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Escravidão no Triângulo Mineiro: fontes e documentação.

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Escravidão no Triângulo Mineiro: fontes e documentação.

Aurelino José Ferreira Filho1

Pedro Affonso de Oliveira Filho2

Túlio Andrade dos Santos3

Alysson Benevides dos Santos4

Introdução

O Núcleo de Estudos sobre Escravidão em Minas Gerais – NEEMG, tem trabalhado em um importante corpus documental eclesiástico sobre escravidão na região do Pontal do Triângulo Mineiro composto por livros de registros de batismos, livros de registros de matrimônio e livros de registros de óbitos.

Documentação esta que se encontra na Cúria Diocesana de Ituiutaba, referentes aos antigos arraiais de são José do Tijuco, atual Ituiutaba, Campina

1 Professor do Curso de História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/FACIP 2 Aluno do Curso de História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/FACIP 3 Aluno do Curso de História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/FACIP 4 Aluno do Curso de História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/FACIP

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Verde, antigo Campo Belo e São Francisco de Sales, compreendendo, grosso modo, o período de 1831 a 1888.

Outra documentação importante na qual o núcleo vem trabalhando são os livros popularmente conhecidos como livros tombo, contendo registros que não obedecem necessariamente a uma ordem cronológica e de espaço. Sendo que podem conter cartas ou registros em diferentes ordens de tempo e diferentes localidades pertencentes a uma mesma região.

Os livros encontrados na região do campo Belo, atual cidade de Campina Verde e São José do Tijuco, atual cidade de Ituiutaba, no Pontal do Triângulo Mineiro, eram destinados ao registro de bens das igrejas assim como dos festejos e demais aspectos da vida política e pública daquelas comunidades. Atualmente estes livros tombos também se encontram na Cúria Diocesana de ituiutaba, juntamente com os livros de registros de batismo, de matrimônio e de óbitos de todas as paróquias da Diocese.

Até os idos do século XIX todas as paróquias e capelas existentes no Triangulo Mineiro faziam parte da província eclesiástica de Goiás, ficando todos os padres e religiosos submetidos à autoridade do bispo diocesano, que, por sua vez, reclamavam para a cúria de sua diocese parte da documentação produzida. Sendo assim, grande parte da documentação sobre escravidão na região encontra-se dispersa pelas dioceses do estado do Goiás.

Posteriormente, já em 1892, foi criada a província eclesiástica de Uberaba, portanto, também lá se encontra uma importante documentação, pois, uma vez criada, a província eclesiástica de Uberaba passou a ser responsável pela administração religiosa de todo o Triangulo Mineiro. Sendo que só mais tarde se criou a diocese de Uberlândia. Encontrando-se também nesta diocese importante documentação sobre o tema para o Triangulo Mineiro.

Em 1984, foi criada a diocese de Ituiutaba, reunindo um importante acervo de livros de registros de batismo, livros de registro de matrimônio, livros

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de registro pós-morte e livros tombo de algumas paróquias da região, sendo as mais antigas as paróquias de Campina Verde e a de Ituiutaba.

Sendo esta documentação de suma importância para conhecermos a lógica escravista na região, suprindo lacunas ainda existentes sobre a escravidão no Triângulo Mineiro, contribuirá significativamente também para a historiografia sobre escravidão não só na região, mas para Minas Gerias como um todo.

I. Documentação e escravidão na região do Triângulo Mineiro

Um vasto acervo documental referente à escravidão na região se encontra também no Arquivo Público Mineiro e no Arquivo Público de Uberaba, uma vez que até a primeira metade do século XIX, Uberaba ainda era o único município da região.

Posteriormente, já em 1848, foi criado o município do Prata, desmembrado do município Uberaba. Com comarca própria, Ituiutaba, então arraial de são José do Tijuco, esteve ligada a este município até o ano de 1901, quando também se desmembrou.

