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AS MULHERES NO OCTÓGONO: ESPORTES E ATRAVESSAMENTOS DE FRONTEIRAS

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Academic year: 2021

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AS MULHERES NO OCTÓGONO: ESPORTES E ATRAVESSAMENTOS

DE FRONTEIRAS

Carla Lisbôa Grespan1 Silvana Vilodre Goellner2

RESUMO

O Mixed Martial Arts é um esporte socialmente constituído como masculino que ao ser praticado pelas mulheres subverte e/ou reitera o processo heteronormativo sendo um importante objeto de estudo da área da Educação Física. Utilizando como aporte teórico os Estudos Culturais, de Gênero e Queer é possível apresentar outro olhar científico para a temática “mulheres e esportes” e seus atravessamentos com as performatividades de corpos, gêneros e sexualidades. Dentro dos diferentes artefatos midiáticos que existem em nossa sociedade, destaca-se a cibercultura, sendo em lugar profícuo para investigar as relações de saber-poder que perpassam essa prática corporal/esportiva. Dentro desta perspectiva este artigo tem por objetivo estimular a reflexão sobre os discursos sobre corpos, gêneros e sexualidades das lutadoras de MMA que são veiculados e articulados nos comentários d@s usuári@s nas reportagens de dois sites Combate e Tatame, a partir de três acontecimentos ocorridos no ano de 2013: 1º - a primeira luta entre mulheres, Ronda Rousey x Liz Carmouche (UFC); 2º - a primeira atleta transexual (assumida) a lutar MMA profissional, Fallon Fox (CFA); 3º - o primeiro combate oficial de MMA entre um homem e uma mulher, Emersom Falcão x Juliana Velasquez (Shooto Brasil 45).

PALAVRAS-CHAVE: Artes Marciais Mistas 1; Mulheres 2; Estudos Queer 3. INTRODUÇÃO

As práticas corporais/esportivas são um dos locais em que se processam as performatividades, possibilidades de construção, de modelagens, enunciados que fazem acontecer, que atribuem valores, que descrevem e produzem corpos, gêneros e sexualidades. Com poder de produzir aquilo que nomeia, repete e reitera as normas, estabelecendo a heterossexualidade compulsória, acomoda e hierarquiza as relações de gênero, mas sendo um processo de relações de poder/saber possibilita subversões.

Uma possibilidade de analisar as questões relacionadas à performatividade é mídia, pois veicula tanto os discursos hegemônicos como os subversivos que lutam para permanecer

1 Mestranda do PPGCMH. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail:

carla.grespan@ufrgs.br

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ou chegar ao centro, articulando representações que vão constituir sujeitos. Dentro dos diferentes artefatos midiáticos que existem em nossa sociedade, destaca-se a cibercultura compreendida aqui como

uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros. (LEMOS, [2009?], p. 48) A partir desse conceito entendemos que a cibercultura torna-se um lócus profícuo para as abordagens que analisam os corpos, gêneros, sexualidades nas práticas corporais/esportivas e suas interfaces com as tecnologias digitais, para investigar as relações de saber-poder que perpassam essas práticas e que produzem múltiplas discursividades de ser e estar no mundo, pois os artefatos midiáticos constroem, afirmam e (re)significam as normas, mas, também, provocam resistências, insubordinações, borrando fronteiras.

Dentro desta perspectiva este artigo tem por objetivo estimular a reflexão sobre os discursos sobre corpo, gênero e sexualidade das lutadoras de MMA que são veiculados e articulados nas reportagens de dois sites3, a partir de três acontecimentos4 ocorridos no ano de 2013: 1º - a primeira luta entre mulheres promovida pelo Ultimate Fighting Championship (UFC), as americanas Ronda Rousey e Liz Carmouche disputaram o Cinturão do Peso Galo (23/02 – Los Angeles/EUA); 2º - a primeira atleta transexual (assumida) a lutar MMA profissional, Fallon Fox que lutou a semifinal o Championship Fighting Alliance contra Allanna Jones (25/03 – Coral Gables/EUA); 3º - o primeiro combate oficial de MMA entre um homem e uma mulher, combate entre Emersom Falcão e Juliana Velasquez no Shooto Brasil 45(20/12 – Rio de Janeiro).

