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A TRANSIÇÃO PARA A MATERNIDADE DE UM PONTO DE VISTA DESENVOLVIMENTAL

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Academic year: 2021

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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da U.C.

Psicopatologia Cognitivo-Desenvolvimental

ano lectivo: 2004/2005 4º ano

A TRANSIÇÃO PARA A MATERNIDADE DE UM

PONTO DE VISTA DESENVOLVIMENTAL

Ablekhya Costa Alegre

Inês Almeida

Joana Branco Maia

Mónica Bento

Sara Rocha Fortes

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Imagem da capa: adaptada a partir de

Le Rêve (1932) de Pablo Picasso

Imagem da página nove: adaptada a partir de

Sorrow, Sien (1882) de Vincent Van Gogh

MATERNIDADE ENQUANTO PERÍODO DE DESENVOLVIMENTO

De acordo com a abordagem desenvolvimental, a transição para a maternidade pode ser pensado como um período de desenvolvimento para a mulher, caracterizado pela emergência de uma crise própria e por um conjunto de tarefas desenvolvimentais específicas. Esta crise é fomentada pelo confronto com uma nova situação, que traz novas exigências e implica mudanças a nível biológico, psicológico, conjugal e familiar, bem como na vivência do próprio contexto social em que a mulher se insere. Percebemos facilmente que os novos pais e toda a família, face às modificações ao nível da identidade, papéis e funções trazidas pelo nascimento de um filho, experienciem stress. Importante será dizer que, neste contexto, o conceito de stress não possui necessariamente uma carga negativa, sendo sim perspectivado como inserido num período que é simultaneamente de risco e de oportunidade para “crescer”, aprendendo a lidar com a nova situação.

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Assim, a transição para a maternidade assume-se como tempo de risco, uma vez que o funcionamento psicológico da mulher se encontra especialmente vulnerável, estando caracterizado por uma grande imprevisibilidade emocional, ao mesmo tempo que esta está sujeita à elevada pressão das expectativas sociais. Há, desta forma, maiores probabilidade de se acentuarem ou de surgirem novas vulnerabilidades psicológicas que podem levar à descompensação.

Por outro lado, assume-se também como tempo privilegiado de desenvolvimento, na medida em que, este importante ponto de viragem impele a uma nova organização intra e interpsíquica que possibilita à mulher a constituição de um conjunto de respostas adaptativas que lhe permitirão lidar da melhor forma possível com as perdas e os ganhos decorrentes desta nova etapa. Desta forma, a transição para a maternidade é também perspectivada como um tempo de oportunidades, na medida em que uma resolução adequada das tarefas desenvolvimentais permitirá à mulher desenvolver e adquirir novas competências psicológicas e sociais que, de acordo com Canavarro (2001, p. 37), lhe possibilitarão aceder a “níveis de funcionamento superiores, no sentido da resolução de anteriores problemas desenvolvimentais e organização de constelações intrapsíquicas e relacionais mais complexas e gratificantes”.

Gravidez e maternidade deixam, desta forma, de ser olhadas como acontecimentos estáticos, passando, a ser perspectivadas como processos dinâmicos, de construção e de desenvolvimento, que desafiam permanentemente a futura mãe obrigando-a a rever-se a si própria, as suas relações, papéis e funções.

TAREFAS DESENVOLVIMENTAIS: SUA RESOLUÇÃO E INTERRELAÇÃO

Na transição para a maternidade a mulher confronta-se com um conjunto de tarefas que tem de resolver para se adaptar de forma adequada a esta nova etapa do ciclo de vida. De acordo com Canavarro (2001) e Figueiredo (2000), uma vez que as tarefas desenvolvimentais se encontram encadeadas, a resolução inadaptativa de umas tende a dificultar a resolução das subsequentes. Apesar de não existir um período de tempo bem delineado para a sua resolução, e de cada mulher ter o seu próprio timing, alguns autores optam por subdividir pelas diferentes fases de gravidez a resolução das várias tarefas. Deste modo, no 1º trimestre após a concepção, surge a primeira tarefa a resolver: aceitar

