uma aproximação estratégica – sobretudo na perspectiva da soberania nacional e da constituição de acordos comerciais e diplomáticos – com a URSS.

Nesse período o governo de Jango foi praticamente engessado. Com o retorno ao antigo sistema esperava-se que as constantes crises fossem superadas pelo Executivo Nacional. Sem a limitação proporcionada pelo sistema parlamentarista, João Goulart reacende o debate em torno da implantação das reformas de base. Entretanto, assim como no parlamentarismo, a resistência a essas reformas continuou grande.

A política econômica brasileira – influenciada em grande medida pela crise política a época vigente – ia mal. Outros aspectos, contudo, além das questões administrativas do governo, contribuíram para a instabilidade econômica naquele momento. Nesse sentido, Toledo (1982, p.89) expõe que “a desaceleração do crescimento econômico e a aceleração do ritmo inflacionário – advinham de circunstâncias que escapavam parcialmente ao controle governamental.”

Setores dos variados espectros ideológicos viam com certa preocupação o governo de João Goulart. Os conservadores, que desde o início do mandato de Jango temiam sua próxima relação com os comunistas, tinham medo da instauração de uma república comunista no Brasil; já à esquerda, contudo, receava da aproximação do presidente com o grande capital.

É nesse clima de tensão, entre ambas as vertentes políticas, que ocorre em 13 de março de 1964 o comício das reformas – articulado pelo Comando Geral dos Trabalhadores e pela assessoria sindical de Goulart. Esse ato, que contribuiu decisivamente para incitar o discurso anticomunista no Brasil, além de anunciar a promulgação de dois decretos, o da

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nacionalização das refinarias de petróleo e o da desapropriação de terras para reforma agrária, segundo Toledo (1982, p. 95), “visava demonstrar o apoio popular as propostas de Reformas de Base do governo.”

Esse comício foi responsável por levar mais de cem mil pessoas às ruas do Rio de Janeiro naquela atípica sexta-feira treze. Entretanto, apesar dos militares, bem como parte da burguesia, estarem se articulando desde a renúncia de Jânio Quadros, em setembro de 1961, esse ato impulsionou e contribuiu para a deflagração do golpe que ocorrera no país poucos dias depois.

É importante salientar que a referida articulação, que tinha como objetivo a desestabilização e a derrubada de Jango, foi potencializada a partir da atuação do complexo formado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) – agrupamento de organismos criados anos antes do golpe com a finalidade de defender os interesses da elite. Sobre esse complexo, Pastore (2012, p. 59) afirma que:

a formação do complexo IPES/IBAD foi uma reação da elite orgânica ao que eles consideravam como o crescimento da esquerda no cenário político. Por isso, é importante elucidar que o ponto de união entre esses empresários nacionais, de empresas multinacionais e os militares, que formavam o IPES/IBAD, era o anticomunismo e a necessidade de adequar o Estado aos seus interesses.

O complexo IPES/IBAD – financiado pelo governo dos EUA, assim como também pelo empresariado nacional – é prática recorrente das superpotências, sobretudo em relação aos governos de países estratégicos que não se alinham ideologicamente aos seus interesses. Esse apoio se deu tanto a partir da perspectiva logística, com o envio de livros, armas e outros objetos, quanto também através do financiamento de alguns de seus opositores.

O ápice dessa campanha ocorreu com a realização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade5 – grande manifestação ocorrida em 19 de março de 1964, na cidade de São Paulo, organizada por um conjunto de organismos, a exemplo do IPES, União Cívica Feminina, Campanha da Mulher Pela Democracia, entre outros, com o objetivo de derrubar João Goulart.

Anos antes, porém, campanha parecida foi construída, com semelhante base discursiva e expressivo apoio da mídia hegemônica, com a finalidade de derrubar o então presidente Getúlio Vargas. Porém, o mesmo suicida-se em 1954 e posterga o golpe por uma década. Sobre isso, José (2015, p. 16) afirma que:

5 Sobre essa marcha, Brito (2008, p. 62) afirma que ela “ensejaria ainda a construção de outros atos no Brasil para se contrapor a Goulart e às manifestações em prol das reformas”.

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A movimentação contra Getúlio Vargas era intensa, com nítidas inspirações golpistas, e Lacerda era o principal líder. Tudo isso ecoava por toda a grande imprensa, cuja vocação contra governos reformistas é antiga, como pode se ver, à exceção apenas do jornal Última Hora.