OCTÓGONO – LÓCUS DA HETERONORMATIVIDADE

Os discursos científicos produzidos e reproduzidos pelo esporte foram cunhados no século XVIII sob a lógica cartesiana, apresentada pelo método da dúvida e da evidência transformaram o mundo em algo que pode ser quantificado e os seres humanos classificados e diferenciados em homens e mulheres. Estes discursos foram construídos segundo interesses

3 COMBATE <sportv.globo.com/site/eventos/combate/> e TATAME <tatame.com.br>.

4 Tomamos a noção de acontecimento a partir do Michel Foucault que o identifica como a irrupção de uma

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médicos, religiosos e políticos como formas de poder, controle, incitamento, reforçando as representações de determinados grupos em detrimento de outros, incentivam o abandono das identidades não normativas, colocando-as a margem, na fronteira, na invisibilidade e reproduzindo a heterossexualidade como algo natural, dado desde sempre, e não uma construção histórica e cultural.

O conjunto de enunciados científicos naturalizou o sexo através da criação do gênero, sendo a identidade o mecanismo responsável por sua perpetuação e estabilidade impondo uma normativa que regulamenta uma suposta verdade sobre o sexo, o gênero e as práticas de desejo, ao conectarmos isto, construiu-se uma “matriz de inteligibilidade”, a heteronormatividade que está baseada em regras de controle sobre os corpos e as sexualidades dos sujeitos, sendo que estas precisam ser constantemente repetidas e reiteradas para dar o efeito de natural. Segundo Guacira Louro,

A vigilância volta-se, então, explicitamente, para os corpos. Uma vigilância que é exercida não somente a partir do exterior, da obediência às regras, aos preceitos ou aos códigos, mas que é exercida pelo próprio indivíduo que, precocemente, aprende a se examinar, controlar, governar. (2000, p.69)

O corpo passa a ser um objeto teórico, algo observado, investigado, classificado e regulado constituindo-se no marcador social da cultura contemporânea, um operador de diferenciação, suas representações “ideais” (belo, malhado, magro, saudável) estão intimamente ligadas ás normatizações de gênero, pois é nele, que elas se inscrevem. As marcas em nosso corpo permitem analisar como e quais as “verdades” que as produziram e "como aprendemos a reconhecer nossos corpos como femininos ou masculinos". (SCHWENGBER, 2004, p. 78)

O esporte é um dos locais de disputa destes saberes/poderes que atribuiem-se autoridade para definições e delimitações dos padrões de normalidade, pureza ou sanidade, ou seja, onde o processo heteronormativo foi constituindo as práticas corporais tendo como sujeito central o “homem”, mas um tipo de homem – forte, viril, competitivo, líder – o “masculino”. O esporte como uma prática social “não é uma entidade abstracta. Foi “inventado” por homens e para homens, continua a ser um mundo masculino e, apesar de as mulheres fazerem sentir a sua presença, o poder permanece em mãos masculinas”. (GOMES apud PFISTER, 2004, p.18).

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Segundo Fernando J. Gonzalez, os esportes

de combate ou luta são aqueles caracterizados como disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), com técnicas, táticas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa. (2004, p. 01)

O Mixed Martial Arts envolve a aprendizagem de duas ou mais práticas como: capoeira, jiu-jitsu, muay thai, kickboxing, taekwondo, caratê, judô, wrestling, boxe, luta livre e kung fu, categorizado como um esporte de combate ou luta e considerado socialmente constituído como masculino, ao ser praticado pelas mulheres subverte e/ou reitera o processo heteronormativo, tornando-se um importante objeto de estudo da área da Educação Física, que utiliza como linhas teóricas os Estudos Culturais, de Gênero e Queer, pois oferece outro olhar científico para a temática “mulheres e esportes” seus atravessamentos com gênero e sexualidade.

