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Eu não fui formada pra isso : representações sociais de professores sobre inclusão, diferenças e infância(s)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

CRISTIANE PEROL DA SILVA

"EU NÃO FUI FORMADA PRA ISSO":

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES

SOBRE INCLUSÃO, DIFERENÇAS E INFÂNCIA(S)

CAMPINAS

2018

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CRISTIANE PEROL DA SILVA

"EU NÃO FUI FORMADA PRA ISSO":

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES

SOBRE INCLUSÃO, DIFERENÇAS E INFÂNCIA(S)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Heloisa Andreia de Matos Lins

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CRISTIANE PEROL DA SILVA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. HELOISA ANDREIA DE MATOS LINS.

CAMPINAS 2018

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

"EU NÃO FUI FORMADA PRA ISSO":

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES

SOBRE INCLUSÃO, DIFERENÇAS E INFÂNCIA(S)

Autor: Cristiane Perol da Silva

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Heloisa Andreia de Matos Lins Profa. Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet Profa. Dra. Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Para os(as) professores(as) que lutam diariamente por uma educação para todos.

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Agradecimentos

Agradeço a Professora Drª. Heloisa Andreia de Matos Lins por todo o conhecimento compartilhado desde que nos encontramos em 2012. Desde então ela tem me instigado a ampliar meu olhar, a desterritorializar o pensamento. Pelo tempo dedicado a mim e a este trabalho.

As professoras que compoem a banca examinadora deste estudo: Professora Drª. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (UNICAMP), Professora Drª. Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo (UFSJ) e aos membros suplentes Professora Drª. Maria Aparecida Guedes Monção (UNICAMP), Professora Drª. Ana Laura Godinho Lima (USP).

Aos meus pais, Ana e Vaete, pelo incentivo e apoio de sempre.

Aos meus irmãos Luis e Maisa por me animar nas horas difíceis. De modo especial agradeço Maisa, que chegou sem avisar nos minutos finais desta pesquisa e com sua alegria me incentivou. Por me ajudar a lembrar da criança que carrego.

Ao Renan por acreditar em mim mais do que eu mesma em muitos momentos. Pela parceria e cumplicidade que temos experimentado juntos.

Ao colégio em que trabalho pela colaboração durante o mestrado.

As minhas colegas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, Maria Salomé Soares Dalan, Janaina Cabello, Elisande de Lourdes Quintino de Oliveira e Tais Aparecida de Moura pela troca de conhecimentos e contribuições para este trabalho.

A professora Andréia Silva Abbiati que leu o meu projeto inicial de mestrado. Agradeço pela disponibilidade e pelo incentivo.

De modo especial, agradeço as professoras que se dispuseram a participar deste estudo.

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"[...] esta escrita não sabe onde vai chegar, mas sabe que não pode chegar a parte alguma porque não há onde chegar, porque o mais interessante sempre está no meio, nunca no início ou no fim. De modo que para mover-nos escrevemos e para escrevermos nos movemos." (KOHAN, 2002, p. 124).

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RESUMO

Este estudo investigou as representações sociais (RS) sobre inclusão e diferenças de professoras que atuam na Educação Infantil, com crianças de 4 a 5 anos de idade, em duas escolas de um município próximo à Região Metropolitana de Campinas/SP. Teve como objetivo identificar as RS sobre inclusão e diferenças que as professoras mostravam possuir e problematizá-las junto as participantes através de grupos focais e entrevistas, de modo a observar como as reflexões propostas pela pesquisadora poderiam contribuir para a (res)significação das representações em torno da temática abordada. Através das narrativas das professoras, compreendidas a partir da abordagem de análise de conteúdo e de uma proposta cartográfica, observou-se que há uma relação direta entre as representações sociais de inclusão e diferenças e as RSdas crianças, infâncias, normalidade/anormalidade (na escola e fora dela). Tendo como foco analítico central as referências da filosofia da diferença, concebe-se que, na fala das participantes, a infância aparece tomada por uma tendência prescritiva, determinada pelos adultos. Assim, as narrativas indicam uma representação de infância singular e universal, baseada em etapas de desenvolvimento. Nessa lógica, as participantes indicam ser preciso algum encaminhamento para especialistas do âmbito da saúde, quando as crianças não atingirem os objetivos esperados e definidos temporalmente pela escola. Na busca por avaliações diagnósticas que determinarão o que, como e quando aprender, a infância é patologizada, via de regra. Os laudos médicos ganham importância e as nomeações e classificações parecem ser determinantes para o trabalho com as crianças consideradas diferentes. Assim, a partir dos discursos das professoras, pode-se inferir que, na escola, a inclusãoé pensada e trazida à tona a partir de uma representação social pautada numa concepção de correção e destinada a um grupo de sujeitos: “os deficientes”. Essa RS docente impacta diretamente a formação das crianças, o que acaba por reforçar as relações desiguais de poder na sociedade, originando e alimentando preconceitos e injustiças de outras ordens (sobre gênero, etnia e classe, por exemplo, que não são representadas como elementos “da inclusão” pela escola). Por fim, as representações sociais parecem ter se mantido como antes da intervenção feita pela pesquisadora, apesar de as professoras dizerem que as discussões ajudaram a pensar sobre os temas em pauta.

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ABSTRACT

This study investigated the social representations (RS) about inclusion and differences of teachers who work in child education, with children from 4 to 5 years old, at two schools of a town close to the Metropolitan region of Campinas/SP. It had as its goal to identify the RS about inclusion and differences that the teachers showed to possess and problematize them together with the participants through focus groups and interviews, so to notice how the proposed reflections by the researcher could contribute to the redetermination of the representations on the subject addressed. Through the narrations of the teachers, comprehended from the approach of content analysis and from a cartographic proposal, it was noted that there is a direct relationship between the social representations about inclusion and differences and the RS about children, childhood, normality/abnormality (at school and out of it). Having as the central analytic focus the references of the philosophy of difference, it is conceived that, in the speech of the participants, childhood appears taken by a prescriptive tendency, determined by adults. Thus, the narrations indicate a singular and universal childhood representation, based on development stages. In this logic, the participants indicate if any routing to specialists in the field of health is necessary, when the children don‟t achieve the expected and previously defined goals by the school. In the search of diagnostic evaluations that would determine what, how and when to learn, childhood is pathological, as a rule. The medical reports gain importance and the nominations and classifications seem to be determinant for the work with the considered different children. So, from the speeches of the teachers, it can be inferred that, at school, the inclusion is thought through and brought to light as from an interlined social representation in a correction framing and intended for a group of subjects: “the disabled”. This teacher RS impacts directly on the formation of the children, which reinforces the unequal relations of power in society, originating and feeding prejudices and injustices of other orders (about gender, ethnicity and class, for example, which are not depicted as “inclusion” elements by the schools). Ultimately, the RS seem to have sustained the way they were before the intervention done by the researcher, even though the teachers said that the discussions helped to think about the topics on the agenda.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 11

O abandono das roupas usadas: veredas de uma travessia ... 12

Percursos de um "caminho interrogativo" ... 17

A pesquisa de mestrado: delineamentos ... 27

1 Entrelaçando conceitos: representações sociais e infância(s) ... 39

2 Inclusão e diferenças: tendências e representações ... 68

2.1 Igualdade e diferenças: direitos humanos em questão ... 90

3 O (im)possível no campo da inclusão, das diferenças e da(s) infância(s) .... 102

3.1 Em meio às representações sociais ... 104

3.2 Relações racializadas ... 119

3.3 Pensamento de fronteira ... 121

3.4 Considerações para futuras (res)significações ... 127

REFERÊNCIAS ... 132

ANEXOS ... 141

ANEXO A - Levantamento de trabalhos acadêmicos: observando tendências .... 141

ANEXO B - Carta enviada à Prefeitura Municipal da cidade pesquisada ... 147

ANEXO C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ... 149

ANEXO D - Roteiros dos grupos focais ... 151

ANEXO E - Roteiro das entrevistas semiestruturadas ... 157

ANEXO F - Modelo do formulário de identificação dos participantes ... 160

ANEXO G - Fonte das imagens utilizadas nos grupos focais e entrevistas ... 161

ANEXO H - Grupos focais: transcrições ... 164

ANEXO I - Entrevistas: transcrições ... 271

ANEXO J - Quadros de análise ... 352

ANEXO K - Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp ... 404

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APRESENTAÇÃO

No capítulo introdutório conto um pouco da minha história e daqueles que a habitam. Explicito o objetivo do estudo, falo sobre as indagações que me conduzem ao problema de pesquisa e sobre o método que escolho utilizar para a construção dos dados.