Sendo assim, no cartório do Prata estão os principais testamentos, registros de terras, listas de escravos e inventários post mortem das famílias mais tradicionais, e, conseqüentemente, proprietárias de escravos da região do do Triângulo Mineiro.

Por toda a região podemos observar ainda vestígios do trabalho escravo, vestígios encontrados em fazendas nas quais ainda resistem casarões datados dos fins do século e XVIII e todo o XIX. Nestes casarões

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encontram-se ainda instrumentos utilizados no cativeiro e no castigo de escravos na região. Dentre tais instrumentos podemos classificar argolas em troncos, correntes com braceletes, gargalheiras, entre outros.

Os primeiros plantéis de escravos no Triângulo Mineiro se iniciaram com a chegada dos primeiros colonizadores da região, no início do XIX, vindos do sul da província a procura de terras para a expansão das suas criações, e da região mineradora em função do declínio da mineração que se verificava desde meados do século XVIII.

Analisando os inventários post mortem e comparando com outras pesquisas, conseguimos identificar aspectos relativos á estrutura das propriedades rurais do Triângulo Mineiro. Tudo indica que as fazendas com maior número de escravos contavam, em média, com de 20 a 25 “peças”. Uma fazenda com 30 escravos já seria grande para a região.

Luís Augusto Bustamante (BUSTAMANTE, 2005, p. 239), analisando testamentos encontrados no arquivo publico de Uberaba, cita que:

“O Capitão Antônio José de Araújo possuía, em

1838, um formidável patrimônio constituído pela fazenda São Francisco, em Dores do Campo Formoso, de 14.400 alqueires no valor de 40:040$000.Dispunha de um plantel formado por 21 escravos, a maioria homens em idade produtiva, somando 9:700$000 em patrimônio mancipio. Esse fazendeiro podia ser considerado um grande criador para os padrões da época, pois contava com um rebanho de 277 vacas de criar, 114 garrotes para engordar e 30 bois carreiros, que somava 3:845$000.Terras escravos e gado perfaziam 76% do patrimônio de Antônio José.”

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Já Douglas Cole Libby (LIBBY, 1988) analisando fontes cartográficas e recenseamentos feitos em toda a província de Minas no século XIX, a partir do material encontrado no Arquivo Publico Mineiro, compôs um gráfico explicitando a distribuição das propriedades de escravos pelas regiões mineiras para o período de 1831 a 1840.

No que se refere ao Triângulo mineiro como um todo, aponta o autor: “Apenas três fazendeiros, ou menos, possuíam um

numero de escravos igual ou superior a 30, um ou dois fazendeiros possuíam de 21 a 30 escravos, cinco fazendeiros poderiam possuir de 11 a 15 escravos, 27 fazendeiros de 3 a 5 escravos, e 29 ou 30 pessoas apenas 1 escravo. A maioria das propriedades onde estes escravos trabalhavam eram destacadas pelas denominações de terras de culturas e campos de criar, onde as primeiras eram “assim chamadas por serem as mais apropriadas aos cultivos de subsistência, por causa da sua fertilidade natural” e as segundas por se referir “às áreas usadas para o pastejo”

A documentação analisada pelo NEEMG referente ao Pontal do Triângulo Mineiro corrobora para afirmarmos que toda esta região mineira estava plenamente inserida – considerando as características próprias de cada localidade – na economia mercantil de subsistência que caracterizava os gerais, mas também produzindo para o mercado interno com mão-de-obra escrava em fazendas de pequenos e médios plantéis de escravos.

A unidade produtiva mineira, sobretudo nas gerais, caracterizava-se pala diversidade produtiva, encontrando-se na mesma propriedade, a lavoura, o engenho e a produção de produtos industrializados em média ou pequena escala, como o queijo, fios, couros, entre outros produtos.

A região, como várias outras de minas Gerais, era composta, na sua maioria, por pequenos e médios plantéis de escravos, empregados nas mais

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diversas atividades de caráter rural e urbano, ou empregados em atividade fabris.