As Artes Marciais Mistas conquistam um espaço privilegiado no universo cultural das lutas a partir de sua ampla divulgação na mídia dos combates promovidos pelo Ultimate Fighting Championship (UFC), a maior organização de MMA do mundo5. Sites, blogs, revistas especializadas, programas de televisão, canais exclusivos, entre outros artefatos midiáticos são facilmente visualizados no nosso cotidiano arregimentando um número crescente de produtos e consumidores. Grandes empresas passaram a investir no UFC e em seus atletas, por exemplo, Procter & Gamble (Gillete), Burger King, Nike, Sky TV, Budweiser, Ford, Harley-Davidson, Camisarias Colombo, Unilever, Volkswagen, TNT Energy Drink, Head & Shoulders, Integralmédica, Tapout e Bony Açaí.6

Segundo Débora Alves,

o MMA é a nova menina dos olhos do marketing esportivo. Consequentemente as principais marcas do mercado estão investindo cada vez mais no UFC, pois estão percebendo um grande potencial nessa modalidade, [...] devido à alta liquidação de ingressos, grande visibilidade midiática e vasta repercussão do campeonato. (2012, p.11)

Os artefatos midiáticos mais utilizados para informar e comentar sobre o MMA são sites e blogs, pois, diariamente, são postadas notícias, entrevistas e reportagens sobre @s

5 Em 2013 o UFC promoveu 33 eventos em 27 cidades diferentes totalizando 65 horas de luta, batendo o recorde

de expansão no ano de seu 20º aniversário. Segundo o site MMA Junkie o UFC teve um total de público de 407.452 pagantes e uma renda de US$ 52,8 milhões. (DEHÓ, 2014)

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lutador@s proporcionando local para que @s usuári@s postem seus comentários. Acompanhando, desde agosto de 2012, alguns destes sites e blogs7, foi possível verificar que até a entrada das mulheres no UFC (novembro/2012), o maior número de reportagens eram sobre eventos de combates entre homens e entrevistas eram sobre lutadores e os comentários postados, em sua grande maioria, estavam restritos ao rendimento do atleta no combate.

A invisibilidade das lutadoras de MMA não se restringiu a mídia virtual, os livros8 lançados sobre a temática e que se propõem a contar a história do esporte, em nenhum momento falam da trajetória das mulheres, que desde 1995 já participavam de torneios como o realizado no Japão, Ultimate L-1 Challenge9, ou o MECA 1010, em 2003 no Brasil. Como diz Michel Foucault, “não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apoiam e atravessam os discursos”. (2005, p. 30)

A partir da contratação de Ronda Rousey11 pelo UFC não somente o número de notícias e reportagens sobre lutadoras aumentou, mas os comentários dos usuários trocaram de foco, os temas sobre beleza, gênero e sexualidade aparecem em maior quantidade em detrimento ao rendimento das atletas em combate.

No ano de 2013 três acontecimentos geram um número considerável de matérias nos objetos midiáticos pesquisados, mas o que impressionou foram os números de comentários d@s usuári@s que em algumas chegam 132 em uma só matéria. Desta forma, torna-se importante questionar como a mídia e @s usuári@s interpretaram e relacionaram os acontecimentos com os discursos científicos produzidos e reproduzidos no meio esportivo.