a gravidez. Esta aceitação inicia-se com a sua confirmação definitiva recorrendo a meios

médicos/técnicos e continua, mesmo quando se trata de uma gravidez planeada, com o reconhecimento por parte da mulher de uma certa ambivalência entre o desejo e o receio de estar grávida, que pode ser atenuada se esta sentir que o seu estado é bem acolhido por aqueles que lhe são próximos. É fácil concluir que, nos casos de gravidez indesejada ou em que não há suporte emocional por parte do companheiro, pais, ou amigos, a resolução adequada desta primeira tarefa tem grandes probabilidades de estar, à partida, comprometida, perturbando desde logo a relação que a mãe vai estabelecer com o feto e dificultando a adaptação às tarefas subsequentes.

Durante o segundo trimestre da gravidez a mulher toma pela primeira vez contacto com a realidade do feto através dos primeiros sinais físicos que começa a sentir. Se bem resolvida a primeira tarefa, a mulher tem mais probabilidades de resolver mais facilmente a tarefa seguinte: a aceitação do feto como entidade física e psicológica distinta que,

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apesar de habitar o corpo da mãe, não se confunde com esta. A representação que a mãe faz do bebé torna-se mais realista, abandonando o plano da fantasia em que este é parte de si própria, o que prepara a mãe para a separação física que o parto implica. Começa assim a constituir-se a ligação materno-fetal, mostrando-se a comunicação verbal e táctil que a mãe estabelece com o seu bebé um bom indicador de sucesso na resolução da tarefa proposta.

Durante o terceiro trimestre da gravidez, e depois durante o puerpério, a resolução adaptativa ou inadaptativa da tarefa de aceitação da realidade do feto vai facilitar ou dificultar a tarefa de aceitação do bebé como pessoa separada. Isto é, a sua compreensão enquanto pessoa autónoma, com características próprias, que existe para além da mãe, necessitando simultaneamente de protecção e de autonomia. Nos casos em que a tarefa anterior não foi resolvida de forma adaptativa, a mulher terá agora provavelmente maiores dificuldades em reconhecer a realidade idiossincrática da criança, na medida em que tal implica, nas palavras de Canavarro, a vivência de um “(des)equilíbrio entre estar junto, dar continuidade, proteger e estar separado, promover a descontinuidade e a autonomia”. É de notar que esta tarefa se torna tanto mais difícil de resolver quanto maior for o nível de conflito, aberto ou não, existente no casal. Para Strecht (2001), quando o nascimento de um filho tem a função de antidepressivo ou de confirmação do valor narcísico da própria mãe, esta tenderá a ver neste a possibilidade de uma relação simbiótica e fusional sobre a qual pode ter controlo, tendo mais tarde grande dificuldade em lidar com a exigência de autonomia que necessariamente marca o crescimento de qualquer criança.

Com o nascimento dá-se também o confronto do bebé fantasiado com o bebé real, com a criança que chora, protesta, e ao qual a mãe tem de estar continuadamente atenta, tendo que decidir a todo o instante. O grande desafio agora prende-se com a percepção das necessidades fisiológicas e emocionais do bebé, de modo a responder-lhes da melhor forma possível. Percebemos deste modo que, quando as tarefas desenvolvimentais anteriores são marcadas por perturbações, a mulher terá provavelmente maiores dificuldades em responder a este desafio, tendendo a confundir as suas necessidades com as da criança. Quando as tarefas anteriores foram bem resolvidas, a adaptação às necessidades do bebé é facilitada por a mãe se encontrar num estado que Winnicott (1986) designa de preocupação materno primária, no qual é capaz de se identificar com o seu bebé e com as suas exigências, de modo a funcionar como ambiente facilitador dos processos de desenvolvimento. De acordo com Strecht (2001), para se comportar desta forma a mãe baseia-se no seu próprio contacto interior com imagens de prestação de cuidados, na memória que tem da sua própria infância e nas ideias inconscientes acerca das relações mãe/bebé que possui e que são influenciadas pelas relações de dependência e de afecto que estabeleceu durante a sua vida, incluindo a que mantém com o pai do seu filho. Tal remete-nos para outras duas importantes tarefas deste período: a reavaliação e reestruturação das relações que mantém com os seus pais

e com o seu cônjuge.

