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SUMÁRIO EXECUTIVO. Projeto de investigação A lei de identidade de género : Impacto e desafios da inovação legal na área do (trans)género

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Academic year: 2021

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SUMÁRIO EXECUTIVO

Projeto de investigação | A ‘lei de identidade de género’: Impacto e desafios da inovação legal na área do (trans)género

CONTEXTO

Até 2011, em Portugal, a mudança de sexo legal e nome próprio nas certidões de nascimento apenas era possível através do recurso a tribunais – em processos judiciais apontados como violações dos Direitos Humanos das pessoas trans, desde logo pela obrigatoriedade de cirurgias genitais e de esterilidade irreversível. A Lei n.º7/2011 retirou estes processos da esfera judicial, conferindo um caráter administrativo ao processo de reconhecimento legal da identidade de género. A lei regula o procedimento de mudança de sexo no registo civil e correspondente alteração de nome próprio. Têm legitimidade para requerer este procedimento as pessoas de nacionalidade portuguesa, maiores de idade, residentes em território nacional ou estrangeiro. O pedido pode ser apresentado em qualquer conservatória do registo civil e deve ser instruído com os seguintes documentos: a) requerimento de alteração de sexo com indicação do número de identificação civil e do nome próprio pelo qual o requerente pretende vir a ser identificado; b) relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro. Este relatório deve ser subscrito pelo menos por um/a médico/a e um/a psicólogo/a. De acordo com dados fornecidos pelo Instituto dos Registos e Notariado (IRN), 296 pessoas mudaram de sexo legal e nome próprio entre 22 de março de 2011 e 13 de janeiro de 2016 (157 mudanças de feminino para masculino e 139 de masculino para feminino).

PARCERIA E FINANCIAMENTO

O projeto “A ‘lei de identidade de género’: Impacto e desafios da inovação legal na área do (trans)género” resultou duma parceria entre o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, a Associação ILGA Portugal e a LLH – The Norwegian LGBT Association, tendo sido financiado pelo PT07 – Integração da Igualdade de Género e Promoção do Equilíbrio entre o Trabalho e a Vida Privada, no quadro do EEA Grants – Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (sendo a CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género – a Operadora do Programa PT07).

OBJETIVOS

O projeto avaliou a implementação e o impacto da Lei n.º7/2011. Os objetivos específicos foram: (1) descrever de que modos o processo administrativo criado por este mecanismo legal tem funcionado; (2) identificar e descrever dificuldades e formas de resistência à inovação legal; (3) compreender o impacto da lei na vida privada dos/as seus/suas beneficiários/as, incluindo no seu bem-estar psicológico, bem como no acesso das pessoas trans a esferas vitais da vida social, tal como o acesso ao trabalho, à saúde ou à educação.

METODOLOGIA

A investigação empregou uma metodologia mista, isto é, usou meios associados a ambas as formas de inquérito: quantitativa (questionário online dirigido a pessoas trans) e qualitativa (entrevistas a stakeholders). Utilizou ainda uma abordagem multi-informante, permitindo a triangulação e validação dos resultados por diversos participantes (pessoas trans, profissionais de saúde, e associações LGBT/trans). O questionário foi preenchido por 68 pessoas trans: 37 homens trans, 16 mulheres trans, e 15 pessoas (10 cujo sexo atribuído no nascimento foi feminino, e 5 cujo sexo atribuído no nascimento foi masculino) que se identificaram como transgénero ou não-binárias.

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2 Foram realizadas entrevistas semiestruturadas de profundidade a 12 profissionais de saúde (todos/as pertencentes à lista do IRN de “clínicos habilitados a assinar relatórios”), a 5 associações LGBT/trans, e a 6 pessoas trans.

