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SISTEMAS COMPLEXOS E COMPORTAMENTO GLOBAL DAS REDES DO. 1. Introdução: O cérebro como um sistema complexo

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Academic year: 2021

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SISTEMAS COMPLEXOS E COMPORTAMENTO GLOBAL DAS REDES DO CÉREBRO

Dangeles Lima*

Departamento de Física, ICEx, Universidade Federal de Minas Gerais, 30123-970 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

1. Introdução: O cérebro como um sistema complexo

Geralmente, o interesse por sistemas com muitos componentes interagentes, tais como, redes complexas, fragmentação de sólidos, polímeros, epidemias, comportamentos sociais, trânsito e redes de neurônios, está no comportamento do sistema como um todo, isto é, nas suas propriedades globais. Os muitos componentes desses sistemas não interagem diretamente todos com todos. Ao contrário, cada um interage apenas com seus vizinhos mais próximos. No entanto, uma mudança no estado atual de um componente pode modificar o de seu vizinho, que por sua vez modifica o de seu próprio vizinho, e assim por diante. Dois componentes mesmo distantes entre si, sem interação direta, poderão estar correlacionados dessa maneira, de forma que mudanças no estado de um deles afetam o estado do outro.

Uma característica interessante desses sistemas é que mesmo que a origem da interação direta entre componentes vizinhos de dois sistemas seja diferente, como por exemplo, a água e um material magnético com direção de magnetização preferencial, eles ainda podem apresentar o mesmo comportamento global, quando próximos dos seus respectivos pontos críticos. Essa propriedade é chamada de universalidade e é uma conseqüência das correlações de longo alcance. As características globais dos sistemas críticos são fruto das correlações indiretas entre seus diversos componentes, que cobrem

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todas as escalas de distância no seu interior, e não de suas interações diretas restritas a pequenas vizinhanças.

Ferramentas matemáticas e computacionais específicas foram desenvolvidas para facilitar a análise desses sistemas. Pesquisadores começaram a usar essas ferramentas para tentar entender a complexidade do cérebro com o intuito de descobrir as regras que bilhões de neurônios obedecem para se organizar em redes, e como essas redes se unem numa única estrutura coerente que chamamos de cérebro.

2. Leis de potência e avalanches cerebrais

Avalanches, terremotos, e incêndios florestais são exemplos de atividades em cascata em sistemas que de outro modo estariam inativos. Na maior parte do tempo, o tamanho dessas cascatas, ou avalanches, é pequeno, mas às vezes, avalanches são grandes o bastante para alcançarem o sistema todo.

O tamanho 𝑠 de um avalanche é o número de unidades ativas durante a cascata. Um fato interessante é que a distribuição 𝑓 𝑠 do tamanho dos avalanches nos sistemas mencionados segue precisamente uma lei de potência:

𝑓 𝑠 ~𝑠−𝜏

em que 𝜏 é o expoente crítico. Expoentes críticos determinam o comportamento macroscópico do sistema e indicam sua classe de universalidade.

Distribuições de leis de potência são características das transições de fase de segunda ordem, quando o sistema está em um estado crítico. Se o sistema evolui para alcançar um estado crítico sem ajuste fino dos parâmetros de controle, o sistema é chamado de auto-organizável criticamente.

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Sistemas auto-organizáveis criticamente mostram avalanches ou cascatas de atividades através de suas unidades, que podem surgir de interações locais simples. Estas avalanches podem incluir todas as unidades do sistema. Entretanto, a maioria das avalanches são pequenas ou de tamanho intermediário. Em geral, avalanches não são caracterizadas por um tamanho médio, isto é, a distribuição é invariante de escala, e apenas o verdadeiro tamanho do sistema restringe o alcance do tamanho da avalanche. Um exemplo desse tipo de sistema é a pilha de areia estocástica (veja o quadro no final do texto).

Leis de potência têm sido também observadas na atividade neural, e então tem sido proposto que a criticalidade auto-organizável subjaz a organização do cérebro também. Em neurociência, a hipótese da criticalidade afirma que o cérebro está num estado crítico, na fronteira entre atividade sustentada e um regime inativo e as propriedades de invariância de escala em sistemas neurais surgem do comportamento de auto-organização crítica. Estudos teóricos e experimentais mostram que o sistema crítico exibe propriedades computacionais ótimas, sugerindo porque a criticalidade pode ter sido selecionada na evolução do sistema nervoso. Pontos críticos são relacionados com alta adaptabilidade, porque pequenas mudanças num parâmetro externo de controle podem disparar grandes rearranjos no estado interno do sistema. Há evidência experimental para este fenômeno no cérebro [3,4]. Plenz e seus colaboradores tentaram analisar a arquitetura do cérebro estimulando o crescimento de pequenas unidades de tecido cerebral em placas de Petri. Eles prenderam 64 eletrodos ao tecido para examinar o acionamento espontâneo de novos neurônios. Os eletrodos detectaram uma rápida manifestação de atividade conhecida como avalanches neurais. Avalanches pequenas eram muito freqüentes; as grandes, mais raras; e as muito grandes, mais incomuns ainda.

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Num gráfico, as probabilidades de ocorrência de diferentes tamanhos mostravam uma curva de lei de potência.