No que diz respeito à relação com as figuras parentais, a transição para a maternidade configura-se como uma oportunidade para resolver ou agravar conflitos desenvolvimentais passados. Deste modo, para que esta tarefa seja levada a bom porto, a mulher tem de ser capaz de integrar as experiências positivas e negativas que teve enquanto filha, aproximando as primeiras da sua própria identidade materna e afastando as segundas, o que lhe permitirá lidar de forma adequada com as suas próprias falhas

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como mãe. Por outro lado, se muitas vezes o nascimento de uma criança traz consigo um significado de unificação familiar e geracional (marcado pelo apoio dos pais à filha agora mãe), outras vezes o significado é conflitual de reavivamento de tensões, sendo portanto essencial que pais e filha renegoceiem um novo equilíbrio entre o apoio e a autonomia, (equilíbrio que é, de certa forma, paralelo àquele que a própria mãe tem de estabelecer com a sua criança) para que não exista sobreposição de funções e papéis.

O aparecimento de um terceiro elemento na relação a dois obriga a um reajustamento quer na rotina diária, quer no plano afectivo e sexual do casal. Um desafio se impõe, marcado pela partilha de tarefas, de cuidados, de decisões e de expectativas que ambos projectam para um futuro filho. Desafio que é tanto mais facilitado na medida em que os dois progenitores forem capazes de garantir suporte emocional um ao outro. Quando tal não acontece, muitas vezes a vinda de um bebé em vez de aproximar os pais, paradoxalmente, afasta-os, aumentando a ambivalência sentida em relação ao parceiro, ao mesmo tempo que diminui a proximidade emocional e sexual. Por outro lado, as mudanças que o nascimento de um bebé trazem para a relação do casal têm de ser compreendidas à luz do que este representa para a mesma, existindo segundo Strecht (2001, p.51), uma grande diferença entre, “na versão feliz, representar o culminar de um projecto construído pela vivência de uma sexualidade saudável”, ou pelo contrário, representar um desencontro “transformando-se o bebé no hospedeiro onde se aloja o silêncio relacional dos pais” (Sá, 2003, p.39). Percebemos desta forma, a importância da tomada de decisão sobre uma gravidez ser feita em conjunto e não simplesmente imposta por um e aceite pelo outro por receio de algum tipo de perda. A falta de (meta)comunicação e a permanência de conflitos poderão fazer surgir dificuldades na resolução das tarefas essenciais inerentes à nova etapa.

Igualmente dizendo respeito à organização familiar, se a mulher já é mãe, o nascimento de um filho impõe a necessidade da reestruturação da relação com o(s) outro(s)

filho(s), no sentido de a mãe dar resposta aos seus próprios medos de não ter tempo e

disponibilidade interior e física para cuidar de mais uma criança sem descurar a(s) outras(s). Outros medos comuns são o de não conseguir amar todos da mesma forma, e da reacção do(s) outro(s) filho(s). Torna-se, então, essencial o reconhecimento, de forma mais ou menos consciente, de que não poderá assimilar a identidade do novo filho à do(s) outro(s), ajudando este(s) a lidar com a chegada de um irmão e reforçando o seu papel na família como um todo.

A última tarefa conceptualizada é a da reestruturação da sua própria identidade de forma a integrar a identidade materna, representando uma síntese de todas as outras tarefas desenvolvimentais. A mulher confronta-se com a necessidade de integrar experiências passadas com exigências presentes (reorganização do seu estilo de vida, dos seus objectivos, dos seus padrões de relacionamento social, das suas metas profissionais, etc) reconhecendo e dando resposta às dúvidas e ambivalências que naturalmente sente em relação ao seu novo papel de mãe. Tal permitirá à mulher uma maior aceitação de outras mudanças vitais, a longo prazo, ficando mais apta e resistente para lidar com novas crises e eventuais situações de adversidade (Canavarro, 2001).