Representações sociais e infância(s) são os temas em destaque no Capítulo 1. Discuto o que Moscovici considera como representação social e destaco os engendramentos sofridos pela infância através de contribuições de autores pós-modernos. Nesse ínterim, destaco a suspeita de que as representações sobre inclusão, diferenças e infância(s) estão entrelaçadas. Além disso, discorro sobre a norma e a normalidade/anormalidade.

No Capítulo 2 apresento algumas tendências encontradas em trabalhos acadêmicos que versam sobre inclusão e diferenças, localizados através de um levantamento realizado no início da pesquisa de mestrado. Retomo também algumas das representações e ressonâncias da pesquisa de conclusão de curso que realizei em 2013. Discuto ainda a potência das possibilidades de ressignificação dos direitos humanos, apontada por autores pós-modernos, para (res)significar inclusão e diferenças.

No terceiro e último capítulo retomo o objetivo do trabalho e explicito algumas (im)possibilidades para os temas em pauta neste estudo.

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O abandono das roupas usadas: veredas de uma travessia

[...] É contando nossas próprias histórias que damos, a nós mesmos, uma identidade. Reconhecemo-nos, a nós mesmos, nas histórias que contamos sobre nós mesmos. E é pequena a diferença se essas histórias são verdadeiras ou falsas – tanto a ficção como a história verificável nos proveem de uma identidade (RICOEUR, 1985, p. 213).

Este estudo intenciona investigar as representações sociais (RS) sobre inclusão e diferenças, de professores que atuam no âmbito da Educação Infantil com crianças de 4 a 5 anos de idade. Tem como objetivo identificar as representações sobre os temas em questão e problematizá-las junto ao grupo de professores participante, de modo a observar como as reflexões propostas podem contribuir para a (res)significação das representações sociais sobre inclusão e diferenças. A busca será realizada a partir do referencial teórico da Psicologia Social, através da Teoria das representações sociais. O propósito nasceu a partir de uma pesquisa anterior, realizada no ano de 2013, durante o meu1 trabalho de conclusão do curso de Pedagogia (TCC). São as indagações suscitadas por esse estudo que me impulsionaram a continuar investigando e problematizando a inclusão e as diferenças.

Gosto muito da frase comumente atribuída a Fernando Pessoa que diz:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma de nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo de travessia; e se não ousamos fazê-la, teremos ficado, para sempre à margem de nós mesmos. (s.n.t.) 2.

Foi com a pesquisa realizada durante o TCC que abandonei as roupas usadas e iniciei o meu tempo de travessia. No referido trabalho, investiguei as representações sociais sobre inclusão e diferenças de gestores e de alguns professores que atuavam em instituições de Educação Infantil que atendiam

1 Optei por construir meu texto narrando na primeira pessoa do singular. Ressalto que isso não desconsidera a interlocução sempre presente da minha orientadora, a Professora Heloisa Andreia de Matos Lins, cuja voz está também presente nas linhas e entrelinhas desse texto, assim como as vozes de tantos outros interlocutores.

2 Esta frase que tanto gosto aparece também no capítulo introdutório do trabalho de conclusão do curso de Pedagogia (SILVA, 2013), na narrativa em que me apresento enquanto professora em formação/pesquisadora.

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crianças de 0 a 3 anos de idade. Na ocasião, foi possível observar que as representações dos participantes da pesquisa eram marcadas por uma ideia de "normalidade" e que a diferença era geralmente concebida a partir de marcas físico-biológicas, sensoriais, afetivo-sexuais e/ou econômico-sociais (SILVA, 2013). Entre os participantes evidenciou-se uma tendência de "hierarquizar" as diferenças, pois estes pareceram considerar "[..] mais fácil lidar com algumas das marcas destacadas do que com outras", fazendo "[...] com que algumas delas se desdobrem mais claramente em desigualdade." (SILVA, 2013, p. ix). Ao término do estudo, indicou-se a necessidade de se explorar mais as representações sociais do grupo de professores sobre as temáticas abordadas, de modo a ir além do que foi percebido e analisado. Naquela ocasião, devido ao tempo disponível para a realização do trabalho, foi observado apenas um encontro entre o grupo de docentes de uma das creches participantes e a psicóloga da rede municipal de educação3.

A pesquisa realizada me levou a esquecer os caminhos que me levavam sempre aos mesmo lugares, como disse o poeta. Mesmo com a finalização do trabalho, algumas indagações ainda ficaram por ser mais exploradas e, com o passar do tempo, outras questões foram surgindo: como a inclusão e as diferenças aparecem nas representações dos professores para além do que conseguimos compreender inicialmente? Aparecerão elementos novos explicitados por aqueles que trabalham diretamente com as crianças? As representações evidenciadas pelos gestores serão mantidas/reiteradas nas representações dos professores? Que possíveis impactos nas práticas/narrativas os estudos realizados nessa seara, principalmente no campo da educação, podem suscitar? A partir dos dados construídos na pesquisa de 2013, passei a refletir também sobre as minhas ideias em torno dos temas pesquisados: afinal, como eu mesma concebo a inclusão e as diferenças? Quais são as minhas representações sociais sobre a temática que pauta este estudo? Percebi, como relato em partes deste capítulo, que as minhas representações estavam também presentes no estudo realizado e o conduziram e construíram, à medida em que nortearam meu olhar sobre os temas em pauta. A partir desses questionamentos e dos dados construídos durante o TCC, ficou clara para mim a necessidade de ir além das ideias de inclusão e diferenças concebidas a partir de um ideal de "normalidade", pautadas em marcas físico-biológicas,

3 As repercussões da pesquisa anterior serão mais bem apresentadas e discutidas no segundo capítulo deste trabalho.

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sensoriais, afetivo-sexuais e/ou econômico-sociais (SILVA, 2013). Mas, como fazer isso? Como pensar a inclusão e as diferenças para além do que já foi pensado? O que dizer para além do que já foi dito?

A partir de tais interrogações e da necessidade de explorar mais as representações sociais dos professores, surgiu a intenção que constitui a atual pesquisa de ir além do que se conseguiu inicialmente, aprofundando as análises, aprimorando o método, abordando a inclusão e as diferenças, a partir de temas atuais e de políticas públicas em vigor, de modo a captar as representações que os professores possuem sobre os temas em questão e problematizá-las junto ao grupo. Diante dessa intenção e do caminho interrogativo que fui trilhando, me debrucei sobre a complexidade dos temas em pauta neste estudo. Nessa busca por ir além, ao questionar o que estava posto, me deparei com autores que apresentam reflexões em torno da temática, a partir do viés pós-moderno (mais destacadamente na filosofia da diferença). Segundo Costa M. (2002), na pós-modernidade "Os sistemas explicativos, as verdades estabelecidas, as metanarrativas colocam-se sob completa suspeição." (COSTA M., 2002, p. 145). A suposição de que há uma ordem universal, o modelo de racionalidade, a ideia de sujeito, os grandes sistemas explicativos e totalizantes, a supremacia do Homem, uma cultura a partir da qual as demais são inventadas e nomeadas, são algumas das elaborações modernas que são contestadas (COSTA M., 2002). Nas ideias situadas na pós-modernidade, encontro inspiração para pensar a inclusão e as diferenças como objetos complexos, multifacetados, escorregadios, que vão se fazendo e desfazendo, à medida que vou pesquisando. A partir da ótica pós-moderna, Costa M. (2002) diz que "Pesquisar é um processo de criação e não de mera constatação. A originalidade da pesquisa está na originalidade do olhar. [...] O olhar inventa o objeto e possibilita as interrogações sobre ele." (p. 148).