Assim é possível compreender como parte influente da sociedade civil, a exemplo dos meios de comunicação e da elite nacional, tradicionalmente se movimenta quando o poder no Brasil está nas mãos de figuras sensíveis às demandas populares.

O ambiente no Brasil durante o período do pré-golpe foi favorável a instauração de um Estado de exceção em 1964. Por mais que não tenha existido um consenso no interior das Forças Armadas em relação a como se estruturaria o golpe e o pós-golpe – os militares, com o apoio do governo estadunidense e de parte influente da burguesia local –, conseguiram criar um sentimento em parte da população no sentido de justificar o referido golpe.

3 GOLPE CIVIL-MILITAR OCORRIDO NO BRASIL EM 1964

Nos poucos mais de 120 anos de proclamada a República Federativa do Brasil, nosso país conviveu com algumas intervenções militares. Por mais que grande parte dessas interferências não tenham resultado em governos presididos por militares, esses momentos foram marcados pelo autoritarismo e pela constante violação dos direitos humanos.

Nesse sentido, a Arquidiocese de São Paulo (1985, p. 53) afirma que “[...] quando, em abril de 1964, os militares derrubaram o presidente João Goulart e ocuparam o poder, na verdade estavam dando seqüência a uma longa tradição intervencionista que remonta aos séculos anteriores da nossa história”. Dessa forma, podemos compreender que a história do Brasil é repleta de longas e conturbadas intervenções militares.

Entretanto, esse golpe, desde o início da sua articulação, logo após a posse de João Goulart, em 1961, teve características distintas de outras rupturas democráticas. A resistência, que tradicionalmente vem acompanhada dessas tomadas de poder, praticamente não existiu no primeiro momento.

Dois fatores contribuíram para essa aceitação inicial. O primeiro foi que Jango acreditava ter o apoio de uma fração das Forças Armadas. Isso fez com que Jango não planejasse, imaginando que nada aconteceria, uma estratégia de resistência ao golpe. O segundo, talvez o mais importante, foi que o conjunto das esquerdas estava, nesse período, desarticulado.

Esses setores faziam uma análise de conjuntura otimista em relação ao futuro do Brasil. Isso talvez explique, bem como o comportamento moderado do Partido Comunista

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Brasileiro (PCB), organização esta que detinha, até o início do golpe, a hegemonia das esquerdas no Brasil, a vitória dos militares. Sobre isso, Toledo (1982, p.110) comenta que:

Avaliação incorreta da correlação de forças existentes, isolamento político em relação às grandes massas, radicalização apenas no nível da retórica, subordinação política ao reformismo populista, foram algumas das razões da ‘arrasadora derrota’ sofrida pelas esquerdas em 1964.

A postura do conjunto das esquerdas, em alguma medida, contribuiu para a fácil derrubada de João Goulart. Eles acreditavam em um legalismo dentro das Forças Armadas que impediria qualquer possibilidade de golpe.

Um exemplo disso pode ser observado na avaliação do Secretario Geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, em relação aquele momento. Segundo Gorender (1987), Prestes acreditava que não existia condições reais para que as Forças Armadas derrubassem João Goulart e instaurassem uma ditadura no Brasil.

Junto a isso soma-se o fato dos militares terem recebido o apoio de outros segmentos da sociedade. Com isso, torna-se um equivoco histórico desconsiderar o apoio civil a essa ruptura democrática, uma vez que ele contribuiu tanto para o golpe em si quanto para a manutenção da ditadura por mais de duas décadas.

Por mais que os militares tenham sido os responsáveis diretos pela articulação do golpe, o apoio de setores da sociedade civil contribuiu para legitimar e dar sustentação a vitória das Forças Armadas. Contudo cabe salientar que o protagonismo do levante em si foi dos militares, como é sinalizado por Fico (2004, p. 52):

Se a preparação do golpe foi de fato "civil-militar", no golpe, propriamente, sobressaiu o papel dos militares. Além das movimentações de tropas, desde o início do regime foi indiscutível a preponderância dos militares, em detrimento das lideranças golpistas civis. As sucessivas crises do período foram resolvidas manu militari e a progressiva institucionalização do aparato repressivo também demonstra a feição militar do regime.

Os militares estrategicamente engrossaram o discurso anticomunista de uma forma que foi criado um sentimento, em significativa parcela da população, de que só com uma intervenção militar o país seria salvo do fantasma do comunismo.