3. Arquitetura das redes cerebrais

A forma da curva da lei de potência pode fornecer pistas sobre a rede que a produziu. Pesquisadores testam várias redes neurais possíveis para ver quais produzem avalanches neurais como no caso de neurônios reais. Muitas redes podem ser repartidas em uma coleção de módulos. Cada módulo é esperado efetuar uma tarefa identificável, separada da função dos outros. Acredita-se que o cérebro é organizado hierarquicamente em redes modulares em várias escalas, começando dos circuitos celulares e colunas corticais em núcleos ou áreas corticais para unidades em larga escala, tais como, o sistema visual inteiro ou o córtex sensório motor. A cada nível, os nós são mais densamente conectados entre si do que entre módulos diferentes. Embora dados empíricos confirmem essa organização modular em algumas escalas, a organização detalhada das redes cerebrais em todas as escalas ainda não está experimentalmente acessível.

Um estudo realizado por Moretti e Muñoz [6] relaciona a topologia modular hierárquica assumida das redes neurais com a criticalidade da dinâmica de redes. Usando ferramentas matemáticas da física dos sistemas complexos, bem como modelagem computacional, os autores sugerem que a estrutura modular hierárquica do cérebro pode afetar a organização da dinâmica neural, por prover um parâmetro estendido de alcance para o comportamento crítico via mistura regional de comportamentos sub e sobrecríticos, um fenômeno conhecido como fases de Griffiths nas quais a dinâmica crítica de leis de potência aparece em uma região estendida ao redor do ponto crítico [7]. Através de simulações com modelos com dinâmica simples,

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os autores também encontram estruturas de fases de Griffiths em redes modulares hierárquicas sintéticas, bem como dois exemplos de redes neurais, o connectome celular do Caenorhabditis elegans e o macroconnectome do cérebro humano inferido por imagem de difusão. (Um connectome é um mapa abrangente das conexões neurais dentro do sistema nervoso de um organismo.) Esses achados provêm evidência para uma região crítica ao invés de um ponto crítico. O trabalho também põe restrições fortes e surpreendentes na arquitetura de redes cerebrais.

4. Considerações finais

Apesar das intrigantes e gerais implicações desse campo de estudo que usa ferramentas da física de sistemas complexos para tratar redes de cérebro, diversos problemas e detalhes permanecem em aberto para serem resolvidos. Por exemplo, ainda faltam evidências da criticalidade auto-organizável em experimentos in vivo, há também questões que surgem por muitos tipos diferentes de redes hierárquicas serem possíveis. Ainda está incerto quão bem estas variantes suportam a criticalidade e qual seria a melhor caracterização de hierarquia em redes cerebrais, também é preciso entender melhor o mecanismo de como a atividade cerebral explora as redes hierárquicas e resulta na dinâmica das fases de Griffiths.

Mais dados extensivos e detalhados para conectividades em diferentes escalas do cérebro estão sendo agora colhidos em diferentes projetos connectomes e eles certamente ajudarão a guiar esses assuntos. Todas as questões em aberto precisam ser investigadas por modelagem sistemática, fazendo com que o campo de estudos de redes do cérebro se torne bastante promissor.

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5. Bibliografia e referências

Bak, P. How Nature Works. The Science of Self-organized Criticality (Copernicus, New York, and Oxford University Press, Oxford, 1997).

Mitchell, Melanie (2009). Complexity: A Guided Tour. Oxford, U.K: Oxford University Press.

[3] Beggs, J.M. and Plenz, D. (2003) Neuronal avalanches in neocortical circuits. J. Neurosci. 23.

[4] Pajevic, S. and Plenz, D. Efficient network reconstruction from dynamical cascades identifies small-world topology from neuronal avalanches. PLoS Comput. Biol. 5, e1000271 (2008).

[5] Priesemann V, Wibral M, Valderrama M, Pröpper R, Le Van Quyen M, et al. (2014) Spike avalanches in vivo suggest a driven, slightly subcritical brain state. Frontiers in Systems Neuroscience 8: 108.

[6] Moretti, P. and Muñoz, M.A. (2013) Griffiths phases and the stretching of criticality in brain networks. Nat. Commun. 4, 2521

[7] Munõz, M.A. et al. (2010) Griffiths phases on complex networks. Phys. Rev. Lett. 105, 128701

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Quadro 1: Pilha de areia

Um sistema simples que exibe criticalidade auto-organizável é a pilha de areia. Independente das condições iniciais, a pilha de areia evolui espontaneamente para um ponto crítico. Ao contrário de um fluido em equilíbrio térmico que requer um ajuste preciso da pressão e temperatura para alcançar o ponto crítico, a pilha de areia é um sistema de não equilíbrio (a areia entra e sai do sistema) que é conduzido para um ponto crítico por sua dinâmica intrínseca. O estado crítico da pilha de areia é um atrator; podemos dizer que a pilha de areia está num estado de criticalidade auto-organizável.

Podemos sumarizar as regras para este sistema da seguinte maneira:

Adicionamos lentamente um grão de areia a cada intervalo de tempo sobre uma superfície plana. Os grãos começarão a empilhar um sobre o outro criando uma pilha com um declive suave. De vez em quando, o declive se torna muito íngreme e alguns grãos deslizam, causando pequenas avalanches. Na medida em que mais areia é adicionada e o declive da pilha aumenta, o tamanho médio das avalanches também aumenta. O aumento do declive médio para quando alcança o valor correspondente ao ângulo de repouso. Quando mais um grão é adicionado à pilha, este pode causar uma avalanche de qualquer dimensão, incluindo uma avalanche catastrófica.

Por outro lado, se o declive inicial é maior do que o ângulo de repouso, então uma avalanche de proporções catastróficas ocorre. Este é o estado sobrecrítico, que colapsa até que o estado crítico seja alcançado. As evidencias computacionais e experimentais mostram que o número de avalanches em função do seu tamanho obedece a uma lei de potência. Podemos dizer que quando o declive da pilha de areia atinge o ângulo de repouso, esta está num ponto crítico.

Referências

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