Assim, os conhecimentos produzidos no âmbito da pós-modernidade vêm de encontro a alguns dos questionamentos que vinha fazendo e me inspiram a criar caminhos alternativos para seguir na busca pelas RS sobre inclusão e diferenças. Com isso, abrem-se possibilidades de criação, tanto nos aspectos metodológicos quanto na organização da pesquisa.

No sentido de questionar - desconfiar do que é considerado como verdade - a organização, elaboração, criação e apresentação deste trabalho ao

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leitor, assume essa perspectiva de suspeita4. A forma como o método é construído para revelar as representações sociais5 sobre inclusão e diferenças e também o modo como os capítulos são organizados e construídos, fogem, em muitos âmbitos, dos modelos tradicionais acadêmicos, mas sem abandonar a coerência e o chamado "rigor" científico.

Sendo assim, em conjunto com a Teoria das representações sociais, na atual pesquisa, parto do pressuposto de que, em sua multiplicidade de manifestações e nomenclaturas, a diferença se revela a nós como algo não-familiar, estranho; ao buscar as RS de professores sobre inclusão e diferenças, observei as formas como a escola tem lidado com esse algo estranho na tentativa de torná-lo familiar. Pensando num outro que foi "inventado, produzido, fabricado" (SKLIAR, 2003b) ao longo da história6, no decorrer desta pesquisa questiono alguns termos que costumam surgir quando se fala em inclusão e diferenças. É por conta de tal posicionamento que algumas expressões aparecem entre aspas no decorrer do texto ou precedidas de palavras que questionam a forma como são nomeadas. Isso ficará mais claro à medida que os interlocutores que me inspiram a pensar inclusão e diferenças forem evocados, no decorrer dos capítulos.

Ao investigar as representações dos professores, procuro não fazê-lo de modo ingênuo. Segundo Spink (1993):

[...] as representações, sendo sempre representações de um sujeito sobre um objeto, não são nunca reproduções deste objeto. [...] as representações são interpretações da realidade. Dito de outra forma, a relação com o real nunca é direta; é sempre mediada por categorias histórica e subjetivamente constituídas. (p. 304).

A partir disso e tendo percebido a influência que tiveram no trabalho realizado em 2013, apresento minha pesquisa consciente de que as minhas representações estão presentes neste estudo. É a partir delas que faço perguntas, que olho para os discursos dos professores, que proponho reflexões. Elas são as minhas interpretações da realidade. Nesse sentido, o que apresento neste trabalho sobre inclusão e diferenças tem o intuito de gerar reflexão e indicar possíveis

4 Segundo Santos (2013, 2014), hermenêutica da suspeita. 5 Falarei mais a respeito no subtópico 2 desta sessão.

6 Alguns exemplos de referenciais teóricos que contribuíram e que são utilizados no decorrer do trabalho nas reflexões a respeito da inclusão e das diferenças: Duschatzky, Skliar (2011); Moscovici (2009); Placer (2011); Skliar (1997, 2003, 2006); Veiga-Neto (2001).

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tendências e sentidos, sem a pretensão de instituir verdades sobre os temas em pauta. Assim como diz Marisa Vorraber Costa, este trabalho é "[...] um território singular, criado por um olhar próprio e, portanto, não representa aproximação da verdade, mas uma de suas múltiplas possibilidades." (COSTA M., 2007a, p. 9).

Ao apresentar minha pesquisa, o faço consciente de que existem muitos âmbitos dos temas aqui discutidos que não serão abordados, uma vez que optei por observar e dar relevância às linhas que por mim se destacavam nesta proposta de cartografia7, considerando que a temática é complexa e ampla.

É pensando no que Spink (1993) explicita sobre a relação que temos com o real que, na seção seguinte, conto e reconto um pouco da minha história, consciente de que, ao contá-la, reconheço-me nela e dou a mim mesma uma identidade, como diz Ricoeur na epígrafe que abre este capítulo.

De acordo com Cunha (1997), a performance do professor é construída a partir de inúmeras referências: "Entre elas estão sua história familiar, sua trajetória escolar e acadêmica, sua convivência com o ambiente de trabalho, sua inserção cultural no tempo e no espaço." (n.p.). A narrativa que apresento na sequência, é também uma rememoração de algumas das referências que constroem minha performance de professora que, aos poucos, foi se transformando na professora-pesquisadora que hoje sou. Parte dessa trajetória foi contada no já mencionado trabalho de conclusão do curso de Pedagogia (SILVA, 2013). Porém, o que exponho na sequência, surge da proposta que me faço de revisitar minhas travessias, relembrar outros eventos significativos que me impulsionam a seguir o caminho que venho construindo para chegar até aqui, entendendo o que Heráclito de Efeso tão bem explicita: "Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é mais o mesmo. Assim como as águas já serão outras." (s.n.t.).

Assim, ao revisitar as memórias registradas no TCC (SILVA, 2013), faço-o entendendo que tais lembranças já se modificaram e que minha forma de vê-las e interpretá-las também mudou. É por isso que nessa etapa de reconstrução, apresento minhas narrativas através de problematizações, questionamentos, lançando novos olhares sobre elas e trazendo os diversos agentes que fazem parte de minha performance.

7 Ver mais em: Ribeiro (2016); Costa, L. B. (2014); Tedesco, Sade, Caliman (2013); Oliveira, Paraíso (2012).

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Percursos de um "caminho interrogativo"8

Compor uma fotobiografia [...] significa mergulhar mais profundamente na intimidade e nos segredos dos baús, das malas, das páginas dos álbuns, dos quadros, dos porta-retratos, das caixinhas e gavetas, das carteiras e bolsas, em suma, dos arquivos ditos "de família". É adentrar no anonimato de uma fotografia que até então estava depositada estritamente no contexto da vida privada, repousando no ambiente das relações familiares. (BRUNO, 2012, p. 92).

Fonte: a autora 2017, a partir de arquivo pessoal9.

8 O uso da expressão "caminhos interrogativos" é inspirada por Fischer (2002) que a utiliza em um de seus escritos. A autora é uma das referências deste trabalho e o termo que utiliza me inspirou na construção desta seção.

9 A "montagem" de fotos que abre esta seção é inspirada no trabalho com fotobiografias de Bruno (2012) que explorou o "trabalho da memória" na velhice. O estudo da autora influenciou a construção do método da pesquisa de TCC (SILVA, 2013) e é fonte de inspiração para o atual trabalho. Conforme explicitarei nos próximos capítulos, as imagens tem grande importância para o meu estudo. Por isso, quis me aventurar a apresentar um pouco da minha história dessa forma, na tentativa de esboçar memórias e quem sabe rascunhar uma fotobiografia. Cada uma das imagens representa algum dos fatos ou períodos que apresento na narrativa a seguir.

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Nasci, cresci e ainda vivo numa cidade do interior de São Paulo, localizada próxima a região metropolitana de Campinas, na mesma casa desde quando eu nasci. Meus pais, migrantes, vieram de lugares diferentes do país: meu pai, nordestino do Rio Grande do Norte, parte de uma família grande, de mais de onze irmãos; minha mãe, paranaense de Lupionópolis, foi filha única por muito tempo10. Vieram ainda crianças junto com suas famílias, em busca de trabalho.