Assim tornou-se fácil para os militares promoverem mais um golpe de Estado no país. Foram 21 anos em que a dignidade da pessoa humana, bem como as liberdades individuais, que, desde a promulgação da Carta Magna, em 1946, já nos concedia parcialmente esses direitos, foram cerceados em detrimento de uma suposta ordem nacional. Teles (2010, p. 299) ao analisar esses fatos acaba por afirmar que:

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Tivemos uma longa ditadura instaurada com o golpe militar de 1964 e que, desde seu inicio, optou por reprimir brutalmente os opositores e praticar violações aos direitos humanos. Milhares de pessoas tiveram seus direitos políticos e civis cassados, uma nova Constituição foi outorgada (1967) e a censura estabelecida.

O Brasil, que até antes do golpe passava por um processo de democratização com o término do Estado Novo, que desembocou na Constituinte de 1946, sofreu, a partir de 1964, um retrocesso no tocante à consolidação da sua democracia.

Os militares não tinham um projeto de poder definido quando o golpe foi deflagrado. A ideia inicial era por fim a corrupção, conter a ameaça comunista e devolver em seguida o poder central do país aos civis.

Contudo, as disputas internas no interior das Forças Armadas, assim como a influência que a elite exerceu no processo de articulação do levante, fizeram com que os militares optassem por construir, a partir de 1964, um longo e conturbado projeto de poder, calçado no autoritarismo e no arrocho salarial, como aponta Safatle (2010).

Nesse período, questionar o novo regime significava ser visto como um inimigo da pátria. Qualquer ação contestatória, não somente promovida por militantes de esquerda, era interpretado como desordem e, desta forma, duramente reprimida pelos agentes do Estado.

Com a justificativa de salvar o Brasil dos “subversivos”– como eram chamados os que se rebelavam contra o regime – os militares passaram por cima das instituições e do ordenamento jurídico brasileiro. Através dos Atos Institucionais e da Constituição de 1967, que legitimaram as ações das Forças Armadas, concedendo-lhes plenos poderes extra-constitucionais, os militares arregimentaram o seu novo projeto de poder.

Logo após a deflagração do golpe, em 1º de abril de 1964, os militares começaram a se movimentar no sentido de não permitir que seus opositores se articulassem politicamente contra o novo regime. Um exemplo disso foi o fato dos partidos políticos terem sido colocados na ilegalidade durante esse período e, em seguida, a criação do bipartidarismo. Sobre isso, Colling (1997, p. 25) elenca que:

A existência de partidos políticos era encarada com reserva pelos militares, que os viam como divisionistas, perturbando a unidade social. Tudo que não fazia parte da sua ordem era encarado como desordem, e nesta visão extinguiram-se os partidos políticos, criando-se por decreto a ARENA e o MDB.

O bipartidarismo, criado a partir do Ato Complementar n° 4, fruto do Ato Institucional n° 2, editado em 1965, foi fruto da preocupação dos militares no sentido de conter a oposição. Os partidos criados com essa mudança, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), respectivamente situação e oposição, se

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mantiveram atuantes no cenário político brasileiro até o final dos anos setenta, quando – através da aprovação da Lei Orgânica dos Partidos Políticos – o pluripartidarismo foi restabelecido no Brasil.

Durante o período de vigência do bipartidarismo, o Poder Executivo foi fortalecido em detrimento do enfraquecimento do Legislativo. Por mais que alguns partidos de oposição ao regime, à época na ilegalidade, tenham informalmente adentrado no MDB, a exemplo do PCB, a estrutura política bipartidária foi pensada para inviabilizar uma oposição real ao governo.

Os militares, apesar de todo cerceamento das liberdades democráticas e violações aos direitos humanos, tinham uma preocupação no sentido de demonstrar – sobretudo para a opinião pública internacional – que no Brasil as instituições funcionavam sem maiores problemas. Era preciso, em outras palavras, travesti o autoritarismo, ao menos que aparentemente, com um ar de legalidade, como afirma Safatle (2010, p. 251):

Tínhamos eleições com direito a partido de oposição, editoras que publicavam livros de Marx, Lenin, Celso Furtado, músicas de protesto, governo que assinava tratados internacionais contra a tortura, mas, no fundo, sabíamos que tudo isto estava sub‑ metido à decisão arbitrária de um poder soberano que se colocava fora do ordenamento jurídico. Quando era conveniente, as regras eleitorais eram modificadas, os livros apreendidos, as músicas censuradas, alguém desaparecia. Em suma, a lei era suspensa. Uma ditadura que se servia da legalidade para transformar seu poder soberano de suspender a lei, de designar terroristas, de assassinar opositores, em um arbítrio absolutamente traumático.