7 www.mmabrasil.com.br/tag/mma-feminino ; www.fanaticospormma.com.br/ ; www.tatame.com.br ;

alfammabrasil.no.comunidades.net/index.php?pagina=1316266068 ; www.esporte.uol.com.br/mma/ ; www.mmaspace.net/noticias/mma-feminino-chegou-para-ficar-2-26807/ ; www.confederacaomma.com.br ; www.sportv.globo.com/site/eventos/combate/ ; www.mmabatalha.com.br/categoria/claudinha-gadelha ; mmapremium.com.br/tag/jungle-fight/; www.nagradedomma.blogosfera.uol.com.br ; www.portaldovaletudo.uol.com.br/;www.esportes.terra.com.br/lutas/mma/; subvertidas.blogspot.com.br/2012/09/a-luta-das-meninas-e-as-meninas-da-luta.html#.UH7hlG_A9KY

8 AWI, Fellipe. Filho teu não foge à luta: como os lutadores brasileiros transformaram o MMA em um

fenômeno mundial. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.

ALONSO, Marcelo; NAGAO, Susumu. Do Vale-Tudo ao MMA – 100 anos de luta. Rio de Janeiro: PVT, 2013.

9 A primeira competição oficial de MMA feminino promovida pela Ladies Legend Pro Wrestling, tendo como

campeã, a judoca olímpica russa, Svetlana Goundarenko. (ALVARENGA, 2013)

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Em Curitiba (20/12/2003), luta entre as atletas Ana Carolina Pinho e Maria do Carmo Paixão Teixeira (Carmem “Casca Grossa”).

11Disponível em: < http://www.tatame.com.br/dana-white-confirma-contratacao-de-ronda-rousey-pelo-ufc/ >.

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Quadro 1 – Reportagens e Comentários Analisados Temática COMBATE TATAME Nº de Reportagens Nº de Comentários Nº de Reportagens Nº de Comentários

Ultimate Fighting Championship

1ª luta entre mulheres (heterossexual X homosessual) (EUA)

11 487 12 71

Semifinal Championship Fighting Alliance

uma transexual X uma mulher (EUA) 7 456 7 52

Shooto Brasil 45

um homem X uma mulher (Brasil) 3 306 2 146

Totais 21 1249 21 269

MMA – PERFORMATIVIDADES NO ESPORTE

A metodologia que utilizamos no tratamento do material empírico foi a análise de conteúdo proposta pela autora Laurence Bardin que compreende

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. (2011, p. 48)

A análise de conteúdo permite a construção de categorias de análise que é “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos”. Dentre as 41 reportagens e 1518 comentários as três categorias mais recorrentes: 1ª - Discurso Biologicista, 2ª - Sexismo/misoginia e 3ª Homofobia/Lesbofobia/Transfobia. (BARDIN, 2011, p. 147)

A categoria analítica mais recorrente no material analisado é o discurso biologicista que se refere as falas e explicações sobre o que acontece com o corpo humano amparadas apenas na sua fisiologia e anatomia, no seu micro funcionamento e constituição celular e genética. Esta recorrência se apresenta devido seus enunciados atravessarem e serem constituintes de outros discursos que formaram as outras categorias de analise.

Os discursos biologicistas utilizados na área da prática corporal/esportiva estão ligados a afirmativa de Ferretti e Knijnik que

o esporte é uma das instituições sociais em que, inclusive por sua corporeidade, se manifestam as ideologias sobre o masculino e o feminino que estão em permanente tensão. [...] favorecendo desta forma o emprego das diferenças biológicas para justificar como natural a construção social dos gêneros. (2007, p. 58)

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Desta forma, não é de se estranhar as falas d@s usuári@s assegurem o processo de heteronormatividade utilizando os discursos fundamentados a constituição biológica do corpo humano, suas características anatômicas, fisiológicas e construção genética.