Dos onze filhos que meus avós paternos, analfabetos, tiveram, três chegaram ao ensino superior. Meu pai foi um deles. Sempre conciliando o trabalho com os estudos, conseguiu cursar o Ensino Médio da época numa escola técnica pública e, com esforço, terminou a faculdade. Suas vivências escolares foram marcadas por momentos de luta, às vezes de sofrimento e de preconceito devido à condição econômico-social em que se encontrava, mas também pela resistência e esforço em continuar frequentando aquele espaço. Esforço esse movido pela crença (e por que não dizer pela representação social?) de que só estudando conseguiria melhorar suas condições sociais e econômicas de sobrevivência.

Meus avós maternos, nascidos e criados na zona rural, cursaram algumas das séries iniciais do Ensino Fundamental. Já minha mãe conseguiu concluí-lo, mas parou por aí. Quando terminou a oitava série, já conhecia meu pai e por conta disso, meu avô decidiu que era hora de parar com os estudos e encaminhá-la para o trabalho e aprendizados domésticos. Durante alguns anos ela trabalhou numa empresa, costurando peças para sapatos. Concomitante a isso, fez cursos de pintura em tecido. Nos tempos de escola, conta ela, interessava-se por esportes, teatro e dança. Participava de campeonatos esportivos e acadêmicos e tinha destaque pelo seu desempenho. Tudo isso interrompido pela crença de que os estudos não eram tão importantes para uma mulher quanto o trabalho e os aprendizados domésticos.

Da união dos meus pais, nascemos eu e meu irmão. Minha mãe, com o meu nascimento e, três anos depois, com a vinda do meu irmão, dedicou-se a cuidar de nós. Durante a minha infância, convivi com essa mista vivência cultural entre costumes nordestinos, paranaenses e paulistas.

10 Digo por muito tempo, porque quando eu tinha 3 anos e meu irmão alguns meses, meus avós maternos adotaram um menino, meu tio Tiago, um ano mais velho que eu. Crescemos todos juntos.

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É inspirada pelo conceito de dialogismo de Bakhtin que trago parte da história dos meus pais e avós. Silveira (2007) relata que nos estudos que faz sobre literatura através do conceito mencionado, Bakhtin propõe:

[...] o entendimento de que as palavras que nós usamos estão sempre marcadas pelo outro - tanto o outro ou outros que nos precederam nos usos dessas palavras e as povoaram com seus sentidos, quanto o outro - imagens do interlocutor para quem nos dirigimos, presente ou virtual, imagem esta que povoa e também marca a nossa enunciação. (SILVEIRA, 2007, p. 67).

Apresento minhas memórias, a partir da tomada de consciência de que minhas narrativas estão permeadas por esses "outros", predecessores e interlocutores, presentes e virtuais. Entendendo que "Nossos discursos são atravessados por outros discursos, as vozes que ouvimos ecoam outras vozes e os sentidos das palavras e expressões variam, frequentemente, de voz para voz" (SILVEIRA, 2007, p. 79), percebo agora que essa história familiar, o conhecimento e a vivência dela oriundos, perpassam minha narrativa. São as vozes desses predecessores que, no decorrer do tempo, foram se somando a diversos outros interlocutores que compõem a performance que venho interpretando enquanto professora-pesquisadora. São esses "outros" que através das reflexões, questionamentos, perturbações que me suscitam, levam-me pouco a pouco a pensar sobre a diferença e o chamado diferente.

A educação escolar sempre foi valorizada por meus pais. Desde pequenos, eu e meu irmão fomos para a escola: eu um pouco mais cedo, com três anos e meu irmão um pouco mais tarde, aos quatro. Toda a nossa escolarização se deu em escolas públicas. Meus pais sempre nos incentivaram a estudar e aproveitar o máximo que podíamos dos estudos. A crença de que estudar era a única forma de “vencer na vida” continuou muito presente nos discursos familiares. A escola é algo muito marcante em minhas lembranças da infância e da juventude. É relevante também, pois algumas experiências ocorridas nesse espaço me instigam a pensar sobre a temática que envolve esta pesquisa.

Conforme conto no trabalho de conclusão de curso (SILVA, 2013), foi através da cirurgia cardíaca que fiz aos quinze anos que passei a refletir sobre inclusão e diferenças:

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A marca em meu peito, resultante do processo cirúrgico, ficou com uma espessura e coloração características, destacando-se em minha pele. Em diversas situações, na convivência familiar, ao frequentar lugares públicos, passei a sentir algo até então não sentido: estranhamento. Eu já havia sentido certo estranhamento em algumas situações no decorrer de minha vida, porém, não como passei a sentir: um estranhamento que vinha do outro, que vinha do outro para mim e me tornava um “ser estranho”, “diferente”, “com características atípicas”. (SILVA, 2013, p. 3).

A partir do que acontecia comigo e do que observava nas pessoas, passei a refletir e questões começaram a aparecer:

Os olhares fixos e as atitudes despertadas por aquela cicatriz me intrigavam, principalmente ao transitar por lugares públicos usando blusas que a deixavam parcialmente exposta. Sorrisos ternos, desconhecidos, compadecidos. Desvios de olhar, seriedade gélida. Caretas. Repugnância... […] minha adaptação aos olhares inquietos demorou certo tempo. […] Por que, diante do diferente, do atípico, as reações são diversas? O que aquela marca no meu corpo significava para quem a enxergava? O que causa estranhamento? (SILVA, 2013, p. 4).

Ao formular perguntas, lentamente comecei a me aventurar num caminho interrogativo. No âmbito da pesquisa, Fischer (2002) aponta que precisamos aprender novos caminhos interrogativos com urgência, “[…] pelos quais possamos exercitar outras e mais instigantes e criativas maneiras de perguntar.” (FISCHER, 2002, p. 53). Ela traz o exemplo de Michel Foucault e a forma de indagar que ele foi construindo ao longo de seus trabalhos:

[…] ao imaginar sua História da sexualidade, por exemplo, fez um longo trabalho de definição de quais seriam suas perguntas básicas; nessa operação, começou duvidando do que se anunciava e do que se multiplicava como verdade maior em seu tempo […] Foucault partiu da pergunta já esperada – aquela que circulava como inquestionável – duvidou dela, trabalhou sobre ela, desmontou-a, perguntou-se sobre como ela se tornava, em seu tempo, uma pergunta necessária, até chegar a outras indagações pouco convencionais e totalmente inesperadas. (FISCHER, 2002, p. 53).

Foram essas questões iniciais, surgidas a partir da marca que ficou em meu peito que, mais tarde, já modificadas pela reflexão, pelo conhecimento, pelo tempo, conduziram-me à pesquisa. Hoje, associadas ao caminho feito, instigam-me a continuar questionando, motivada pelo exemplo de Foucault apresentado por Fischer.

Concomitantemente à experiência cirúrgica, ingressei no ano de 2006 no Ensino Médio "[...] em uma escola técnica da cidade onde moro, escola esta com

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características um tanto peculiares com relação às outras em que tinha estudado. Foi lá que tive a oportunidade de vivenciar experiências educativas, sociais e de cidadania" (SILVA, 2013, p. 4) transformadoras. Através das vivências nessa escola "[...] tive a oportunidade de um contato mais próximo com outros “diferentes”, outros “atípicos” (SILVA, 2013, p. 4). Rememorando, penso que três experiências ocorridas nesse espaço foram fundamentais para minhas reflexões sobre a inclusão e as diferenças.