A ditadura militar brasileira foi um dos períodos mais antidemocráticos desde que o Brasil se tornou uma República. Nele, o Estado, sob a ótica da manutenção da ordem nacional, assim como para desarticular a resistência ao regime, modificou a estrutura de grande parte dos setores que compõe o Estado. Sobre isso, Teles (2010, p. 300) afirma que “As instituições da democracia de apenas dezenove anos (1945-1964) foram substituídas ou assimiladas pelo Estado autoritário fundado sob a Doutrina de Segurança Nacional”.

Essa doutrina, elaborada pelos EUA como estratégia para enfraquecer a ascensão da URSS durante a Guerra Fria, foi utilizada pelos países que mantinham próxima relação com os norte-americanos, a exemplo do Chile e da Argentina. O Estado autoritário constituído no Brasil logo após o golpe, que possuía estreita relação com o governo estadunidense, fundamentou suas intervenções, tanto na perspectiva política quanto na econômica, a partir dessa lógica.

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No Brasil essa doutrina institucionalizou-se através da Lei de Segurança Nacional6.

Apesar do país já possuir lei semelhante, desde os anos trinta, foi nesse período que a repressão transformou-se em política de Estado.

Com isso os militares puderam desenvolver uma ostensiva e sistemática política de repressão, sob o respaldo do ordenamento jurídico brasileiro. Tudo o que poderia comprometer a ordem nacional e a consolidação do novo regime foi duramente reprimido e silenciado.

Os militares se fundamentaram na premissa de que o inimigo da pátria poderia estar em qualquer lugar e organizado em variadas frentes de atuação. Em relação a essa afirmação, Brito (2008, p. 66) comenta que:

A noção de inimigo interno era bastante elástica. Na conjuntura brasileira do golpe de 1964, esta noção enquadrou militantes políticos, ativistas sociais a favor das reformas de base, comunistas, militante de esquerda e críticos do regime em geral. Acrescente-se a incorporação de novos conteúdos e nomes: o militante virou agitador; o comunista passou a ser subversivo; o revolucionário virou terrorista; o aparato repressivo se tornou órgão de segurança.

A atuação da população na vida política do Brasil era vista pelos militares com certa preocupação, pois eles acreditavam que isso poderia prejudicar a manutenção da ordem no país. O discurso anticomunista, que no período do pré-golpe contribuiu decisivamente para a desestabilização e consequente queda do governo de João Goulart, continuou durante o regime.

Os meios de comunicação foram responsáveis por reforçar e naturalizar essa narrativa durante parte significativa do regime. Tudo o que estava relacionado à resistência e a certa crítica aos militares era associado ao comunismo e precisava ser de alguma forma criminalizado.

A repressão aos opositores foi forte. O braço armado do Estado, isto é, as Forças Armadas, assim como a Polícia Federal e as corporações policiais estaduais, atuaram de forma enérgica no combate aos que esboçavam algum tipo de resistência, sobretudo a partir da edição do Ato Inconstitucional nº 5 (AI-5), como afirma Brasil (2007, p. 21):

O regime militar brasileiro de 1964 – 1985 atravessou pelo menos três fases distintas. A primeira foi a do Golpe de Estado, em abril de 1964, e consolidação do novo regime. A segunda começa em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), desdobrando-se nos chamados anos de chumbo, em que a repressão atingiu seu mais alto grau. A terceira se abre com a posse do general Enerto Geisel, em 1974, ano em que, paradoxalmente, o desaparecimento de

6Sobre essa lei, Zaverucha (2012, p. 58) sinaliza que: “A Lei de Segurança Nacional (LSN) termina cobrindo os crimes políticos e os violadores permanecem sendo julgados por Tribunal Federal Militar”.

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opositores se torna rotina -, iniciando-se então uma lenta abertura política que iria até o fim do período de exceção.

Os agentes do Estado brasileiro, respaldados pelo AI-5, se utilizaram de métodos dos mais violentos para reprimir os que se insurgiram contra o novo regime. O objetivo era claro: adestrar os brasileiros e silenciar os questionadores que contribuíam para a desestabilização do governo, bem como reduzir o crescimento dos pensamentos de esquerda e progressista que ganhavam força no país.