RESULTADOS PRINCIPAIS

RELEVÂNCIA E IMPACTO DA LEI N.º7/2011 NO BEM-ESTAR PSICOLÓGICO E SOCIAL DE PESSOAS TRANS

A grande maioria (91%) dos/as participantes trans descreveu a lei como “importante” ou “extremamente importante”. Em paralelo, todos/as os/as profissionais de saúde entrevistados/as – com exceção de um/a –, bem como todas as associações que participaram do estudo, sinalizaram a relevância da Lei n.º7/2011, destacando a importância do caráter administrativo nos processos de reconhecimento legal da identidade de género.

De igual modo, todos/as os/as participantes trans que já mudaram de sexo legal e nome próprio através do procedimento administrativo decorrente da lei indicaram que a mudança teve um impacto “positivo” ou “muito positivo” na sua “felicidade”, “bem-estar psicológico” e “bem-estar social”. A maioria destes/as participantes assinalou também um impacto “positivo” ou “muito positivo” nas seguintes esferas: acesso ao trabalho e manutenção do emprego, acesso a serviços públicos, segurança na via pública, vida familiar, e vida conjugal e amorosa. O preenchimento de uma Escala de Satisfação com a Vida1 permitiu concluir que os/as participantes que já mudaram de sexo legal e nome próprio avaliam a sua satisfação com a vida com valores estatisticamente superiores do que os/as que ainda não o fizeram. Em paralelo, todos/as os/as profissionais de saúde entrevistados/as – com exceção de um/a –, bem como todas as associações que participaram do estudo relataram o impacto positivo que o acesso à Lei n.º7/2011 tem no bem-estar psicológico e na integração social das pessoas trans.

DIFICULDADES E FORMAS DE RESISTÊNCIA À INOVAÇÃO LEGAL PROFISSIONAIS DE SAÚDE HABILITADOS/AS NO INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO

Na implementação da Lei n.º 7/2011 parece ter havido uma necessidade do IRN de ter orientações sobre o que constituiria um relatório e como identificar que profissionais estariam habilitados/as a assiná-los. Na ausência de especificação na lei, e como a sua experiência inicial foi de uma diversidade de documentos e subscritos por profissionais muito distintos, o IRN desenvolveu um modelo próprio do relatório comprovativo do diagnóstico e ainda uma lista de clínicos/as habilitados/as a assiná-los2, em conjunto com a Ordem dos Médicos. Os resultados do projeto mostram que o processo de construção desta lista baseou-se maioritariamente no conhecimento informal acerca dos/as profissionais de saúde que trabalham com pessoas trans em Portugal, tanto no Sistema Nacional de Saúde como na prática clínica privada. Contudo, nas entrevistas com os profissionais foi possível verificar que esta lista inclui profissionais de saúde (médicos/as e psicólogos/as) que têm experiência de trabalho e formação em sexologia, e com pessoas trans em particular; mas contém também profissionais que já não trabalham, ou mesmo que nunca trabalharam de modo significativo com pessoas trans. Ademais, existem profissionais com experiência e formação neste domínio e que não constam da lista. De facto, vários/as dos/as profissionais entrevistados/as indicaram desconhecer os critérios subjacentes à construção e atualização da lista, bem como de como de efetuar uma candidatura ou proposta a integrá-la, alertando para a não inclusão de colegas que trabalham nas suas equipas. Ainda assim,

1 http://internal.psychology.illinois.edu/~ediener/SWLS.html

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3 alguns/algumas profissionais de saúde indicaram que esta lista acarreta vantagens que estão relacionadas com a garantia de um acompanhamento clínico às pessoas trans mais competente, já que indicaria um conjunto de clínicos que teriam formação e experiência neste domínio. Contudo, todas as associações entrevistadas, vários/as profissionais de saúde e pessoas trans participantes questionaram o enquadramento desta lista dentro do espírito da Lei n.º7/2011 e a sua legitimidade. Foram ainda relatados problemas resultantes da existência da lista, nomeadamente casos a quem foi rejeitada a mudança de nome/sexo legal pelo facto de os relatórios apresentados nas conservatórias de registo civil não serem assinados por profissionais que constam da lista.