A primeira delas ocorreu durante um projeto da professora de Artes que envolveu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Na ocasião, trabalhamos com fotografias, tradução simultânea, estudamos e aprendemos alguns sinais, conhecemos um centro municipal de educação para crianças surdas e criamos um espaço de exposição, onde os participantes podiam conhecer mais sobre a Língua11. Essa experiência me levou a fazer um módulo do curso extracurricular de LIBRAS que era oferecido na escola. A participação nesses espaços, conforme descrevo em Silva (2013), resgatou e fomentou meu desejo de ser professora. Essa aspiração já vinha desde pequena, mas ficou adormecida até então.

A segunda experiência aconteceu através do contato que tive com uma jovem com uma dita deficiência física:

[...] Não éramos da mesma sala, mas por outras coincidências que nos aproximavam, nos tornamos amigas. [...] Tive a oportunidade de me experimentar diante daquele outro “estranho”. De repente era eu quem

estava sentindo tudo o que tinha vivenciado nos olhares e atitudes dos outros12. (SILVA, 2013, p. 5-6).

Poder dividir com a minha amiga o que eu sentia diante das nossas diferenças e ouvir o que ela pensava, sentia, vivenciava foi indispensável para minhas reflexões sobre as diferenças. Poder falar com ela sobre meus estranhamentos e ouvir sobre os dela, ajudou-me a pensar.

Para falar da minha terceira experiência, preciso dizer sobre minha relação com a escola. Essa experiência não está relatada no trabalho de conclusão de curso. Isso porque só recentemente compreendi o quão desestabilizadora ela foi para os meus caminhos interrogativos e para minha inserção nas reflexões sobre inclusão e diferenças.

11 Informações mais detalhadas sobre o projeto podem ser encontradas no capítulo introdutório de Silva (2013).

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Na maior parte do tempo, eu gostava da escola. Conforme vou construindo minha narrativa, para mim fica explícito que no espaço escolar e através dele tive oportunidades que possivelmente não teria de outras formas. Apesar disso, ao me aventurar nas veredas da pesquisa, comecei a abandonar algumas vozes ingênuas que me acompanhavam e só recentemente passei a refletir e a identificar as experiências de colonização e governamento que também perpassam minhas vivências escolares. Veiga-Neto (2015) apresenta o entendimento de educação “[...] como a ação pela qual uns (que partilham uma mesma cultura) conduzem os outros (que se situam fora dessa cultura)” sendo que esses outros “[...] são aqueles que ainda não estavam aí, os recém-chegados: os estrangeiros, anormais, estranhos e […] as crianças13.” (p. 53-54). Ao me deparar com as vozes de interlocutores, como o autor mencionado anteriormente, é que começo a me dar conta de que na escola, aos poucos, minha resistência foi abafada, meu corpo foi moldado e ali eu fiquei. Lentamente, fui sendo disciplinada e me tornei uma “aluna modelo”. Mesmo tendo experiências libertadoras em alguns momentos, hoje percebo o quanto a escola foi me calando. Contraditório? Talvez dialético. Na escola, aprendi a ficar quieta, a ter medo de perguntar. Questionei pouco. Fui branda quando poderia ter sido veemente. Nunca me opus à fala de um professor. Sempre achei que o que diziam era a verdade. Muitas vezes deixei que me fizessem acreditar que eu era algo e de fato passei a ser.

Conforme eu disse acima, a escola em que cursei o Ensino Médio, apesar de estar permeada por práticas de colonização e governamento, permitia certa liberdade de ação e expressão. Nessa escola, ainda que muito pouco e até certo ponto, os estudantes tinham voz e vez. Era possível se expressar através de diversos espaços que eram criados para isso, tanto em sala de aula quanto fora dela. Ainda assim, foi nessa escola que vivi uma situação emblemática, a terceira das minhas experiências fundamentais para pensar inclusão e diferenças.

No segundo ano do Ensino Médio, um dos meus professores comparou alguns colegas de sala que costumavam fazer brincadeiras durante a aula, à crianças "retardadas da APAE14". Fiquei muito incomodada com a fala. Mas, não disse nada... Na escola havia uma caixa onde podíamos depositar críticas, sugestões e elogios. Eu estava muito exasperada com a situação. Não conseguindo

13 Grifo meu.

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questionar, discordar oralmente, fiz uma reclamação por escrito do ocorrido. Tomando conhecimento da situação, através do que relatei, a equipe diretiva conversou com o professor a respeito. De alguma forma ele soube que havia sido eu que o havia delatado. Em sala de aula, discursou a respeito. Não mencionou meu nome, mas me constrangeu, pois, segundo ele, não tinha tido a intenção de ofender as crianças da APAE. Ele inclusive tinha um parente "deficiente" e costumava ajudar a instituição. Segundo o que disse, o problema não estava no que ele havia dito, mas sim na forma como eu ouvi e interpretei. Mais uma vez me calei. De modo muito resumido, toda uma situação se criou em cima disso. Novamente a direção tomou conhecimento do ocorrido. Uma reunião entre o professor e meu pai foi marcada e, depois da conversa, não se falou mais nisso. Porém, para mim, nada estava resolvido.

Muitas questões surgiram a partir desse acontecimento: por que, tendo dito o que disse, o professor ainda insistia que era eu que havia interpretado errado a sua fala? O que ele quis dizer quando comparou meus colegas "indisciplinados" com pessoas que frequentam a APAE? Por que me incomodei tanto com a situação, sendo que apenas dois ou três colegas concordavam que a fala do professor havia sido inadequada e preconceituosa? Por que, quando ele falou sobre o meu relato em sala de aula, eu não me pronunciei? Por que não o confrontei? Ainda me incomodo ao lembrar de tal situação. Penso que o caminho de reflexão que eu vinha fazendo naquela época me levou a tais questionamentos.

O ingresso no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Campinas no ano de 2009, foi mais uma oportunidade, nem sempre consciente, de dar continuidade às minhas interrogações sobre inclusão e diferenças: "[...] fiquei encantada com tamanha oportunidade de acesso a conhecimentos diferentes que até então, desconhecia." (SILVA, 2013, p. 6). Nesse mesmo ano, consegui um emprego como auxiliar de classe numa escola particular da cidade onde moro. Não foi meu primeiro trabalho na área da educação: durante o Ensino Médio estagiei na área de gestão da escola técnica em que estudei, como uma espécie de estagiária da diretora. Mas, foi minha primeira experiência com a Educação Infantil:

Através do meu trabalho tive a oportunidade de me encantar com a infância e com as crianças de zero a seis anos, de modo especial. As reflexões sobre essa fase da vida dos pequenos também acompanharam meu processo de constituição enquanto professora em formação. (SILVA, 2013, p. 6).

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No decorrer da graduação, os estágios obrigatórios do curso de Pedagogia foram importantes definidores e impulsionadores de reflexões sobre inclusão e diferenças. Durante uma dessas disciplinas, acompanhei por oito meses uma turma de Ensino Fundamental que tinha uma criança cega e:

Novamente, a situação despertou em mim uma série de curiosidades e estranhamentos. Diante daquela criança com deficiência visual, senti a estranheza do embate entre o ver e o não ver, além das dificuldades em orientar alguém que não enxerga tendo uma cultura tão centralizada na visão. Comecei a pensar nas formas como aquela criança aprendia e como poderia aprender com mais facilidade. Refleti sobre as condições de inserção daquela menina na sala de aula e sobre as condições físicas e estruturais da escola. Indaguei-me sobre a inclusão, seus objetivos, suas perspectivas. Pensei sobre o papel da professora e a necessidade de estar preparada para lidar com o inesperado. (SILVA, 2013, p. 7).