Por mais que o Brasil seja signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos desde sua criação, em 1948, isso não impediu que os militares, em nome da segurança nacional, violassem os direitos humanos e promovessem o cerceamento da liberdade de expressão de parte significativa da população brasileira.

O sentimento de medo, já nos primeiros dias após o golpe, era grande. Segundo Ginzburg (2012, p. 133), “A eficiência da política autoritária depende de sua administração da violência física, da instalação de terror e medo em classes populares”. Assim podemos compreender como foi importante para os militares a utilização da violência para conter os revoltosos e garantir a manutenção do regime por tanto tempo, uma vez que o medo afastou muitos militantes da resistência à ditadura.

A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade de representação dos estudantes universitários brasileiros, foi invadida e incendiada logo em seguida ao golpe – uma clara sinalização dos militares no sentido de demonstrar que os estudantes organizados não teriam vida fácil a partir de então.

A função dos órgãos de repressão, a exemplo dos Departamentos de Ordem Política e Social e dos Destacamentos de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, concentrava-se em fiscalizar, coibir e reprimir toda e qualquer forma de oposição. Os militares conseguiram, a partir da intervenção desses organismos, conter a resistência à ditadura, como explicita Colling (1997, p. 79):

O objetivo dos órgãos de repressão, sob o manto da legalidade de defensores da ordem política e social, era desmantelar a oposição de esquerda ao regime militar instituído em 1964, tentando eliminar sua capacidade de intervenção na vida política do país. Para isso, era necessário agir sobre os homens e mulheres militantes que compunham a vida das organizações políticas. No estado de guerra que se estabeleceu, a prisão dos militantes não era suficiente, era necessário destruí-los e/ou dominá-los fisicamente. Este é o sentido da violência política: como intervenção voluntária que tenta impedir fisicamente a ação que se dirige ao corpo do indivíduo, seja para destruí-lo, seja para dominá-lo.

A tortura tornou-se uma prática recorrente, ao longo desse período, assim como aconteceu em todos os países da América Latina que tiveram suas ordens constitucionais

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rompidas a partir de golpes de Estado, a exemplo da Bolívia, Paraguai, Chile, Argentina e Uruguai.

Essa prática obteve relativo êxito no Brasil graças a um acordo de colaboração entre os governos militares, a Operação Condor, que tinha como objetivo articular internacionalmente a política de repressão e assim desbaratar as organizações de esquerda que resistiam às ditaduras.

A referida aliança, sob o acompanhamento dos EUA, envolveu a troca de informações das inteligências das Forças Armadas entre os supracitados países. Essas informações, salienta Safatle (2010), ajudavam a subsidiar a política de repressão dos governos, que envolvia métodos que iam desde o controle ideológico, tortura, sequestro e assassinato de seus opositores.

O Brasil viveu de 1964 a 1985 um período marcante em sua história. Foram pouco mais de duas décadas em que a democracia e os direitos humanos foram cerceados em nome de um projeto de poder, por essência, autoritário. Por mais que o país já tenha passado por momentos parecidos em sua história recente, sobretudo a partir do Brasil República, essa ditadura modificou profundamente a estrutura do Estado brasileiro, bem como abriu cicatrizes que até hoje não foram fechadas.

4 APOIADORES DO LEVANTE

Apesar deste golpe ter sido encabeçado pelas Forças Armadas, outros segmentos também contribuíram para esse levante, como nos referimos anteriormente. Esses setores, preocupados com o crescimento do comunismo no Brasil, se aliaram aos militares tanto no período que antecedeu a constituição do golpe quanto, também, nos 21 anos do regime militar.

Torna-se um equivoco fazermos uma leitura desse acontecimento sem ponderarmos a influência que a sociedade civil teve para o seu desfecho, assim como de setores externos ao país. O Brasil sofreu nesse período um golpe civil-militar, pois parte da sociedade civil contribuiu para a tomada de poder, bem como para a manutenção do novo regime, como expõe Colling (1997, p. 23):

É comum, e até justificável, ligarmos o movimento de 1964 somente à instituição militar, como se durante todos os anos do regime militar somente os militares tenham ocupado cargos e postos de chefia no governo brasileiro. Os presidentes da República deste período foram todos militares, é verdade, mas os civis não só colaboraram no golpe, como também ocuparam funções importantes e até

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estratégicas durante o período. Como exemplo, o Ministério do Planejamento, que foi sempre ocupado por homens sem farda.