OUTROS DESAFIOS DECORRENTES DO REQUISITO DO DIAGNÓSTICO

A inclusão do requisito do diagnóstico de perturbação de identidade de género na Lei n.º7/2011 veio atribuir formalmente a profissionais de saúde a função de gatekeeping (isto é, o controlo do acesso) na mudança de sexo legal e nome próprio. Os resultados revelam práticas diversas no exercício desta função. Alguns/algumas profissionais de saúde tendem a distinguir os processos clínicos relacionados com o acesso a tratamentos médicos (hormonais e cirúrgicos) dos processos de avaliação para acesso ao reconhecimento legal do género. Contudo, noutras situações é clara a sobreposição das esferas clínica e legal. Em primeiro lugar, pela exigência, por parte de profissionais de saúde, de realização de duas avaliações feitas por equipas independentes antes da subscrição do relatório necessário para o acesso à lei – as duas avaliações independentes são prática comum em Portugal para o acesso a tratamentos médicos, mas não estão previstas na Lei n.º7/2011. Em segundo lugar, pela imposição de critérios que se estendem para além do próprio diagnóstico, tal como a exigência, por profissionais de saúde, da realização de tratamentos hormonais e/ou de experiência de vivência social de acordo com a identidade de género antes da subscrição do relatório comprovativo do diagnóstico. Por fim, pela existência de práticas clínicas nas quais ainda persistem avaliações da identidade e expressões de género das pessoas trans – apesar das mais recentes guidelines internacionais clarificarem que o diagnóstico deve incidir sobre o possível sofrimento subjetivo, clinicamente relevante, que pode resultar da incongruência entre a identidade de género e o sexo atribuído ao nascimento.

Consequentemente, o número de consultas e o tempo necessário para pessoas trans obterem o relatório comprovativo do diagnóstico relatado pelos participantes trans foi bastante variável: enquanto a algumas situações foi entregue o relatório numa primeira e única consulta, outras indicaram ter tido mais do que 15 consultas antes de lhes ser entregue o documento necessário para iniciar o processo de reconhecimento legal da identidade; a duração destes processos clínicos foi também variável, podendo demorar entre 1 a 2 meses e 3 anos. Em paralelo, enquanto a algumas pessoas trans foi entregue o relatório no momento em que o diagnóstico é confirmado pelos/as profissionais de saúde, outras deparam-se com dificuldades significativas para obter o documento – apesar de, em alguns casos, terem já iniciado o tratamento hormonal e viverem socialmente de acordo com a sua identidade de género.

OUTRAS BARREIRAS E DESAFIOS NO ACESSO À LEI N.º7/2011

 Todas as associações entrevistadas, bem como todos/as os/as profissionais de saúde e várias pessoas trans alertaram para as dificuldades decorrentes do custo emolumentar de 200€ associado ao procedimento administrativo criado pela Lei n.º7/2011, destacando as dificuldades que pessoas trans têm no acesso ao trabalho, em particular antes da mudança de sexo legal e nome próprio. Foram relatados casos concretos de pessoas que, apesar de terem o relatório comprovativo do diagnóstico, ainda não procederam à mudança por dificuldades económicas.

 Os resultados revelam as dificuldades que residentes no estrangeiro têm no acesso à lei: por um lado, o facto de os relatórios assinados por profissionais de saúde estrangeiros não estarem a

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4 ser aceites nas conservatórias do registo civil, uma vez que estes profissionais não constam da lista de “clínicos habilitados a assinar relatórios”; por outro, o desconhecimento acerca da lei e dos consequentes procedimentos nos consulados.

 Importa também notar que o diagnóstico de “perturbação de identidade de género” referido na Lei n.º7/2011 foi extinto do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da

Associação Americana de Psiquiatria (APA) em 2013. Foi criado um novo diagnóstico de “disforia de género”, distinto nos seus critérios e posição dentro do manual. Nesta ocasião, a APA clarificou3 que este diagnóstico refere-se a uma experiência de sofrimento clinicamente

relevante que decorre da incongruência entre o sexo atribuído à nascença e a identidade de género, e não à identidade das pessoas trans.