Em outro momento, durante os estágios na Educação Infantil,

Observei que em ambas as instituições em que realizei os estágios, havia poucas ou nenhuma criança com necessidades especiais frequentando e passei a me questionar sobre o porque disso. Se a legislação vem garantindo esse direito e no ensino fundamental há várias crianças com necessidades especiais matriculadas, por que isso tem ocorrido de forma mais lenta na educação infantil? (SILVA, 2013, p. 8).

Essas experiências e indagações me fizeram optar por trabalhar "[...] com uma temática relacionada às necessidades especiais e a inclusão em meu Trabalho de Conclusão de Curso." (SILVA, 2013, p. 7).

Olhando para minhas narrativas do TCC e para os excertos que trago para o texto atual, é interessante observar o quanto minha representação inicial de inclusão estava associada à “deficiência” e às "necessidades especiais". Essa ideia foi se modificando e ampliando no decorrer da pesquisa que compôs o trabalho de conclusão de curso e, mais ainda, durante a pesquisa de mestrado, levando-me a um entendimento mais amplo das diferenças.

No ano de 2012, conheci a professora Heloisa Andreia de Matos Lins, em uma das disciplinas obrigatórias do curso de Pedagogia e foi a partir desse encontro e das provocações que surgiram com ele que defini meu recorte de pesquisa e comecei a entender que havia muito mais por trás da inclusão do que eu imaginava. A partir da leitura do texto de Bader Sawaia, intitulado "O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão", estudado durante a

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disciplina, novas indagações surgiram. Mais uma vez, um novo interlocutor, uma nova voz surgia no meu caminho de pesquisa:

Chamou minha atenção a proposta de Sawaia (2001) de olhar a exclusão através da dialética exclusão/inclusão. Logo na introdução, em um dos parágrafos, ela se refere à intenção do livro em subsidiar práxis e políticas públicas de enfrentamento dos “efeitos perversos da transmutação da exclusão em inclusão, isto é, da exclusão como inserção social” (SAWAIA, 2001, p. 9). Esse texto mexeu comigo. A inquietação que eu vinha sentindo se transformou numa vontade de entender melhor, de saber mais. Afinal, quais são os efeitos perversos da “transmutação da exclusão em inclusão”? (SILVA, 2013, p. 8-9).

Este texto me ajudou a começar a definir um recorte para o estudo de final de curso que realizei. Conforme relato no capítulo introdutório do trabalho de conclusão (SILVA, 2013), a partir da minha intenção inicial de pesquisar a percepção dos professores sobre a inclusão de crianças com necessidades especiais, em instituições regulares de Educação Infantil que atendessem crianças de 0 a 3 anos, a professora Heloisa propôs que buscasse as representações desses professores a partir da Psicologia Social, mais especificamente a partir do referencial da Teoria das representações sociais, de Serge Moscovici.

Ao visitar as instituições pretendidas para um levantamento inicial de dados, as falas e manifestações dos gestores a respeito dos temas investigados chamaram atenção, mostrando-se relevantes. Diante delas, questionamentos surgiram:

Afinal, o que esses gestores têm a dizer sobre a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais de zero a três? Quais são as representações que carregam sobre a inclusão? Como concebem as diferenças? Como essas representações influenciam na organização da instituição de educação infantil e no trabalho realizado? Quais concepções pedagógicas têm norteado o trabalho desses gestores? (SILVA, 2013, p. 9).

Concomitante a isso, percebi que o momento que pretendia observar e que envolvia os professores estava indefinido, devido ao momento de transição de prefeitos que ocorria no município em que ficavam as instituições. Considerando o tempo disponível para a realização do estudo, as evidências e indagações que surgiram no contato com os gestores, a pesquisa ganhou nova projeção e optei por voltar o olhar para as representações sociais dos gestores das instituições, observando o que fosse possível das representações dos professores. Foi assim

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que investiguei, sob a orientação do professora Heloisa, as RS sobre inclusão e diferenças de gestores e de alguns professores que atuavam com crianças de 0 a 3 anos de idade, em instituições de Educação Infantil, de uma cidade localizada próxima a região metropolitana de Campinas/SP. Os principais resultados dessa pesquisa permeiam a abordagem de inclusão e diferenças diluída nos capítulos que vem na sequência.

Com a realização do TCC, proponho e faço as discussões que me são possíveis naquele momento em torno dos temas em questão. Busco responder a algumas das perguntas propostas. Chego a caminhos interessantes porém, muitos outros questionamentos surgem. A vontade e a necessidade de continuar investigando começam a se fortalecer.

Tendo concluído a graduação no ano de 2013, continuei trabalhando na escola particular em que comecei como auxiliar de classe, no primeiro ano de graduação, porém não mais como auxiliar, mas como professora de Educação Infantil. Em meios às crianças, minhas reflexões se multiplicaram, afinal por que ensinar certas coisas às crianças e outras não? Que "tipo" de criança estou formando? Por que não posso deixá-las mais livres? Objetivos são definidos para cada etapa escolar: o que fazer com aquelas crianças que não atingem o esperado? Como escutar a voz das crianças? Conforme relatei anteriormente, os questionamentos surgidos durante os estudos continuaram a me incomodar após a finalização do TCC. Minhas reflexões seguiram constantes diante das diversas situações ocorridas no âmbito escolar, das falas das crianças, das famílias, da própria instituição. No ano de 2014, concomitante ao meu trabalho com a Educação Infantil na rede particular, assumi temporariamente o cargo de Professora de Educação Básica nas escolas municipais da cidade onde resido. Durante cerca de oito meses, trabalhei em uma sala de "reforço escolar", como é comumente chamada no município. E novamente me vi cheia de questões diante daquelas crianças consideradas com dificuldade.

Na turma, havia crianças de seis a onze anos, com os mais diversos "impasses" escolares. Na minha inexperiência de professora recém-formada, que nunca havia trabalhado no Ensino Fundamental, tive que me reinventar tentando descobrir formas de me relacionar com aquelas crianças e ajudá-las (se é que elas precisavam de ajuda) da melhor forma que eu pudesse. Foi uma experiência desestabilizadora, que me fez crescer muito profissionalmente, além de me fazer ter

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a certeza de que eu queria e precisava continuar meus caminhos interrogativos no âmbito da inclusão e das diferenças.

Foi com essa intenção que no ano de 2016 ingressei no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, novamente sob a preciosa orientação da professora Heloisa. No meu caminho investigativo como mestranda, começo finalmente a duvidar das minhas muitas perguntas: aos poucos elas se desmontam e remontam, e eu vou percebendo que é preciso continuar a buscá-las, a reformulá-las, a desconstruí-las incessantemente15.

A pesquisa de mestrado: delineamentos

Dando continuidade à travessia, a partir da retomada dos resultados obtidos na pesquisa anterior (SILVA, 2013) e de um levantamento de trabalhos acadêmicos (ANEXO A) que terá alguns resultados apresentados e discutidos no capítulo dois, a intenção deste estudo, conforme destacado inicialmente, é de investigar as representações sociais de professores que atuem na Educação Infantil com a faixa etária de 4 a 5 anos de idade, a respeito da inclusão e das diferenças, em duas escolas localizadas em um município próximo à região metropolitana de Campinas/SP, aprofundando as dimensões já apontadas no estudo anterior e atentando para outras possíveis.

Diante do objetivo de identificar as representações sobre os temas em questão e problematizá-las junto ao grupo de professores participante, de modo a observar como as reflexões propostas podem contribuir para a (res)significação das representações sociais sobre inclusão e diferenças, o estudo se torna relevante diante do atual cenário no que diz respeito às diferenças e à exclusão e dos desafios que nesse contexto se impõem à escola e à educação como um todo. Gusmão (2000) explicita questões que surgem nessa perspectiva quando fala sobre os "desafios da diversidade na escola". Segundo a autora:

15 Destaco dois fatos (ou será melhor dizer "encontros"?) ocorridos mais recentemente que também me constituem, mas por serem muito novos, ainda preciso experimentá-los e vivenciá-los com intensidade antes de falar a respeito. Desde o início de 2018 passei a atuar como coordenadora pedagógica na escola particular em que trabalho. Coordeno a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, em junho do referido ano, meus pais adotaram a Maisa, de dois anos, para quem dedico este trabalho. Ambas as experiências têm me deixado ainda mais inquieta...