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Geralmente pensadas como sendo uma mesma realidade, a gravidez e a maternidade representam, na verdade, dimensões distintas havendo possibilidade de divergência nas suas vivências. De facto, o facto de uma mulher estar grávida não significa, por si só, uma boa adaptação às tarefas desenvolvimentais maternas.

De forma a percebermos melhor esta possível (in)adaptação é fundamental debruçarmo-nos, de um ponto de vista psicológico, sobre as representações de gravidez e de

maternidade que acompanham qualquer futura mãe. Estas representações são

esquemas cognitivos que esta foi construindo ao longo do seu desenvolvimento, variando de mulher para mulher. É de notar, que ao falarmos de diferentes representações, falamos também de diferentes perfis atitudinais face à maternidade, nenhum deles em si mesmo “normal” ou patológico.

Muitas vezes as mulheres têm, embora com pesos diferentes, representações múltiplas da gravidez e da maternidade, que podem mesmo ser contraditórias entre si. Há, desta forma, necessidade de a mulher as integrar, através de sucessivos processos de reformulação, no confronto e na interacção com a experiência, para que a experiência de maternidade possa ser adaptativa. Quanto mais rígidos e absolutas forem as representações, e consequentemente os perfis atitudinais em que se traduzem, maior o risco desenvolvimental e psicopatológico que comportam.

Mas como se adquirem estes esquemas? Como se transformam e são processados? De acordo com Canavarro (2001), emergem da interacção entre diversos factores

biológicos, históricos, sócio-culturais, psicológicos e desenvolvimentais, em

constante mudança.

Factores biológicos

Para que uma gravidez possa ocorrer são necessários alguns pré-requisitos físicos, anatómicos e funcionais, nomeadamente a existência de um aparelho reprodutor

funcional que permita, pelo menos, a gestação do feto. No entanto, por si só, estes

pré-requisitos não asseguram inequivocamente uma boa adaptação à ao papel maternal, uma vez que, capacidade de reprodução não é sinónimo de vontade de ser mãe.

É de notar que o senso comum continua a caracterizar a maternidade como algo

“natural” e instintivo. De facto, para muitas mulheres ter um filho é algo fundamental

para a sua realização pessoal, mas para muitas outras não é assim, o que muitas vezes induz sentimentos de culpabilidade e de inadequação pessoal e social. Apesar de, de uma forma geral, os diferentes contextos sociais valorizarem a maternidade, encontramos cada vez mais mulheres para quem a identificação ao papel maternal não se faz de forma inevitável, ou seja, “natural” e instintiva.

Ora, as elevadas expectativas sociais no sentido de ter filhos, com que qualquer mulher se vê confrontada, fazem com que muitas vezes ser mãe seja sentido como algo “imposto”, tendo a mulher maiores probabilidades de experienciar dificuldades na resolução das tarefas inerentes a este período do ciclo vital. Neste sentido é importante que as mulheres adquiram cada vez mais consciência de que a maternidade deve ser encarada como uma escolha, que tem de ser feita de acordo com o seu próprio projecto de vida, e não como algo que tem de ser feito porque “natural”.

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Factores históricos e sócio-culturais

O ambiente histórico e sócio-cultural em que cada mulher está inserida tem grande impacto na forma como esta percepciona tanto a gravidez como a maternidade. É de notar que a separação entre sexualidade e reprodução, que o acesso aos métodos concepcionais permitiu, é uma conquista recente, com fortes implicações para a vida das mulheres, nomeadamente ao nível dos seus projectos profissionais. De facto, a imagem actualmente difundida é a de mulher “multifacetada, comportando e valorizando características e papéis intelectuais, profissionais, físicos, relacionais, sociais e maternos” (Canavarro, 2001, p. 24).