As mulheres vao imitar os homens em tudo mesmo. A modernidade é isso, tem mais q correr atras mesmo, mas acho q no caso das lutas é bem estranho duas moças se socando, imagina elas com o nariz quebrado sangrando, olhos roxos que desastre. Podiam ficar so nos treinos para mesmo, como forma de atividade física. Nao sou machista mas tenho essa opiniao nessa questao de lutas desse tipo, tao contundente. (Marcos Leandro, Combate 15/12/12)

Para ser justo tem que se esquecer o fenótipo (aparência) e se analizar o genótipo (carga genética). Se a estrutura corporal e os hormônios são femininos é justo que se enfrente mulheres mas se ñ for assim é desigual e injusto para com as mulheres. Resumindo, a aparência ñ dita o sexo, mas a opção sexual, já o sexo é dado pela carga genética do indivíduo e nisso só existe masculino e feminino. Quem a lutadora é só exames e médicos podem afirmar. (Felix Abreu, Combate 06/03/2013) Amigo, nao é tao somente a "testosterona que deixa o homem mais forte que a mulher". É o conjunto fisiológico, estrutural e anatômico... Se fosse só hormonios tava facil. Cada um faz suas escolhas, e vive com as consequencias delas. Dizer, por outro giro, que "homem vira mulher" e pronto, é simplesmente matar a ciência, a logica, a realidade... Em nome de fazer prevalecer o q se quer, ainda que irreal (Gustavo Rodrigues. Combate. 19/03/2013)

Mas é impossível, é possível mulheres um dia talvez em raros pontos vencerem o homem na natação, no atletismo, no futebol, mas isso levaria anos, levaria a evolução do esporte por parte feminina e retrocesso por parte masculina e mesmo assim, seriam anos de disputa por vitórias pontuais. É imensamente absurdo. (Luciano Dipipe Júnior. Tatame. 17/12/13)

não tem problema nenhum as mulheres fazerem o que bem entenderem, jogar futebol, tenis, rugbi, bocha, etc. Mas não contra homens! Existe uma diferença biológica entre os gêneros! Nem a Ednanci Silva, que é quase um homem fisicamente, aguentaria uma luta com um lutador meia boca. (Alexandre Hinkelmann Nunes/Banrisul. Tatame. 17/12/13)

As instituições que regem o esporte, como o Comitê Olímpico Internacional, configuram as competições em “masculinas” e “femininas”, a categorização generificada é imposta ao esporte. Segundo Viviane Silveira e Alexandre Vaz

O esporte de rendimento exige um desempenho ligado à condição física e, por isso, podemos observar a preocupação de que ele possa masculinizar atletas mulheres, uma vez que a feminilidade convencional não incorpora imagens de força física e musculosidade. As mulheres que praticam esporte assumem atributos do gênero masculino (em virtude do desenvolvimento dos músculos e da força), extrapolando as normas de seu gênero. (2013, p. 295)

Os esportes de lutas, mesmo sendo representado nas Olimpíadas por homens e mulheres, ainda são identificados como esportes “masculinos”, pois ao exigirem d@s atletas

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contato físico, força, virilidade, coragem, desprezo da dor, identificam-se com as representações de uma determinada masculinidade, a heteronormativa. O MMA como um esporte de luta e, portanto, uma prática social imersa no processo heteronormativo, procura fixar e estabilizar a identidade torná-la hegemônica, naturalizada, para isto tem que controlar e vigiar.

A segunda categoria de análise surge destes discursos do que é permitido ou proibido a homens e mulheres é o sexismo que trata de uma forma de discriminação, que conduz à subalternização, à marginalização ou mesmo exclusão de pessoas ou grupos com base no seu “sexo biológico” e misoginia desvalorização, desprezo e ódio à mulher.

Os comentários postados procuram reiteram as normas, estabilizar e controlar os pontos de fuga, os acontecimentos e sujeitos que ultrapassam ou permanecem nas fronteiras, para isso se utilizam do discurso sexista e misógino, inferiorizando a atleta, seja na sua suposta fragilidade física, falta de qualidade técnica ou “verdadeira” posição na sociedade, declaram um suposto “descrédito” ao qual acreditam que o MMA está sofrendo devido a eventos que não tem somente homens lutando, outros chegam a beirar ao incitamento à violência física.