Dentre estes escravos encontramos os que possuíam ofícios como pedreiros, carpinteiros, serventes, doceiras, costureiras. Geralmente o ofício denominava o escravo, como era o caso de “João pedreiro, crioulo, filho de

Eva, de nação, e Marcio de Angola”5.

Libby (LIBBY, 1988) destaca que a paisagem mineira neste período estava repleta de lares voltados para a produção doméstica de fios e panos, de oficinas artesanais de todo tipo, de pequenas e médias manufaturas e até pequenas fábricas de couro e de tecidos.

Embora ainda não seja possível delinearmos os números da escravidão para o Pontal do Triângulo Mineiro, a documentação revela que a população escrava na região era bastante significativa, uma vez que aparecem em abundancia nos registros de batismo, de matrimônio e de mortes dos livros de registros paroquiais da região.

Também ainda não foi possível delinear com precisão os mercados abastecedores de escravos para o Pontal do Triângulo mineiro. A bibliografia indica que os plantéis da região eram abastecidos pelo comércio interno inter-regiões, principalmente oriundos da região mineradora que, por sua vez, enfrentava a decadência da mineração do ouro e demais metais preciosos a partir da metade do século XVIII. Entretanto, encontramos registros de escravos africanos, adultos, batizados em Campo Belo, atual Campina Verde, na primeira metade do século XIX. Como foi o caso do escravo Marcio, batizado em 1836:

“Aos vinte dias do mês de setembro de mil

oitocentos e trinta e seis baptizei a Marcio africano adulto de pais desconhecidos, foram padrinhos Maria Crioula e José de Nação”6

5 1º. livro de atas da igreja matriz de Nossa Senhora das Graças do Campo Belo, 1873, p.31

61º. livro de registros de batismos da capela de Nossa Senhora das Graças do Campo

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O primeiro batizado de escravo registrado no primeiro livro de batismo existente em Ituiutaba, foi o de Martiana, filha de Victoria, escrava de Joaquim Alves Duarte, realizado no dia 16 de Outubro de 1849. Este batismo foi realizado possivelmente na segunda capela existente na pequena aldeia de São José do Tijuco nas proximidades do Córrego do Carmo.

Analisamos também documentações eclesiásticas do município de Campina Verde, antiga Monte Belo, que também se localiza no Pontal do Triangulo Mineiro. Lá, o registro mais antigo de batizado e casamento de escravos datado do ano de 1835, é de João, filho legitimo de Pedro Congo e Luiza Angola, ambos escravos da ordem dos Lazaristas, religiosos que foram agraciados pelo rei a com uma sesmaria no território do Campo Belo em 1826.

Sabemos que estes escravos acima citados eram casados, pois no registro de batismo o filho aparece como legitimo, termo que somente consta em tais registros se os pais forem casados na Igreja.

Analisando outros registros de casamentos de escravos da mesma ordem religiosa e de outros senhores da região de Campina Verde e de Ituiutaba, é possível sugerirmos que havia um significativo número de matrimônios entre escravos na região, uma vez que os seus respectivos matrimônios aparecem registrados em uma média próxima aos registros de casamentos do restante da população.

O maior número de matrimônios entre escravos era característica comum nas regiões de propriedades de pequeno e médio porte como a região do Sul de Minas, sendo mais escassos em regiões de grandes plantéis.

Os livros de registros de óbitos de escravos referentes á paróquia de São José, atual Ituiutaba, trazem assentamentos de morte de escravos com singularidades que levantam questionamentos em torno das causas de mortes de escravos na região:

“No dia 15 de fevereiro de 1886 no cemitério

publico desta igreja matriz, foi sepultado o cadáver de Beatriz escrava de Antônio Teófilo,

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solteira com idade de 17 anos morrendo de moléstia desconhecida” 7

A escrava Beatriz tinha somente 17 anos e morreu de moléstia desconhecida. Outros casos como estes apareceram na documentação. A grande oscilação entre a idade dos mortos, entre 16 e 35 anos de idade, e a grande diversidade de causa-morte, sugere que não havia um padrão de idade para a morte de escravos ou mesmo a predominância de uma determinada causa.

