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Transferência e desejo do analista: os nomes do amor na experiência analítica ou Amar é dar o que não se tem

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Academic year: 2021

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Transferência e desejo do analista: os nomes do amor na experiência analítica ou “Amar é dar o que não se tem”

Palavras-chave: Transferência, Desejo do analista, Formação

“Que haja amor à fraqueza, está aí sem dúvida a essência do amor. Amar é dar o que não se tem, ou seja, aquilo que poderia reparar

essa fraqueza original”

Jacques Lacan1

Amar é dar o que não se tem é uma frase musical, exige música, Música Popular Brasileira, nome próprio.

A descoberta dessa frase de Lacan, subtítulo do trabalho, deveu-se a um pedido de

Danilo Caymmi. Conhecendo-a há muito, gostando de sua ressonância, de sua força,

pediu-me a referência, ou a frase inteira, pois pretendia musicá-la. O interessante é que a frase, forte e bonita, conceitua o amor à fraqueza como a essência do amor. Coisa que me parece perfeitamente lógica, dentro da lógica dos opostos.

Encontrei-a no Seminário 172, assim por acaso, quando pesquisava a relação entre saber e gozo, preparando uma aula. Agorinha, enquanto refletia sobre o trabalho a ser escrito sobre o amor, voltou-me à lembrança. O impacto surpresivo, a subversão do sentido, a negatividade - coisas tão lacanianas! - associadas à discrição quase triste, quase romântica, diante da fraqueza e da impotência, me fizeram pensar em conspiração.

Nessa conspiração do amor, ou sobre o amor, que são a transferência e o desejo do analista.

1

LACAN, Jacques. O Seminário – livro 17. O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 49.

2

Porém, a famosa frase foi cunhada por Lacan durante o Seminário da Transferência.

(2)

O amor marca o início da psicanálise, com Anna O. e Breuer. Marca o princípio da experiência analítica com o amor de transferência e, no final, marca também o desejo do analista, acossado por um amor sem limite. 3 Um desejo que poderá surgir no final da experiência, não está dado a priori. Como uma aposta. Uma aposta que o desejo inédito, sustentado no agalma, possa aparecer quando houver a passagem de psicanalisante a psicanalista, como ensina Lacan na Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. 4

Diria que a experiência analítica é percorrida pelo amor, de cabo a rabo, esse amor onde se dá o que não se tem, amor onde se doa a falta, sendo que, no princípio e no final, há

nomes próprios para designá-lo: transferência e desejo do analista, respectivamente.

Conspiração é conluio, maquinação, trama: entendimento secreto dirigido contra alguém ou contra o Estado 5. Por que, então, haveria uma conspiração amorosa a caracterizar a transferência e o desejo do analista? Quem seria o adversário?

Lacan, ao falar de O Banquete 6, de Platão, diz haver ali uma teoria do amor, enunciada por Sócrates e Alcibíades, teoria esta que adotará como própria ao discurso analítico e como capaz de esclarecer a natureza da transferência. É a teoria do amor como falta: amar é dar o que não o se tem. É na falta que o amor se junta ao desejo, onde o amante elege um outro, o amado, como aquele ao qual poderá doar sua própria falta, fazendo dele o objeto que lhe falta.

Quando Alcibíades entra embriagado na casa de Agatão, durante O Banquete, e declara seu amor a Sócrates, eis aí um bom exemplo da conspiração amorosa. Alcibíades pensa amar Sócrates, mas é o agalma socrático que visa, seu objeto precioso. Visa o que lhe falta, visa em Sócrates o objeto que causa seu próprio desejo, para extraí-lo, arrancá-lo e

3

LACAN, Jacques. O Seminário – livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 187.

4

LACAN, Jacques. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 248.

5

KOOGAN/HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1993.

6

(3)

incorporá-lo a si. Como um adereço ou uma prótese ou um semblante. Nessa cena Lacan isola a dialética do amor e as funções do amante e do amado.