Se, por um lado, tal é extremamente positivo, representando para a mulher uma abertura das suas possibilidades de vida, por outro, podemo-nos questionar até que ponto tal não significa para esta uma exigência, difícil de satisfazer, de corresponder ao ideal de

“super-mulher” que foi criado pela actual sociedade. Pede-se hoje à maior parte das

mulheres que sejam simultaneamente mães (as melhores mães!), profissionais com uma carreira de sucesso, donas de casa esmeradas, esposas atentas e dedicadas, e que tenham ainda tempo para serem elas próprias. A própria publicidade impõe este estereótipo feminino de mulher perfeita, que tudo consegue resolver e conciliar, chegando ao fim de cada dia sempre com um sorriso na cara. Neste sentido, interrogamo-nos se, na ausência de suporte social adequado, a mulher que se torna mãe, não sentirá maiores dificuldades em resolver as tarefas desenvolvimentais deste período, ao mesmo tempo que tem todo um outro conjunto de papéis, dos quais, naturalmente, não quer abdicar.

Outra ideia que não podemos deixar de salientar é que, se em teoria ser mãe é já uma escolha, na prática nem sempre é assim. Como já referimos anteriormente, questionamo-nos se muitas vezes o meio social não pressionará a mulher no sentido de ser mãe, ao veicular este papel como algo inerente à natureza feminina. Desta forma muitas mulheres, também influenciadas pela sua história de vida, constroem crenças básicas inadaptativas (por exemplo: “tenho o dever de ser mãe”) que acabam por condicionar a sua possibilidade de escolha.

Factores psicológicos e desenvolvimentais

Ao considerarmos a maternidade como uma situação relacional, facilmente percebemos que as relações significativas que a mulher estabelece ao longo da vida têm um peso muito significativo na construção da sua representação de maternidade. Debrucemo-nos, agora, sobre algumas relações específicas que têm uma preponderância especial na formação de significados sobre a maternidade e a gravidez.

A relação estabelecida entre a mulher e a sua própria mãe durante a infância tem um impacto importante na forma como esta lidará com as tarefas desenvolvimentais deste período, uma vez que se constitui como base para a criação de expectativas sobre o comportamento dos outros, bem como para a construção do seu conceito e auto-regulação emocional. A forma como uma mãe vive a sua vida, cuida e comunica de forma verbal e não verbal com a sua filha, representa para esta uma primeira experiência do que é ser mãe, de como uma mãe se sente e se comporta. Desta forma, facilmente

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percebemos que, quanto mais próxima for esta relação, maior é a sua potencial influência na construção das representações de gravidez e maternidade da futura mãe. Todavia, é importante referir que esta influência não se processa de forma linear e directa, uma vez que não é um determinante único, entrando em jogo outros factores.

Com efeito, as outras relações próximas que a mulher estabelece ao longo do ciclo de vida assumem-se também como fundamentais. Destacamos, sobretudo, o

relacionamento com o pai do bebé (que pode ou não assumir uma dimensão

conjugal/marital), como uma das principais fontes de suporte emocional e social nesta fase de mudança, sendo que a ausência deste suporte tem sido associada a uma menor adaptação da mulher à multiplicidade de desafios do papel de mãe. Como já referimos quando falámos da necessidade de a mulher reestruturar a relação com o parceiro, é importante termos em conta também as representações que o próprio pai tem da paternidade, que influenciam o papel que este assumirá durante a gravidez e após o nascimento da criança. No caso das representações maternas e paternas terem significados muito diversos ou mesmo antagónicos para o homem e para a mulher, e se a sua relação não oferecer espaço para uma comunhão das mesmas, podem surgir dificuldades relacionais no casal que complicam a resolução das novas tarefas desenvolvimentais, dificultando todo o processo de adaptação aos papéis parentais. As experiências prévias de gravidez e/ou de maternidade têm igualmente uma importante influência no modo como as mães enfrentam as tarefas desta época. No caso de a mulher já ter tido a oportunidade de cuidar de um bebé, esta experiência ajudará a moldar a relação com o novo bebé, contribuindo ao mesmo tempo para a (re)construção das suas representações sobre a maternidade. Uma situação particularmente difícil acontece quando há situações de perda ou de luto durante a gravidez e no puerpério, conferindo estas uma tonalidade de tristeza à experiência da maternidade, que se faz sentir na nova relação.