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O eu e o outro, enquanto nós, é parte de um contexto relacional marcado, antes de mais nada, por relações de hierarquia e poder. Como então fazer do outro um mesmo, transitar pelo seu mundo e ele no nosso, sem confronto, sem conflitos, sem fazer dele um igual para melhor submetê-lo? Como conviver com as diferenças e estabelecer relações solidárias e de eqüidade entre sujeitos diferentes? Estes são os desafios permanentes da

educação e da escola39. (GUSMÃO, 2000, p. 14).

No âmbito das RS, Crusoé (2004) aponta que "[...] identificar as representações dos professores e alunos em relação a um determinado objeto, pode nos ajudar a compreender algumas questões de sala de aula" (p. 113). Soligo (2002) reitera o que Crusoé diz, indicando que "Estudos a respeito das representações sociais de professores nos fornecem importantes informações sobre a forma como o professor se apropria e relaciona com a realidade escolar." (SOLIGO, 2002, p. 147). Baseando-se nas indicações de diversos trabalhos, Soligo indica ainda que “[...] para além do discurso, outros elementos interferem na prática e na compreensão que o professor tem de seu cotidiano. A busca de compreensão desses elementos nos remetem aos estudos sobre representação social e sobre atitudes” (SOLIGO, 2002, p. 146-147).

A importância que a escola tem em sua função educativa e o papel relevante que o professor pode ter, também são considerados neste estudo, assim como a infância e a Educação Infantil. Nesse sentido, considera-se a urgência em se escutar as vozes dos professores. Gusmão (2000), diz que "[...] a escola tem sido o veículo de projeção de padrões e modelos que impedem o verdadeiro conhecimento, privilegiando um conhecimento dado e assimilado pela ordem institucional, nem

sempre percebido pelos agentes sociais que conduzem o processo educativo40". (p. 16).Ao problematizar as representações sobre inclusão e diferenças com o grupo de professores, espera-se contribuir para a ampliação da visão e do entendimento sobre os diversos elementos que perpassam o contexto escolar.

Segundo Manoel de Barros, "Crianças desescrevem a língua. Arrombam as gramáticas" (2013, p. 203). O poeta diz ainda que “As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças” (BARROS, 2013, p. 276). A proposta de olhar para as RS de professores sobre inclusão e diferenças no âmbito da Educação Infantil, considera a potência, indicada pelo poeta, desse período da infância e das crianças de "desescrever as normas adultas", de (des)estabilizar representações

39 Grifo meu. 40 Grifo meu.

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sociais normalizadoras dos adultos, de questionar regras adultocêntricas, de "desescrever" a língua. Essa potência desestabilizadora das crianças, vem de encontro às ideias dos autores pós-modernos que inspiram este trabalho. A opção por buscar as representações dos professores em meio a(s) infância(s) surge do meu encontro inquietante com as crianças e das diversas desestabilizações que me causaram e causam até hoje. Sendo assim, como os professores atuantes nesse contexto pensam a inclusão, as diferenças, as normas, a(s) infância(s)? Olhar para as representações sobre as crianças e as infâncias que possivelmente serão evidenciadas nos discursos dos participantes, evidenciará possíveis formas de como essa etapa tem sido "engendrada" (RESENDE, 2015, p. 7) no contexto social atual e potencializará reflexões sobre "[...] o que se está fazendo da infância e com a infância em nosso tempo presente." (RESENDE , 2015, p. 7). A opção de olhar para as crianças deve-se também a uma suspeita surgida após o TCC, que se intensificou durante os estudos do mestrado: inclusão, diferenças e infância(s) são temas que se cruzam, se perpassam, principalmente pelo fato de que as crianças sofrem impactos e investidas fortíssimas no que se refere às normatividades, fabricadas para que sejam “dóceis” e “governáveis”, e aos processos de exclusão da infância provocados também por questões econômicas. Debater sobre a normatividade direcionada às crianças "para impedir que, nos planos teórico e social, crianças sejam excluídas da condição da infância, assim como para compreender como a desconsideração da diversidade de infâncias limita o escopo e a capacidade analítica dos estudos da infância", é crucial segundo Marchi e Sarmento (2017). O debate também possibilita a compreensão "de mudanças em curso na relação entre adultos e crianças nas dimensões política, educativa, cultural e internacional." (MARCHI; SARMENTO, 2017, p. 1).

O trabalho que realizei em 2013 mostrou que as representações sociais sobre inclusão e diferenças são atravessadas por representações da normalidade/anormalidade41. Por sua vez, a história da criação dos conceitos de normalidade/anormalidade perpassa a história das representações em torno das crianças e da(s) infância(s), como discutirei nos próximos capítulos.

41A opção pela expressão dialética normalidade/anormalidade é inspirada em Sawaia (2001) e em

outros autores (LOPES; FABRIS, 2016; FABRIS; KLEIN, 2013) que consideram que ambas as expressões "[...] não constituem categorias em si, cujo significado é dado por qualidades específicas invariantes, contidas em cada um dos termos, mas que são da mesma substância e formam um par indissociável, que se constitui na própria relação." (SAWAIA, 2001, p. 108).

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Neste sentido, ao se formular um problema de pesquisa, segundo Costa M. (2007a), "[...] inventa-se também um peculiar caminho para procurar, produzir e propor alternativas de resposta." (p. 11). Ao discutir inclusão e diferenças, a partir da Teoria das RS e das contribuições da perspectiva pós-moderna, busco, crio, invento um caminho investigativo. Nessa direção, parto do intuito de realizar uma abordagem qualitativa, inspirada na ideia de estudo de caso coletivo (STAKE, 1995 apud ANDRÉ, 2005). Segundo André (2005) "Uma das vantagens do estudo de caso é a possibilidade de fornecer uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social complexa, composta de múltiplas variáveis." (ANDRÉ, 2005, p. 33). O estudo de caso se faz ideal quando o pesquisador deseja "[...] entender um caso particular levando em conta seu contexto e complexidade" (STAKE, 1985 apud ANDRÉ, 2005, p. 29). Stake (1995 apud ANDRÉ, 2005) chama de estudo de caso coletivo "[...] quando o pesquisador não se concentra num só caso, mas em vários, como por exemplo, em várias escolas ou vários professores, com finalidade intrínseca ou instrumental." (p. 20). O autor explica que faz essa diferenciação "[...] não porque seja útil agrupar os estudos de caso em categorias, mas porque para cada tipo poderão ser priorizados métodos de coleta diferentes." (STAKE, 1995 apud ANDRÉ, 2005, p. 20). Essa concepção de Stake me inspira, à medida que proponho pesquisar as representações sociais sobre inclusão e diferenças de oito professoras42 que atuam em duas escolas distintas, chamadas aqui de Escola A43 e Escola B44, de um município localizado próximo à região metropolitana de Campinas/SP. Trata-se da mesma cidade onde foi realizado o trabalho de conclusão de curso de 2013. Com uma população estimada em cerca de noventa mil habitantes, o município tem vinte escolas municipais que oferecem a Educação Infantil para crianças de 4 e 5 anos e/ou o Ensino Fundamental I, do primeiro ao quinto ano. Algumas poucas instituições oferecem ainda o Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano. O município conta também com doze creches destinadas ao atendimento das crianças de zero a três anos de idade, além de salas de Educação de Jovens e Adultos. A rede estadual de ensino possui nove unidades

42 As participantes da pesquisa são todas mulheres.

43 A unidade pertence à rede municipal e oferece os níveis Infantil e Fundamental I. Possui uma sala de Educação Infantil no período da manhã e duas salas no período da tarde.