A influência que a sociedade civil exerceu na política do Brasil foi decisiva para a derrubada de João Goulart. Setores como os meios de comunicação, a Igreja Católica e o governo estadunidense foram fundamentais para o desfecho final do golpe e a manutenção dos militares no poder.

4.1 MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA

A imprensa brasileira, sobretudo o segmento hegemônico, sempre esteve alinhada aos interesses dos setores dominantes. Ela reproduz, através de suas ferramentas de comunicação – com grande alcance e influência na opinião pública –, um discurso conservador que busca naturalizar as desigualdades sociais, como sinaliza Marconi (1980, p. 138):

Como evidentemente a imprensa brasileira esteve e está na mão da classe dominante e, portanto, veicula para a opinião pública apenas a ideologia dominante, ela trabalha a favor da principal função de um Estado capitalista: assegurar a reprodução das relações sociais de produção.

Nesse sentido, não é difícil imaginar de que lado a imprensa ficaria em uma possível tomada de poder tendo os setores dominantes à frente. Inquietos com a possibilidade dos comunistas ganharem força no Brasil, a imprensa, em sua quase totalidade, apoiou a tomada de poder por parte dos militares em 1964.

Esse apoio, além de ter garantido grande parte da publicidade oficial do governo federal a esses veículos de comunicação, também evitou que os mesmos sofressem repressão. Sobre isso, Marconi (1980, p. 138) argumenta que:

Conservadora, partilhando dos mesmos receios dos militares quanto a uma tomada de poder pelos comunistas, a quase totalidade da imprensa apoiou incondicionalmente o golpe militar que, em 1964, derrubou o Presidente da República constitucionalmente eleito pelo povo. Os poucos órgãos de comunicação que não se afinavam com a nova orientação política, como os jornais e revistas esquerdistas ou nacionalistas, foram invadidos, fechados e depredados (caso da Última Hora).

Um setor minoritário da imprensa que não se submeteu a essa lógica foi censurado e duramente reprimido. Porém a grande maioria, que inclusive contribuiu para a criação de um clima favorável à instauração do golpe de Estado, se posicionou estrategicamente ao lado dos militares.

Esse apoio veio em um momento importante para a vitória dos militares naquele ano. Ele foi fundamental para que a população não tomasse conhecimento das atrocidades

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cometidas pelas Forças Armadas no sentido de reprimir e censurar os que colocavam o novo regime em perigo.

Porém a censura à imprensa, durante esse período, não vinha somente dos militares. Os donos dos meios de comunicação, quase todos pertencentes à classe dominante e alinhados aos militares, também exerciam a função de censores da comunicação no Brasil, como aponta Marconi (1980, p. 143):

Em todo caso, saindo à censura policial, a censura patronal cresceu de intensidade. Houve apenas uma estratégica troca de sentinelas. Alinhada, bem comportada, adepta fervorosa das palavras de ordem oficiais que interessantemente pregam “liberdade com responsabilidade” e a crítica construtiva, decididamente a imprensa brasileira não conquistou a liberdade de ação que lhe seria de direito. Ela foi concedida por não caber nos novos propósitos políticos do grupo que está no poder a existência da censura. Daí a sua caducidade, inevitável abolição e transferência de responsabilidades para os donos dos meios de comunicação.

A grande imprensa se alinhou ao discurso dos militares e isso contribuiu para que a ditadura permanecesse por tanto tempo. A opinião pública no Brasil era influenciada basicamente por três meios de comunicação nesse período: a TV, a rádio e o jornal impresso. Essas ferramentas comunicacionais, que possuem uma grande ressonância no país, foram decisivas para a criação de um sentimento que justificasse o novo projeto de poder.

Algumas organizações do ramo da comunicação posicionaram-se publicamente em apoio à tomada de poder. Muitas, a exemplo dos jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, mantiveram também uma estreita relação com o alto escalão das Forças Armadas, ao ponto de veicularem e omitirem informações que se relacionassem com os militares, como afirma Chauí:

Freqüentemente, os jornais resvalavam para o colaboracionismo veiculando notícias plantadas pela polícia sobre fugas ou atropelamentos de presos políticos, indiscriminadamente chamados de terroristas. Tornavam-se, assim, cúmplices do processo de liquidação desses presos. Os cartazes “procuram-se estes terroristas” eram impressos nas oficinas da Empresa jornalística FOLHA DA MANHÃ. Quando as denúncias de torturas ecoavam na imprensa internacional, jornais brasileiros importantes, como o Globo, O ESTADO DE S. PAULO e Folha de S. Paulo, escreviam editoriais negando as acusações e atribuindo-as a uma intenção de difamar o regime. (CHAUI, 1991, p. 46)

A Folha de São Paulo, por exemplo, além de fazer a defesa pública do projeto político dos militares em seus editoriais, ofereceu apoio logístico aos militares, demonstrando claramente quão vinculada estava ao governo militar.