Outro factor determinante das representações de gravidez e de maternidade que cada mulher constrói são os seus próprios projectos profissionais. Cada vez mais a profissão tem um papel central na realização pessoal da maior parte das mulheres, sendo que esta dimensão da sua vida é muitas vezes difícil de conciliar com as novas responsabilidades maternais, o que exige um grande esforço adaptativo por parte das mulheres.

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MATERNIDADE ENQUANTO PERÍODO DE RISCO PSICOPATOLÓGICO

Perceber se a maternidade é, por si só, um factor de risco para a saúde mental da mulher, tem sido uma questão que grande polémica tem suscitado quer entre investigadores, quer entre clínicos. Embora há muito se verifique o interesse pelo estudo das perturbações psicológicas do puerpério, os primeiros trabalhos epidemiológicos realizados com o intuito de estudar o estado de saúde da mulher durante este período são bastante recentes, datando dos anos 60-70, tendo sido elaborados com base nos registos de admissão em hospitais psiquiátricos.

Com base na comparação do número de admissões hospitalares em diferentes momentos da vida da mulher (gravidez, puerpério e momentos não relacionados com a gravidez), vários estudos foram realizados com o objectivo de comprovar empiricamente que o puerpério seria um período de risco para o estado de saúde mental da mulher, contrariamente ao que aconteceria na gravidez, durante a qual haveria um aumento do bem-estar psicológico da mulher. Figueiredo (2000) dá como exemplo de um desses estudos, um extenso trabalho realizado por Paffenberg entre 1940 e 1958 que, tal como vários outros, veio corroborar a hipótese acima referida.

Outros estudos, dos quais Figueiredo (2000) destaca o de Brockington e colaboradores na década de 70, salientaram que as mulheres que sofriam de perturbações psicopatológicas durante o pós-parto se distinguiam das que não tinham estas perturbações em relação a um conjunto de variáveis, consideradas como factores de risco. Assim, os factores de risco que, no puerpério, mais têm sido referidos como estando associados ao desenvolvimento de perturbação psicopatológica são:

¾ Idade: o risco de perturbação psicopatológica durante o pós-parto é maior nas mulheres com mais idade do que nas mulheres com menos idade.

¾ Paridade: as mulheres primíparas têm um menor risco de desenvolver perturbação psicopatológica durante a gravidez, o mesmo não acontecendo em relação ao pós-parto, onde as primíparas têm duas vezes mais probabilidades de ficarem mentalmente doentes do que as multíparas.

¾ Prematuridade e baixo peso à nascença: a doença mental no puerpério é mais frequente em mulheres cuja gestação foi inferior a 40 semanas e três

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vezes mais frequentes em mulheres cujo bebé nasceu com um peso inferior a 2.500 kg.

¾ Complicações obstétricas: o risco de doença mental durante o puerpério é cerca de três vezes maior em mulheres que tiveram um parto distócico, e maior ainda quando acontece a morte do bebé.

¾ História anterior de perturbação psiquiátrica e antecedentes familiares ¾ Comportamento sócio-emocional inadequado: verifica-se a presença mais

intensa de expressões de zanga, abuso verbal, contacto interpessoal reduzido e conflituoso nas puérperas com perturbação psicopatológica Para além dos estudos atrás referidos, que se basearam em registos de admissão hospitalar, outros foram elaborados a partir de medidas psicológicas administradas a indivíduos da população geral. Deve salientar-se que estes estudos obtiveram resultados algo controversos, na medida em que alguns mostram que a gravidez é um momento de bem-estar e de ajustamento psicológico comparativamente com o período do pós-parto, enquanto outros sugerem a existência de maior perturbação psicopatológica durante a gravidez do que no puerpério.

Por outro lado, um grande número de autores encontrou uma associação positiva entre a presença de sintomas psicopatológicos durante a gravidez e a existência de

perturbação emocional a seguir ao parto. Com base nisto, poder-se-ia afirmar que

existem algumas evidências empíricas de que é possível avaliar durante a gravidez alguns sintomas que nos permitem identificar as mulheres mais em risco de desenvolver perturbação emocional durante o puerpério.

