Estudos
Italianos
em
Portugal
Instituto Italiano de Cultura de Lisboa Nova Série Nº2Pe. ALEXANDRE VALIGNANO, 1539-1606, E AS PRÁTICAS DE IMPLEMENTO DA ACÇãO TIPOGRÁFICA MISSIONÁRIA
(NO IV CENTENÁRIO DO DESAPARECIMENTO DESTE JESUÍTA)
Manuel Cadafaz de Matos*
Ao Prof. Américo Costa Ramalho (em reconhecimento científico)
Entre os religiosos europeus que se destacaram, a par de tantos outros, na evangelização da China e, mais especifica-mente, na produção de trabalhos intelectuais de particular importância referentes a essa gesta de evangelização e mis-sionação, situa-se o Pe. Alessandro Valignano, cujo quarto centenário da sua morte agora se assinala. Não se torna ne- cessário evocar aqui (por terem já sido abundantemente tra-tados esses passos pelos seus principais biógrafos1 ) as condi-* Manuel Cadafaz de Matos é Doutor em Estudos Portugueses pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Docente universitário (Prof. Associado em Lisboa; e Prof. Catedrático convidado da Universidade de Barcelona). Director da associação Centro de Estudos de História do Livro e da Edição (CEHLE) e, desde 1997, da Revista Portuguesa de História do Livro. Este trabalho constitui (na
série de obras do autor) Estudos Sinológícos – XX.
1 Para além das quatro principais obras de autor deste religioso e erudito às
quais voltaremos adiante (Historia del Principio... [HP], Il Cerimoniale per I Mis-sionari... [CM], Summario de las Cosas... [SC] e Apologia de la Compañia... [AC],
e para além dos trabalhos de Schütte, alguns dos mais significativos elementos biográficos sobre Valignano encontram-se condensados em estudos como os de Nieremberg, Varones (com sucessivas edições seiscentistas em 1643, 1645, 1647,
1667), t. IV, pp. 480 ss.; Louis Pfister, Notices Biographiques et Bibliographiques sur les Jésuites de l’Ancienne Mission de Chine, 1552-1773, Chang-Hai, 1932, 1,
pp. 13-14; Joseph Dehergne, Répertoire des Jésuites de Chine de 1552 à 1888,
Paris/Roma, 1973; Léon Bourdon, Alexandre Valignano, Visiteur de la Mission japonaise de la Compagnie de Jesus (tese complementar apresentada à Sorbonne),
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ções em que ocorreu o seu nascimento em Chietti, em Fevereiro de 1539. Dada a importância que assumiu a sua formação humanística, nas principais cidades italianas onde viveu, detenhamo-nos primeiramente – mesmo que num breve relance – nalguns dos aspectos mais marcantes dessa sua caminhada intelectual em terras de Itália, antes de rumar para a Ásia Oriental ao serviço da Companhia de Jesus que o viria, em breve, a acolher.
1. Da formação humanística e eclesiástica entre as cidades de Pádua e de Roma
Os pais de Valignano estavam ligados, em Chietti, ao Bispo da região Gian Pietro Caraffa, que mais tarde viria a ser entro-nizado como papa Paulo IV. Este Pontífice acabaria, alguns anos depois, por ter um papel significativo no seu destino como religioso. O jovem Alessandro ainda não tinha 19 anos quando beneficiou do título de doutor em Direito na Uni-versidade de Pádua (por onde entre 1534 e 1538 também tinha passado Damião de Góis). Nesses meados dos anos cinquenta daquele século – como disso já se apercebeu no período oitocentista o jesuíta e sinólogo Pe. Louis Pfister – Valignano ligou-se ao Cardeal Altemps. Nesse período da
conclusão da sua licenciatura, o jovem de Chietti foi colo-dact.º; J. F. Moran, The Japanese and the Jesuits. Alessandro Valignano in
Sixteenth--century Japan, Londres/Nova Iorque, 1993; ou de
Edward J. Malatesta, “Ales-sandro Valignano, Fan Li-An (1539-1606). Estratégia da missão jesuíta na China”, in RC Revista de Cultura, 21, 2ª. s., Macau, 1994, pp. 51-66. Remete-se ainda
nesta matéria para a nossa dissertação de Doutoramento, A Tipografia Quinhen-tista de Expressão Cultural Portuguesa no Oriente (Índia, China e Japão), Lisboa,
FCSH da UNL, 1997, 3 vols. em 4 tomos (obra preparada em colaboração com a FO e a FCT). Veja-se, em particular, no vol. I, a secção “Enquadramento religioso”; e ainda, mais especificamente sobre este Pontífice, Pierre de Luz,
cado a dirigir uma abadia. Tal sucedeu graças aos favores de Paulo IV, a que já nos referimos . Em 1558, por seu lado, ficou ao serviço, como canónico, da catedral da sua cidade natal. Entretanto com a morte do papa Paulo IV em 1559, ficou sem apoio de alguém que muito o beneficiara nos inícios da sua carreira. A sua formação humana acusou ainda alguma instabilidade. Joantham D. Spence não deixa de relevar o facto de, na sua juventude, este eclesiástico ter passado cerca de um ano numa prisão veneziana, “por ter ferido alguém no rosto com um golpe e espada”2. Em 1566 o Pe. Alessandro Valignano já se encontrava em Roma. Em 29 de Maio desse ano deu entrada na Companhia de Jesus, tendo sido recebido, nas hostes de Santo Inácio, por S. Fran-cisco Bórgia, fazendo o seu ingresso no noviciado de Santo André3. Nas instalações romanas do colégio da Companhia de Jesus foi aluno de Matemática do erudito Pe. Cristóváo Clávio4
– natural da cidade de Bamberg, na Baviera (1538--1612) – um dos mais conhecidos matemáticos do seu tempo5
. Aí Valignano pode estudar, além de outras discipli-nas teológicas, Física e Filosofia.
É conhecida a vasta amplitude de horizontes humanís-ticos e científicos do alemão Pe. Clávio, que havia dado entrada na Companhia de Jesus em Fevereiro de 1555. Como é sabido, em Outubro do mesmo ano aquele cien-tista veio para Portugal (cerca de quatro décadas depois
2 Jonathan D. Spence, Le Palais de Mémoire de Matteo Ricci, Paris, Payot, 1986,
p. 51.
3 Pe. Louis Pfister, cit., p. 13. 4 Jonathan D. Spence, cit., p. 51.
5 Devem-se a Cristóvão Clávio, entre uma tão vasta e multímoda obra, o
tratado In Sphaeram Ioannis de Sacro Bosco Commentarius (Comentário à Esfera),
Roma 1570, com cerca de 20 reedições; ou Euclidis Elementorum Libri XV. Acessit
XVI de Solidorum Regularium comparatione, Roma, 1574. H. M. Adams, no
Catalogue of Books Printed on the Continent of Europe, 1501-1600, in Cambridge
Libraries (2 vols), Cambridge University Press, 1967, t. I, 9. 294, apresenta cerca
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Retrato do matemático Pe. Cristóvão Clávio, à esquerda; e do seu discípulo romano, Pe. Alessandro Valignano, à direita