O que pode ser explicado, em partes, pelo fato da região ser composta, na sua grande maioria, por pequenos e médios plantéis e grande diversidade produtiva, não havendo, portanto, como em região de monocultora exportadora em larga escala ou até mesmo nas regiões de mineração, padrões para idade e causa-morte.

Mas se tratando de mortes de escravos em plena idade produtiva, tudo leva a supor que se tratava da violência aplicada nos castigos físicos. Apesar de os castigos violentos serem comuns, o clero se limitava a não relatar o que verdadeiramente tinha ocorrido quando registravam os óbitos nos livros de registros. O que pode ser explicado pela sua dependência em relação aos senhores para a manutenção das suas paróquias. Assim, relatavam algo próximo ao ocorrido que não comprometesse o dono do escravo “falecido”.

Uma carta de autoria do bispo diocesano de Goiás, emitida em 1875, encontrada no segundo livro tomba de Ituiutaba, e destinada ao clero da região, orientava como deveriam ser tratados por parte do clero casos referentes a escravos e senhores em todos os aspectos. E a orientação era clara: deveriam se limitar ao silêncio. Assim garantiriam que tais fatos passassem sem maiores alardes e conseqüências para a Igreja8.

A Igreja sempre se mostrava conivente com a escravidão também na região, inclusive possuindo um significativo número de escravos. Os registros

7 1º. livro de óbitos da igreja matriz de São José do Tijuco, p.11 8 1º. livro tombo da igreja matriz de são José do Tijuco, 1884, p.54

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de matrimônios e batismos de Campo Belo, atual Campina Verde, revelou que a ordem religiosa que se lá se estabeleceu, possuía pelo menos 10 escravos.

O padre Antônio Dias de Gouvêa que migrou para a região do pontal em 1832, e foi o primeiro vigário das cidades de Prata e Ituiutaba, adquirindo aqui pelo menos três sesmarias, sendo uma no espraiado (região entre Canápolis, Prata e Ituiutaba), onde fixara sua residência.

Camilo Chaves (CHAVES, 1948, P.199), memorialista da região, que colheu memórias na revista Acaica, de sua autoria, narra um trecho da vida do padre Antônio Dias de Gouvêa:

“(Antônio Dias de Gouvêa) Mantinha no

Espraiado uma criação de negros de raça, excelentes para as fainas agrícolas, que lhe rendiam um bom lucro, aplicando métodos de seleção pouco ortodoxos. Faleceu em 1863, aos 73 anos de idade, com inventário no cartório do Prata.9

Ainda não foi possível examinar o testamento do padre Gouvêa, mas sabe-se que o mesmo possuía um numero considerável de escravos. Inclusive porque quando veio para a região, padre Antônio e seus sobrinhos já trouxeram consigo ao menos 15 escravos. Sendo de família abastada, como é sabido, provavelmente adquiriu muitos outros, até com certo grau de instrução como também narra Camilo Chaves (CHAVES, 1948, P.212):

“Dois macróbios, escravos do Pe. Gouvêa –

André e Policarpo ajudavam missa em latim e faziam tanta coisa interessante, inclusive narravam memórias excelentes sobre os fatos da época”10

9 CHAVES, Camilo. Revista Acaiaca, Ituiutaba, 1948. 10 Idem

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II. Documentação: liberdade e paternalismo.

A documentação analisada, sobretudo os inventários póst mortem encontrados no Arquivo Público de Uberaba, aponta que no Triangulo Mineiro, como em outras regiões, as cartas de Alforrias eram negociadas sob as mais diversas condições: o escravo “receberia” a liberdade após a morte de seu dono sob condições previamente estabelecidas; após um prazo pré-fixado ou pela compra de sua própria carta de alforria.