Interessa-nos agora reflectir sobre as causas que tornam este período susceptível de descompensação psicológica. Como acima se referiu, embora a maioria dos autores concorde que a maternidade é um período propício ao surgimento de perturbações psicopatológicas, não há acordo quanto às razões pelas quais tal sucede. De entre as

razões referidas por diversos autores, como explicativas da maternidade enquanto período de risco psicológico, encontram-se:

• Existência de alterações biológicas acentuadas, nomeadamente de natureza

hormonal

• Existência de vulnerabilidade mental prévia em algumas mulheres

• Existência de dificuldades prévias na vivência sexual e reprodutiva de algumas mulheres

• Dificuldades da mulher em se adaptar às mudanças implicadas pela maternidade e em realizar as tarefas desenvolvimentais relativas a esta etapa da vida, que anteriormente analisámos, o que aconteceria sobretudo no caso das mulheres que apresentaram dificuldades desenvolvimentais em fases anteriores do seu desenvolvimento.

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PRINCIPAIS PERTURBAÇÔES PSICOPATOLÓGICAS DO PUERPÉRIO

Como atrás se referiu, os meses que se seguem ao nascimento de um bebé reflectem um período de elevado risco para a saúde mental da mulher, facto que é facilmente perceptível, se considerarmos as mudanças que então ocorrem (originadas por um conjunto nem sempre progressivo de adaptações) e que tornam a mulher mais vulnerável ao desequilíbrio psicológico.

Deste modo, é fácil concluir que quando a mulher e a sua família não conseguem lidar de forma satisfatória com as tarefas e dificuldades relacionadas com o nascimento do bebé abrem-se portas para o aparecimento de psicopatologia. Analisemos agora as principais perturbações psicopatológicas do pós-parto: Blues pós-parto, Depressão pós-parto e

Psicose puerperal.

1. O BLUES PÓS - PARTO caracteriza-se essencialmente por ser:

a) Uma forma breve e moderada de perturbação do humor...

• Os sintomas evidenciados como nucleares são a labilidade de humor e as crises de choro, permanecendo habitualmente por um ou dois dias.

b) ... que surge em estreita relação temporal com o parto, num elevado número de mulheres...

• Tem início, em todos os casos, durante a primeira semana que se segue ao nascimento do bebé, sobretudo entre o 3º e o 4º dia.

c) ...em consequência das alterações hormonais decorrentes do

nascimento e do aleitamento do bebé, tendo essencialmente um carácter transitório e benigno.

• Ocorre em mulheres saudáveis do ponto de vista físico e psicológico, estimando-se que a sua incidência se situe entre os 50 e os 80%.

Embora a maior parte dos autores concorde quanto ao facto de a etiologia desta perturbação estar relacionada com as variações hormonais que ocorrem no pós-parto, alguns estudos têm evidenciado também a interferência de variáveis psicológicas, de entre as quais se destacam certas características de personalidade (particularmente ansiedade, neuroticismo e estratégias passivas de coping) e a presença de problemas

emocionais, que aumentariam o risco de a mulher desenvolver blues pós-parto.

Por fim, de acordo com Figueiredo (2001), deve referir-se que o blues pós-parto não é classificado pela maioria dos autores como um perturbação psicopatológica, mas é antes considerado como um fenómeno natural e adaptativo, no sentido em que favorece a aproximação da mãe ao bebé, o que é fulcral para a sobrevivência deste.

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2. A PSICOSE PUERPERAL caracteriza-se essencialmente por ser:

a) Uma perturbação psicopatológica grave marcada pela emergência repentina de sintomatologia psicótica…

• Pode resumir-se a um estado confusional agudo, no qual se verificam oscilações, havendo uma alternância entre momentos de alguma adaptação à realidade, nos quais há um desempenho adequado dos cuidados ao bebé, e momentos de quebra total no contacto com a realidade, acompanhada de um completo alheamento perante o bebé. Tem sido ainda salientada a presença de sintomas maníacos e variações abruptas no estado de humor.

b) ... que surge em estreita relação temporal e temática com o parto, num reduzido número de mulheres...