Haja evento.. com tantas categorias no UFC, ainda acharam espaço para mulheres? Daqui a pouco vai surgir uma categoria para deficientes físicos no UFC

(Gustavo Lima, Tatame, Tatame, 06/12/2013

lugar de mulher é cozinha...isso é lutas inventada. (Sergio Silva, Combate, 15/12/12)

se a Rousey fizer filme porno eu assisto todos.. (Everson Silva, Combate, 20/02/13) Enquanto essas mulheres estão lutando a pia da casa delas está cheia de louça suja, roupa para lavar, filhos chorando, LAMENTÁVEL!!! (Bob Charlton, Combate, 23/02/13)

Ah essa hora uma das duas devia estar preparando minha comida. (Cairo, Combate, 23/02/13)

Mas mulher também que fazer tudo que homem faz, é incrível, parece aquelas crianças querendo imitar pessoas adultas. Tomara, mas tomara mesmo que ela leve uma surra para aprender a ficar no lugar dela. (Douglas Furbino/Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Tatame. 17/12/2013)

Luta de homem é outra história, nem as tops do MMA estão no nível do homens mais fracos do esporte.

Sinceramente, eu espero que se a luta for pra valer que ele faça pessoas se arrependerem de inventar isso. (Luciano Dipipe Júnior, Tatame, 17/12/2013)

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A terceira categoria de analise está ligada as fobias em relação as performatividades de gênero e de sexualidade. Homofobia significa a repulsa ou o preconceito contra a homossexualidade e/ou a pessoas homossexuais. Lesbofobia preconceito, hostilidade e violência contra mulheres que se relacionam afetivamente com outras mulheres, também se considera o medo que as mulheres têm de amar outras mulheres. Transfobia refere-se à aversão ou discriminação contra pessoas trans (transgêneros, transexuais ou travestis).

Desde o século XIX, a sexualidade é um campo de disputa de discursos que pretendem defini-la, delimitá-la, naturalizá-la; poderes-saberes que controlam e incitam. Para Michel Foucault (1988), a sexualidade é um “aparato histórico”; é a história dos discursos que fizeram dela um corpo de conhecimento desenvolvido para organizar, modelar corpos e comportamentos e controlar o sujeito, chamado por ele de dispositivo da sexualidade.

No esporte de luta, lócus de constructo masculino, a prática do MMA por mulheres tem mostrado que em pleno século XXI, a sociedade da vigilância de Foucault que assegura a eficiência do processo heteronormativo, está em plena atividade nas reportagens quando silenciam sobre a competência atlética da lutadora e centram em seu corpo, seus prazeres e desejos sexuais, sejam em seus títulos: “Ronda Rousey é adepta de sexo antes da luta: ‘tento fazer o máximo possível’”12, “Dana afasta rótulo de homofóbico e elogia Liz Carmouche: 'eu a aplaudo'”13, “lutadora transexual considera injusto ter de revelar seu histórico médico”14; ou nos comentários d@s usuári@s,

Caramba 1 ufc femenino não róla, 2 alem das mulheres terem pelos nos braços silueta de homem falam grosso tem gogó, lutam nada, agora até homosexual são na boa ta bizarro iso ae, vollta pride. sem homofobia,mas ver uma mulher com corpo de homem e pegando outra mulher é ajnt social. (Vanderlei Silva, Combate, 20/12/2012)

A verdade é que esse país esta uma tremenda vergonha, e um tal de mulher se declarar para mulher homem dizendo que ama homem e tudo mais. Ok alguns dizem que isso é normal pois bem: digamos que um pai de família vai passear com sua família em um shopping no final de semana, e no meio do passeio suas filhas observam duas mulheres se beijando apaixonadamente ou até mesmo dois homens. Me respondam uma coisa o que irá passar na cabeça dessas crianças? Como um

12 http://www.tatame.com.br/atleta-do-ufc-musa-ronda-rousey-nao-nega-fogo-antes-de-suas-lutas/. Acesso em:

02/12/2012.

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http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2012/12/dana-afasta-rotulo-de-homofobico-e-elogia-lizcarmouche-eu-aplaudo.html#atleta-ronda-rousey. Acesso em: 22/12/2013.