Como revela a historiografia sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870), foi grande a participação dos escravos nesta guerra, enviados para substituir seus proprietários. Camilo Chaves (CHAVES, 1948, P.220) relata um caso especifico no pontal:

“São José do Tijuco não ficou fora da guerra

de Lopes. Entre outros, a memória dos conterrâneos guarda o nome de João Messias, filho de João Felizardo e de Maria Clara, a raça negra não deixou de se representar. Sorocaba, escravo da família Vilela, saio da fazenda do serrado, no Campo Belo, e lá esteve, voltando para contar façanhas”11

Neste caso, acredita-se, o escravo conseguiu sua alforria, mas a documentação revelou que, também no Triângulo mineiro, foram raras as cartas de liberdade conseguidas sem alto custo para os libertos.

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Sugerindo, que, também na região, este processo foi controlado pela classe senhorial brasileira, principalmente no final do período escravista. Os senhores proprietários souberam administrar muito bem estas alforrias como forma de controle sobre o fim da escravidão sem ameaçar a ordem econômica e social. Conseguindo associar as alforrias á um paternalismo controlador que lhes garantiram o controle social sobre os libertos e sobre o sistema produtivo durante muito tempo.

III. Documentação e religiosidade: a Irmandade do Rosário

A Irmandade do Rosário, com data de fundação ainda não encontrada por nossa pesquisa, existia já na época do padre Fortunato, com a criação da Freguesia de São José do Tijuco em 1866, quando encontramos mais de uma referência e relatos da Festa do Rosário no Livro Tombo da igreja matriz de São José do Tijuco. Esta irmandade era conhecida popularmente como Irmandade dos Irmãos Pretos de Nossa Senhora do Rosário. Camilo Chaves (CHAVES, 1948, P.227) afirma que:

“Os escravos, sempre descalsos- símbolo da

escravidão- tinham o dia de sábado para trabalhar em proveito próprio, quando pertenciam a senhores esclarecidos. Escravos e negros libertos ergueram com sacrifício uma capela, também no largo, do lado oposto da matriz.” 12

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Com a chegada de Cônego Ângelo Tardio Bruno no arraial, em 1882, e por ocasião da visita do bispo, em 1884, é tomada a decisão de demolir a capela de Nossa Senhora do Rosário. Cônego Ângelo descreve-a ao bispo como estando em péssimo estado de conservação, e pede ao mesmo autorização para derrubá-la, alegando que havia um altar dedicado a Nossa Senhora do Rosário na igreja matriz.

Sabemos, por meio de relatos dos cronistas, que na ocasião houve uma confusão seguida de tiroteio na cidade, danificando ainda mais a capela que já estava em mal estado de conservação. Com a permissão do bispo a capela onde se reunia a irmandade do Rosário foi demolida no mesmo ano.

A carta pastoral emitida por ocasião desta visita e que se encontra anexada ao primeiro livro tombo da região, narra que no ano em que a capela foi demolida os membros da irmandade, a maioria escravos, manifestando sua revolta, não compareceram á procissão e ao terço rezados por Cônego Ângelo por ocasião da festa do Rosário, ocasião em que se fazia também a coroação do Rei do Congo. Ao que o padre respondeu ameaçando acabar com os festejos caso não comparecessem na festa do próximo ano13

IV. Documentação: Violência e resistência

Também na região do Triângulo Mineiro os escravos não aceitaram a escravidão passivamente, sendo que os meios de resistência eram vários, como fugas e/ou assassinatos de senhores. Jornais do século XIX, como a

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Gazeta de Uberaba traziam notícias neste sentido. Hildebrando Pontes, em seu

livro Vida, Casos e Perfis (1992:55), escreveu:

“(...) Em 1849, na vila de Uberaba, à Rua Direita, atual

Vigário Silva, morava o popular cidadão Francisco José Corrêa, viúvo de D. Josepha Rosa Bueno, em companhia dos pequenos Manoel e Maria, de 13 e 9 anos, seus filhos, e os escravos Vicente, africano quase sexagenário, Maria e Rita, a primeira destas mulher e a última filha do mesmo Vicente. Rita, solteira, mãe das menores Joaquina e Theresa, era amante de Manoel Tico, conhecido ainda por Tico-Tico, ou simplesmente Tico, escravo foragido de Manoel Pereira. De tempos, àquela parte, os dois amantes conceberam o tenebroso plano de assassinar a Francisco José Corrêa. Guardando no peito profundo ódio por maus tratos e ameaças deste recebidos, Tico jurava vingar-se, tão logo a ocasião se lhe mostrasse propícia.

Assim, valendo-se da ausência de Vicente que viajara a cavalo naquele dia, combinou com Rita a vingança para logo à noite. De fato, lá pela alta madrugada do dia seguinte, 4 de janeiro de 1840, guiado pela amante, Manoel Tico penetrou no quarto de Corrêa, que dormia tranqüilo, e com o olho de machado que trazia, deu diversas pancadas na cabeça do senhor de sua amásia e em seguida se retirou para o quintal da casa, escondendo-se.(...)”14

Embora este caso seja do município de Uberaba, pode também ser representativo das formas de resistências á escravidão na região como um todo, pois é sabido que houve casos de ações contra senhores por parte de 14 PONTES, Hildebrando. Vida, Casos e Perfis, 1992.

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escravos também no Pontal. Não sendo possível, entretanto, delinearmos tais aspectos na documentação eclesiástica, pois, como já foi analisado, além da especificidade desta documentação, casos de violência envolvendo senhores e escravos tendiam a serem “filtrado” nesta documentação.

IV. Documentação, sociabilidades e resistências.

Sabemos também, que os senhores preferiam escravos de nações diferentes para dificultar resistências a partir da formação de grupos de identificação étnico-liguística ou por regiões de origem, e mesmo as reuniões festivas, apesar de permitidas por seus senhores, eram vistas com apreensão. Esta também era uma preocupação da municipalide, e os dirigentes municipais criaram leis e Códigos de Posturas neste sentido, como as leis de 1857 e 1867 das cidades de Uberaba e do Prata respectivamente, encontradas nos Livros de Atas das suas Câmaras Municipais. Sendo Ituiutaba, neste período, distrito da cidade do Prata valiam também as mesmas leis municipais:

“(...) § 5º do Título 1º

Art. 60 – É proibido aos escravos:

§ 1º - os jogos de qualquer qualidade.

§ 2º - os ajuntamentos e reuniões a título de festas ou quimbetes, sem autorização da autoridade competente.

Art. 61 – Às pessoas livres achadas jogando com

escravos será imposta a multa de 20$000 réis e cinco dias de prisão.

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Art. 63 – É proibido comprar de escravos, mantimentos

ou quaisquer gêneros de lavoura ou outro sem consentimento de seus senhores. Aos contraventores será imposta a multa de 10$000, e oito dias de prisão, além das penas em que podem ter encorrido. É proibido debaixo das mesmas penas guardar objetos furtados por escravos.

Art. 64 – É proibido:

§ 1º - fingir de inspirado e predizer futuros.

§ 2º - intitular curador de enfermidades, por meio de encantos, feitiços e orações.

Art. 68 - É proibido aos escravos, andarem pelas ruas a

qualquer pretexto sem bilhete de seus senhores, depois do toque de recolher. Os escravos achados nas ruas serão presos e recolhidos à prisão até serem reclamados pelos seus senhores, a que se avisará e serão obrigados as despesas feitas com tratamento e aviso. (...)

§ 7º do Título 1º

Art. 102 – São proibidos absolutamente:

§ 1º - as danças denominadas batuque dentro da cidade. § 2º - os quimbetes ou reuniões dançantes de escravos do mesmo sexo ou de sexos diferentes. Aos contraventores será imposta a multa de 10$000 réis e cinco dias de prisão e sendo escravos serão presos e recolhidos a cadeia para serem entregues a seus senhores que pagarão as despezas feitas com alimentação e aviso.