• Esta perturbação inicia-se sempre durante a primeira quinzena do puerpério, tendo habitualmente o surto psicótico que então se verifica uma duração de cinco a doze meses. O tema central neste distúrbio consiste na negação ou na rejeição do estatuto de mãe, o que consequentemente conduz à rejeição ou até à hostilidade para com o bebé, que pode não ser reconhecido como da própria.

c) ...em consequência do que parece ser uma interacção entre a vulnerabilidade psicopatológica prévia da mulher e os aspectos biológicos (alterações hormonais) decorrentes do parto.

• Deve assinalar-se que não tem sido encontrada a influência de variáveis psicossociais ou socio-culturais

Embora tenha um carácter relativamente transitório, a psicose puerperal implica severas perturbações para a saúde mental da mãe e do bebé, uma vez que, para além da forte possibilidade de recorrência do distúrbio, os cuidados que esta pode fornecer à criança se encontram enormemente diminuídos. É de notar que o risco de infanticídio está aumentado, podendo ocorrer durante um delírio, que pode levar à morte conjunta da mãe e do bebé. Deste modo impõe-se um diagnóstico precoce e o acompanhamento atento da situação.

3. A DEPRESSÃO PÓS - PARTO caracteriza-se essencialmente por ser:

a) Uma perturbação do humor caracterizada pela presença de um episódio depressivo major que surge na ausência de sintomatologia psicótica...

• Outras características que marcam presença nesta perturbação são a existência de ansiedade e preocupação elevadas (centradas exclusivamente no bem-estar do bebé), elevada culpabilidade (quase sempre por não ser capaz de amar e de

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cuidar de um modo adequado da criança) e uma quebra acentuada na estima (sobretudo no que respeita à auto-estima materna, uma vez que a mãe considera que não está desempenhar correctamente o seu papel).

b) ... que surge em estreita relação temporal e temática com o parto, num elevado número de mulheres...

• Tem início, geralmente entre o 2º e o 3º mês após o nascimento da criança, sendo possível identificar na 10ª semana após o parto um maior número de mulheres a iniciar esta perturbação. No que se refere à incidência da depressão pós-parto, deve dizer-se que esta varia entre os 10 e os 20 %.

c) ...em consequência da existência de circunstâncias psicossociais problemáticas na vida da mulher…

• Quanto à etiologia da depressão pós-parto, não têm sido encontrados factores biológicos responsáveis pela emergência deste distúrbio. Como dificuldades psicossociais destacam-se: a existência de mau ajustamento e baixa qualidade do relacionamento conjugal; a ausência de suporte emocional e social por parte do companheiro e/ou de outras pessoas significativas; a presença de acontecimentos adversos de existência; a existência de adversidades de carácter social.

d) …. que podem interagir com eventuais circunstâncias negativas relativas ao nascimento.

• Não podemos esquecer que também as características do bebé vão interferir na probabilidade de ocorrência de depressão pós-parto. Circunstâncias negativas relativamente ao nascimento como a prematuridade, os problemas neo-natais de saúde, ou o seu temperamento difícil, são factores que podem favorecer a emergência de depressão pós-parto, uma vez que interferem nos cuidados prestados pela mãe ao bebé, condicionando o estabelecimento da relação afectiva entre eles.

A presença de depressão pós-parto traz importantes e graves consequências para a vida da mulher, quer pelo sofrimento pessoal que provoca, quer por problematizar a relação que esta estabelece com o (a) filho(a), ficando a vinculação marcada por um padrão de insegurança, quer ainda por fragilizar fortemente a relação entre o casal.

Apesar das dificuldades sentidas, é de notar que poucas são as mães nesta situação que procuram ajuda nos serviços de saúde mental. Tal facto prende-se, segundo Figueiredo (2001), com a grande inibição em reconhecer ou admitir a tristeza sentida, pela culpabilidade que tal provoca, num momento que de uma perspectiva sócio-cultural é suposto ser da máxima alegria. Esperamos assim, que esta realidade venha a mudar num futuro próximo para que cada vez mais mulheres possam beneficiar de apoio num momento tão importante e delicado da sua vida.

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Bibliografia:

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Referências

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