44 Escola municipal que oferece somente a Educação Infantil e que atende às crianças em cinco salas de tempo integral, numa jornada que vai das oito às dezessete horas.

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na cidade que oferecem Ensino Fundamental II (do sexto ao nono ano) e Ensino Médio.

Além das instituições públicas, oito escolas particulares que atendem os níveis infantil, fundamental e médio, também estão presentes no município. Para a escolha das duas unidades escolares públicas, considerei o objetivo do estudo, a minha disponibilidade enquanto pesquisadora responsável, a facilidade de acesso e também a receptividade das escolas. Ambas as unidades localizam-se na mesma zona urbana do município. Composta por cerca de dezenove bairros, trata-se de uma das áreas mais populosas da cidade. Das vinte escolas municipais, cinco estão localizadas nessa região que conta também com cinco creches e duas escolas estaduais.

A partir da definição dos objetivos, foi enviada uma carta à Prefeitura Municipal que explicava os propósitos e finalidades da pesquisa e pedia autorização para realizar o estudo em algumas escolas municipais de Educação Infantil (ANEXO B). O pedido foi então protocolado e a autorização foi concedida e referendada pelo município. Concordei em não identificar a cidade e as escolas envolvidas na pesquisa, assim como em preservar a identidade dos participantes. Devido a isso, os nomes foram omitidos no decorrer do trabalho.

Atenta ao fato de que "[...] o modo de coleta pode interferir na forma como as representações aparecem." (DESCHAMPS; GUIMELLI, 2004 apud MENIN, 2006, p. 50) e consciente de que tais representações não são facilmente explicitadas pelos sujeitos, procurei construir um procedimento metodológico que pudesse colaborar com a busca em explicitar as RS dos professores sobre inclusão e diferenças, assumindo - como mencionei anteriormente - minhas próprias representações como pesquisadora e como tais perspectivas me fazem “produzir os dados”, ao me debruçar sobre os mesmos e lançar meu próprio olhar analítico. Considerei também os apontamentos de Menin (2006) a respeito da “zona muda” das representações sociais. Segundo o autor:

A zona muda [...] é composta de elementos da representação que são "contranormativos", ou seja, cognições ou crenças que não são expressas pelo sujeito em condições normais de produção, pois podem entrar em conflito com valores morais ou normas de um determinado grupo (MENIN, 2006, p. 44).

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Entendendo que estou lidando com temas que são perpassados por estereótipos e preconceitos e, pensando nos apontamentos dos autores mencionados, o estudo teve duas etapas de produção de dados, realizadas respectivamente nos anos de 2016 e 2017. Segundo Menin (2006), "[...] é preciso pensar na necessidade de uma maior diversidade e plasticidade nas técnicas de investigação das representações sociais [...]" (p. 50). Spink (2013) fala sobre os debates em torno do "grau em que um fenômeno é interpretado corretamente" e diz que muitos pesquisadores têm recorrido à triangulação metodológica como estratégia de validação: "Ou seja, combinar técnicas múltiplas, ou múltiplos pesquisadores, de forma a fortalecer a confiança nas interpretações." (SPINK, 2013, p. 104). A respeito dessa estratégia, Spink (2013, p. 104) fala ainda que:

[...] não é a verdade intrínseca de nossos instrumentos que define o rigor e sim a compreensão dos limites de suas possibilidades: em suma, cada método constitui o objeto de estudo de uma maneira particular. A triangulação metodológica, neste sentido, deixa de ser uma estratégia de validação para ser um fator de enriquecimento: um reconhecimento de que a realidade é caleidoscópica e que a multiplicidade de métodos pode enriquecer a compreensão do fenômeno (FLICK, 1992).

Inspirada pelos autores mencionados e pelo fato deste estudo não estar buscando respostas tidas como verdades em si, mas sim uma de suas múltiplas possibilidades (COSTA M., 2007a), optei por utilizar a técnica do grupo focal na primeira etapa da pesquisa e entrevistas semiestruturadas na segunda45.

Num primeiro momento, foram então realizados quatro grupos focais: um que contou com as oito professoras participantes e três em que estiveram presentes apenas as seis professoras da Escola B46. Na segunda etapa, foram realizadas

45 A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas. Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 64487516.6.0000.5404 (ANEXO K).

46 A intenção inicial era de que os quatro grupos focais da primeira etapa fossem realizados com as professoras de ambas as instituições participantes. Porém, devido a algumas mudanças, determinadas pelo Departamento Municipal de Educação, nos horários definidos para a realização dos grupos, foi necessário encontrar um novo espaço físico e temporal para a realização dos encontros. Não tendo conseguido um dia e horário em que os dois grupos estivessem disponíveis e tendo descartado a possibilidade de marcar fora do horário de trabalho das participantes, identifiquei que a Escola B, que tinha o maior grupo de professoras envolvidas, tinha disponível o momento destinado ao planejamento individual. A equipe gestora dispôs-se a ceder esse tempo para a realização dos grupos focais. É decorrente disso a opção por realizar o segundo, terceiro e quarto grupos focais apenas com as seis professoras da Escola B.

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entrevistas individuais com três participantes47, selecionadas por apresentarem discursos com representações sobre inclusão e diferenças aparentemente diversos. As professoras que colaboraram com o estudo foram identificadas por números, conforme a ordem com que se manifestaram no primeiro grupo focal realizado (Professora 1, Professora 2 e assim por diante).

Sete das oito professoras participantes são licenciadas em Pedagogia e uma em Educação Física48. Entre elas há uma docente que, além da Pedagogia, possui também licenciatura em Artes e Letras. A professora que atua há menos tempo na área da educação, está há três anos em exercício, e a que atua há mais tempo tem trinta anos de trabalho. A média de tempo de atuação do grupo no âmbito da educação é, portanto, de dezesseis anos.

Cabe destacar que, dentre as professoras participantes, uma atua como coordenadora pedagógica na Escola B. Como optei por realizar os encontros durante os momentos de trabalho coletivos e individuais das professoras, a coordenadora pediu para participar, pois tinha interesse na temática da pesquisa. No município em questão, o tempo destinado ao planejamento individual acontece diariamente e é contemplado pela jornada de trabalho. Já as horas de trabalho coletivas são remuneradas e acontecem quinzenalmente, fora do horário de trabalho diário e as professoras recebem de acordo com a participação.

Entendendo a importância de considerar as questões éticas nos estudos de caso (GATTI, 2005), apresentei às docentes um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)49 com as principais informações sobre a pesquisa e esclarecimentos sobre a participação e a preservação dos dados. É importante destacar que a colaboração das professoras aconteceu de forma voluntária, o que foi explicitado durante o momento de apresentação do estudo e também no TCLE. Mediante a autorização prévia das participantes, os encontros foram gravados em áudio e posteriormente foram transcritos (vide ANEXOS H e I).

Considerando os objetivos do estudo, elaborei roteiros semiestruturados para cada grupo focal (ANEXO D) e posteriormente para as entrevistas individuais

47 Inicialmente selecionei quatro participantes para as entrevistas, uma da Escola A e três da Escola B. Porém, como a segunda etapa foi realizada no ano de 2017, a professora da Escola A, que era temporária, já não trabalhava mais lá e não obtive resposta através dos contatos que ela indicou no formulário de participação.

48 As informações apresentadas são baseadas no que as professoras declararam na ficha de identificação (ANEXO F) que apresentei no primeiro encontro, no intuito de obter informações sobre as participantes e de organizar os dados.

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