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Art. 103 – São proibidos os ajuntamentos de escravos de

mais de três em conversações secretas, os que forem achados em tais reuniões serão presos e recolhidos à prisão. (...)

Sabemos que as proibições revelam as práticas. Assim, a documentação revela sujeitos atuantes, realizando suas práticas de sociabilidades, religiosidade e resistências, forçando limites e fronteiras do sistema escravista.

Conclusão

A documentação permite cotejar, mesmo que indiretamente, alguns problemas da historiografia tradicional no tocante á província de Minas gerais. Questionamentos já feitos por LIBBY, (LIBBY, 1988), entre outros, no tocante ás representações de opulência e pobreza em torno da Capitania de Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX.

Segundo estas representações, nos século XVIII a região teria se tornado a capitania do ouro, rica; Da economia dinâmica e do processo de povoamento com fortes traços urbanos. Principal região de sustentação do regime colonial. E, no século XIX, tornado-se a província da decadência, da estagnação econômica, da dispersão demográfica e ruralizante, em meio à volta de atividades simples, da marginalização daquilo que restou ao longo do século XVIII. Portanto, esta historiografia construiu a representação da província rica e próspera do século XVIII em oposição à província pobre e decadente do século XIX, resultado e conseqüência do declínio da mineração.

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O autor considera errônea e distorcida esta construção, que atribuiu ao século XIX mineiro uma falsa decadência econômica e social. Questionando como poderia uma economia estagnada, entregue aos miasmas da produção para o auto-consumo, sustentar a maior população provincial do Brasil e maior plantel de escravos de todas as unidades do Império ao longo do século XIX ?

A documentação eclesiástica existente no Pontal do Triângulo Mineiro corrobora também, além destas, com outra conclusão do autor, ou seja, o crescimento demográfico da província de Minas Gerais no século XIX, embora nada espetacular, foi constante. Incluía, pelo menos desde a década de 1810, o firme aumento do contingente mancípio, tendência esta que parece ter continuado por duas décadas após o término do tráfico negreiro internacional, afirma o autor. Realidade que vislumbramos também para o Pontal do Triângulo Mineiro..

Bibliografia:

• AZEVEDO, C. M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites (século XIX). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

• CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais. Produção rural e mercado interno de Minas Gerais 1674-1807, Juiz de Fora, Editora UFJF, 2006.

• LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. A Oeste de Minas. Escravos, índios e homens livres numa fronteira oitocentista. Triângulo Mineiro 1750-1861. Uberlândia, Edufu, 2005.

• CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

• FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade. Campinas, Editora Unicamp, 2006

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• FREITAS, M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1997.

• LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX. Brasiliense, São Paulo1988.

• OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Negócios de Famílias. São Paulo, Edusc, 2005

• REIS, Jõao José. Liberdade por um fio. São Paulo, Cia. das Letras, 1966

Fontes.

- Revista Acaiaca, Camilo Chaves, 1948.

- Arquivo, Boletim Informativo do Arquivo Público de Uberaba, março 1995, nº 6, p.78.

- Fatos e Homens. Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1971. - Hildebrando Pontes, Vida, Casos e Perfis, 1992.

- Livro de atas da igreja matriz de São José do Tijuco, 1882.

- Livro de atas da igreja matriz de Nossa Senhora das Graças do Campo Belo, 1871.

- 1º. livro de registros de batismos da igreja matriz de São José do Tijuco 1849. - 1º. livro de registros de batismos da igreja matriz de Nossa Senhora das Graças do Campo Belo,1835.

- 1º. livro de registros de óbitos do cemitério publico da igreja matriz de São José do Tijuco, 1884.

(19)

- 1º. livro de registros de batismos da capela de Nossa Senhora das Graças do Campo Belo,1836, p. 9.

- 1º. livro de óbito da Igreja matriz de São José do Tijuco, p.11

Referências

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