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paiou uma mãe irá explicar uma coisa nojenta dessa? Vai dizer que é normal? Brasil país da vergonha, Gays, ladrão e politico imperam!!! (Mario Mendonça. Combate. 08/04/2013¹)

Vão botar pra lutar com as mulheres, pra querer mostrar que é tudo normal, homem virar mulher e normal, depois lutar com mulher é normal, tudo aberração! Tomara que leve uma cossa igual aquela lésbica levou da ronda rousey na ultima luta. (José Silva. Combate. 08/04/2013²)

Analisando as falas d@s usuári@s, a partir da teorização de Judith Butler, o sexo se faz existir nos processos de significação do binarismo macho/fêmea. Desta forma, somente sobre os corpos femininos poderia dar-se a construção de mulheres e vice-versa.

Quando o status construído do gênero é teorizado como radicalmente independente do sexo, o próprio gênero se torna um artifício flutuante, com a consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como um feminino. (BUTLER, 2010, p.24-25)

Os corpos apresentados pelas lutadoras de MMA agregam significados que provocam uma tensão discursiva da “verdade” sobre gênero, indicam múltiplas possibilidades mostrando a inexistência de uma identidade primária. Segundo Margarete Nepomuceno, “a corporalidade, a sexualidade e o gênero não é um caminho a percorrer, não é a procura por um abrigo, ou por uma morada definitiva, a “casa” de sua subjetividade está no ato de ir, do atravessar”. (2009, p. 10)

Os discursos reproduzidos em torno das performatividades de gênero e de sexualidade no âmbito esportivo são formas de poder e controle que reforçam as representações de determinados grupos em detrimento de outros, e estes são colocados a margem, na fronteira, na invisibilidade.

Segundo Paula Silva,

O corpo movimenta-se, actua, reage, modifica-se, molda-se, transgride, expressa, recupera, transfigura-se de modo a responder às solicitações que aquela prática desportiva exige. É um corpo de múltiplas configurações, de idades variadas, que expressa etnias, de diferentes raças, que sofre ou beneficia dos tratos que lhe são dados, portador ou não de deficiência, e é um corpo sexuado. É uma multiplicidade de corpos, o corpo que pratica desporto.

[...]

Um corpo feminino actuante, desportista, é, não um corpo libertado, mas um corpo aprisionado por uma cultura masculina hegemónica.(SILVA et. al., 2006. p. 01)

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REFLEXÕES FINAIS

Os acontecimentos que construíram o campo empírico deste trabalho têm três pontos em comum: a época em que ocorreu, em 2013; a modalidade esportiva, o MMA; e quem pratica este esporte, as mulheres.

Algumas reportagens e falas de usuári@s demostraram que algumas mulheres são mais mulheres que outras, por exemplo, Ronda Rousey, é “a queridinha da América”15, já outras ameaçam o território heteronormativo, como as lutadoras Liz Carmouche (autodeclarada lésbica), Fallon Fox (transexual MTF16) e Juliana Velasquez que ousou emprestar seu nome “ou não” para uma luta impensável (mulher x homem) nos esportes que almejam chegar as Olímpiadas.

Os comentários d@s usuári@s citados ao longo do texto se utilizaram do discurso biologicista, do sexismo, da misoginia e da homofobia (lesbofobia e transfobia) para fundamentar que o MMA não é um esporte que pode ser praticado por mulheres, principalmente, no seu formato profissional. Este discursos reproduzidos que privilegiam as diferenças anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres produzem outros discursos que colocam as mulheres em uma categoria inferior, menor, incapaz, tomando formas de controle, vigilância e punição e tornando assim as práticas corporais e esportivas um dos locais para a manutenção do processo da heteronormatividade.