AUTODETERMINAÇÃO NO RECONHECIMENTO LEGAL DA IDENTIDADE

Depois de 2011, outros países (Argentina, Dinamarca, Malta e Irlanda) aprovaram leis de reconhecimento legal do género baseadas no princípio da autodeterminação, excluindo qualquer critério médico ou clínico no reconhecimento legal da identidade das pessoas trans – indo, aliás, de encontro às recentes mudanças no paradigma clínico internacional que limitam os diagnósticos que incidem sobre as pessoas trans à descrição de uma experiência de sofrimento clinicamente relevante e não à sua identidade. Todas as associações entrevistadas defenderam que a lei portuguesa deve evoluir neste sentido. Metade da amostra de profissionais entrevistados/as (n=6) mostrou-se favorável a esta evolução, outros/as (n=4) relataram uma posição ambivalente, não encontrando vantagens nesta evolução mas também não se opondo, um/a participante mostrou-se contra a possibilidade de autodeterminação no reconhecimento legal da identidade, e outro/a não abordou esta questão. Através do questionário, um pouco mais de metade da amostra de participantes trans (53%) defendeu também a autodeterminação na mudança de sexo legal e nome próprio, sendo que 19% respondeu “não sei” a esta questão.

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE A MENORES DE IDADE

A Lei n.º7/2011 apenas permite o reconhecimento legal da identidade de género a maiores de idade. No entanto, 87% dos/as participantes trans defenderam uma mudança na lei de forma a possibilitar a mudança de sexo legal e nome próprio a menores de idade. De igual modo, todas as associações entrevistadas assumiram a mesma posição. Um grupo significativo de profissionais de saúde (n=5) defendeu também esta alteração (3 mostraram-se contra; 2 assumiram uma posição ambivalente, e outros/as 2 não abordaram esta questão), destacando a idade de 16 anos como uma possível referência, e descrevendo casos de jovens trans que já vivem de acordo com a sua identidade, e que em alguns casos iniciaram a terapia hormonal, mas que não podem mudar de sexo legal e nome próprio no âmbito da Lei n.º7/2011. Sete participantes trans que responderam ao questionário tinham 16 ou 17 anos: 2 vivem em todos os contextos de acordo com a sua identidade e 5 em alguns contextos (por exemplo, na contexto familiar, grupos de amigos/as ou contexto escolar); 3 já iniciaram tratamentos hormonais; e 2 relataram dificuldades concretas em contextos que exigem a apresentação de documentos como o Cartão do Cidadão.

O BINARISMO DE GÉNERO NA LEI

A Lei n.º7/2011 não possibilita o reconhecimento legal do género a pessoas que se identificam fora das categorias binárias feminino/masculino. No entanto, 15 dos/as 68 participantes do questionário identificaram-se como transgénero ou não-binários. Três destes/as participantes referiram que não mudaram de sexo legal/nome próprio porque a lei não prevê o reconhecimento legal das duas identidades. As associações entrevistadas alertaram para esta limitação da Lei n.º7/2011. De igual modo, 6 profissionais de saúde relataram que encontram vantagens associadas

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5 à possibilidade de um marcador legal de género neutro; 4 não têm uma posição clara; e 2 não referiram nas entrevistas esta questão.

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Nota: Os resultados serão apresentados em detalhe na conferência “Transexualidade e

Reconhecimento Legal do género”, dia 7 de abril, com início às 14h, no ISCTE-IUL. O programa da conferência inclui comunicações de várias associações LGBT/trans nacionais, de Broden Giambrone (Diretor Executivo da TENI – Transgender Equality Network Ireland) e Gabi Calleja (Presidente do Malta LGBTIQ Consultative Council), da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, e de vários/as representantes parlamentares.

Referências

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