A conspiração amorosa poder-se-ia caracterizar, então, pela falta; pela extração do objeto causa de desejo (a) do Outro e pela conseqüente troca das posições: de amante passa-se a amado. Como diz Lacan no Seminário 10, a função da angústia é indicar o momento preciso no qual o sujeito está usurpando o (a) do Outro, doador. Assim, surge o sujeito no lugar do Outro e introduz-se a divisão, a barra, tanto no sujeito quanto no Outro.7

Retomando, então, Alcibíades aponta Sócrates como detentor do agalma, objeto precioso, acima de todos os bens, causa de desejo. O matema da transferência é idêntico ao agalma, escreve Lacan na Proposição, pois é um guia para análise e articulação do desejo na instância do sujeito. O objetivo é formar uma equação cuja constante é o agalma e a incógnita, x, o desejo do psicanalista. O mesmo x cuja solução entrega ao psicanalisante seu ser e cujo valor tem a notação de castração (-φ), hiância que designamos como a função do falo, isolada no complexo de castração, ou objeto (a)...8É nessa hiância, nessa falta única, que o agalma (o objeto a) se sustenta.

...a questão que diz respeito ao que pode ser o desejo do analista, é que é necessário partir da experiência do amor, como fiz no ano de meu Seminário sobre a transferência, para situar a topologia onde essa transferência pode se inscrever. 9 Então, para se obter algum saber sobre o desejo do analista - essa transferência - é necessário colocar sua função no plano do amor e não somente no plano da luta, no plano da conspiração (referência a Hegel, ainda no Seminário 10).10

O desejo do analista adquire o estatuto de conceito quando Lacan coloca a experiência do real no coração da experiência analítica, a partir do Seminário 7. Então, o conceito se desenvolve tomando certa distância do registro do imaginário com o objetivo de diferenciá-lo, radicalmente, da contratransferência. Ao mesmo tempo, conceituando desejo do analista, Lacan responde aos teóricos do emprego ativo da contratransferência

7

LACAN, Jacques. O Seminário – livro 10. A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 179.

8

LACAN, Jacques. Op. cit., 2004, p. 257.

9

LACAN, Jacques. Op. cit., 2005, p. 170.

10

(4)

no tratamento analítico, particularmente a Paula Heimann.11 O desejo do analista se dirige ao real que causa o desejo do analisante. Nessa medida, o analista pode ocupar o lugar de semblante do objeto a do sujeito e levá-lo, na experiência, ao encontro de sua

diferença absoluta, de sua particularidade, o S1.

O desejo do analista não é um desejo puro. Diferente do desejo puro da lei moral. É o desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir significação para um amor sem limite, porque fora dos limites da lei...12 Esta é uma descrição de Lacan ‘com palavras’ do matema do Discurso do Analista:

a → s1

s2 $

Penso, com base nas citações e articulações anteriores, poder afirmar que o desejo do analista, além da transferência, é um dos nomes do amor na experiência analítica. Um amor sem limite, a princípio com uma função operativa vazia de conteúdo próprio, que trata de promover no analisando o bem-dizer sobre o desejo, encarnada pelo analista em posição de objeto (a), causa de desejo. No final, trás em si o resto, o dejeto, a marca do rebotalho, do gozo intolerável, porém irresistível, do sofrimento do sujeito.

Em 1973, na Nota Italiana,13 Lacan afirma que aceder ao desejo inédito é saber ocupar (na análise, ao analisando) o lugar de objeto-rebotalho, objeto perdido, objeto do gozo intratável pelos dispositivos simbólicos próprios aos discursos social e terapêutico.

Levado o analisando aos paroxismos de sua particularidade, no final da análise, o desejo do analista opera, mais ainda, como depositário dos restos de gozo do analisando, para dar passagem a um novo psicanalista.

11

COSENZA, Domenico. Scilicet dos Nomes do Pai. Volume preparatório ao VI Congresso da AMP. Belo Horizonte: EBP / AMP, 2005, p. 40.

12

LACAN, Jacques. Op. Cit., 1988, p. 260.

13

(5)

...a transferência não é sombra das antigas tapeações do amor: é isolamento, no

atual, de seu funcionamento de puro engano. Por trás do amor de transferência há afirmação do laço do desejo do analista com o desejo do paciente. 14

Para dar passagem a um novo desejo de analista. Maria do Carmo Dias Batista

14

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