Analisar as performatividades de gênero e sexualidade nas práticas corporais/esportivas através dos artefatos midiáticos permite o dialogo sobre processo de desconstrução do discurso biologista apontando as operações binárias como ponto central dos mecanismos sociais que organizam a vida contemporânea, detendo-se na crítica a uma política do conhecimento e da diferença. Podemos reivindicar outros discursos, outros lugares, visibilizar e construir possibilidades de novas configurações de corpos, gêneros e sexualidades para que as práticas corporais/esportivas socialmente constituídas como masculinas sejam praticadas por mulheres.

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Revista Veja Online “UFC 157: a militar lésbica contra a 'queridinha da América’”. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/ufc-157-liz-carmouche-a-militar-lesbica-contra-a-queridinha-da-america>. Acessado em 23/02/2013.

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ABSTRACT

The Mixed Martial Arts is a sport that socially constituted as masculine to be practiced by women subverts and / or repeats heteronormative process is an important object of study in the area of Physical Education. Using as the theoretical Cultural Studies, Gender and Queer is possible to present other scientific look at the theme "Women and Sports" and its crossings with performativities of bodies, genders and sexualities. Within the different media artifacts that exist in our society, there is cyberculture, being fruitful in place to investigate the relations of power-knowledge that pervade this body/sports. Within this perspective, this article aims to stimulate reflection on the discourses on bodies, genders and sexualities of MMA fighters that are conveyed and articulated on user feedback in two reports Combate and Tatame sites, from three events in the year 2013: The first fight between women, Ronda Rousey x Liz Carmouche (UFC); the first transsexual athlete (assumed) to fight professional MMA, Fox Fallon (CFA); and the first official MMA fight between a man and a woman, Emersom Falcão x Juliana Velasquez (Shooto Brazil 45).

KEYWORDS: Mixed Martial Arts 1; women 2; Queer Studies 3; RESUMEN

Las artes marciales mixtas es un deporte que socialmente constituida como masculino a ser practicado por las mujeres subvierte y / o repite el proceso heteronormative es un importante objeto de estudio en el área de Educación Física. Utilizando como los estudios culturales teóricos, Género y Queer es posible presentar otra mirada científica en el tema "Mujer y Deporte" y sus cruces con performativities de cuerpos, géneros y sexualidades. Dentro de los diferentes artefactos de comunicación que existen en nuestra sociedad, no es la cibercultura, llevando fruto en lugar de investigar las relaciones de poder-saber que impregnan este cuerpo / deportes. Dentro de esta perspectiva, este artículo tiene como objetivo estimular la reflexión sobre los discursos sobre cuerpos, géneros y sexualidades de luchadores de MMA que se transmiten y articulada en los comentarios de los usuarios de informes de dos sitios Combate y de Tatame, de tres eventos en el año 2013: la primera pelea entre mujeres, Ronda Rousey x Liz Carmouche (UFC); en el primer atleta transgénero (supuesto) para luchar MMA profesional, Fox Fallon (CFA); la primera pelea oficial MMA entre un hombre y una mujer, Emersom Falcão x Juliana Velásquez (Shooto Brasil 45).

PALABRAS CLAVES: Artes Marciales Mixtas 1; mujeres 2; Estudios Queer 3;

REFERÊNCIAS

ALVES, D. S. Marketing esportivo e UFC: Como o marketing esportivo influenciou no sucesso do Ultimate Fighting Championship?. 2012. Disponível em: <

http://www2.metodista.br/unesco/1_Ecom%202012/GT5/12.Marketing%20esportivo%20e%2

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Carla Lisbôa Grespan/ Mestranda do PPGCMH

Rua Sarmento Leite, 320/506 – Bairro Farroupilha - Porto Alegre/RS - Brasil CEP: 90050-170 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

carla.grespan@ufrgs.br

Silvana Vilodre Goellner/ Profª Drª. do PPGCMH e Pesquisadora CNPq

Rua Felizardo, 750 – Bairro Jardim Botânico - Porto Alegre/RS – Brasil CEP: 90690-200 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

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