O apoio da grande imprensa aos militares se deu incondicionalmente até a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. A partir daí, com o endurecimento do regime, parte dessa

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imprensa agora começa a esboçar, moderadamente, alguma crítica aos abusos cometidos pelos militares.

Com isso a imprensa brasileira, sobretudo os jornais impressos, perdeu força, ficando o setor concentrado nas mãos de poucos. Sobre isso, Chauí aponta que (1991, p. 11) “Desapareceram a maioria dos vespertinos, enquanto o mercado se concentrava num número cada vez menor de empresas cada vez maiores. A circulação dos diários caiu em meio milhão de exemplares nos anos de 1960”.

Veículos como o Brasil Urgente, Panfleto e o Senhor, entre outros, por não concordarem com a censura imposta pelo governo, tiveram suas atividades reduzidas, quando não encerradas.

Anos depois – tanto a Folha de São Paulo quanto o jornal O Globo – reconheceram suas adesões ao golpe. A Folha, em 2011, publicou uma nota em que expõe seu posicionamento, como podemos observar abaixo:

A Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o "Estado", mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais. Confrontado por manifestações de rua e pela deflagração de guerrilhas urbanas, o regime endureceu ainda mais em dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o "Estado", a revista "Veja" e o carioca "Jornal do Brasil", que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores. As tensões características dos chamados "anos de chumbo" marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a "Folha da Tarde" alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares. A entrega da Redação da "Folha da Tarde" a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, um dos 'terroristas' mais procurados do país, morto em São Paulo no final de 1969. Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da "Folha da Tarde" à repressão contra a luta armada. Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins. (FOLHA DE S. PAULO, 2011)

Já o jornal O Globo publicou, em outubro de 2013, uma nota que, apesar de não justificar o erro, o reconhece. Essa autocrítica se deu, em linhas gerais, por consequência das manifestações que ocorreram em junho de 2013, pelo Brasil, onde algumas organizações, inclusive a Globo, foram questionadas quanto a seus posicionamentos políticos. Reproduzimos, abaixo, parte dessa nota:

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Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964. A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais. Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas (GLOBO, 2013).

Com a justificativa de salvar o Brasil de uma ameaça comunista, personificada no governo de João Goulart, o jornal O Globo, veículo historicamente reprodutor do pensamento dominante, apoiou o golpe e, apesar das críticas pontuais, os 21 anos de ditadura militar no país.

Na Bahia, seguindo tendência nacional, o jornal A Tarde, um dos maiores e mais influentes veículos de comunicação do estado, além de ter reproduzido discurso anticomunista no pré-golpe e durante quase todo o regime militar, também apoiou editorialmente o movimento golpista, como expõe Brito (2008).

Em síntese, a grande imprensa brasileira posicionou-se em favor desse levante. Esse apoio ajudou a criar um sentimento em parte da população que justificasse o golpe, bem como no sentido de apresentar aos brasileiros uma ditadura “branda” – bem diferente, na prática, do que de fato ocorria.

4.2 IGREJA CATÓLICA

O período que antecedeu o golpe de 1964 representou, segundo Brito (2008), um momento de mudanças na postura da Igreja Católica. Essa instituição, que historicamente mantém uma próxima relação com os setores dominantes, começa a comprometer-se com os segmentos marginalizados do país.

Tal ruptura não se deu de forma rápida e não foi acatada, ao menos de início, por todos os setores da Igreja Católica. O núcleo dirigente da instituição, compreendendo a heterogeneidade que envolve as instituições religiosas, colocou-se de inicio ao lado dos interesses dos militares.

Apesar de ter existido um setor minoritário, dentro da Igreja Católica, contrário ao golpe de Estado e em favor das transformações sociais no país, essa instituição contribuiu para a criação de um clima favorável à intervenção militar, como nos informa a Arquidiocese de São Paulo (1985, p. 147):

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